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Adrenal – D Lynn Loriaux

Última revisão: 12/09/2012

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D. Lynn Loriaux, MD, PhD, MACP

Professor of Medicine and Chair, Department of Medicine, Oregon Health Sciences University, Portland, OR

 

 

Artigo original: Loriaux DL. Adrenal. ACP Medicine. 2009;1-13.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

  

Anatomia

As duas glândulas adrenais são adjacentes ao polo rostral de cada rim. Cada glândula pesa 3 a 5 g e mede aproximadamente 5 cm em sua maior dimensão. Exibem formato esférico achatado, com um dos lados invaginado. Portanto, nas vistas de tomografia computadorizada (TC), a glândula adrenal exibe o formato de um “Y” invertido, com 1 tronco e 2 galhos [Figura 1]. A espessura da glândula em uma pessoa não deve ser maior que a do pilar ipsilateral do diafragma.

 

 

Figura 1. Imagem de tomografia computadorizada (TC) mostrando uma glândula adrenal normal.

 

Histologicamente, a glândula adrenal é composta por um córtex e uma medula. O córtex possui 3 zonas [Figura 2]. Da cápsula para dentro, estas zonas são a glomerulosa, a fasciculada e a reticular, respectivamente. A zona glomerulosa é fina e descontínua, e suas células estão dispostas de modo semelhante ao observado nos glomérulos. No processo de fixação, estas células sofrem uma perda desproporcional de lipídios e, como resultado, tornam-se histologicamente claras. A zona glomerulosa corresponde a cerca de 5% do volume cortical. As células da zona fasciculada estão dispostas de maneira linear, verticalmente, de modo semelhante aos fascículos de páginas na lombada de um livro. A zona fasciculada representa cerca de 70% do volume do córtex adrenal. A zona reticular é intensamente eosinofílica, com células arranjadas de maneira pouco organizada e semelhante a uma rede. Esta zona do córtex é referida como zona X durante a vida fetal, quando representa a maior parte do volume cortical. A zona reticular desaparece na infância e ressurge no momento da adrenarca, que , na maioria dos casos, ocorre 2 a 3 anos antes do início da puberdade. No córtex adrenal maduro, a zona reticular corresponde a 10 a 20% do volume da glândula. A zona mais interna da glândula adrenal é a medula. Sua estrutura é análoga à estrutura dos gânglios simpáticos e ela é composta por células cromafins inervadas por axônios simpáticos pré-sinápticos.

 

 

Figura 2. A coloração de hematoxilina-eosina distingue as zonas do córtex adrenal (aumento original de 100 x).

 

Fisiologia

A glândula adrenal fabrica 3 hormônios principais: hidrocortisona (ou cortisol), que é necessário à vida; aldosterona, que promove retenção de sais e, assim, permite a manutenção do equilíbrio salino em meio a um ambiente pobre em sais; e adrenalina (ou epinefrina), que atua de maneira proeminente na resposta de luta ou fuga (etmologicamente, esses dois termos são idênticos, sendo que o primeiro deriva do latim ad renal, enquanto o segundo deriva do grego epi nefros). Além disso, a glândula adrenal secreta pequenas quantidades de estrogênio e androgênio, bem como 2 esteroides precursores de androgênio – a androstenediona e a desidroepiandrosterona (DHEA). Estes hormônios e pró-hormônios são produtos de zonas distintas da glândula: a aldosterona é produzida na glomerulosa; o cortisol, na zona fasciculada; o DHEA, na zona reticular; e a adrenalina é proveniente da medula.

Os níveis de cortisol são regulados por uma alça de retroalimentação (feedback) [Figura 3]. A síntese e a secreção de cortisol são estimuladas pelo hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) derivado da glândula hipófise. Uma vez na corrente sanguínea, os níveis de cortisol rapidamente regulam a síntese e a secreção do ACTH pela hipófise. A liberação de ACTH também depende do hormônio liberador de corticotropina (CRH) sintetizado no hipotálamo. O CRH também é regulado pelo cortisol, porém em ritmo significativamente mais lento.

 

 

Figura 3. Regulação por retroalimentação do cortisol e da aldosterona.

ACTH = hormônio adrenocorticotrópico. CRH = hormônio liberador de corticotropina. ECA = enzima conversora de angiotensina.

 

Os níveis de aldosterona também são regulados por alças de retroalimentação [Figura 3]. A renina, um hormônio polipeptídico secretado pelas células justaglomerulares renais, hidrolisa o angiotensinogênio em angiotensina I. Esta é convertida em angiotensina II, notavelmente nos pulmões, e estimula a síntese e a secreção de aldosterona pelas adrenais. A aldosterona atua sobre o ramo ascendente espesso da alça de Henle, aumentando a retenção de sais e, assim, expandindo o volume vascular. As células justaglomerulares monitoram o volume vascular junto à artéria aferente da glomerulosa e diminuem a secreção de renina em resposta ao volume expandido. Não há nenhum mecanismo de regulação por retroalimentação conhecido para a DHEA e a adrenalina. Todos os hormônios adrenais podem ser atualmente quantificados de modo específico e acurado por radioimunoensaio, facilitando bastante o estudo da fisiologia e patofisiologia adrenal.

As doenças da glândula adrenal podem ser convenientemente classificadas como condições associadas à atividade aumentada ou diminuída de hormônios essenciais: hiper e hipocortisolismo; hiper e hipoaldosteronismo; virilização e feminilização por secreção de hormônios sexuais; e excesso ou deficiência de catecolaminas.

 

Hipercortisolismo (síndrome de Cushing)

O cortisol normalmente é secretado a uma taxa de 6,5 mg/m2/dia.1 A secreção excessiva de cortisol, em que esta taxa é ultrapassada, leva ao desenvolvimento da síndrome de Cushing. Harvey Cushing descreveu esta síndrome em seu livro The Pituitary Body and Its Disorders (A hipófise e seus distúrbios), publicado em 1919.2 A manifestação clássica da síndrome de Cushing inclui obesidade central, estrias, face em lua cheia, coxins gordurosos supraclaviculares, diabetes melito, hipertensão, hirsutismo e oligomenorreia (em mulheres)/disfunção erétil (em homens) [Tabela 1].3

 

Tabela 1. Sensibilidade e especificidade de achados selecionados na síndrome de Cushing

Achado

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

Obesidade central

90

71

Intolerância à glicose

88

23

Pletora

82

69

Enfraquecimento da musculatura proximal

65

93

Estrias

40

78

Hipocalemia

25

96

Osteoporose

64

97

 

As causas do excesso de cortisol podem ser mais bem classificadas como dependentes ou independentes de ACTH. Estas duas categorias podem ser distinguidas por meio da quantificação dos níveis de ACTH no sangue. As causas dependentes de ACTH são responsáveis por aproximadamente 90% dos casos de síndrome de Cushing não iatrogênica, resultando com mais frequência da secreção de ACTH por um microadenoma hipofisário que é relativamente insensível aos efeitos do feedback de cortisol (isto é, doença de Cushing). A causa mais comum da síndrome de Cushing ACTH-independente é a iatrogênica, ou seja, a administração de glicocorticoides por tempo prolongado. A causa natural mais comum da síndrome de Cushing ACTH-independente é a secreção de cortisol por um adenoma adrenal benigno [Tabela 2].

 

Tabela 2. Diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing

Causas dependentes de ACTH

Causas independentes de ACTH

Tumor hipofisário produtor de ACTH

Uso de glicocorticoides (artificial ou iatrogênico)

Tumor ectópico produtor de ACTH

Adenoma adrenal

 

Carcinoma adrenal

 

Doença adrenal micronodular

ACTH = hormônio adrenocorticotrópico.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da síndrome de Cushing é principalmente clínico. Quanto mais sinais e sintomas da síndrome estiverem presentes, mais confiança o médico pode ter no diagnóstico. Quanto mais firme for o diagnóstico clínico, menos importante se torna a confirmação por exames bioquímicos. Os pacientes tipicamente apresentam algumas (mas não todas) manifestações clínicas da síndrome de Cushing, e o diagnóstico precisa ser confirmado por meio da demonstração de níveis de excreção urinária elevados de cortisol livre (exame de urina de 24 horas), que constitui o melhor marcador bioquímico isolado da síndrome de Cushing. Em geral, há um consenso de que, em indivíduos não submetidos a nenhum estresse, o limite superior da faixa normal de cortisol livre urinário seja de cerca de 100 mcg/dia, conforme as medições realizadas em laboratórios comerciais. Se o paciente apresentar sinais vistosos da síndrome de Cushing, o diagnóstico poderá ser estabelecido até mesmo na ausência de uma confirmação bioquímica convincente. Contudo, se o paciente apresentar pouco sinais clínicos da síndrome, os níveis urinários de cortisol livre deverão ser maiores que 300 mcg/dia para que o diagnóstico possa ser estabelecido com base apenas nos sinais observados.

