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Situação marital na meia idade e função cognitiva

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 19/10/2009

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Situação marital na meia idade e função cognitiva

 

Associação entre situação marital na meia idade e função cognitiva na idade avançada: estudo de coorte de base populacional1 [Link para Artigo Completo].

 

Fator de impacto da revista (British Medical Journal): 12,827

 

Contexto Clínico

            A demência tem se tornado um problema de saúde pública considerando-se que a expectativa de vida tem aumentado em praticamente todas as regiões do mundo. Estima-se que existam cerca de 25 milhões de pessoas com demência ao redor do mundo e espera-se que este número dobre a cada 20 anos. A prevalência depende de vários fatores, estimando-se que seja de cerca de 15% em idosos com mais de 80 anos e cerca de 25% naqueles com mais de 85 anos. Existem inúmeros fatores de risco para o declínio cognitivo, dentre os quais podemos destacar o estilo de vida. Vários fatores têm sido relatados como preditores de um melhor prognóstico cognitivo nas idades mais avançadas, podendo-se destacar nível de educação, atividade física, trabalhos que exijam atividade intelectual, posições administrativas mais elevadas no trabalho, e várias atividades intelectuais e de lazer. Além disso, uma rede social mais rica parece estar associada a uma menor deterioração cognitiva. Alguns estudos mostram que viver com um companheiro(a) e a qualidade do relacionamento estão ambos associados positivamente com saúde e longevidade. Entretanto poucos estudos avaliaram a associação, de forma prospectiva, entre o estado civil e o risco de demência. Assim, os autores avaliaram se o estado civil na meia idade relaciona-se com a função cognitiva em idades mais avançadas.

 

O Estudo

            Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, de base populacional, com seguimento médio de 21 anos, realizado em duas regiões do leste da Finlândia. Este estudo foi parte do estudo CAIDE (cardiovascular risk factors, aging and dementia). Os participantes do estudo CAIDE consistiam de uma amostra aleatória de 2000 sobreviventes de quatro amostras populacionais distintas, investigadas originalmente em 1972, 1977, 1982 e 1987. Os participantes foram selecionados por amostragem aleatória, tendo sido examinados inicialmente com uma idade média de 50,4 anos.  Em média 21 anos após a avaliação de base, 1.449 participantes (73%) foram re-examinados. As principais variáveis avaliadas foram o estado civil tanto na avaliação de base como no seguimento [solteiro(a), casado(a) ou morando junto, divorciado(a) ou viúvo(a)] e medidas diagnósticas de disfunção cognitiva no seguimento. Os autores combinaram o estado civil avaliado nos dois momentos (inicial e no seguimento) e posteriormente relacionaram tanto o estado civil de base (meia idade) como a transição do estado civil com a função cognitiva no seguimento (idades entre 65 e 79 anos). Os desfechos primários avaliados foram doença de Alzheimer e disfunção cognitiva leve.

 

Resultados

            Indivíduos sem parceiro(a) na meia idade (média de 50,4 anos) tiveram uma chance maior de apresentar disfunção cognitiva com idades de 65 a 79 anos (RR:2,09 IC95% 1,3 – 3,4). Indivíduos viúvos ou divorciados na meia idade e ainda na mesma situação no seguimento apresentaram um risco de desenvolver disfunção cognitiva três vezes maior que os casados ou morando juntos. Os viúvos tanto na meia idade como no seguimento apresentaram um risco relativo de doença de Alzheimer de 7,76 (IC95% 1,6 – 40,0) comparados aos indivíduos casados ou morando juntos. O maior aumento no risco de doença de Alzheimer ocorreu nos participantes portadores do alelo e4 da apolipoproteína E que perderam seus parceiros antes da meia idade e que ainda permaneciam sozinhos no seguimento. A inclusão progressiva de diversas outras variáveis da meia idade no modelo de regressão não alterou estas associações. Os autores concluem que viver junto com um parceiro(a) pode implicar em desafios cognitivos e sociais que têm um efeito protetor contra o declínio cognitivo em idades mais avançadas, o que é consistente com a hipótese da reserva cerebral. Os aumentos específicos de risco para indivíduos divorciados ou viúvos comparados com os solteiros indica que outros fatores são necessários para explicar parte dos resultados. Além disso, os autores comentam que um modelo sócio-genético de doença pode explicar o aumento dramático do risco de demência entre os participantes viúvos portadores do alelo e4 da apolipoporteína E.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            É um estudo com resultados robustos, tanto pelo número apreciável de participantes, como pelo fato de ser uma amostra aleatória de base populacional, além de ter tido um grande período de seguimento e de ajustes para possíveis fatores de confusão terem sido feitos. Além disto, os achados foram consistentes, os riscos relativos foram semelhantes tanto para doença de Alzheimer como para disfunção cognitiva leve e a significância foi robusta. Todas estas características fazem com que o achado de que a falta de um parceiro na meia idade está associada a um risco duas vezes maior de desenvolver disfunção cognitiva e doença de Alzheimer seja crível e possa ser utilizado para instituição de intervenções voltadas para tentar reduzir este novo fator de risco para o desenvolvimento de deterioração da função cognitiva. O fortalecimento da rede social de indivíduos que vivem sós na meia idade pode ter algum impacto na redução da incidência de demência. O principal achado deste estudo não é surpreendente, uma vez que há evidências de que inúmeras atividades intelectuais e sociais são fatores protetores para demência, a assim chamada hipótese da reserva cerebral2,3. Assim, consistente com a hipótese da reserva cerebral, a redução no risco de disfunção cognitiva em idades mais avançadas, observada no presente estudo, possivelmente seja um reflexo de um alto nível de estimulação intelectual e social inerentes a um relacionamento amoroso. Por outro lado, se observarmos outro dado do estudo, o fato de que indivíduos viúvos têm uma chance maior de desenvolver disfunção cognitiva do que indivíduos solteiros, concluiremos que há algo além da hipótese da reserva cerebral, uma vez que solteiros permaneceram mais tempo de suas vidas sem um parceiro do que os viúvos. Possivelmente a questão do luto e da depressão tenha algum papel no desenvolvimento de disfunção cognitiva nestes casos, embora existam poucos estudos de longo seguimento que tenham avaliado a depressão como fator de risco para demência. Outro achado interessante foi o relacionado às interações entre fatores genéticos (alelo e4 da apolipoproteína E) e sociais (vida sem um parceiro) no desenvolvimento da demência. Por último, este editor reforça a questão das possíveis intervenções sociais e de suporte para indivíduos que perderam seus parceiros como forma de tentar minimizar o surgimento de disfunções cognitivas com todas as suas implicações.

 

Bibliografia

1.     Hakansson K, Rovio S, Helkala EL, Vilska AR, Winblad B, Soininen H, Nissinen A, Mohammed AH, Kivipelto M. Association between mid-life marital status and cognitive function in later life: population based cohort study. BMJ 2009;339:b2462.

2.     Fratiglioni L, Wang HX. Brain reserve hypothesis in dementia. J Alzheimers Dis 2007;12:11-22.

3.     ValenzuelaMJ, Sachdev P. Brain reserve and dementia: a systematic review. Psychol Med 2006;36:441-54.

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