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Trombose venosa profunda

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 02/05/2013

Comentários de assinantes: 2

Quadro clínico

         Paciente de 25 anos de idade, do sexo masculino, realizou cirurgia para apendicite há 6 dias. No pós-operatório, evoluiu com edema em membro inferior direito; realizou USG Doppler que revelou trombose venosa profunda desde veia ilíaca. Neste texto, será verificada a qual melhor conduta a se tomar, considerando que a perfusão do membro se encontra adequada.

 

Comentários

         A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) fazem parte da mesma doença, que é o tromboembolismo venoso (TEV). Em 1/3 dos pacientes, a apresentação inicial é sob a forma de TEP e em 2/3, sob a forma de TVP. O prognóstico da TVP tratada é excelente, com probabilidade de TEP fatal menor que 1%.

         A TVP de membros inferiores pode ser dividida em duas categorias:

 

      TVP distal: acometendo vasos distais, veias poplíteas; o prognóstico e o risco de TEP são piores nestes casos;

      TVP proximal: envolvendo veias poplíteas, femoral ou ilíacas.

 

Epidemiologia e fatores de risco

         A idade é o maior fator de risco para trombose. Após os 45 anos de idade, esse risco é 20 vezes maior. Ainda assim, mais da metade dos episódios ocorre com algum fator secundário, que inclui os seguintes:

 

      neoplasia;

      internação hospitalar;

      procedimento cirúrgico (42%);

      grande trauma.

 

         Outros fatores precipitantes incluem:

 

      doença infecciosa aguda;

      idade acima de 75 anos;

      neoplasia maligna;

      episódio prévio de doença tromboembólica.

 

         Os procedimentos cirúrgicos de maior risco para TVP são neurocirurgias e cirurgias ortopédicas, sobretudo cirurgias do quadril e joelho. Apesar da profilaxia, 1 a 3% dos pacientes com cirurgias de quadril e joelho apresentam trombose. Internação hospitalar, por sua vez, aumenta em 8 vezes o risco de TVP. A Tabela 1 especifica os principais fatores de risco para TVP.

  

Tabela 1. Fatores de risco para TVP

Fatores hereditários

Fatores adquiridos

Fatores de associação provável

Deficiência de antitrombina

Imobilidade

Aumento de lipoproteína a

Deficiência de proteína C ou S

Idade avançada

Baixos níveis de inibidor de fator tecidual

Resistência à ativação da proteína C com ou sem fator V de Leyden

Neoplasia maligna

Níveis aumentados de homocisteína

Mutação do gene de protrombina

Condição médica aguda (principalmente infecção)

Níveis aumentados de fibrinogênio

Disfibrinigenemia

Grandes cirurgias

 

 

Trauma

 

 

Uso de anticoncepcionais ou reposição hormonal

 

 

Policitemia vera

 

 

Gestação e puerpério imediato

 

 

Síndrome anticorpo antifosfolípides

 

 

Trauma medular

 

 

Obesidade

 

 

Imobilizações

 

 

Cateter venoso central (TVP de membro superior)

 

  

Quadro clínico

         O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer paciente com dor ou edema em membros inferiores, principalmente se unilateral ou assimétrico. O edema costuma ser depressível. Quando a diferença do diâmetro entre as duas panturrilhas é maior que 3 cm, a probabilidade de TVP aumenta sobremaneira.

         A presença de fatores precipitantes potenciais deve ser investigada sistematicamente. A dor à palpação de musculatura de panturrilha é sugestiva do diagnóstico. Achados como eritema, calor local e dor à dorsiflexão do pé têm pouco valor. Considerando a pouca especificidade dos achados clínicos para o diagnóstico, o uso de escores diagnósticos, como o de Welles (Tabela 2), podem ser úteis.

 

Tabela 2. Escore de Wells para TVP

Achado clínico

Pontuação

Neoplasia ativa

1

Paresia ou imobilização de extremidades

1

Restrito ao leito por mais de 3 dias ou grande cirurgia a menos de 4 semanas

1

Hipersensibilidade em trajeto venoso

1

Edema assimétrico de todo membro inferior

1

Diâmetro da região das panturrilhas 3 cm maior em um membro comparado ao outro

1

Edema depressível confinado ao membro sintomático

1

Veias superficiais colaterais (não varicosas)

1

Diagnóstico alternativo mais provável

-2

0 pontos: baixa probabilidade; 1 a 2 pontos: probabilidade intermediária; 3 ou mais pontos: alta probabilidade.

 

         A flegmasia cerúlea é uma complicação que deve ser investigada, pois ocorre em tromboses ileofemurais extensas e apresenta grande morbimortalidade. Sinais e sintomas sugestivos de seu diagnóstico incluem aparecimento de dor intensa em região de membros inferiores, com edema significativo, cianose e gangrena venosa, podendo evoluir com síndrome compartimental e comprometimento arterial. Assim, a avaliação da perfusão do membro é fundamental nestes pacientes.