Tomados em conjunto, o número de manifestações clínicas e os níveis urinários de cortisol livre definem as categorias gerais da doença de Cushing: atípica, associada à anorexia e clássica [Figura 4]. A síndrome de Cushing atípica caracteriza-se por baixos níveis de cortisol livre na urina e, todavia, numerosas manifestações clínicas. A síndrome de Cushing associada à anorexia é caracterizada por níveis elevados de cortisol livre na urina e poucas manifestações clínicas. A síndrome de Cushing clássica caracteriza-se por níveis altos de cortisol livre na urina e manifestações clínicas numerosas.

 

 

Figura 4. A severidade das manifestações clínicas e os níveis de cortisol livre na urina podem ser utilizados para definir 3 categorias de síndrome de Cushing: clássica, atípica e associada à anorexia.

 

Cada uma dessas categorias gerais da síndrome de Cushing está associada a um diagnóstico diferencial. A causa mais comum de síndrome de Cushing atípica é o uso de glicocorticoide, seja iatrogênico ou artificial. A causa mais frequente da síndrome de Cushing associada à anorexia é o carcinoma de pequenas células do pulmão. A ferramenta mais poderosa para identificação destas causas de síndrome de Cushing é a história clínica.

No caso dos pacientes que apresentam os aspectos clássicos da síndrome de Cushing, o diagnóstico deve ser garantido, em primeiro lugar, por meio da história médica, com enfoque particular nos tratamentos anteriores à base de corticosteroide e no achado de excreção urinária de 24 horas de níveis elevados de cortisol. A próxima etapa consiste em determinar se a condição é dependente ou independente de ACTH. A forma mais fácil de se obter esta informação é quantificando os níveis de ACTH no plasma circulante. É desnecessário realizar o teste de supressão da dexametasona.4

Embora níveis de ACTH acima de 10 pg/mL seja indicativos de dependência deste hormônio, este limiar falha em identificar 5% dos casos de dependência de ACTH. Como consequência, os pacientes com níveis plasmáticos de ACTH aleatórios abaixo de 10 pg/mL devem ser submetidos a um desafio com CRH. Nesse teste, os níveis de ACTH são medidos 10 a 30 minutos após a injeção de um bolus endovenoso de CRH.5 Se a concentração plasmática de ACTH for inferior a 10 pg/mL após o desafio com CRH e se os níveis de cortisol livre na urina forem normais ou altos, a origem do distúrbio é adrenal. Em outras palavras, o distúrbio é independente de ACTH. Tanto as varreduras de TC como as de imagem de ressonância magnética (RM) revelam a existência destas lesões com maior grau de acurácia. Caso as análises de imagem da adrenal não revelem a existência de nenhum tumor, pode-se levantar a suspeita de displasia adrenal micronodular.6 A forma familiar de displasia adrenal micronodular (síndrome de Carney) consiste em um distúrbio autossômico dominante, caracterizado por lentigo pigmentado, nevos azuis e múltiplos tumores.

Os microadenomas hipofisários secretores de ACTH com frequência são pequenos demais para serem visualizados nas varreduras de RM [ver Hipófise]. Consequentemente, os pacientes com síndrome de Cushing dependente de ACTH e imagens normais de RM da hipófise devem ser submetidos a um procedimento de amostragem petrosa inferior para investigação de um gradiente de níveis de ACTH entre o sangue que drena a hipófise (sangue do seio petroso inferior) e o sangue antecubital periférico. Um gradiente de ACTH maior que 3 entre as amostragens simultâneas de sangue periférico e central confirma a etiologia hipofisária da síndrome de Cushing.7 Se este gradiente for menor que 3, deve-se investigar a existência de uma fonte ectópica de ACTH. As varreduras torácicas de TC (tipicamente, realizadas primeiro) e IRM são essenciais a esta investigação, porque 95% desses tumores são intratorácicos. O tumor agressor mais comum é o tumor carcinoide bronquial.

 

Tratamento

Com exceção da síndrome de Cushing atípica, cujo tratamento consiste na suspensão do uso de glicocorticoide exógenos, todos os demais tratamentos para síndrome de Cushing são cirúrgicos. Os casos independentes de ACTH devem ser tratados com ressecção do tumor adrenal ou, no caso da displasia adrenal micronodular, adrenalectomia bilateral. Os casos dependentes de ACTH devem ser tratados com microadenomectomia transesfenoidal ou ablação do tumor ectópico secretor de ACTH. Quando não for possível identificar uma fonte ectópica de ACTH, o paciente pode ser temporariamente tratado com um inibidor de síntese de cortisol, mais comumente o cetoconazol, até que a lesão seja encontrada. Caso isto não ocorra dentro de 18 a 24 meses, deve ser feita uma adrenalectomia bilateral.

Uma cirurgia efetiva para tratamento de tumores secretores de ACTH leva ao desenvolvivemto de insuficiência adrenal. Esta insuficiência é documentada pela quantificação dos níveis plasmáticos de cortisol do paciente na manhã subsequente à cirurgia. Se estes níveis estiverem acima de 20 mcg/dL, significa que a operação não obteve sucesso, e não há indicação para nenhuma terapia à base de cortisol. Se os níveis plasmáticos de cortisol estiverem abaixo da faixa normal (ou seja, menos de 5 mcg/dL), significa que a operação foi bem-sucedida, e será necessário instituir uma terapia de reposição de esteroides até que o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHS) consiga se recuperar – possivelmente, 1 ano ou mais. Durante este período, o paciente deve ser tratado com hidrocortisona a uma taxa de 12 mg/m2, recebendo uma única dose diária no café da manhã. A função adrenal é avaliada utilizando-se o teste de estimulação com ACTH sintético (cossintropina), a intervalos de 3 meses. Para os pacientes que apresentam valores de cortisol entre 5 e 20 mcg/dL após a estimulação com cossintropina, a terapia de reposição de cortisol pode ser suspendida, mas o teste deve continuar sendo realizado a cada 3 meses, e a terapia de reposição de cortisol deve ser reinstituída se os sinais e sintomas de insuficiência adrenal voltarem. Assim que os níveis de cortisol chegarem a 20 mcg/dL ou mais após a estimulação com cossintropina, a descontinuação da reposição de cortisol sem a continuidade dos testes é considerada segura.

A síndrome de Cushing reaparece com o passar do tempo, quando a cirurgia não produz efeito curativo. Além da reposição de cortisol, os pacientes submetidos à ressecção adrenal bilateral também necessitam de reposição de aldosterona sob a forma de 0,1 mg de fludrocortisona administrada todas as manhãs.

Sem tratamento, a síndrome de Cushing é fatal. Entretanto, com exceção do câncer adrenal, todas as causas desta síndrome podem ser curáveis. O tratamento bem-sucedido restaura a expectativa de vida normal.

 

Câncer adrenal

O câncer adrenal é uma doença rara, cuja incidência anual é de 1 em 600.000.8 Cerca de 500 casos novos são diagnosticados anualmente, nos Estados Unidos. Esta doença em geral se manifesta clinicamente como uma combinação de síndromes de excesso de hormônio esteroide, das quais a mais comum é a síndrome de Cushing com virilização. Os exames para o diagnóstico diferencial costumam mostrar a associação da síndrome de Cushing ACTH-independente com níveis séricos de testosterona aumentados em uma mulher com hirsutismo ou virilização. Em alguns casos, podem ser detectados níveis séricos de estradiol aumentados em homens feminilizados com síndrome de Cushing. Em casos raros, os pacientes apresentam apenas virilização ou feminilização, sendo que alguns desenvolvem hipertensão causada pela secreção tumoral de precursores de aldosterona. As varreduras de TC ou RM costumam mostrar a presença de uma ampla massa adrenal unilateral. Massas medindo mais de 6 cm são mais provavelmente malignas. Esses tumores tendem a ser amplos ao serem descobertos, porque as células esteroidogênicas adrenais, no decorrer do processo de desdiferenciação, tornam-se menos eficientes na síntese de cortisol. Como resultado, a carga tumoral precisa ser grande para produzir o mesmo efeito clínico produzido por um adenoma benigno pequeno e altamente diferenciado.

