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Dexmedetomidina vs midazolam ou propofol para sedação em ventilação mecânica

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 25/06/2012

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Área de atuação: Medicina Intensiva

 

Especialidade: Medicina Intensiva

Resumo

A sedação é parte integrante do cuidado do paciente sob ventilação mecânica. Contudo, a melhor droga para o procedimento ainda é motivo de controvérsia. Este trabalho1 sugere que a dexmedetomidina seja tão eficaz quanto o midazolam ou o propofol para manter uma sedação leve, mas reduziu o tempo de ventilação mecânica quando comparada ao midazolam.

 

Contexto clínico

Sedação normalmente é usada para reduzir o desconforto dos pacientes sob ventilação mecânica. Embora seja possível manter um paciente totalmente sem sedação e, ainda assim, calmo e confortável2, boa parte dos pacientes precisa de drogas para reduzir a ansiedade e melhorar a tolerância à intubação. Por outro lado, a sedação excessiva é associada a diversos efeitos adversos, como aumento do tempo de ventilação mecânica, delirium e disfunção cognitiva posterior. O midazolam, principal sedativo usado,  associa-se à sedação excessiva pela sua capacidade de acumular-se nos tecidos, especialmente em pacientes com insuficiência renal. O propofol parece ter um perfil farmacológico mais seguro neste sentido, mas seu uso em altas doses ou por períodos prolongados também pode ser problemático. A dexmedetomidina, um alfa-2 agonista, surge como uma alternativa. Estudos prévios sugeriram que seu uso reduz a incidência de coma e delirium, quando comparada ao lorazepam3 (não disponível no Brasil), e reduz o tempo de ventilação mecânica quando comparada ao midazolam4. Este trabalho é a união dos dados de dois estudos multicêntricos europeus que compararam o uso da dexmedetomidina com o sedativo comumente usado na UTI em questão (midazolam ou propofol).

 

O estudo

Foram conduzidos 2 estudos multicêntricos, randomizados e duplo-cegos em que se incluíram pacientes com mais de 18 anos, com necessidade de ventilação mecânica e indicação de sedação leve (RASS 0 [alerta e calmo] a -3 [responde a estímulos verbais pela movimentação ou abertura ocular, mas sem manter contato visual]), em uso de midazolam ou propofol a menos de 48 horas e com expectativa de ficar em ventilação mecânica por mais ao menos 24 horas. Foram excluídos pacientes com doença neurológica aguda grave, pressão arterial média inferior a 55 mmHg, apesar de expansão volêmica, e vasopressores, bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º graus (a menos que já estivessem com marca-passo) e que tivesse usado um alfa-2 agonista ou antagonista nas últimas 24 horas.

Os sedativos foram infundidos sem bolus e as doses usadas foram: dexmedetomidina 0,2 a 1,4 mcg/kg/h, midazolam 0,03 a 0,2 mg/kg/h e propofol 0,3 a 4 mg/kg/h. Analgesia foi realizada com bolus de fentanil. Midazolam em bolus foi usado para agitação no estudo que comparou propofol e dexmedetomidina e propofol foi usado no estudo que comparou midazolam e dexmedetomidina. Diariamente, recomendava-se que os pacientes tivessem a sedação pausada e, se possível, fossem avaliados com um teste de respiração espontânea.

Os desfechos principais avaliados foram a proporção de tempo em que o paciente permaneceu no alvo de sedação (RASS 0 a -3) e a duração da ventilação mecânica da randomização até a liberação da ventilação mecânica (incluindo ventilação não invasiva) sem a necessidade de reinstituição em 48 horas. Desfechos secundários analisados foram tempo de internação na UTI e avaliação da capacidade de comunicação do paciente.

Foram incluídos 500 pacientes na comparação midazolam e dexmedetomidina e 498 na comparação propofol e dexmedetomidina.

A proporção de tempo na sedação alvo foi semelhante nos dois grupos de cada estudo (midazolam 56,6% vs. dexmedetomidina 60,7%, p=0,15; propofol 64,7% vs. dexmedetomidina 64,6%, p=0,97). Os testes de respiração espontânea foram realizados mais frequentemente com a dexmedetomidina em comparação tanto com o midazolam quanto com o propofol. A duração da ventilação mecânica foi menor com a dexmedetomidina quando comparada ao midazolam (164 vs. 123h, p=0,03), mas semelhante na comparação entre propofol e dexmedetomidina (118 vs. 97h, p=0,24). Não houve diferenças quanto ao tempo de internação na UTI.

Os pacientes que receberam dexmedetomidina, segundo a avaliação da enfermagem, foram mais facilmente despertáveis, mais cooperativos e mais hábeis para comunicar dor quando comparados tanto ao midazolam quanto ao propofol (p<0,001 para todas as comparações).

Hipotensão foi mais comum com o uso de dexmedetomidina do que com midazolam (20,6 vs. 11,6%, p=0,007). Bradicardia também foi mais comum (14,2 vs. 5,2%, p<0,001). Na comparação com o propofol, hipotensão e bradicardia tiveram incidências semelhantes; porém, bloqueio atrioventricular de 1º grau foi mais comum nos pacientes que receberam dexmedetomidina (3,7 vs. 0,8%, p=0,04).

Disfunção cognitiva (agitação, ansiedade e delirium) em 48 horas não foram diferentes na comparação entre midazolam e dexmedetomidina, mas foram mais comuns com o propofol do que com a dexmedetomidina (29 vs. 18%, p=0,008 ). Não houve diferenças quanto à incidência de delirium em 48 horas, medido pelo CAM-ICU, nos dois estudos.

