Autor:
Antonio Paulo Nassar Junior
Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.
Última revisão: 29/08/2009
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Ensaio clínico randomizado sobre o efeito da sedação leve versus profunda na saúde mental após uma doença crítica1 [Link para Abstract].
Sedação e analgesia são partes integrantes do cuidado de pacientes na UTI, especialmente daqueles submetidos à ventilação mecânica. Embora estratégias que visem à otimização da sedação e da analgesia associem-se a um melhor prognóstico2,3,4, o uso excessivo de sedativos associa-se a diversas complicações, como maior tempo de ventilação mecânica5 e maior incidência de delirium6. Alguns estudos observacionais têm sugerido, ainda, que pacientes que apresentam níveis mais leves de sedação apresentam menos sintomas psicológicos após a saída da UTI7. O objetivo deste estudo foi comparar duas estratégias de sedação na ocorrência de sintomas psicológicos após a alta da UTI.
O estudo foi conduzido em um hospital suíço terciário, em suas UTI clínica e cirúrgica. Foram incluídos pacientes maiores de 16 anos e que tivessem a expectativa de permanecer mais de 12h sob ventilação mecânica. Foram excluídos pacientes com afecções neurológicas agudas (AVC, TCE, estado de mal epiléptico, pós-operatório de neurocirurgia), doenças neuromusculares, insuficiência renal (Cr>2mg/dl ou necessidade de diálise), alérgicos a morfina ou benzodiazepínicos, história de epilepsia, intoxicação exógena, cirrose hepática Child C, gestantes, disfunção cognitiva ou que fizessem uso de eritromicina ou inibidores de protease para tratamento da infecção pelo HIV.
Os pacientes foram randomizados para sedação leve ou sedação profunda. Sedação leve foi definida como um escore de Ramsay modificado de 1 (desperto e tranqüilo) ou 2 (mantendo os olhos fechados, mas despertando e obedecendo aos comandos). Sedação profunda foi definida como um escore de Ramsay modificado de 3 (mantendo os olhos fechados, mas com abertura ocular ao ser chamado pelo nome) ou 4 (abertura ocular somente aos estímulos físicos). Foi usada morfina (0,01-0,05 µg/kg/h) para analgesia e midazolam para sedação, com a infusão ajustada de acordo com o grupo ao qual o paciente foi randomizado.
Na alta da UTI e 4 semanas após os pacientes responderam questionários para avaliarem os sintomas de depressão, ansiedade e stress pós-traumático. Os desfechos primários foram os escores de depressão, ansiedade e stress pós-traumático em 4 semanas, pois esse intervalo de tempo é necessário para um diagnóstico de stress pós-traumático após a exposição ao evento traumático, segundo o DSM-IV. Os sintomas relatados à alta da UTI são considerados como resposta aguda ao stress. Os desfechos secundários foram tempo de ventilação mecânica, tempo de internação na UTI, gravidade das disfunções orgânicas, tempo de internação no hospital e mortalidade. As medidas de eficácia foram ocorrência de agitação, uso de restrição física, falha de extubação em 24h, necessidade de traqueostomia, ocorrência de hipertensão e taquicardia.
Foram incluídos 129 pacientes, 65 no grupo de sedação leve e 64 no grupo de sedação profunda. Os resultados foram os seguintes:
Desfecho |
Sedação leve |
Sedação profunda |
p |
Escore de stress pós-traumático à alta |
52±33 |
57±30 |
0,39 |
Escore de stress pós-traumático em 4 semanas |
46±29 |
56±29 |
0,07 |
Escore de ansiedade à alta |
6,4±4,0 |
7,1±4,6 |
0,37 |
Escore de depressão à alta |
5,3±3,4 |
6,5±4,7 |
0,13 |
Escore de ansiedade em 4 semanas |
5,3±4,2 |
5,0±4,2 |
0,64 |
Escore de depressão em 4 semanas |
3,4±3,7 |
3,1±3,7 |
0,72 |
Mortalidade na UTI |
14% |
14% |
>0,99 |
Mortalidade hospitalar |
18% |
17% |
0,65 |
Dias livres de ventilação mecânica (em 28 dias) |
27,6 |
26,6 |
0,03 |
Dias livres de UTI (em 28 dias) |
24 |
22 |
0,03 |
Dias livres de hospital (em 28 dias) |
8,5 |
6,0 |
0,42 |
Extubação acidental |
3% |
5% |
0,68 |
Falha de extubação |
3% |
2% |
0,54 |
Traqueostomia |
5% |
6% |
0,73 |
Os pacientes que ficaram com sedação leve tiveram menos problemas em lembrar-se da estadia na UTI (14 vs. 37%, p=0,02) e menos distúrbios de memória da estadia na UTI (4 vs. 18%, p=0,05). Também verificou-se nestes pacientes um menor tempo de ventilação mecânica e de dias de UTI. Não houve diferença em qualquer outro desfecho analisado.
O presente estudo é mais um a mostrar que níveis mais leves de sedação associam-se a menor tempo de ventilação mecânica. Tal dado é importante, haja vista a morbidade deste suporte terapêutico, em especial a ocorrência de pneumonia associada à ventilação mecânica, e os maiores custos associados ao seu uso. A originalidade deste estudo está no fato de mostrar, através de um estudo clínico randomizado, a segurança de uma estratégia de sedação leve do ponto de vista psicológico do paciente, o que já vinha sendo sugerido por estudos observacionais.
Assim, recomenda-se que na maioria dos pacientes em UTI que necessitem de ventilação mecânica, utilize-se um protocolo de sedação com o objetivo de deixar o paciente acordado, calmo, confortável e colaborativo. As exceções ficam apenas por conta de afecções associadas à hipertensão intracraniana, distúrbios respiratórios obstrutivos graves e síndrome do desconforto respiratório com hipoxemia refratária à ventilação convencional, na sua fase inicial.
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