O tratamento dos cânceres corticosadrenais é cirúrgico. A primeira operação deve concentrar-se na ressecção total com margens limpas. Entretanto, a incidência da cura cirúrgica é desconhecida, e acredita-se que seja baixa (talvez nula). Com a recorrência, cada operação subsequente deve enfocar a remoção de toda a doença visível, incluindo as metástases acessíveis. Sem tratamento, cerca de 50% dos pacientes com câncer adrenal morrem em poucos meses. Com uma cirurgia agressiva, a sobrevida desses pacientes pode ser prolongada para aproximadamente 48 meses. Quando a cirurgia deixa de ser viável, o tratamento com bloqueadores da síntese de hormônio esteroide passa a ser indicado. O cetoconazol é tipicamente utilizado com esta finalidade. Além disso, pode ser considerado o uso de orto,para’-DDD (mitotano). Em doses integrais (> 2 g/dia, em doses divididas), o mitotano é capaz de promover a remissão do tumor em cerca de 25% dos pacientes. A duração média das remissões é 7 meses. O prolongamento da expectativa de vida não foi demonstrado, e o mitotano produz efeitos colaterais severos – náusea, vômitos, letargia e vertigem. Por isso, alguns médicos argumentam que a relação custo-benefício (qualidade de vida vs. dias de vida ganhos) não justifica o uso deste fármaco. Outros regimes quimioterápicos estão sendo desenvolvidos, e a melhor alternativa para os pacientes que apresentam esta doença rara é o encaminhamento para um centro de referência dedicado a estas pesquisas.9

 

Massas adrenais incidentais (“incidentalomas” adrenais)

Cerca de 300.000 procedimentos torácicos de TC e RM são realizados anualmente, nos Estados Unidos, para indicações não relacionadas às adrenais. Uma massa adrenal incidental (incidentaloma) é encontrada em cerca de 4% destes procedimentos, ou seja, são descobertas 12.000 massas novas a cada ano.10 Considerando que esta incidência seja a mesma observada na população em geral, uma estimativa grosseira é a de que existam 12 milhões de massas deste tipo na população norte-americana. Partindo do princípio de que os cânceres adrenais são detectáveis por RM 6 anos antes de se tornarem clinicamente evidentes, a prevalência do câncer adrenal seria em torno de 1 em 100.000 indivíduos. Portanto, 1 em cada 12.000 massas adrenais incidentalmente descobertas seria um câncer adrenal primário. A incidência de metástases para a glândula adrenal é muito maior que a de câncer adrenal primário, nesta população.

É apropriado determinar os níveis séricos de potássio e bicarbonato de pacientes com “incidentaloma”. A quantificação dos níveis de metanefrina livre plasmática pode revelar um caso de feocromocitoma. Embora o teste de supressão com dexametasona tenha sido defendido,10 seu valor preditivo é de apenas 0,5 – tão eficiente quanto tirar cara ou coroa.

A questão central no tratamento da massa incidental é saber se há indicação para remoção cirúrgica. O tumor sem dúvida deve ser removido se for metabolicamente funcional, como quando se manifesta na síndrome de Cushing, síndrome do excesso de mineralocorticoides ou virilização/feminilização sem outra explicação. Se não houver evidências de funcionalidade, o tumor deve ser examinado por TC com lavagem de contraste. Os adenomas adrenais benignos são ricos em lipídios, enquanto os malignos tendem a conter muito mais água celular e intercelular. Desta forma, os contrastes hidrossolúveis tendem a ser lavados mais rapidamente das lesões benignas do que das lesões malignas. A acurácia deste procedimento, quando realizado por mãos experientes, é bastante alta, apresentando especificidade e sensibilidade superiores a 90%.11,12

Uma massa que apresenta uma lavagem lenta do contraste pode ser considerada um câncer. Se o paciente tiver uma malignidade comprovada, a massa adrenal poderá ser tratada como parte do processo primário. Contudo, na ausência de uma malignidade primária conhecida, a massa poderia ser a primeira manifestação de metástase ou um carcinoma corticoadrenal raro ainda no início. A biópsia com agulha percutânea permite diferenciar prontamente estas duas possibilidades, apesar de envolver certos riscos, como um pneumotórax ou a semeadura de tumor. Como alternativa, a massa pode ser removida por laparoscopia acompanhada de uma análise patológica.

Na maioria das séries, 5 a 6% das massas adrenais incidentais são feocromocitomas.13 Esta possibilidade deve ser excluída antes da realização do exame de biópsia ou da cirurgia, a fim de se evitarem as crises hipertensivas que podem estar associadas à operação. O curso mais seguro é considerar a lesão como sendo um feocromocitoma e preparar todos os pacientes com este quadro para serem submetidos à cirurgia, instituindo um bloqueio alfa adequado [ver Feocromocitoma, adiante].

 

Insuficiência adrenal

A insuficiência adrenal (doença de Addison) é classificada como primária ou secundária. A insuficiência adrenal primária resulta da destruição do córtex adrenal. Existe uma longa lista de causas de insuficiência adrenal primária [Tabela 3]. Em termos mundiais, a tuberculose é sua causa mais comum. Nos países industrializados, a causa mais comum desta condição é a destruição adrenal autoimune. A insuficiência adrenal secundária resulta da interrupção da secreção hipofisária de ACTH, que é sem dúvida mais comumente resultante do tratamento prolongado com glicocorticoides exógenos. Com o passar do tempo, doses de glicocorticoides exógenos suficientes para suprimir a secreção de ACTH acabam levando à disfunção dos neurônios secretores de CRH, com consequente deficiência de ACTH. A subsequentemente remoção dos glicocorticoides, seja qual for o motivo, revela a deficiência. A recuperação da função pode requerer 1 ano ou mais. Uma causa bem menos comum de interrupção da secreção de ACTH são as lesões destrutivas dentro e ao redor da glândula hipófise e do hipotálamo [Tabela 4].

 

Tabela 3. Causas de insuficiência adrenal primária

Autoimunidade (70% dos casos)

Síndrome da deficiência poliendócrina

Tuberculose (20% dos casos)

Outras (10% dos casos)

            Infecções fúngicas

            Hemorragia adrenal

            Adrenomieloneuropatia

            Adrenoleucodistrofia

            Sarcoidose

            Amiloidose

            Hiperplasia adrenal congênita

            Irresponsividade congênita ao ACTH

            Câncer metastático

            Aids

ACTH = hormônio adrenocorticotrópico.

 

Tabela 4. Causas de insuficiência adrenal secundária

Supressão iatrogênica do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (90% dos casos)

Outras (10% dos casos)

            Hipofisectomia

            Irradiação hipofisária

            Traumatismo craniano

            Hipofisite

            Hemocromatose

            Infecção

                        Actinomicose

                        Nocardiose

            Tumor intracraniano

            Tumor hipofisário

 

Os sinais e sintomas de insuficiência adrenal podem ser agrupados em síndromes crônicas e agudas. A síndrome crônica é caracterizada por anorexia, perda de peso, fadiga e hipotensão ortostática. Em pacientes com doença primária, os sinais predominantes são a perda de peso e a hiperpigmentação da pele, em especial nas áreas expostas à luz solar e nas superfícies extensoras. A síndrome aguda é bastante análoga ao choque cardiogênico ou séptico, com diminuição do débito cardíaco em um sistema vascular irresponsivo e dilatado. Os sintomas incluem prostração, além de todos os sinais e sintomas associados à síndrome do choque, incluindo febre (às vezes, de 39,4 a 40 ºC). O choque resultante de insuficiência adrenal geralmente é irresponsivo à terapia de reposição de volume e com agentes vasoconstritores.

