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Qual o melhor momento para realizar colecistectomia na colecistite aguda?

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 25/04/2014

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Contexto Clínico

         Por muito tempo, e ainda há médicos que acreditam neste dogma, pensou-se que seria melhor postergar a realização de colecistectomia em pacientes com colecistite aguda, realizando  procedimento apenas após um período de antibioticoterapia. O ideal seria operar uma via biliar menos inflamada e infectada obtendo-se  assim,  melhores resultados  para os pacientes. Há poucas evidências, entretanto, que possam respaldar esta conduta, e apresentamos a seguir dois estudos cujas conclusões dão embasamento à prática de realizar colecistectomia de forma mais precoce, uma vez que  causa impacto em mortalidade e complicações.

 

O Estudo

         O primeiro estudo que apresentamos é uma coorte retrospectiva de pacientes admitidos em caráter de urgência por colecistite aguda e tratados com colecistectomia, entre abril de 2004 e março de 2011, em Ontário no Canadá. Os pacientes foram avaliados conforme dois grupos de exposição: os que realizaram cirurgia com até sete dias da chegada ao pronto socorro, e aqueles que tiveram sua cirurgia postergada após esse período. O desfecho primário avaliado foi lesão grave de duto biliar com necessidade de reabordagem cirúrgica em até seis meses após colecistectomia. Os desfechos secundários avaliados foram dano grave de duto biliar ou morte, mortalidade nos 30 dias de pós-operatório, realização de colecistectomia aberta, conversão de casos laparoscópicos para cirurgia para aberta, e tempo de internação hospitalar. Um total de 14.220 pacientes foram incluídos. A colecistectomia precoce se associou com menor risco de dano ao duto biliar [0,28% vs 0,53%, risco relativo (RR) = 0,53; IC95%: 0,31–0,90], menor risco de dano de duto biliar ou morte (1,36% vs 1,88%, RR = 0,72; IC95%: 0,56–0,94), e, mesmo sem ser estatisticamente significativa, menor mortalidade em 30 dias (0,46% vs 0,64%, RR = 0,73, IC95%: 0,47–1,15). O tempo de internação hospitalar foi menor quando realizada a cirurgia mais precocemente (diferença média de 1,9 dias, IC95%: 1,7–2,1). Não houve diferenças nas taxas de cirurgias abertas (15% vs 14%, RR = 1,07, IC95%: 0,99–1,16) ou na taxa de conversão para colecistectomia aberta (11% vs 10%, RR = 1,02, IC95%: 0,93–1,13).

        O segundo estudo que apresentamos fornece um nível maior de evidência. Chamado de ACDC (Acute Cholecystitis—early laparoscopic surgery versus antibiotic therapy and Delayed elective Cholecystectomy) é um ensaio clínico randomizado, prospectivo, não cegado, multicêntrico, realizado na Alemanha. Neste estudo, os pacientes (pouco mais de 300 em cada grupo) foram randomizados a realizar cirurgia laparoscópica nas primeiras 24h de admissão hospitalar, ou a realizar tratamento com antibióticos e depois realizar colecistectomia laparoscópica eletiva entre 7 a 45 dias após este curso de antibióticos. Independente do grupo, todos os pacientes receberam moxifloxacino nas primeiras 48h. O desfecho primário avaliado foi a ocorrência de morbidade nos primeiros 75 dias após o quadro agudo. Os desfechos secundários avaliado foram os seguintes: (1) morbidade em 75 dias medida por escore; (2) taxa de conversão de cirurgia para aberta; (3) mudança do esquema antibiótico; (4) mortalidade; (5) custos; e (6) tempo de internação hospitalar. A taxa de morbidade foi menor no grupo que realizou cirurgia precoce (11,8% vs 34,4%). A taxa de conversão para cirurgia aberta e a mortalidade não foram diferentes entre os grupos. O tempo de internação para quem fez cirurgia precoce também foi menor (5,4 vs 10 dias; P<0,001), bem como os custos hospitalares  em euros ($2919,00 vs $4262,00; P<0,001).

 

Aplicações para a Prática Clínica

         Já no primeiro estudo, apesar de ser apenas observacional, mas levando em conta que é uma coorte com um número grande de pacientes, observamos a tendência de que uma cirurgia realizada nos primeiros sete dias após a chegada a um pronto socorro, para um paciente com colecistite aguda, traz os seguintes benefícios: menor risco de dano de duto biliar ou morte, ou seja, menos eventos adversos. Além disso, os pacientes do grupo precoce ficaram em média dois dias a menos internados.

         O segundo estudo fornece uma evidência mais contundente por se tratar de ensaio clínico randomizado multicêntrico, com cerca de 300 pacientes em cada braço do estudo. Os resultados são ainda mais importantes, pois foi comparada a conduta de cirurgia nas primeiras 24h de quadro contra cirurgias postergadas para após uma semana de antibioticoterapia. Mais uma vez, menos eventos adversos ocorreram no grupo de tratamento precoce, onde ocorreu menor morbidade, cerca de um terço da morbidade com cirurgia postergada, além de haver cerca de metade do tempo de internação (5,4 vs 10 dias), e uma economia média de mais de 1000 euros por caso.

         Com base nessas evidências, recomendamos que os hospitais adotem a conduta de colecistectomia videolaparoscópica nas primeiras 24h de entrada de pacientes com colecistite aguda, tendo em vista menor morbidade para o paciente, além de ser custo-efetivo para o sistema de saúde, por poupar dias de internação e custos hospitalares.

 

Bibliografia

1.                  Gutt CN et al. Acute cholecystitis: Early versus delayed cholecystectomy, a multicenter randomized trial (ACDC study, NCT00447304). Ann Surg 2013 Sep; 258:385 (link para o artigo).

2.                  de Mestral C et al. Comparative operative outcomes of early and delayed cholecystectomy for acute cholecystitis: A population-based propensity score analysis. Ann Surg 2014 Jan; 259:10 (link para o artigo).

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