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Hepatite alcoólica aguda

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/11/2008

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Quadro Clínico

            Paciente com 53 anos e antecedente de cirrose hepática secundaria ao álcool, com classificação quando estável Child B. Voltou a fazer ingestão de destilados há 1 semana e vem ao serviço com quadro de dor abdominal, anorexia, náuseas e sensação de mal-estar há 1 dia, além de sonolência maior que habitual.

            Ao Exame: desidratado +/4+, ictérico ++/4+, acianótico, flapping +

 

PA: 110/68 mmHg

FC: 85 b.p.m

Ap Resp: MV+, sem RA

Ap CV: 2 BRNF, sem sopros

TGI: abdome ascítico, com dor difusa á palpação, Descompressão brusca negativa

 

Comentário

            Paciente com antecedente de cirrose hepática previamente estável, sem uso de medicações. Fez ingestão alcoólica importante recente evoluindo com quadro de dor abdominal, anorexia e sonolência, com achados possivelmente sugestivos de encefalopatia hepática. A ingestão alcoólica sugere que um possível fator de precipitação de encefalopatia hepática seja uma hepatopatia alcoólica.

 

         Exames obrigatórios: hemograma, função renal, eletrólitos, glicemia, enzimas hepáticas, coagulograma a proteínas totais e frações( avaliar a função hepática) e punção do liquido ascítico. A seguir os exames do paciente.

 

Uréia: 96 mg/dl

Creatinina: 2,1 mg/dl

Na: 130 meq/l

K: 4,8 meq/l

Glicemia de 103 mg/dl

Bilirubima total: 18mg/dl(bilirubina direta 16,1 mg/dl)

 Tempo de protrombina de 18 segundos (normal até 13 segundos)

TGO: 296mg/dl

TGP: 98mg/dl

Albumina: 2,9 mg/dl

Fosfatase alcalina: 108 mg/dl 

Gama glutamil transferase: 102mg/dl

Hb=9,8 mg/dl com VCM de 104, 17200 leucócitos com 10% de bastonetes e 75% de segmentados.

Punção do líquido ascítico com 300 células e 70% de polimorfonucleares( 210 neutrófilos) com Albumina de 0,5 mg/dl, glicose do liquido 65 mg/dl

 

            Os exames revelaram um aumento importante de TGO ou AST, e um aumento menor de TGP ou ALT. Sabemos que quando a AST é maior que a ALT temos um achado sugestivo de hepatopatia alcoólica; quando estes valores são maiores que uma relação AST/ALT de 2,0 apresentam uma chance de 95% de serem ocasionadas pelo álcool e se maiores que 3,0 esta chance aumenta para 98%. Desta forma, temos um paciente com quadro sugestivo de hepatite alcoólica, com encefalopatia hepática, e alteração da função renal, que pode ser causado por síndrome hepato-renal ou desidratação( lembrar que a síndrome hepato-renal é um diagnóstico de exclusão). A leucocitose é característica de hepatite alcoólica e a punção de liquido ascítico não demonstrou peritonite bacteriana espontânea.

 

Abordagem da hepatite alcoólica

         É importante a manutenção do estado nutricional e caso o paciente apresente alteração do nível de consciência introduzir dieta por via enteral.

         A abstinência do álcool é essencial

         A estimativa de sua gravidade pode ser estimada pelo índice de Maddrey:

         IM:4,6 x alt Tempo de Protrombina + Bilirrubina Total. No caso 4,6 x 5( o normal do TP é 13 segundos) + 18 ou seja IM de 41. Quando este índice é superior a 32 a literatura indica o uso de corticoesteróides.

 

Abordagem da encefalopatia hepática

            O tratamento da encefalopatia hepática é principalmente relacionado ao controle das condições que a precipitaram, o uso de lactulose em dose de 20 a 60 ml de duas a 4 vezes ao dia, com o objetivo de manter de duas a quatro evacuações pastosas ao dia é recomendado, o uso de neomicina associado a lactulose pode substituir a lactulose ou ser usado em associação e o uso de enemas é indicado se o pacienteestiver constipado. A abordagem da encefalopatia hepática foi abordada com maiores detalhes no caso da semana anterior.

 

Abordagem da síndrome hepato-renal

            As principais anormalidades da função renal na cirrose consistem em redução na habilidade em excretar sódio e água livre e diminuição na perfusão renal e taxa de filtração glomerular. A intensa vasoconstricção na circulação renal acaba por levar a insuficiência renal, caracterizando então a síndome hepato-renal, ancontrada na cirrose avançada e representante final do extremo “sub-enchimento” da circulação arterial secundário  a vasodilatação no leito vascular esplâncnico.