Tanto na síndrome crônica como na aguda, a suspeita diagnóstica deve ser baseada nos aspectos clínicos, mas ainda assim requer confirmação laboratorial. O exame definitivo para o diagnóstico de insuficiência adrenal crônica é o teste de estimulação com cossintropina. O ACTH sintético (cossintropina) é administrado como um bolo endovenoso de 250 mcg, e os níveis plasmáticos de cortisol são quantificados após 45 e 60 minutos. Valores maiores que 20 mcg/dL excluem a insuficiência adrenal como causa dos achados clínicos. Valores abaixo de 20 mcg/dL sugerem que o comprometimento adrenal pode ser um fator contribuidor. Neste caso, o tratamento com glicocorticoides é obrigatório até o quadro clínico ser mais precisamente esclarecido.

Na insuficiência adrenal aguda, o teste mais útil é a quantificação dos níveis plasmáticos de cortisol. O teste de estimulação com cossintropina é desnecessário. A doença, que é severa o bastante para justificar a internação do paciente na unidade de terapia intensiva, representa uma fonte endógena de estresse fisiológico máximo. Em pacientes com estresse agudo, os níveis plasmáticos de cortisol estão acima de 20 mcg/dL; a única exceção são os pacientes com concentração plasmática baixa de albumina, que, por sua vez, diminui a concentração de cortisol total.14 Como não existem dados publicados sobre a interpretação dos valores plasmáticos de cortisol em casos de pacientes com baixa concentração de albumina no plasma, a maioria dos clínicos acaba aderindo ao padrão de 20 mcg/dL. Atualmente, valores de cortisol inferiores a 20 mcg/dL devem ser confirmados com o teste de estimulação com cossintropina [ver Insuficiência adrenal relativa, adiante].

O primeiro passo no diagnóstico diferencial de insuficiência adrenal é dividir os casos em causas primárias ou causas secundárias. O teste mais útil é a quantificação dos níveis circulantes de ACTH no plasma. Níveis de ACTH acima do normal definem a doença primária; os valores dentro ou abaixo da faixa normal, por sua vez, definem a doença secundária.

Pacientes com doença adrenal primária devem ser submetidos à análise de imagens por TC ou RM das glândulas adrenais. As causas infecciosas, malignas e vasculares de insuficiência adrenal resultam todas no aumento de tamanho das glândulas adrenais. Na insuficiência adrenal idiopática ou autoimune o tamanho das glândulas permanece normal ou diminui. Pacientes com insuficiência adrenal secundária devem ser avaliados, primeiro, quanto ao uso de glicocorticoides exógenos; se este fator puder ser excluído como possível causa, estes pacientes devem ser submetidos ao exame de TC ou RM do hipotálamo e da hipófise, para excluir a possibilidade de haver lesões destrutivas nesta área.

 

Tratamento

A meta do tratamento da insuficiência adrenal consiste em repor a falta de hidrocortisona e aldosterona em quantidades calibradas de acordo com o quadro clínico. A hidrocortisona pode ser reposta com administração de hidrocortisona por via oral ou endovenosa. A aldosterona é reposta com fludrocortisona oral. Tanto a hidrocortisona e como a fludrocortisona exógenas são equipotentes aos hormônios secretados endogenamente. Indivíduos sem estresse secretam hidrocortisona a uma taxa de 6,5 mg/m2/dia. Diante de um estresse, como um procedimento cirúrgico ou um traumatismo grave, a secreção de hidrocortisona pode aumentar em mais de 10 vezes. A taxa de secreção da aldosterona é de 100 mcg/dL em indivíduos que consomem grandes quantidades de sódio (uma dieta tipicamente norte-americana).

A insuficiência adrenal crônica primária é tratada com hidrocortisona oral a uma taxa de 12 a 15 mg/m2/dia. Esta concentração, a grosso modo, corresponde ao dobro da quantidade de hidrocortisona normalmente secretada. A quantidade adicional é necessária para compensar o metabolismo hepático de primeira passagem. A hidrocortisona é mais bem administrada como uma única dose diária, no café da manhã. A fludrocortisona é administrada a uma dose de 0,1 mg/dia. Diante da previsão de um estresse moderado (p. ex., um procedimento de canal radicular), a dose de hidrocortisona é temporariamente dobrada no dia anterior ao estresse e continua sendo empregada por mais 2 dias após o procedimento. Não é necessário alterar a dose de fludrocortisona. Quando um estresse significativo é previsto (p. ex., apendectomia com anestesia geral), a dosagem de hidrocortisona é aumentada para 100 mg a cada 6 horas no dia anterior à realização do procedimento, continuando a ser usada por mais 2 dias após o estresse. A dosagem de hidrocortisona não precisa ser aumentada durante os períodos de estresse psicológico, como em uma depressão significativa, psicose ou luto.

Estes regimes de reposição reproduzem grosseiramente os padrões de secreção de cortisol e aldosterona em indivíduos com função adrenal normal. A necessidade de instituição desses aumentos de dosagem temporários ainda não foi claramente estabelecida, seja em termos de clínica ou do ponto de vista biológico. No entanto, esta abordagem tornou-se o padrão da prática e é improvável que mude. A insuficiência adrenal secundária é tratada do mesmo modo que a doença primária crônica, porém com reposição apenas de hidrocortisona (sem reposição de aldosterona).

Pacientes com insuficiência adrenal aguda recebem o mesmo tratamento dispensado aos pacientes com insuficiência adrenal crônica que apresentam estresse significativo. O tratamento é monitorado clinicamente. Os sinais da síndrome de Cushing indicam excesso de tratamento. A observação de hiponatremia, ortostase e anorexia aponta um tratamento insuficiente. Não existem boas evidências clínicas sugestivas de que alguma vez tenha sido necessário exceder os regimes de dosagem. Se um paciente que esteja recebendo as doses de reposição recomendadas de hidrocortisona e fludrocortisona não apresenta um desempenho tão bom quanto o esperado, a explicação não está no regime de reposição adrenal.

Todos os pacientes com insuficiência adrenal devem usar uma pulseira de “alerta médico” na qual esteja impresso “insuficiência adrenal”, bem como trazer sempre na carteira um cartão semelhante, em todas as ocasiões.

 

Insuficiência adrenal relativa

O conceito de insuficiência adrenal relativa deriva do conceito de que a secreção de cortisol aumentada em resposta ao estresse é necessária para manter o paciente ao longo de todo o estresse. Se, por algum motivo, a secreção de cortisol em reposta ao estresse se tornar deficiente, pode haver desenvolvimento de insuficiência adrenal relativa. Alguns estudos sugerem que até 75% dos pacientes internados nas unidades de terapia intensiva apresentam “insuficiência adrenal relativa”.

A síndrome clínica de insuficiência adrenal aguda é mais bem descrita em dois artigos de Lipsett e Pearson:15,16

 

Nós suspendemos o tratamento de cortisona dos pacientes adrenalectomizados em uma tentativa de mantê-los sem receber nenhum hormônio esteroide. Logo, tornou-se evidente que isto seria impossível. Com a retirada da cortisona, o paciente rapidamente entrava em colapso clínico. Decorridas 24 horas da retirada da cortisona, começavam as queixas de mal-estar, letargia, anorexia e fraqueza. Passadas 48 horas, o paciente notava que sentia tontura ao se posicionar na vertical, além de uma fraqueza tão profunda que lhe tirava a vontade de sair do leito. Depois de 72 horas, o paciente em geral não conseguia se alimentar, apresentava náusea, vômitos, diarreia e estupor frequentes. A pressão arterial caía, todavia sem atingir níveis de choque, enquanto o paciente estava posicionado na horizontal. O paciente adquiria uma aparência magra e pálida, sua pele tornava-se fria e cinzenta, a pulsação enfraquecia, e parecia que ele estava prestes a morrer. A administração de cortisona neste momento produzia uma dramática melhora clínica, em geral dentro de 12 horas, de tal modo a deixar o paciente pronto para comer e deambular e se sentindo bem.15

 

O curso da insuficiência adrenal aguda geralmente está associado a febre (de até 39,4 a 40 ºC) e pode durar de 3 a 10 dias.16

A insuficiência adrenal relativa implica em uma resposta adrenal inadequada ao estresse, e, nesta situação, ocorre a síndrome clínica descrita anteriormente. Não há evidências que sustentem esta hipótese.

