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Síndrome das pernas inquietas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 01/08/2013

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Quadro clínico

Paciente de 62 anos de idade, sexo feminino, quadro de sensação de desconfortos noturnos na perna há 4 meses, com alívio após movimentação das pernas. Os sintomas têm piorado e eventualmente aparecem de manhã, embora em menor intensidade. A paciente, por algumas vezes, tem de se levantar da cama e deambular para alívio dos sintomas. O marido da paciente refere que ela movimenta muito as pernas à noite, mesmo ao dormir.

Paciente do sexo feminino com quadro de sensação de desconforto nas pernas com necessidade e alívio dos sintomas ao realizar movimento das pernas, o que sugere o diagnóstico de síndrome das pernas inquietas.

 

Comentários

A síndrome das pernas inquietas também é conhecida como síndrome de Ekbom. Trata-se de um distúrbio neurológico com prevalência populacional entre 2,5 e 15%, dependendo da frequência dos sintomas que se considera para determinar a presença da síndrome. Refere-se aos sintomas de movimentos dos membros inferiores espontâneos e contínuos associados a parestesias e desconforto nesses mesmos membros. A prevalência aumenta com idade e é maior em mulheres. Em pacientes que desenvolvem sintomas antes dos 40 anos, é comum história familiar.

O principal achado desta síndrome é uma necessidade importante e irresistível de movimentar as pernas (acatisia). Essa necessidade não costuma ser dolorosa, mas é associada a desconforto. Várias descrições são associadas com a sensação, como “sensação de formigas subindo na perna” ou “inquietude nas pernas” ou “sensação de que soda cáustica foi jogada na perna”. Os sintomas eventualmente podem se estender para membros superiores e tronco, e pacientes muito sintomáticos apresentam maior chance de recorrência destes sintomas.

A realização de movimentos com as pernas é associada com alívio imediato parcial dos sintomas e a manutenção do movimento aumenta a sensação de alívio, mas os sintomas podem retornar após a interrupção de movimentos. Ignorar a necessidade de movimentar as pernas leva a aumento progressivo da acatisia até que ocorre o movimento involuntário das pernas. Inicialmente, os sintomas ocorrem apenas à noite, mas posteriormente podem ocorrer no período matutino. No entanto, mesmo quando ocorre durante o dia, a sensação é pior no período noturno.

A síndrome também é associada com movimentos semirrítmicos das pernas durante o sono e, muitas vezes, o parceiro do paciente nota este sintoma antes mesmo que o próprio paciente se queixe. Contudo, nem todos os pacientes apresentam tais movimentos rítmicos durante o sono, assim como nem todos os pacientes com movimentos rítmicos das pernas necessitam movimentá-las para interromper os sintomas.

Sintomas como insônia e fadiga posteriormente podem aparecer, pois a síndrome tem impacto negativo na qualidade do sono. Perda de concentração e de memória também pode ocorrer e, por fim, sintomas depressivos e ansiosos.

A síndrome ocorre em até 20% das mulheres durante a gestação e em 20 a 60% dos pacientes em programas de diálise. Parece haver associação entre neuropatia e a síndrome, embora um estudo em pacientes com neuropatia tenha encontrado prevalência da síndrome de 5,2%, sugerindo que tal prevalência seja similar a da população geral. Também é relatada deficiência cerebral de ferro em pacientes com síndrome das pernas inquietas.

Foi encontrada ainda alta prevalência da síndrome em pacientes com ataxia espinocerebelar tipo 3. A explicação fisiopatológica destes achados ainda é desconhecida, e a doença é considerada um distúrbio idiopático primário. Ainda assim, considera-se que certas condições – como deficiência de ferro, insuficiência renal crônica dialítica, diabetes melito, gestação, esclerose múltipla, doença de Parkinson, doenças reumáticas e insuficiência venosa – sejam causas secundárias da síndrome.

 

Diagnostico diferencial

Câimbras noturnas são comuns, mas pode-se distingui-las da síndrome das pernas inquietas pelo padrão da dor e ausência dos chamados “nós musculares”, que são pontos de gatilho para precipitar a dor, encontrados nos músculos em caso de câimbras.

