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Hematoma em Dorso

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 11/09/2013

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Especialidades: Medicina de Emergência / Hematologia

 

Quadro clínico

Paciente do sexo masculino, 58 anos de idade, portador de hipertensão arterial sistêmica em uso de hidroclorotiazida 25 mg 1 vez/dia há 5 anos, teve câncer de próstata diagnosticado há poucos meses. Vinha em acompanhamento ambulatorial com serviço de Urologia e Oncologia aguardando vaga para início de braquiterapia. Há cerca de 1 mês da atual procura ao pronto-socorro, acordou em determinada manhã apresentando intensa dispneia, sem febre, sem tosse, sem dor torácica ou qualquer outro sintoma. Tal queixa o motivou a procurar um pronto-socorro no mesmo dia. Foi realizada uma tomografia de tórax contrastada na ocasião, sendo feito o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Foi iniciada anticoagulação com enoxaparina e o paciente foi internado. Não havia indicação de trombolítico. Após iniciar anticoagulação oral com varfarina, teve seu INR ajustada entre 2,0 e 3,0, recebendo alta em seguida, com dose de 7,5 mg/dia de varfarina. Após 1 semana, em avaliação ambulatorial seu INR havia reduzido para 1,7, motivando aumento da dose para 10 mg/dia. Após 5 dias de uso dessa dosagem, procurou novamente o pronto-socorro por aparecimento de grande hematoma em dorso. Na entrada, encontrava-se consciente e orientado com Glasgow 15, acianótico, afebril, eupneico, em bom estado geral, moderadamente descorado, FC 100 bpm, FR 14 cpm, PA 146x96 mmHg, SatO2 93% em ar ambiente, MV+ sem RA, BCRNF 2T sem sopros, exame abdominal e de extremidades normal. A Figura 1 mostra a imagem do dorso do paciente.

 

Figura 1. Dorso do paciente.

 

 

Diagnóstico e discussão

Em virtude de toda a história clínica, a primeira e principal hipótese diagnóstica levantada foi de intoxicação cumarínica. De fato, os exames de sangue colhidos mostravam INR de 12,9, plaquetas de 260.000, Hb de 9,8 (sendo o último ambulatorial de 13,5). O alargamento do INR foi atribuído ao aumento da dose associada à interação com alimentação, uma vez que o paciente não havia iniciado uso de qualquer outra medicação no período e que a hidroclorotiazida já em uso não apresenta interação medicamentosa descrita com varfarina.

Existem pouquíssimos estudos a respeito de reversão de intoxicações cumarínicas com ou sem sangramento associado ao aumento do INR acima da faixa terapêutica almejada. A melhor referência nesse assunto são as diretrizes do American College of Chest Physicians. Existem diferenças entre as diretrizes publicadas em 2008 e 2012, sendo as de 2008 ainda hoje mais aceitas do que as da atualização. É importante sempre lembrar que uma parte das intoxicações ocorre por interação medicamentosa, muitas vezes com antibióticos, que são medicamentos de uso por poucos dias. Deve-se sempre dar mais atenção ao manejo deste tipo de paciente. Outra observação é que a vitamina K subcutânea não deve ser utilizada, pois sua eficácia é igual a de administrar placebo. Entre as vias oral e endovenosa, a eficácia de reversão é equivalente, porém a via oral tende a ser mais eficaz. Para mais detalhes, veja o texto Uso terapêutico de varfarina – Parte 5 reversão da anticoagulação e manejo de sangramentos.

As diretrizes de 2008 consistem em:

 

      INR < 5,0 sem sangramento:

-      diminua a dose da varfarina ou;

-      omita doses e reinicie com dose menor quando o INR estiver na faixa terapêutica ou;

-      não modifique a dose se a elevação de INR é muito pequena.

      INR de 5,0 a 9,0 sem sangramento (o risco de sangramento em 30 dias é de 1%):

-      omita doses e reinicie com dose menor quando o INR estiver na faixa terapêutica ou;

-      para pacientes com maior risco de sangramento (história de sangramento prévio, HAS, AVC, IRC, anemia) omitir uma dose e administrar 1,0 a 2,5 mg de vitamina K1 oral.

      INR > 9,0 sem sangramento:

-      suspenda a varfarina e administre 2,5 a 5 mg de vitamina K1 oral. Monitore o INR e repita a dose de vitamina K1 se necessário. Reinicie a varfarina em dose menor quando o INR estiver na faixa terapêutica.

      Presença de sangramento menor independente de INR:

-      a critério clínico, tratar nos mesmos moldes de INR > 9,0 ou nos moldes de presença de sangramento grave/importante.

      Presença de sangramento grave/importante independente de INR:

-      suspenda a varfarina e administre vitamina K1 10 mg IV lentamente (20 a 60 minutos). Reverta a anticoagulação com complexo protrombínico ou plasma fresco congelado dependendo da urgência da reversão (casos mais graves, optar pelo complexo protrombínico). Repetir as condutas conforme necessário.

 

Bibliografia

1.        Ansell J, Hirsh J, Hylek E, et al. Pharmacology and management of the vitamin K antagonists: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest 2008; 133:160S.

2.        Watson HG, Baglin T, Laidlaw SL, et al. A comparison of the efficacy and rate of response to oral and intravenous vitamin K in reversal of over-anticoagulation with warfarin. Br J Haematol 2001; 115:145.

3.        Dentali F, Ageno W, Crowther M. Treatment of coumarin-associated coagulopathy: a systematic review and proposed treatment algorithms. J Thromb Haemost 2006; 4:1853.

4.        Diug B, Evans S, Lowthian J, et al. The unrecognized psychosocial factors contributing to bleeding risk in warfarin therapy. Stroke 2011; 42:2866.

5.        Penning-van Beest FJ, van Meegen E, Rosendaal FR, Stricker BH. Characteristics of anticoagulant therapy and comorbidity related to overanticoagulation. Thromb Haemost 2001; 86:569.

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