O diagnóstico laboratorial da “insuficiência adrenal relativa” tem dependido da interpretação dos resultados do teste de estimulação com cortrosina. Tradicionalmente, este teste consiste na administração de uma dose de 250 mcg de cortrosina por via endovenosa, seguida da quantificação dos níveis plasmáticos de cortisol a intervalos preestabelecidos de 30, 45 e 60 minutos. O valor aceito como sendo o mais baixo da faixa de níveis estimulados pela cortrosina geralmente é 20 mcg/dL. Um critério adicional tem sido um “delta” entre os níveis basal e estimulado da ordem de 5 a 9 mcg/dL, dependendo do relato.12 Níveis estimulados maiores que 20 mcg/dL predizem uma capacidade das glândulas adrenais de responder adequadamente ao estresse cirúrgico. O critério delta não foi testado deste modo. Além disso, tornou-se evidente que até 1/3 dos voluntários normais falharam no critério delta e que o delta em um determinado teste apresenta correlação inversa com a concentração de cortisol basal.14,17 Por estes motivos, a maioria dos clínicos se sente pouco à vontade para utilizar a resposta delta de 5 a 9 mcg/dL como preditor de uma resposta normal ao estresse. Atualmente, o critério delta é aplicado de modo bastante infrequente, sendo que o valor basal deixou de ser uma medida de rotina. O teste vigente consiste na administração de um bolo de 250 mcg de cortrosina por via endovenosa, seguida da quantificação dos níveis plasmáticos de cortisol em 30, 45 ou 60 minutos após a administração de ACTH (habitualmente, em 30 e 60 minutos ou em 45 e 60 minutos, em vez de em todos os 3 tempos).

Os resultados do teste com cortrosina podem ser “erroneamente interpretados” de quatro maneiras. Primeiro: a maioria dos dados normativos para os níveis de cortisol estimulados por ACTH foram estabelecidos em indivíduos normais e não estressados, utilizando o método fluorimétrico de Mattingly.18 Métodos mais modernos, notavelmente a diluição dupla de isótopos e o radioimunoensaio, fornecem números 10 a 20% menores. Um “valor de corte” (cutoff) de 22 mcg/dL com o método de Mattingly é comparável a um valor de corte de 18 a 20 mcg/dL pelo método de radioimunoensaio.19 Segundo: a perda aguda da secreção de ACTH não resulta com segurança em valores anormais no teste de cortrosina, durante um período de até 12 dias. Demora certo tempo para que as glândulas adrenais sofram atrofia após a retirada da estimulação com ACTH. Um número confiável é 20 dias.20 Terceiro: o ponto de corte tradicional de 20 mcg/dL considera normais as concentrações de glóbulos ligadores de albumina e cortisol. Em geral, não é isto que ocorre em casos de pacientes severamente doentes, com consequente diminuição do valor de corte e obtenção de muitos resultados falso-positivos.14 Quarto: quando o teste é aplicado a pacientes estressados (p. ex., pacientes internados na unidade de terapia intensiva médica [UTI]), o valor-controle basal é um número estimulado pelo ACTH. O ACTH é endógeno, sendo secretado em resposta ao estresse. Nesta situação, o critério delta deixa de ser aplicável. Este critério, todavia, tem sido adotado para interpretar os resultados do teste em muitos estudos sobre insuficiência adrenal relativa.

O problema com a interpretação do teste de estimulação com cortrosina pode ser resolvido por meio da utilização do cortisol livre sérico como a variável de resposta. Entretanto, esta quantificação não é prontamente disponível, e dados normativos ainda estão sendo coletados.

Uma abordagem lógica poderia ser a seguinte:

 

1.   Considere que o grupo de pacientes com choque na UTI contém alguns pacientes com insuficiência adrenal, mas que constituem casos incomuns.

2.   Aplique o teste de estimulação com cortrosina. Use uma dose de 250 mcg de cortrosina. Quantifique os níveis plasmáticos de cortisol em 45 e 60 minutos. Colete 2 amostras em cada momento: uma para determinação do cortisol total e uma para determinação do cortisol livre. Envie a amostra referente a cortisol total ao laboratório. Guarde a amostra para cortisol livre.

3.   Valores de cortisol total acima de 20 mcg/dL excluem a possibilidade de insuficiência adrenal. Valores de cortisol total abaixo de 10 mcg/dL incluem a insuficiência adrenal. Neste último caso, trate os pacientes com glicocorticoide.

4.   O grupo de valores de cortisol entre 10 e 20 mcg/dL engloba 2 tipos de pacientes: pacientes cronicamente doentes, apresentando ligação proteica alterada; e pacientes com insuficiência adrenal secundária aguda. Estes pacientes podem ser diferenciados uns dos outros por meio da quantificação dos níveis plasmáticos de cortisol livre. Trate todos estes pacientes com cortisol e envie a segunda amostra para quantificação do cortisol livre plasmático. Se os valores de cortisol livre forem normais para o contexto clínico, suspenda a terapia com glicocorticoide mesmo que o paciente tenha melhorado. Se os níveis de cortisol livre estiverem baixos, prossiga com o tratamento e dê início a testes apropriados para identificar a causa da insuficiência adrenal.

 

O conceito de insuficiência adrenal relativa baseia-se no conceito falho de que a resposta adrenal ao estresse é necessária para a sobrevivência a este estresse. Isso tem levado à disseminação do uso do teste de estimulação com cortrosina na busca por estes pacientes. O teste de estimulação com cortrosina, do modo como atualmente é realizado, não serve para esta tarefa. Os critérios-padrão para interpretação dos resultados do teste, desenvolvidos em adultos normais não estressados, não são adequados para os pacientes que apresentam alto nível de estresse e doença severa. O próprio conceito tem como base esta interpretação errônea sobre o teste de estimulação com cortrosina. Uma parte significativa da confusão que gira em torno da insuficiência adrenal relativa pode ser solucionada com o uso do cortisol livre plasmático como variável dependente no teste de estimulação com cortrosina. Para tanto, será necessário desenvolver novos critérios baseados nas concentrações de cortisol livre no plasma, empregando indivíduos-controle apropriados.

 

Feocromocitoma

A medula adrenal representa cerca de 10% do peso da glândula adrenal. É composta principalmente por células cromafins, que receberam esta denominação por causa da cor amarelo-acastanhada que adquirem ao serem coradas com sais cromáticos. As células da medula são diretamente inervadas pelas células nervosas simpáticas pré-ganglionares. Assim, estas células secretoras de adrenalina são análogas aos neurônios pós-ganglionares localizados em outras áreas do sistema nervoso simpático. Entretanto, estas células não são neurônios e não possuem dendritos nem axônios. Além disso, o produto de secreção primária da medula adrenal é a adrenalina, enquanto o restante do sistema nervoso simpático usa noradrenalina como neurotransmissor. A explicação para esta diferença reside no fato de o suprimento sanguíneo para a medula adrenal ser derivado do plexo capilar que drena o córtex adrenal. Este sangue capilar é extremamente rico em cortisol – talvez a maior concentração de cortisol existente no corpo humano seja encontrada na medula adrenal –, e este hormônio induz catecol-O-metiltransferase, a enzima conversora de noradrenalina em adrenalina. A doença primária da medula adrenal é o feocromocitoma. Noventa por cento dos casos de feocromocitoma ocorrem junto à medula adrenal. Os tumores extrasadrenais de células cromafins são conhecidos como paragangliomas ou quimiodectomas, dependendo da localização. Todos exibem manifestações clínicas similares e são tratados da mesma forma (ver adiante).

A principal manifestação clínica do feocromocitoma é a hipertensão. A hipertensão pode ser contínua ou episódica, sendo que ambas as formas ocorrem com a mesma frequência. A hipertensão paroxística está associada a taquicardia, diaforese, ansiedade e sensação de mau presságio. Os pacientes também se queixam de náusea e dores abdominais. A associação de cefaleia, palpitações e sudorese à hipertensão apresenta alta (> 90%) sensibilidade e especificidade para o feocromocitoma. O diagnóstico diferencial para feocromocitoma é extenso e inclui ataques de ansiedade e pânico, tireotoxicose, uso de anfetaminas e cocaína, bem como uso de medicamentos comprados sem prescrição médica que dependem das catecolaminas para produzir efeito (p. ex., sprays para congestão nasal) [Tabela 5]. Na maioria dos casos, os feocromocitomas são benignos (90%) e, em geral, unilaterais (90%). A incidência de feocromocitoma aumenta acentuadamente em diversas síndromes genéticas: neoplasias endócrinas múltiplas de tipos IIa e IIb, facomatoses, incluindo a neurofibromatose, hemangioblastose cerebelo-retinal, esclerose tuberosa e síndrome de Sturge-Weber.