As parestesias podem ocorrer na síndrome, mas vale lembrar que estas podem aparecer também em pacientes sem a síndrome, após permanecerem sentados por longo período. A acatisia hipotensiva, por sua vez, é uma condição associada à disfunção autonômica e se apresenta como vaga sensação de desconforto que melhora quando se cruza as pernas. É importante lembrar que essas duas condições só ocorrem com paciente sentado, ao contrario da síndrome das pernas inquietas. Movimentos periódicos da perna no sono também são associados com apneia do sono, doenças neurodegenerativas, lesões medulares, AVC e narcolepsia.

Os critérios diagnósticos para a síndrome das pernas inquietas são:

 

      necessidade imperiosa de mover as pernas acompanhada de sensação de desconforto na perna (acatisia) até realizar este ato;

      ocorre em repouso (sentado ou deitado);

      melhora com movimento ou ao andar;

      piora à noite.

 

Os achados associados com a síndrome são:

 

      movimentos involuntários da perna quando acordado;

      movimentos periódicos da perna durante o sono.

 

Exames complementares

Poucos exames são necessários para avaliar o paciente. A polissonografia ajuda a descartar ou verificar se existem outros distúrbios do sono associados. Deve-se pesquisar se existe deficiência de ferro com dosagem de ferro, transferrina e ferritina. A função renal pode ser avaliada, mas não há necessidade de outros exames laboratoriais.

 

Tratamento

Existe indicação de tratamento em pacientes com sintomas quase diários ou que incomodam muito o paciente. Os agentes dopaminérgicos e a levodopa são considerados a primeira linha de tratamento. Entre estas opções, podem-se citar bromocriptina, pergolida e pramipexol, todas com benefícios documentados em estudos randomizados, com 90 a 100% de alívio parcial e 70 a 100% de melhora dos movimentos periódicos da perna durante o sono. Tais agentes apresentam efeitos colaterais como insônia, congestão nasal, edema de mãos e pés. Apesar do uso da medicação, os sintomas da síndrome podem retornar, sendo necessário ajustar a medicação, o que ocorre sobretudo com a levodopa e menos com agonistas dopaminérgicos.

Outros agentes com benefício possível são os opioides, os benzodiazepínicos – em particular o clonazepam–, zolpidem e os anticonvulsivantes (os mais estudados são carbamazepina e gabapentina). Todos demonstram melhora subjetiva de sintomas em diversos estudos. A Tabela 1 especifica as medicações e as doses que podem ser utilizadas para o tratamento da síndrome das pernas inquietas.

 

Tabela 1. Medicações para o tratamento da síndrome das pernas inquietas

Medicação

Dose inicial

Dose máxima

Levodopa

50 mg/dia

200 mg, à noite

Pergolida

0,25 mg

0,5 mg dividido em 2 doses diárias

Pramipexol

0,125 mg/dia

1,5 mg dividido em 2 a 3 doses

Ronipirol

0,25 mg/dia

3 mg divididos em 2 a 3 doses

Codeína

30 mg, à noite

180 mg divididos em 2 a 3 doses

Gabapentina

300 mg/dia

3600 mg divididos em 3 doses

Cabergolina

0,5 mg, à noite

4 mg, à noite

Clonazepam

0,25 mg, à noite

2 a 4 mg, à noite

 

Deve-se lembrar também que, em pacientes com deficiência de ferro, é necessário repô-lo. Em pacientes dialíticos, estudos com levodopa e pergolide demonstram que tais agentes devem ser a primeira escolha. Uma sugestão de tratamento pode ser:

 

      iniciar agente dopaminérgico;

      caso não haja melhora, trocar para gabapentina;

      caso não haja resposta, usar outro agente dopaminérgico;

      adicionar um segundo agente, como benzodiazepínico, gabapentina ou opioide.

 

No caso da nossa paciente, uma prescrição sugeria seria o uso de algum agente dopaminérgico, como a pergolida, em dose inicial de 0,25 mg e com ajuste da dose até controle apropriado.

 

Bibliografia recomendada

1.    Earley CJ. Restless leg syndrome. New England J Medicine 2003; 348: 2103-9.

2.    Tarsy D. Restless leg syndrome. In www.uptodate.com. Acessado em 30 de maio de 2013.

 

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