            O diagnóstico da síndrome hepato-renal depende dos seguintes critérios específicos:

         Insuficiência renal em pacientes com insuficiência hepática, com creatinina maior que 1,5 mg/dl ou clearence menor que 40ml/min

         Ausência de choque, infecção bacteriana, desifratação e uso de drogas nefrotóxicas

         Ausência de melhora com reposição volêmica(1,5 l salina isotônica)

         Ausência de proteinúria maior que 0,5 g/dia e sem alterações ultrassonográficas

 

            Todos estes critérios precisam ser preenchidos para o diagnóstico, outros critérios adicionais para o diagnóstico da síndrome incluem:

         Volume urinário < 500ml ao dia

         Na urinário < 10meq/l

         Osmolaridade urinária > osmolaridade plasmatica

         Número de hemácias < 50 por campo

         Na sérico < 130meq/l

 

            A síndrome hepato-renal pode ser dividida em tipo I e II , no caso acima a possibilidade maior é de alteração aguda portanto característica da tipo I, este paciente recebeu hidratação adequada e evoluiu com uréia de 123 mg/dl e creatinina de 2,9 mg/dl. Apresentava ainda urina I normal, caracterizando a síndrome hepato-renal do tipo I.

            A síndrome se caracteriza por falência renal progressiva, com níveis de creatinina maiores que 2,5mg/dl em menos de 2 semanas. Embora possa surgir espontaneamente, freqüentemente ocorre em associação com algum fator precipitante como infecção grave, hepatite aguda (isquêmica, alcoólica, tóxica ou viral) superimposta à cirrose, procedimento cirúrgico ou sangramento gastro-intestinal.

            Estes pacientes apresentam prognóstico ruim, com aproximadamente 80% deles morrendo em menos de 2 semanas após a instalação do quadro. O manejo destes pacientes inclui:

         limitar ingestão hídrica, naqueles pacientes que apresentem hiponatremia( 1000ml/dia)

         evitar uso de soluções salinas, pelo alto grau de retenção de sódio.

         evitar diuréticos poupadores de potássio, pelo alto risco de hipercalemia

         considerar o paciente para transplante hepático e TIPS

         hemodiálise pode ser considerada como suporte para alguns pacientes com perspectiva de transplante imediato

         O uso de vasoconstrictores representa a única medida médica efetiva nesses pacientes, melhorando a função circulatória através da vasoconstricção do leito vascular esplâncnico extremamente dilatado.Posteriormente há supressão do sistema vasoconstrictor endógeno e conseqüente aumento na perfusão renal.

 

            Entre estas drogas encontramos os análogos da vasopressina, representados pela terlipressina e pela ornipressina (cujo uso não é empregado diante dos graves efeitos cardio-vasculares) e os agonistas alfa adrenérgicos, representados pela norepinefrina e pela midodrina. A terlipressina é o vasoconstrictor mais freqüentemente usado, na dose de 0,5 a 2,0 mg, a cada 4 horas, sendo de fundamental importância a administração concomitante de Albumina venosa.

 

Prescrição do paciente

 

Prescrição

Comentários

1 - Dieta por via oral com restrição de sódio de 2 gramas ao dia

 

A dieta é esssencial em pacientes com encafaloaptia hepática, conforme já comentado caso estes pacientes apresentem-se com alteração do nível de consciência que não permita o paciente se alimentar, considerar precocemente dieta enteral, o uso de aminoácidos de cadeia aromática é de benefício duvidoso, mas pode ser utilizado na dieta como adjuvante.

 

2 - Prednisona 40 mg via oral ao dia ou Metilprednisolona 20 mg EV 12/12 horas

quando o índice de Maddrey é superior a 32, está indicado o uso de corticoesteróides , a dose padrão é de 30-40 mg de prednisolona, podendo ser usada Prednisona, o tempo de uso é por 4 semanas, os estudos mostram diminuição de mortalidade á curto prazo, mas não apos 6 meses.

 

3 - SG 5% 1000 ml + NaCL 20% 30 ml a cada 12/12 horas

Uma solução endovenosa de manutenção é apropriada para estes pacientes, a manutenção da hidratação adequada destes pacientes é fundamental para não piorar a função renal.

4 - terlipressina 1 mg EV a cada 4/4 horas

O uso da terlipressina foi associado com benefício clínico com melhora da função renal destes pacientes, a sua ação vasoconstritora esplâncnica leva a diminuição da vasodilatação renal, a terlipressina é usada em media por 2 semanas

5 - Albumina a 20% 2-4 frascos EV ao dia

A associação de Albumina com a terlipressina melhora o prognóstico destes pacientes , a dose diária é de 20 a gramas ao dia, o frasco de Albumina á 20% com 50ml tem aproximadamente 10 gramas de Albumina, seu uso é indicada enquanto se manter uso de terlipressina

6 - Lactulose 20 ml a cada 8/ 8 horas

Tratamento padrão para encefalopatia hepática, a neomicina pode ser associada, considerações maiores sobre a lactulose e neomicina estão na prescrição da semana anterior

Medicação opcional:  3pentoxifilina 400 mg EV 8/8 horas

Um estudo demonstrou que o uso de pentoxifilina nesta dose diminui a mortalidade a curto prazo com benefício semelhante ao do corticoesteróides, a associação do corticóide e pentoxifilina não foi estudada pela literatura

 

Medicações

 

Terlipressina

            É um análogo sintético da vasopressina, com meia-vida maior. Determina menor freqüência de efeitos colaterais cardiovasculares. Na circulação portal determina diminuição importante no fluxo sanguíneo hepático e esplênico.