 

Tabela 5. Diagnóstico diferencial do feocromocitoma

Ataques de pânico

Tireotoxicose

Uso de anfetamina

Uso de cocaína

Uso de medicações compradas sem prescrição médica, que contenham fenilefrina ou pseudoefedrina

Inibidores de monoamina oxidase

Hipoglicemia

Reação à insulina

Tumor cerebral

Hemorragia subaracnóidea

Ataques de calor menopáusicos

Toxemia da gestação

Inibidores da recaptação seletiva de serotonina

 

Diagnóstico

Os exames tradicionais para diagnóstico do feocromocitoma são as quantificações dos níveis urinários de catecolaminas fracionadas e da excreção urinária de metanefrina, utilizando amostras de urina de 24 horas. A excreção de catecolaminas total normalmente é inferior a 100 mcg/dia, sendo que menos de 25% do total corresponde a adrenalina. A excreção urinária de metanefrina costuma ser inferior a 1,3 mg/dia. A urina utilizada nestes testes deve ser coletada em meio ácido (os laboratórios geralmente fornecem os frascos apropriados) e não precisa ser refrigerada. Os níveis de creatinina também devem ser medidos, para servirem como indicador da integridade da coleta. Sempre que possível, o paciente deve suspender todas as medicações que estiver tomando. Se for necessário tratar uma hipertensão, o uso de diuréticos, vasodilatadores, bloqueadores de canais de cálcio e inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) interfere minimamente nos ensaios. Havendo concordância entre o quadro clínico e os exames bioquímicos, devem ser utilizadas varreduras de TC ou de RM para localizar o tumor. A RM é particularmente útil, porque estes tumores habitualmente “brilham” nas imagens T-2-ponderadas. Se a TC e a RM falharem em revelar um tumor adrenal, a técnica que emprega metaiodobenzilguanidina (MIBG) radiomarcada pode ser útil como ferramenta de varredura para localização de tumores fora da glândula adrenal, como aqueles encontrados no corpo carotídeo, coração, bexiga urinária e órgão de Zuckerkandl.

 

Tratamento

O tratamento do feocromocitoma é cirúrgico. A cirurgia deve ser realizada somente por equipe experiente e treinada no tratamento do feocromocitoma. Antes do procedimento cirúrgico, deve ser induzido um bloqueio alfa para evitar uma crise hipertensiva intraoperatória. A preparação deve começar 7 dias antes da execução do procedimento planejado, empregando-se uma dosagem inicial de 10 mg de fenoxibenzamina administrada por via oral, 2 vezes/dia. A dose deve ser aumentada diariamente, de tal modo que no 7º dia o paciente esteja recebendo uma dosagem de pelo menos 1 mg/kg/dia dividida em 3 doses. Um bloqueio adequado está associado à diminuição da pressão arterial e a uma menor hipotensão ortostática, com a restauração do volume vascular.

O tratamento do feocromocitoma maligno consiste em desbastamento cirúrgico, continuidade do bloqueio alfa com fenoxibenzamina e cossupervisão de um oncologista. A radioterapia é útil em casos de dor óssea, tendo sido alcançado algum sucesso com a combinação à quimioterapia, incluindo o uso de ciclofosfamida, vincristina e dacarbazina.

 

Hiperplasia adrenal congênita

Existem 6 etapas enzimáticas na biossíntese do cortisol a partir do colesterol, e todas podem ser afetadas por mutações inativadoras [Figura 5]. Como o cortisol é essencial à vida, suas concentrações são mantidas junto à faixa normal à custa de uma hipertrofia adrenal e do aumento da secreção de intermediários biossintéticos esteroidais durante a etapa imediatamente anterior à etapa mediada pela enzima afetada. Dependendo de qual enzima tenha sido bloqueada, as concentrações aumentadas de intermediários biossintéticos esteroidais podem acarretar virilização das mulheres, além de hipertensão. Em alguns casos, sobretudo por causa da reduzida secreção de androgênios in utero – quando não há regulação por retroalimentação da testosterona – fetos do sexo masculino podem sofrer feminilização.

 

 

Figura 5. A hiperplasia adrenal congênita pode resultar de mutações que inativam qualquer uma das 6 etapas enzimáticas da biossíntese do cortisol a partir do colesterol. As manifestações clínicas do distúrbio variam conforme a deficiência enzimática.

 

O distúrbio subjacente mais comumente observado na hiperplasia adrenal congênita é a deficiência de 21-hidroxilase. A forma virilizante é considerada a doença autossômica recessiva mais comum.

A deficiência de 21-hidroxilase é classificada de acordo com 2 aspectos clínicos distintivos: (1) a forma clássica, que pode ser perdedora de sais ou não perdedora de sais; e (2) a forma não clássica.

A intensidade da perda de sais sofrida por um indivíduo deficiente de 21-hidroxilase em um ambiente pobre em sais está correlacionada ao grau de expressão do defeito enzimático junto à zona glomerulosa. Em indivíduos com expressão média, a perda de sais é pequena o bastante para permitir que uma dieta-padrão norte-americana consiga manter um equilíbrio salino normal.

A forma clássica da doença geralmente é diagnosticada durante o período neonatal e caracteriza-se pela falha do desenvolvimento consequente à perda de sais, bem como pelo pseudo-hermafrodismo masculino em bebês do sexo feminino. A forma não clássica da doença, que às vezes é referida como manifestação do adulto ou atenuada, em geral se torna clinicamente evidente na adolescência. Sua manifestação consiste no início um tanto precoce (em cerca de 1 ano) da puberdade e, no sexo feminino, em desenvolvimento de oligomenorreia e hirsutismo mediado por androgênios. Em muitos casos, indivíduos adultos que apresentam a forma clássica de deficiência de 21-hidroxilase possuem um diagnóstico comprovado estabelecido na infância, têm um sexo atribuído e passaram por uma série de procedimentos de cirurgia plástica de reconstrução genital. As questões clínicas habituais dizem respeito à necessidade do tratamento em curso e (nos casos que necessitam de tratamento) à adequação do regime vigente.

O típico paciente adulto com a forma não clássica ou atenuada de deficiência é uma mulher jovem que apresenta oligomenorreia, infertilidade e hirsutismo. O diagnóstico desta condição é mais frequentemente confundido com o de síndrome dos ovários policísticos [ver Síndrome dos ovários policísticos].

O exame diagnóstico para deficiência de 21-hidroxilase é o teste de estimulação com cossintropina: ACTH sintético é administrado como um bolo de 250 mcg por via endovenosa, e os níveis plasmáticos de 17-hidroxiprogesterona são medidos após 45 e 60 minutos. A 17-hidroxiprogesterona consiste no intermediário biossintético esteroidal imediatamente proximal ao defeito enzimático. Em pacientes normais, os níveis de 17-hidroxiprogesterona sobem e atingem valores acima de 340 ng/dL após a estimulação com cossintropina. Nos pacientes com deficiência de 21-hidroxilase, os níveis de 17-hidroxiprogesterona sobem para no mínimo 1.000 ng/dL. O exame de TC ou RM desses pacientes revela que as glândulas adrenais são maiores do que o normal e, em alguns casos, nodulares.

 

Tratamento

Todos os pacientes com deficiência de 21-hidroxilase devem ser considerados como apresentando alguma forma de perda de sais. A primeira terapia a ser instituída consiste na administração de 0,2 mg de fludrocortisona todas as manhãs. Decorridos vários dias, deve-se iniciar a administração de uma única dose de 12 a 15 mg de cortisona/m2, pela manhã. Após 2 semanas de terapia combinada, deve ser feita a quantificação diurna dos níveis de 17-hidroxiprogesterona. Se os níveis-alvo de 400 a 600 ng/dL tiverem sido alcançados, a dose de fludrocortisona por ser reduzida pela metade. Decorridas mais 2 semanas, os níveis de 17-hidroxiprogesterona devem ser medidos novamente. Caso ainda estejam abaixo de 600 ng/dL, a dose atual de fludrocortisona é estabelecida como sendo a dose de manutenção do paciente. Se os níveis de 17-hidroxiprogesterona tiverem ultrapassado 600 ng/dL, a dose de fludrocortisona deve ser restaurada para a dosagem inicial de 0,2 mg/dia, que provavelmente será a dose de manutenção. Não é recomendável que os níveis de 17-hidroxiprogesterona atinjam os valores da faixa normal, pois isto muitas vezes requer o uso de doses de hidrocortisona que causam supressão adrenal e levam ao desenvolvimento da síndrome de Cushing.