 

Aplicações para a prática clínica

Estes 2 estudos mostraram que a dexmedetomidina é, no mínimo, tão eficaz quanto o midazolam ou o propofol para manter uma sedação leve. Porém, a dexmedetomidina reduziu o tempo de tempo de ventilação mecânica na comparação com o midazolam, dado já mostrado em outro estudo4, e associou-se com uma melhor comunicação com os profissionais de saúde, permitindo, por exemplo, a melhor comunicação de dor. As diferenças na incidência de delirium em comparação com outros estudos devem-se, provavelmente, a diferentes metodologias de avaliação. A realização de duas comparações foi interessante e partiu da premissa dos intensivistas de que propofol e midazolam não são usados do mesmo modo e, realmente, são diferentes.

A dexmedetomidina é aprovada para o uso de sedação de curta duração (< 48 horas) pelo FDA. No entanto, nos últimos 3 anos, os estudos têm mostrado sua segurança (e eficácia) por tempos e em doses maiores que as aprovadas. Seu uso ainda é limitado pelo seu alto preço, problema que talvez melhore com a queda da sua patente, prevista para breve.

Por ora, o que se pode recomendar é que, se houver necessidade de sedação contínua e disponibilidade, a dexmedetomidina pode ser usada como agente sedativo nos casos em que se queira uma sedação leve. Esta estratégia de sedação é recomendada em todos os pacientes sob ventilação mecânica, exceto aqueles com insultos neurológicos graves (hipertensão intracraniana, estado de mal epilético) ou hipoxemias graves que necessitem de estratégias ventilatórias “não fisiológicas” (prona, tempo inspiratório prolongado, ECMO). Deve-se atentar ao risco de hipotensão e, especialmente, bradicardia. A bradicardia tem sido descrita como um evento frequente em todos os estudos, embora não se tenha observado a maior necessidade de atropina ou marca-passos. A dexmedetomidina deve ser usada com cautela (ou não ser usada) em pacientes com disfunção miocárdica grave ou choque cardiogênico. Não havendo a disponibilidade de dexmedetomidina, o propofol surge como a alternativa mais adequada. O uso do midazolam deve ser evitado em casos que necessitem de sedação leve. Devemos lembrar sempre, porém, que boa parte dos pacientes pode ficar sem sedativo contínuo, recebendo apenas analgésicos2.

 

Glossário

Teste de respiração espontânea: teste realizado por 30 minutos com o paciente desconectado do ventilador, recebendo apenas oxigênio pelo tubo orotraqueal, ou apenas com parâmetros mínimos no ventilador em um modo espontâneo, para avaliar a capacidade do paciente ser extubado.

RASS (Richmond Agitation Sedation Scale): escala de sedação mais usada atualmente nos estudos (ver tabela a seguir).

 

Pontos

Termo

Descrição

+4

Combativo

Claramente combativo, violento, representando risco para a equipe.

+3

Muito agitado

Puxa ou remove tubos e cateteres, agressivo verbalmente.

+2

Agitado

Movimentos despropositados frequentes, briga com o ventilador.

+1

Inquieto

Apresenta movimentos, mas não são agressivos ou vigorosos.

0

Alerta e calmo

 

-1

Sonolento

Adormecido, mas acorda ao ser chamado (estímulo verbal) e mantém os olhos abertos por mais de 10 segundos.

-2

Sedação leve

Despertar precoce ao estímulo verbal, mantém contato visual por menos de 10 segundos.

-3

Sedação moderada

Movimentação ou abertura ocular ao estímulo verbal (mas sem contato visual).

-4

Sedação intensa

Sem resposta ao ser chamado pelo nome, mas apresenta movimentação ou abertura ocular ao toque (estímulo físico).

-5

Não desperta

Sem resposta ao estímulo verbal ou físico.

 

CAM-ICU (Confusion Assessment Method – Intensive Care Unit): ferramenta usada para avaliar delirium em pacientes de UTI. Avalia o nível de consciência e sua flutuação, atenção e organização do pensamento.

 

Referências

1.  Jakob SM, Ruokonen E, Grounds RM, Sarapohja T, Garratt C, Pocock SJ et al. Dexmedetomidine vs midazolam or propofol for sedation during prolonged mechanical ventilation: two randomized controlled trials. JAMA. 2012 Mar 21;307(11):1151-60. [Link para o abstract] (Fator de impacto: 30,01).

2.  Strom T, Martinussen T, Toft P. A protocol of no sedation for critically ill patients receiving mechanical ventilation: a randomised trial. Lancet. 2010 Feb 6;375(9713):475-80. [Link para o abstract] (Fator de impacto: 33,63).

3.  Pandharipande PP, Pun BT, Herr DL, Maze M, Girard TD, Miller RR, et al. Effect of sedation with dexmedetomidine vs lorazepam on acute brain dysfunction in mechanically ventilated patients: the MENDS randomized controlled trial. JAMA. 2007 Dec 12;298(22):2644-53. [Link para o abstract]  (Fator de impacto: 30,01).

4.  Riker RR, Shehabi Y, Bokesch PM, Ceraso D, Wisemandle W, Koura F, et al. Dexmedetomidine vs midazolam for sedation of critically ill patients: a randomized trial. JAMA. 2009 Feb 4;301(5):489-99. [Link para o abstract]  (Fator de impacto: 30,01).

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