            Diminui o fluxo portal, sem alterar a perfusão hepática, reduzindo em 34% o risco relativo de mortalidade no tratamento das hemorragias agudas.

 

Apresentação

Glypressin

 

Posologia: 2 mg em bolus, na admissão do paciente e 1 a 2 mg de 4 em 4 horas por 24 a 48 horas ( não precisando ultrapassar esse período).

 

Efeitos adversos

         Mais comuns: cólicas e diarréia

         Mais grave: é uma droga bradicardizante, podendo levar a QT longo. Necessária monitorização cardíaca durante sua admnistração.

 

Lactulose

 

Mecanismo de ação

            É um açúcar não absorvido no trato gastro-intestinal e nem hidrolisável  pelas enzimas intestinais, devido a ausência da enzima específica( a lactulase). No cólon ela é fermentada por bactérias sacarolíticas, que produzem ácido acético, ácido lático e ácido fórmico.Além do seu efeito catártico, a acidificação do pH intarluminal reduz a formação de uréia e a chegada de amônia à veia porta.

            Deve-se considerar que apesar de serem consideradas o padrão-ouro para o tratamento da encefalopatia hepática a evidência para seu uso vem de estudos de coorte e meta-análise recente da Cochrane falhou em demonstrar diferença de eficácia em comparação com o placebo.

 

Posologia e apresentação comercial

Lactulona

Lactulosum

Usar 60 a 150 ml por dia, divididos em 3 tomadas, com controle das evacuações( diminuir a dosagem caso o paciente apresente diarréia).

 

Efeitos adversos

Diarréia

flatulência

                                                        

Contra-indicações

         Intolerância a lactose

         Galactosemia

         Obstrução intestinal

 

Precauções

            Uso cuidadoso em diabéticos, pois contém pequenas quantidades de lactose e galactose.

            Evitar uso associado a outros laxativos.

 

Uso na gravidez

            Não avaliado

 

Neomicina

 

Mecanismo de ação

            Antibiótico da classe dos aminoglicosídeos, bactericida, que se liga irreversivelmente a subunidade 30s do ribossomo bacteriano, levando a produção de proteínas não-funcionais e morte celular em seguida. Seu uso na encefalopatia hepática se baseia na inibição do crescimento de bactérias colônicas responsáveis pela lise de proteínas e uréia e conseqüente formação de amônia.

 

Posologia e apresentação comercial

Sulfato de neomicina, comprimidos de 250 mg

2 a 8 g, divididas em 4 doses.

 

Efeitos adversos

            Pequenas frações absorvidas de neomicina podem determinar nefro e ototoxicidade.

 

Uso na gravidez

Classe C

 

Flumazenil

 

Mecanismo de ação

            Antagonista benzodiazepínico de ação central.

 

Posologia e apresentação comercial

Lanexat

Na encefalopatia, usadas 1 a 2 mg, em bolus

 

Contra-indicações

Hipersensibilidade à droga

Uso crônico de benzodiazepìnicos

Tratamento de dependência a benzodiazepínicos

 

Gravidez e lactação

Não avaliado

 

Albumina

 

Solução de Albumina humana a 4%* e a 20%.

 

*Não disponível comercialmente no Brasil.

 

Modo de ação

            Expansor do espaço intravascular.

 

Indicações e nível de evidência

Utilizado como solução para ressuscitação volêmica em condições de choque hipovolêmico, distributivo como alternativa ou como adjuvante às soluções cristalóides.

Usa-se, frequentemente, em indivíduos hipoalbuminêmicos, grandes queimados.

Vale a pena comentar que recentemente um grande estudo multicêntrico, controlado, randomizado e duplo-cego constatou a ausência de benefício no uso de solução de Albumina humana 4% em relação a cristalóides no que diz respeito a evolução destes doentes.

 

Posologia

Ofertam-se alíquotas de cerca de 100mL (Albumina a 20%) e verifica-se o efeito obtido.

 

Efeitos adversos

Reações alérgicas, anafilaxia, piora de síndrome do desconforto respiratório agudo assim como hipernatremia e sobrecarga hídrica. Podem ainda diminuir agregação plaquetária induzindo sangramentos.

 

Apresentação comercial

Solução de Albumina humana a 20%, frascos com 100mL.

 

Monitorização

É conveniente reacessar frequentemente o status volêmico do indivíduo durante a infusão assim como os níveis de sódio.

 

Classificação na gravidez

            Classe C.

 

Interações medicamentosas

Nenhuma significativa.

 

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