O tratamento vitalício é necessário em casos de pacientes com deficiência de 21-hidroxilase, para prevenir o aparecimento de tumores adrenais residuais, que consistem em nódulos de tecido adrenal ectópico que se tornam hipertróficos em decorrência da estimulação por ACTH. Esses tumores geralmente são encontrados no ligamento largo das mulheres e nos testículos dos homens. Nas mulheres, a hemorragia ou a necrose de tumores adrenais residuais ocasionalmente requerem cirurgia pélvica de emergência. Em homens, esses tumores podem resultar em dor testicular, massas testiculares e infertilidade. A dor testicular pode ser tão severa e incurável que a castração se torna necessária.

 

Hiperaldosteronismo

O hiperaldosteronismo pode ser primário ou secundário. No hiperaldosteronismo primário, observa-se uma função desordenada do eixo de retroalimentação da renina-aldosterona. No hiperaldosteronismo secundário, o eixo da renina-aldosterona responde normalmente à deficiência de volume intravascular crônica, que pode resultar de condições como insuficiência cardíaca ou ascite associada à cirrose hepática.

A aldosterona atua sobre as células epiteliais do tubo coletor renal, para promover a reabsorção do sódio e a excreção de potássio e hidrogênio. Outros tecidos similarmente afetados são as glândulas sudoríparas, as glândulas salivares e o epitélio intestinal. Clinicamente, o resultado do excesso de aldosterona é conhecido como síndrome do excesso de mineralocorticoide e caracteriza-se pela ocorrência de hipocalemia, alcalose metabólica e, às vezes, hipertensão.

 

Hiperaldosteronismo primário

O hiperaldosteronismo primário é mais frequentemente causado por um adenoma adrenal benigno, que é tipicamente unilateral, tem diâmetro inferior a 2,5 cm e secreta aldosterona de maneira independente da estimulação renina-angiotensina. Os pacientes com esta condição habitualmente apresentam hipertensão. De fato, acredita-se que a hipersecreção adrenal primária de aldosterona seja responsável por cerca de 2% dos casos de hipertensão. Os exames laboratoriais mostram a ocorrência de hipocalemia e alcalose metabólica, com níveis séricos de sódio geralmente na faixa normal-alta [Figura 6]. O diagnóstico deste distúrbio é confirmado pela demonstração de níveis plasmáticos de aldosterona normais ou elevados (> 14 ng/dL) aliados à supressão da atividade de renina plasmática (ARP) estimulada para menos de 2 ng/mL/h. A ARP é determinada por meio da quantificação dos níveis de ARP após o paciente permanecer 2 horas em posição vertical (parado em pé ou caminhando).

 

 

Figura 6. Diagnóstico diferencial do hipoaldosteronismo primário.

ARP = atividade de renina plasmática.

 

O diagnóstico diferencial do hiperaldosteronismo primário também inclui o hiperaldosteronismo suprimível por dexametasona, no qual a aldosterona é secretada em resposta ao ACTH e não à angiotensina [vr Hiperaldosteronismo suprimível por dexametasona, adiante], e a hiperplasia adrenal bilateral idiopática, em que a zona glomerulosa hipertrófica secreta aldosterona de modo independente da estimulação renina-angiotensina [ver Hiperplasia adrenal bilateral idiopática, adiante]. O hiperaldosteronismo suprimível por dexametasona é confirmado pela supressão dos níveis de aldosterona com a administração de 2 mg/dia de dexametasona, em doses divididas, durante 7 dias. Na maioria dos casos, os níveis de aldosterona diminuem ao redor do 3º dia de tratamento. Se a dexametasona falhar em suprimir os níveis plasmáticos de aldosterona e em melhorar a hipertensão associada, exames de TC ou RM devem ser realizados para detectar um adenoma adrenal. Caso um adenoma não seja encontrado por TC ou IRM, será necessário obter amostras venosas adrenais simultâneas para quantificar a aldosterona e o cortisol, com o objetivo de definir a fonte de secreção de aldosterona.17 Se a amostragem venosa identificar a secreção de aldosterona unilateral, o paciente deverá ser tratado como se tivesse hiperaldosteronismo adrenal primário, apesar da ausência de um adenoma visível. No momento da operação, o cirurgião pode definir a doença como sendo uni ou bilateral.

O tratamento do hiperaldosteronismo adrenal primário decorrente de um adenoma adrenal consiste na adrenalectomia unilateral, preferencialmente utilizando um procedimento laparoscópico. A taxa de cura, definida como sendo a correção do hiperaldosteronismo e da hipertensão, é de aproximadamente 75%.15 Os pacientes cuja pressão arterial permanece elevada durante o pós-operatório devem ser submetidos a uma terapia anti-hipertensiva contínua, que é instituída como se houvesse uma hipertensão essencial.

 

Hiperplasia adrenal bilateral idiopática

As manifestações clínicas da hiperplasia adrenal bilateral idiopática e do hiperaldosteronismo primário decorrente de adenoma adrenal são indistinguíveis. Entretanto, os pacientes com a primeira condição não possuem adenoma adrenal, e a secreção de aldosterona de ambas as glândulas adrenais pode ser avaliada por meio da amostragem venosa adrenal bilateral. Nestes pacientes, a adrenalectomia não corrige a hipertensão. Deste modo, o tratamento é voltado para a hipertensão. Notavelmente, a antagonização da atividade da aldosterona com espironolactona costuma ser inefetiva. Os bloqueadores de canais de cálcio, todavia, são efetivos como agentes anti-hipertensivos nestes casos, assim como os inibidores de ECA. Quando a hipocalemia persiste no decorrer do tratamento da hipertensão, muitas vezes é possível tratá-la via adição de um diurético poupador de potássio.

 

Hiperaldosteronismo suprimível por dexametasona

Esta condição é uma rara causa familiar de hiperaldosteronismo, que é transmitida como traço autossômico dominante. A causa do distúrbio é um gene de fusão, no qual a região codificadora da regulação ACTH-responsiva da 11-beta-hidroxilase está acoplada à região codificadora da aldosterona sintase. Desta forma, a secreção de aldosterona passa a estar atrelada à secreção de ACTH e torna-se “cega” aos níveis de renina-angiotensina. Como a secreção de ACTH não é modulada pela aldosterona, a secreção de aldosterona torna-se independente do equilíbrio salino, dos níveis sanguíneos de potássio e do volume vascular.

O tratamento deste distúrbio começa com o uso de um diurético poupador de potássio, como a amilorida ou o triamtereno. Este regime tem a vantagem de não suprimir o eixo HHS e, caso seja mal sucedido, é possível suprimir a secreção de ACTH com dexametasona (habitualmente, uma única dose de 0,5 mg/dia).

 

Hiperaldosteronismo secundário

O hiperaldosteronismo secundário pode ou não estar associado à hipertensão. É comum os pacientes hipertensos apresentarem uma patologia renal subjacente, incluindo estenose de artéria renal, tumores secretores de renina e insuficiência renal crônica. Tanto a ARP como os níveis de aldosterona estão elevados, nestes casos. O tratamento deve ser voltado para a causa subjacente.

O hiperaldosteronismo secundário não associado à hipertensão ocorre em distúrbios caracterizados pela diminuição do volume vascular. As causas renais incluem nefrite crônica, acidose tubular renal e nefropatias perdedoras de cálcio e de magnésio. O uso abusivo crônico de diuréticos também constitui uma das causas. Entre as causas gastrintestinais estão o vômito crônico, o uso abusivo de laxantes e a diarreia crônica de qualquer tipo. É provável que as causas mais comuns sejam a insuficiência cardíaca crônica e a cirrose hepática acompanhada de ascite. Mais uma vez, o melhor tratamento é aquele voltado para o distúrbio subjacente.

