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Caso Clínico – Disfagia Baixa

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 13/01/2015

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Especialidades: Gastroenterologia/Cirurgia Gástrica/Oncologia

 

Quadro Clínico

Paciente do sexo masculino, 46 anos, etilista e tabagista há cerca de 30 anos, procura atendimento de pronto-socorro por quadro evolutivo de dificuldade para engolir progressiva nos últimos quatro meses, atualmente não conseguindo nem beber líquidos, bem caracterizada como disfagia baixa, estando associado quadro de perda ponderal não quantificada.

Ao exame físico na chegada estava em Glasgow 15, FC 90 bpm, PA 110x68mmHg, FR 18cpm, SatO2 94% em ar ambiente, emagrecido, afebril, acianótico, descorado levemente,  enchimento capilar normal, ausculta pulmonar normal, ausculta cardíaca normal, propedêutica abdominal e de membros sem alterações.

Foi optado por realizar uma endoscopia digestiva alta uma vez que se tratava de disfagia baixa associada a perda ponderal. As imagens obtidas estão na imagem 1.

 

Imagem 1. Imagens da Imagem 1. Imagens da Endoscopia Digestiva Alta

 

 

 

Diagnóstico e Discussão

O laudo da endoscopia foi o seguinte:

Observa-se lesão infiltrativa, circunferencial, endurecida, a partir de 18 cm da ADS, que impede a passagem do aparelho a partir de 19 cm da ADS. Realizadas múltiplas biópsias.

Bastou a endoscopia para ficar claro que tratava-se de caso de câncer esofágico. Com a não possibilidade de garantir via de alimentação e dada a necessidade de verificar a extensão do acometimento, foi então feita tomografia de região cervical e tórax.

Na imagem 2 podemos ver um interessante achado da tomografia feita.

 

Imagem 2. Tomografia cervical

 

 

 

O que podemos ver no destaque (círculo vermelho) é uma fístula traqueoesofágica, complicação local do câncer de esôfago do paciente.

 

Foi então feita nova endoscopia com proposta de garantir via de alimentação. Segue a descrição deste procedimento:

A 21cm da ADS, observa-se lesão vegetante, ulcerada, acometendo cerca de 90% da luz do órgão, associado a orifício lateral compatível com fístula esofagotraqueal.

Realizado estudo constrastado, que evidenciou fístula esofagotraqueal de aproximadamente 10mm, de consistência endurecida, com contrastação de toda a árvore traqueobrônquica.

Passado fio guia teflonado sob radioscopia até a câmara gástrica, seguido por dilatação esofágica com sonda de Savary nº8.

Colocação de prótese esofágica totalmente recoberta 125mm x 23mm, com extremidade proximal a 20cm da ADS e extremidade distal acima da transição esofagogástrica.

Estudo contrastado após o posicionamento da prótese não evidenciou extravasamento do contraste.

 

A respeito da doença do paciente, algumas considerações valem ser feitas. Primeiro, vale lembrar que a maioria dos cânceres esofágicos são de células escamosas ou adenocarcinoma. No caso do paciente apresentado, tratava-se de um câncer de células escamosas.

Alguns fatores de risco são importantíssimos para o desenvolvimento deste tipo de tumor. O primeiro a ser citado é o consumo de cigarros e álcool. Estes são os maiores fatores de risco para câncer esofágico de células escamosas. Inclusive, a ação dos dois consumos é sinérgica para a formação do câncer de esôfago, bem como para outros cânceres de cabeça e pescoço.

Alguns fatores associados à dieta também são de risco para o câncer de esôfago de células escamosas. Comidas contendo compostos de nitrosos estão implicadas na formação deste câncer. Estes compostos são carcinogênicos e são muito consumidos em áreas endêmicas. Fungos produtores de toxinas também foram identificados como fonte mutagênica, o que se deve a sua capacidade de reduzir nitrato em compostos nitrosos.

Bebidas e comidas consumidas em alta temperatura podem aumentar o risco de câncer de esôfago, causando lesão térmica na mucosa esofágica. Em uma revisão sistemática de 59 estudos, mais de 50% dos estudos descobriram que as temperaturas mais elevadas de ingestão de líquidos foram associados com um aumento estatisticamente significativo no risco de câncer de esôfago. Para o café e chá, há pouca evidência de uma associação entre a quantidade de uso (não relacionada à temperatura) e o risco de câncer de esôfago.

Entre os fatores de risco menos importantes do que os já citados, ainda há a presença de doenças esofágicas preexistentes (como acalasia e estenose cáustica); o fato de o pacientes já ter sido submetido a uma gastrectomia parcial; a presença de gastrite atrófica e outras condições que causam atrofia gástrica;  o papiloma vírus humano (HPV), particularmente os sorotipos 16 e 18, pois há forte relação entre HPV e câncer de células escamosas esofágico; a  tilose, que é uma doença rara associada à hiperqueratose das palmas das mãos e nas solas dos pés, e com alta taxa de câncer esofágico; o uso de bifosfonatos orais, pois têm sido associados ao adenocarcinoma de esôfago e de células escamosas na vigilância pós-comercialização; e má-higiene bucal, pois vários estudos têm sugerido uma associação entre má higiene bucal e câncer de esôfago de células escamosas, particularmente em áreas (China, Irã, Kashmir), onde o tabagismo e o consumo de álcool pesado não são importantes fatores de risco.

 

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