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Acetilcisteína para prevenção de nefropatia por contraste após angiografia

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 22/02/2012

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Área de atuação: Medicina Hospitalar, Medicina Ambulatorial, Medicina Intensiva

 

Especialidade: Cardiologia, Cirurgia Vascular, Nefrologia, Clínica Médica, Medicina de Emergência, Medicina Intensiva

 

Resumo

A ocorrência de nefropatia após a realização de procedimentos radiológicos com contraste é um problema grave. Diversas estratégias têm sido testadas para a sua prevenção. O uso de acetilcisteína é a estratégia mais densamente estudada, porém ainda com resultados controversos. Este estudo brasileiro é o maior estudo já realizado para a avaliação desta estratégia.

 

Contexto clínico

A nefropatia induzida pelo contraste é uma complicação grave de procedimentos radiológicos que se associa com um pior prognóstico para o paciente. A acetilcisteína é um tratamento proposto para reduzir a incidência de nefropatia por contraste. No entanto, após mais de 10 anos, diversos estudos e metanálises foram incapazes de trazer resultados consistentes sobre o seu benefício. Este estudo multicêntrico brasileiro propôs-se a resolver esta questão.

 

O estudo

O estudo teve um desenho randomizado, controlado e comparou acetilcisteína e placebo em pacientes submetidos à angiografia coronariana ou periférica com risco de nefropatia por contraste. Os pacientes eram elegíveis se tivessem ao menos um fator de risco para nefropatia por contraste: > 70 anos, insuficiência renal crônica (IRC; creatinina > 1,5 mg/dL), diabetes melito (–DM), evidência clínica de insuficiência cardíaca, fração de ejeção < 45% ou hipotensão. Foram excluídos pacientes dialíticos e aqueles submetidos à angioplastia primária. Foram excluídas mulheres gestantes, lactantes ou com menos de 45 anos de idade sem uso de métodos contraceptivos.

Os pacientes eram alocados para receber 1.200 mg de acetilcisteína a cada 12 horas, 2 doses antes e 2 doses após o procedimento, ou placebo. Hidratação com solução salina a 0,9% (1 mL/kg/h), a cada 6 a 12 horas antes e 6 a 12 horas após a angiografia, era fortemente recomendada. No entanto, eram permitidas alterações no volume total e na sua velocidade.

O desfecho primário foi a ocorrência de nefropatia induzida pelo contraste, definida como um aumento de 25% da creatinina em relação ao basal entre 48 e 96 horas após o procedimento. Os desfechos secundários foram a combinação de morte ou necessidade de diálise 48 a 96 horas após o procedimento e em 30 dias, os componentes individuais do desfecho combinado, a elevação maior que 0,5 mg/dL na creatinina após 48 a 96 horas do procedimento e morte por causas cardiovasculares em 30 dias. A análise de alguns subgrupos foi definida a priori: idade maior e menor que 70 anos, sexo, presença ou não de IRC, presença ou não de DM, volume de contraste = 140 mL.

O estudo randomizou 2.308 pacientes, 1.172 para acetilcisteína e 1.136 para placebo. A maioria dos pacientes (67,2%) realizou angiografia coronariana. O contraste de baixa osmolaridade foi o mais usado (74,7%) e, em aproximadamente metade dos pacientes, o volume administrado foi maior que 100 mL.

A elevação de 25% ou mais da creatinina em 48 a 96 horas ocorreu em 12,7% dos pacientes no grupo acetilcisteína e em 12,7% no grupo placebo (p=0,97). A ocorrência do desfecho combinado morte ou diálise em 48 a 96% foi de 2,2% no grupo acetilcisteína e 2,3% no grupo placebo (p=0,92). Não houve diferenças nos outros desfechos analisados. Não houve diferenças também no aumento da creatinina em nenhum dos subgrupos.

Os autores realizaram, ainda, uma metanálise combinando os resultados do presente estudo com o dos anteriores. A combinação com estudos metodologicamente bem feitos (adequadamente randomizados, duplo-cegos e com análise por intenção de tratar) mostrou que acetilcisteína não tem nenhum papel na prevenção da nefropatia por contraste (risco relativo de 1,01; IC 95% 0,75 - 1,37), sem haver heterogeneidade nos resultados.

 

Aplicações para a prática clínica

Este belo estudo nacional, o maior já realizado para avaliar o real papel da acetilcisteína na prevenção de nefropatia por contraste, não mostrou benefícios com seu uso. A análise de todos os subgrupos importantes, incluindo aqueles com IRC e DM, mostrou a mesma tendência de resultados, embora, obviamente, seu poder estatístico tenha sido menor e estas análises não fossem o objetivo primário do estudo. Além disso, a combinação dos resultados deste estudo com de estudos de qualidade realizados anteriormente mostram que, de fato, a acetilcisteína não tem nenhum papel na prevenção de nefropatia por contraste. A discussão sobre uso de acetilcisteína oral ou endovenosa é irrelevante neste contexto. Portanto, o uso de acetilcisteína não pode mais ser recomendado para a prevenção de nefropatia por contraste.

 

Glossário

Randomização: processo de sorteio aleatório de participantes de ensaios clínicos de forma a tornar os grupos de comparação homogêneos quanto a uma série de potenciais variáveis que podem ter influência nos desfechos. É a principal técnica para reduzir viés em ensaios clínicos2.

Risco relativo: relação da probabilidade do evento (no caso, nefropatia por contraste) ocorrer no grupo exposto (acetilcisteína) contra o grupo não exposto (placebo). É a razão da incidência de desfecho entre os expostos e não expostos a um determinado fator de risco ou intervenção3.

Metanálise: conjunto de técnicas estatísticas utilizadas para integrar os resultados de dois ou mais estudos, sobre uma mesma questão de pesquisa, sintetizando-os em uma medida de efeito única4.

 

Bibliografia

1.    ACT Investigators. Acetylcysteine for prevention of renal outcomes in patients undergoing coronary and peripheral vascular angiography: main results from the randomized acetylcysteine for contrast-induced nephropathy trial (ACT). Circulation. 2011; 124(11):1250-9 [Link para o Resumo] (Fator de impacto: 14.595).

2.    Olmos RD, Martins HS, Lotufo PA, Benseñor IM. Ensaios clínicos – Princípios teóricos. In: Benseñor IM, Lotufo PA. Epidemiologia. Abordagem prática. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2011.

3.    Goulart AC, Duarte Neto AN, Azevedo FB. Medidas de associação. In: Benseñor IM, Lotufo PA. Epidemiologia. Abordagem prática. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2011.

4.    Brunoni AR. Revisão sistemática e meta-análise: juntando maçãs e laranjas. In: Benseñor IM, Lotufo PA. Epidemiologia. Abordagem prática. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2011.

 

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