Por fim, existem duas formas de hiperplasia adrenal congênita em que a produção excessiva de outros mineralocorticoides (além da aldosterona) leva ao desenvolvimento da síndrome do excesso de mineralocorticoide. Estes dois distúrbios são a deficiência de 11-hidroxilase e a deficiência de 17-hidroxilase. Os níveis de renina e de aldosterona estão baixos, nestes distúrbios. O tratamento é o mesmo dispensado aos pacientes com deficiência de 21-hidroxilase (ver anteriormente), contudo sem administração de fludrocortisona.

A síndrome de Bartter está associada a alcalose hipocalêmica, hiperreninemia e hiperaldosteronismo, com pressão arterial normal. Este padrão pode ser observado em vários distúrbios, causando hiperaldosteronismo secundário. A síndrome de Bartter é causada por um déficit de transporte de cloreto junto ao ramo ascendente espesso da alça de Henle. É difícil estabelecer o diagnóstico, porque o padrão de anormalidades eletrolíticas mimetiza aquele observado diante do uso abusivo de diuréticos. A síndrome de Bartter é discutida em maiores detalhes em outra seção [ver Distúrbios do equilíbrio ácido-base e de potássio].

 

Hipoaldosteronismo

Hipoaldosteronismo primário

O hipoaldosteronismo primário é definido como a deficiência de aldosterona cuja causa é adrenal. O hipoaldosteronismo manifesta-se como uma incapacidade de conservar o sódio, resultando em um equilíbrio salino negativo em ambiente pobre em sais. Como consequência, há desenvolvimento de hipotensão, hipercalemia, desidratação e depleção de volume associados a uma acidose metabólica branda. O distúrbio pode ser corrigido com a instituição de uma dieta rica em sal ou via reposição de aldosterona com fludrocortisona.

A insuficiência adrenal primária constitui a causa mais comum de hipoaldosteronismo primário. O diagnóstico e o tratamento são os mesmos utilizados em casos de insuficiência adrenal (ver anteriormente). Dois distúrbios autossômicos recessivos – as deficiências de corticosterona metiloxidase (CMO) de tipos I e II – podem resultar em uma acentuada diminuição da secreção adrenal de aldosterona. A deficiência de CMO de tipo I é identificada pela detecção da síndrome do excesso mineralocorticoide e de baixos níveis de aldosterona associados a uma elevada concentração plasmática de corticosterona. A deficiência de CMO de tipo II é semelhante, exceto pelo fato de níveis elevados de 18-hidroxicorticosterona estarem associados a baixos níveis de aldosterona. Estas condições são doenças primárias da infância, que se tornam menos severas com o avanço da idade e o acesso livre ao sal.

 

Hipoaldosteronismo secundário

A síndrome de hipoaldosteronismo hiporreninêmico constitui a forma mais comum de hipoaldosteronismo secundário. O distúrbio é frequentemente referido como acidose tubular renal de tipo IV e foi descrito em quase todos os distúrbios de função renal. A doença renal crônica é encontrada em 80% dos pacientes que sofrem deste distúrbio. O quadro clínico é de hipercalemia, hiponatremia e acidose metabólica associada a uma baixa ARP e baixos níveis plasmáticos de aldosterona. A terapia mais direta e lógica para esta síndrome consiste na reposição da aldosterona via administração de uma dosagem de 0,1 a 0,2 mg/dia de fludrocortisona.

 

Pseudo-hipoaldosteronismo (resistência aos mineralocorticoides)

O pseudo-hipoaldosteronismo de tipos I e II são síndromes de resistência de órgãos-alvo aos efeitos da aldosterona. O tipo I é causado por uma mutação inativadora envolvendo o receptor de mineralocorticoides, enquanto o tipo II é atribuído a um defeito pouco definido envolvendo a ação da aldosterona distalmente a sua ligação ao receptor de mineralocorticoide. O pseudo-hipoaldosteronismo de tipo I caracteriza-se por uma perda de sais que é resistente à reposição de mineralocorticoide. O melhor tratamento para esta condição é a instituição de uma dieta rica em sal (10 a 40 mEq/kg/dia). O pseudo-hipoaldosteronismo de tipo II (síndrome de Gordon) é um distúrbio sem perda de sais, que pode estar associado a hipertensão, acidose metabólica e hipercalemia. Os níveis de ARP e de aldosterona estão baixos, sendo que a administração de mineralocorticoides falha em corrigir a hipercalemia e a acidose. O defeito básico parece ser um distúrbio de desvio de cloreto ao nível do néfron. O tratamento emprega um diurético perdedor de potássio – mais comumente, hidroclorotiazida e furosemida.

 

Terapia com glicocorticoide

Os glicocorticoides podem ser valiosos e até salvar a vida do paciente, quando empregados no tratamento de muitas doenças inflamatórias e neoplásicas. Embora o cortisol seja responsável por cerca da metade do efeito mineralocorticoide produzido pela glândula adrenal, os esteroides sintéticos comumente utilizados na terapia à base de glicocorticoides (p. ex., prednisona e dexametasona) são praticamente desprovidos de atividade retentora de sais e, portanto, não promovem uma retenção salina considerada inaceitável. Contudo, seu efeito glicocorticoide é significativamente mais potente do que o cortisol. Cada grama de prednisona possui uma potência glicocorticoide 4 vezes maior que a potência de 1 grama de cortisol. A potência da dexametasona é cerca de 25 vezes maior.

Os tecidos-alvo nas doenças glicocorticoide-responsivas são resistentes aos glicocorticoides. A base desta resistência ainda é incerta, porém a hipótese prevalente é a de que proteínas chaperonas produzidas em células estressadas, particularmente as proteínas do choque térmico, atenuam de alguma forma a ação glicocorticoide. Vencer a resistência aos glicocorticoides pode requer dosagens de prednisona da ordem de 100 mg/dia, bem como dosagens de dexametasona de até 20 mg/dia. Estas doses altas expõem o restante dos tecidos do corpo do paciente, normalmente responsivos aos glicocorticoides, a um efeito glicocorticoide extremamente intensificado. Com o passar do tempo, isto leva ao desenvolvimento de síndrome de Cushing, cujos efeitos potencialmente letais podem forçar o desmame ou até a suspensão da terapia com glicocorticoide.

Um aspecto invariável da síndrome de Cushing induzida por glicocorticoides exógenos consiste na supressão da secreção de ACTH. Em contraste com a recuperação da secreção hipofisária de outros hormônios (p. ex., hormônio estimulador da tireoide, hormônio luteinizante e hormônio folículo-estimulante), a recuperação da secreção de ACTH é bastante lenta. O retorno ao normal pode demorar 1 ano ou mais. Sendo assim, o médico deve garantir que o eixo HHS esteja intacto antes de suspender totalmente o curso prolongado de glicocorticoides.

Costuma-se iniciar a terapia farmacológica com glicocorticoides com uma dose alta (p. ex., 60 mg/dia de prednisona, em doses divididas). Tão logo o processo patológico seja controlado, a dose passa a sofrer reduções de 5% a cada semana, em uma tentativa de encontrar o quanto antes a menor dose efetiva. A meta final consiste em realizar o desmame da dosagem para as doses de reposição normais de glicocorticoide. Quando a dose de glicocorticoide se aproxima dos níveis de reposição, a preparação é modificada para uma dosagem equivalente de hidrocortisona administrada na concentração de 12 mg/m2/dia, pela manhã. Esta dose permanece sem ser alterada até se tornar segura para a suspensão total da terapia com glicocorticoide ou até a doença ser reativada. Neste último caso, o processo é reiniciado de outra maneira. Os pacientes que estiverem recebendo hidrocortisona na dose de reposição devem ser submetidos ao teste de estimulação com cossintropina a cada 3 meses. Quando a resposta de cortisol plasmático à cossintropina exceder 20 mcg/dL, a hidrocortisona pode ser descontinuada com segurança. Diante de uma eventual impossibilidade de diminuir a dose para os níveis de reposição, devido à atividade recorrente da doença, terapias alternativas e adjuvantes que não sejam baseadas em glicocorticoide devem ser agressivamente buscadas, na esperança de poderem viabilizar o desmame dos glicocorticoides para os níveis da dosagem de reposição, antes que a devastação produzida pela síndrome de Cushing requeira a cessação do tratamento com glicocorticoides no contexto de uma doença neoplásica ou inflamatória descontrolada.

 

O autor não possui relações comerciais com os fabricantes dos produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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