 

Exames complementares

D-dímeros

         Apresentam alta sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico de TVP. Portanto, não podem ser usados isoladamente para diagnóstico de TVP, sendo necessário realizar outros exames para confirmação do diagnóstico.

         Em pacientes com baixo risco clínico de TVP, entretanto, um exame negativo exclui o seu diagnóstico.

 

USG Doppler

         É o exame de escolha para diagnóstico de TVP e deve ser realizado em todos pacientes com alta probabilidade clínica de TEP. O principal critério ultrassonográfico para diagnóstico de TVP é o teste de compressão, com leve compressão em linha venosa. Caso seja possível compressão completa, exclui-se TVP.

 

Angiorressonância venosa

         Acurácia comparável à venografia.

 

Venografia

         Exame considerado padrão-ouro para o diagnóstico de TVP, porém, por ser invasivo, é usado apenas em casos selecionados.

 

Investigação de trombofilias

         É recomendado o rastreamento nas seguintes situações:

 

      TVP idiopática em pacientes com menos de 50 anos de idade;

      história familiar de TVP (parentes de 1º grau);

      mulheres gestantes ou que pretendem engravidar, com história familiar de TVP ou que pretendem usar anticoncepcional oral ou realizar terapia de reposição hormonal;

      TVP recorrente;

      TVP em locais inusitados, como veias portais, mesentéricas e hepáticas;

      complicações com varfarina como necrose cutânea sugestivas de deficiência de proteína C ou S.

 

         A maioria das trombofilias só pode ser investigada meses após o episódio agudo. A investigação destas trombofilias não será discutida neste capítulo.

 

Tratamento

         A maioria dos casos pode ser tratada seguramente em ambiente ambulatorial, mas algumas condições são necessárias:

 

      paciente estável com sinais vitais normais;

      ausência de alto risco de sangramento;

      ausência de insuficiência renal grave;

      capacidade de administrar medicação e monitoração posterior.

 

         O tratamento de escolha é feito com heparina de baixo peso molecular, heparina não fracionada ou fondaparinaux subcutâneo, devido à facilidade de aplicação e monitoração. Concomitantemente, deve ser prescrita ainda anticoagulação por via oral. As opções são:

 

      Varfarina sódica (antagonista da vitamina K): dose inicial de 5 mg, via oral, em jejum, 1 vez/dia. A dose deve ser ajustada pra manter o INR entre 2 e 3. A heparina pode ser suspensa apenas quando se conseguir o INR acima de 2 durante dois dias seguidos.

      Dabigatran (inibidor direto da trombina): dose de 150 mg, via oral, a cada 12 horas. Em estudos, a medicação apresentou perfil de segurança e eficácia similar à varfarina. Apesar da vantagem de prescindir da necessidade de controle de INR, é uma medicação de alto custo e pouco disponível.

      Rivaroxabam: inibidor do fator Xa; a dose inicial é de 15 mg 2 vezes/dia por 3 semanas e, depois, dose de 20 mg 1 vez/dia.

 

Heparina não fracionada

         Apresenta grandes variações entre diferentes pacientes. Por este motivo, a resposta deve ser monitorada pelo TTPA. As recomendações para tratamento hospitalar das diretrizes brasileiras sugerem o seguinte:

 

      dose de ataque de 80 UI/kg endovenosa (alternativa dose única de 5.000 U);

      infusão contínua com dose inicial de 18 UI/kg/h e ajuste da dose pelo TTPa com objetivo de atingir valores de 1,5 a 2,5.

 

         Deve-se verificar o número de plaquetas no 3º e no 5º dia devido ao risco de plaquetopenia autoimune pela heparina. O INR deve ser verificado inicialmente a cada 6 horas e depois diariamente. A heparina é descontinuada apenas quando o INR obtido com a anticoagulação oral estiver em níveis adequados (INR 2 a 3) por 2 dias consecutivos.

         Uma opção também com validação na literatura é o uso de heparina convencional subcutânea, que pode ser utilizada da seguinte forma:

 

      dose inicial: 333 U/kg peso, SC;

      manutenção: 250 U/kg peso, SC, a cada 12 horas;

      não há necessidade de controle de coagulograma.

 

Heparina de baixo peso molecular (HBPM)

         Podem ser utilizadas em dose única diária:

 

      enoxaparina SC: 1,5 mg/kg de pe­so, 1 vez/dia. A dose a cada 12 horas é de 1 mg/kg;

      dalteparina: 200 unidades/kg de peso, 1 vez/dia;

      nadroparina: 171 unidades/kg de peso, 1 vez/dia;

      tinzaparina: 175 unidades/kg de peso, 1 vez/dia.

