Autor:
Euclides F. de A. Cavalcanti
Médico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 26/03/2012
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A anticoagulação com varfarina é um assunto bastante complexo e de grande importância na prática clínica. A recente publicação das diretrizes britânicas para o uso de varfarina na anticoagulação oral (British Committee for Standards in Haematology - Guidelines on oral anticoagulation with warfarin – 4th edition1) nos dá a oportunidade de rever este assunto e realizar sugestões para a anticoagulação na prática clínica do dia a dia. Para os interessados no assunto, recomendamos também as revisões práticas do American Family Physician (Evidence-based Initiation of Warfarin2 e Evidence-based Adjustment of Warfarin3) e as diretrizes do American College of Chest Physicians sobre anticoagulação (Antithrombotic and Thrombolytic Therapy, 8th Ed: ACCP Guidelines4).
Os algoritmos de anticoagulação com varfarina serão divididos da seguinte forma:
Parte 1. Indicações, INR recomendado e tempo de anticoagulação.
Parte 2. Início da anticoagulação no ambiente hospitalar.
Parte 3. Início da anticoagulação fora do ambiente hospitalar.
Parte 4. Ajuste das doses de varfarina e frequência de monitoração no paciente em anticoagulação crônica.
Parte 5. Reversão da anticoagulação e manejo de sangramentos.
Parte 6. Manejo da anticoagulação no perioperatório.
Há diversos protocolos para o início da anticoagulação com varfarina, mas não há nenhum protocolo aceito de forma universal e há poucos estudos disponíveis comparando a segurança e a eficácia das diferentes abordagens. A longa meia-vida da varfarina, as frequentes interações com medicações e com dieta e a variabilidade da resposta de acordo com os diferentes polimorfismos genéticos e também com a idade e comorbidades do paciente tornam bastante imprevisível a resposta à medicação.
Em situações nas quais não há urgência em anticoagulação rápida, tais como no caso de pacientes com fibrilação atrial com indicação de anticoagulação para prevenção de acidente vascular cerebral, podem-se adotar protocolos mais simplificados e que necessitarão de monitoração menos frequente do INR (tais protocolos serão abordados na Parte 3 – Início da anticoagulação fora do ambiente hospitalar). Já em pacientes internados com tromboembolismo estabelecido, é necessária anticoagulação mais rápida, de forma a permitir o desmame das heparinas (não fracionada ou de baixo peso molecular), que devem ser iniciadas antes da varfarina e mantidas por pelo menos 5 dias E até que o INR esteja igual ou superior a 2 por 24 horas.
Uma das grandes dificuldades no início da terapia com varfarina é que uma determinada alteração na dose da varfarina demora aproximadamente 7 dias para que se obtenha um INR estável com a dosagem, e o mesmo ocorre no início da terapia (University Of Connecticut Health Center- John Dempsey Hospital anticoagulation protocol for heparin, low molecular weight heparin, warfarin, direct thrombin inhibitors. Originated: 9/08). Este fato ocorre tanto pela longa meia-vida da varfarina como pela longa meia-vida dos fatores de coagulação que ela inibe (II, VII, IX e X). Logo, protocolos como a opção descrita no Algoritmo 1, que prevejam alterações diárias na dosagem de acordo com o INR, permitem apenas que uma anticoagulação mais rápida seja atingida (aumentam-se as doses rapidamente se o INR subir lentamente) e que, quando ocorrer um aumento demasiado rápido no INR no início da terapia, as doses possam ser diminuídas precocemente. No entanto, pelos motivos expostos, este tipo de protocolo frequentemente leva a dosagens excessivas, pois os incrementos nas doses são realizados muito antes que uma determinada dose tenha o seu efeito terapêutico estabilizado. Portanto, ao se utilizar tal tipo de protocolo, é fundamental dosar o INR diariamente, pelo menos até que esteja estável (sem sinal de aumento ou queda) por 2 medidas consecutivas com uma determinada dosagem, omitindo-se a próxima dose sempre que o INR estiver acima de 3 e diminuindo a dosagem ao se reiniciar a medicação. Também deve-se sempre lembrar que nenhum protocolo substitui o bom senso, o que é particularmente importante no caso da varfarina, dados os riscos de anticoagulação excessiva ou subterapêutica.
Uma alternativa aos protocolos que preveem alterações diárias na dosagem de varfarina de acordo com o INR seria simplesmente iniciar a varfarina na dosagem de 5 mg para a maior parte dos pacientes e na dosagem de 2,5 mg para os pacientes idosos ou debilitados, aguardando-se pelo menos até o 5º dia antes de se realizar incrementos nas dosagens (antes disso, INR subterapêuticos não refletem adequadamente a eficácia da dosagem implementada) e, obviamente, omitindo-se a próxima dose e diminuindo a dosagem se o INR estiver maior do que 3. Em caso de INR próximo à meta terapêutica no 5º dia (p. ex., 1,7 a 1,9), visto que o INR demora em média 7 dias para estabilizar com uma determinada dosagem, pode-se aguardar mais alguns dias antes de se aumentar a medicação, esperando o INR estabilizar para definir pelo aumento ou não da dose. Tal abordagem provavelmente levaria a uma anticoagulação efetiva mais lenta, porém, possibilitaria dosagens menos frequentes do INR (desde que acompanhado por um médico com experiência em anticoagulação) e menos flutuações nas dosagens no início da terapia.
O Algoritmo 1 resume o início da anticoagulação com varfarina.
Algoritmo 1. Início da anticoagulação com varfarina.
2. Ebell MH. Evidence-based initiation of warfarin. American Family Physician 2005; 15;71(4):763-5.
3. Ebell MH. Evidence-based adjustment of warfarin. American Family Physician 2005; 15;71(10):1979-82.
4. Antithrombotic and Thrombolytic Therapy, 8th Ed: ACCP Guidelines. Chest, 133 (6 suppl), June 2008.
5. Valentine KA, Hull RD. Therapeutic use of warfarin. In Uptodate 2010, software version 18.2 (www.uptodate.com)
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