 

         As heparinas de baixo peso molecular não apresentam grande segurança em pacientes com clearance de creatinina menor que 30 mL/min e devem ser evitados nesta situação.

 

Fondaparinux

         As doses são:

 

      peso menor que 50 kg: 5 mg SC, 1 vez/dia;

      peso entre 50 e 100 kg: 7,5 mg SC, 1 vez/dia;

      peso maior que 100 kg: 10 mg SC, 1 vez/dia.

 

Inibidores da trombina

         Apenas a bivalirudina está sendo produzida comercialmente. Sua dose é de 0,15 mg/kg/hora, mantendo TTPA entre 1,5 e 2,5 vezes o controle. Doses de 0,14 mg/kg/hora são indicadas em disfunção hepática e de 0,03 a 0,05 mg/kg/hora, se disfunção hepática e renal combinadas.

 

Tempo de tratamento

         Após o evento trombótico, o tratamento consiste no uso parenteral de heparina ou outros anticoagulantes concomitantemente ao uso de antagonistas da vitamina K, que são administrados por um período de 3 a 6 meses, com objetivo de manter INR entre 2 e 3. A Tabela 3 sugere os tempos de tratamento em diferentes situações clínicas.

 

Tabela 3. Recomendações de duração da anticoagulação para TVP conforme os consensos da ACCP e da BTS

Indicação

ACCP guideline

BTS guideline

Primeiro evento trombótico secundário a cirurgia ou outro fator identificável

3 meses

4 a 6 semanas

Primeiro evento idiopático

Pelo menos 3 meses de tratamento, reavaliar risco de recorrência posterior

3 meses

Segundo episódio ou fator de risco mantido (p. ex., neoplasia)

Anticoagulação prologada

Pelo menos 6 meses

 

Filtros de veia cava

         Indicado apenas em situações específicas:

 

      Paciente com episódios recorrentes de tromboembolismo venoso que ocorrem apesar da anticoagulação adequada

      Pacientes com trombose venosa profunda proximal nos quais é contra-indicado o uso de anticoagulants

 

Trombolíticos sistêmicos

         O uso de trombolíticos sistêmicos não é recomendado para o tratamento da trombose venosa profunda, mas pode ser uma opção para pacientes com flegmasia cerúlea dolens. Alguns estudos sugerem que seu uso diminui a incidência de síndrome pós-trombótica, mas não é recomendado de rotina. O diagnóstico clínico é auxiliado por escores de probabilidade diagnóstica, como o escore de Wells.

         Em nosso paciente, é possível descartar flegmasia e iniciar heparina de baixo peso molecular 1,5 mg/kg de peso associada a varfarina 5 mg VO diariamente. Monitoração de INR será necessária no seguimento.

 

Bibliografia

1.        Kearon C, Akl EA, Comerota AJ, Prandoni P, Bounameaux H, Goldhaber SZ et al. Antithrombotic therapy for VTE disease: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest 2012; 141:e419S.

2.        Linkins LA, Dans AL, Moores LK, Bona R, Davidson BL, Schulman S et al. Treatment and prevention of heparin-induced thrombocytopenia: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest 2012; 141:e495S.

3.        Goodacre S. In the clinic. Deep venous thrombosis. Ann Intern Med 2008; 149:ITC3.

4.        Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. Normas de Orientação Clínica para a Prevenção, o Diagnóstico e o Tratamento da trombose venosa profunda. J Vasc Br 2005; 4(3)Supl. 3.

5.        British Thoracic Society Standards of Care Committee Pulmonary Embolism Guideline Development Group. British Thoracic Society guidelines for the management of suspected acute pulmonary embolism. Thorax. 2003 Jun;58(6):470-83.

6.        Lip GYH, Hull RD. Treatment of lower extremity deep vein thrombosis. Disponível em www.uptodate.com Software 20.3 2012.

7.        Landaw S, Bauer KA. Approach to the diagnosis and therapy of lower extremity deep vein thrombosis. Disponível em www.uptodate.com Software 20.3 2012.

Comentários

Por: Atendimento MedicinaNET em 24/04/2013 às 16:45:07

"Prezado Jonas, Os autores se referiam à condição de plaquetopenia induzida por heparina, que frequentemente é associada a fenômenos trombóticos arteriais e venosos, inclusive TVP. A partir da sua observação, a tabela foi corrigida. Agradecemos por sua colaboração. Atenciosamente, Os editores | MedicinaNET"

Por: Jonas de Miranda Pes em 22/04/2013 às 11:13:54

"Na tabela 1 sobre fatores de risco para TVP está citado o uso de heparina? gostaria de saber qual o mecanismo em que a heparina pode provocar TVP?"

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