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Coma e Alteração no Estado de Consciência

Autores:

Marcelo Calderaro

Neurologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Tarso Adoni

Neurologista pelo Hospital da Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico Colaborador do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 07/09/2008

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Define-se consciência como um perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente. Estados alterados de consciência são comuns na prática clínica e se tratam de emergência médica, visto que têm alta mortalidade, o que justifica diagnóstico e tratamento apropriados de maneira rápida.

Coma é o oposto definido para consciência, situação em que o paciente não demonstra conhecimento de si próprio e do ambiente, caracterizado pela ausência ou extrema diminuição do alerta comportamental (nível de consciência), permanecendo não responsivo aos estímulos internos e externos e com os olhos fechados.

Confusão mental é um termo impreciso e deve ser evitado, pois não fornece informação sobre o que de fato está ocorrendo. Desta forma, a situação clínica em que há agudamente um déficit global da atenção denomina-se delirium.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

   Podemos dividir a consciência em dois componentes. O conteúdo de consciência é a somatória das funções nervosas superiores e cognitivas do indivíduo, como atenção, memória e linguagem. Já o nível de consciência é relacionado com o grau de alerta do indivíduo.

A estrutura anatômica encefálica responsável pela manutenção do nível de consciência é a formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada no tronco encefálico na porção posterior da transição pontomesencefálica. Desta estrutura partem fibras que se projetam para o córtex cerebral difusamente, ativando-o. Existe, portanto, lesão ou disfunção da FRAA quando há alteração do nível de consciência, que pode ser causada também por comprometimento de ambos os hemisférios cerebrais. Utilizando como divisor a tenda do cerebelo, podemos categorizar os diversos locais que levam a alterações da consciência e suas etiologias:

 

         encefalopatias focais infratentoriais: em torno de 15% dos casos – acometem diretamente a FRAA;

         encefalopatias focais supratentoriais: em torno de 20% dos casos – em geral têm de ser extensas para causar rebaixamento de nível de consciência, seja por compressão do hemisfério contralateral seja por compressão do tronco encefálico e da FRAA inferiormente;

         encefalopatias difusas e/ou multifocais: em torno de 65% dos casos.

 

Na maior parte das vezes, as etiologias relacionadas nas encefalopatias difusas são condições clínicas, como infecções, transtornos metabólicos e intoxicações exógenas, enquanto nas encefalopatias focais supra ou infratentoriais as causas podem ser meningites, abscessos, metástases, tumores, acidente vascular cerebral, hemorragia subaracnoidea e hipertensão intracraniana.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Obviamente, uma história e exame físico completos e que enfatizem os sinais vitais e possibilitem a estabilização do doente são necessários. Um exame neurológico deve ser feito, sendo avaliação do nível de consciência, resposta motora, padrão respiratório, motricidade ocular extrínseca e intrínseca os dados mais importantes para o estabelecimento ou não de causa neurológica resultando em Coma ou alteração de consciência.


Nível de Consciência

A avaliação mais objetiva da consciência é feita pela aplicação da Escala de Coma de Glasgow, que avalia três parâmetros de resposta: abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora (tabela 1).

 

Tabela 1: Escala de Coma de Glasgow – Escore total 3 a 15

Parâmetro

Resposta observada

Escore

Abertura ocular

         Abertura espontânea

         Estímulos verbais

         Estímulos dolorosos

         Ausente

4

3

2

1

Melhor resposta verbal

         Orientado

         Confuso

         Palavras inapropriadas

         Sons ininteligíveis

         Ausente

5

4

3

2

1

Melhor resposta motora

         Obedece a comandos verbais

         Localiza estímulos

         Retirada inespecífica

         Padrão flexor

         Padrão extensor

         Ausente

6

5

4

3

2

1

 

O estímulo sensitivo deve ser feito em leito ungueal, clavícula, músculo trapézio (considerar nesse caso estímulo dos dois lados). Deve ser considerada sempre a melhor resposta. A caracterização exata dos padrões motores é importante, sendo o padrão flexor ou decorticação caracterizado por flexão dos membros superiores e extensão dos inferiores, e o padrão extensor ou descerebração caracterizado por extensão dos membros superiores e inferiores.

É uma escala útil na avaliação e no acompanhamento de rebaixamento agudo do nível de consciência. Resultado menor ou igual a 8 indica necessidade de intubação orotraqueal para manutenção de vias aéreas e prevenção de aspiração. Deve-se lembrar, no entanto, que a escala é simplificada e nem sempre é fidedigna na avaliação do paciente com rebaixamento de nível de consciência. Por exemplo, pacientes com lesão na área relacionada à linguagem podem apresentar um escore reduzido, porém sem acometimento importante do nível de consciência.

Nos casos de delirium costuma-se encontrar ao exame um déficit de atenção secundário a uma encefalopatia difusa ou multifocal. Nesses casos normalmente não há sinais neurológicos focais, com a possível presença de tremores, mioclonias ou asterixis. Há transtorno de vigilância com distração, incoerência de pensamento e incapacidade de obedecer a ordens exatas, além de outros transtornos como ilusões e alucinações, desorientação, déficit de memória, perda da capacidade de julgamento, apatia ou agitação.

 

Resposta Motora

A via motora se estende do giro pré-­central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Pela extensão, é comumente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central (SNC). Por isso, a presença de sinais motores focais, geralmente assimétricos, sugere doença estrutural, com raras exceções. A avaliação do padrão motor deve se basear na observação da movimentação espontânea do paciente, pesquisando tônus e reflexos (como a pesquisa do sinal de Babinski) e verificando o padrão motor à estimulação dolorosa em leito ungueal, região supra-orbitária e esterno. Com isso caracterizamos alguns padrões motores localizatórios:

 

  • hemiparesia com comprometimento facial: lesão acima da ponte contralateral;
  • decorticação: lesão ou disfunção supratentorial;
  • descerebração: lesão ou disfunção de tronco encefálico ou até diencéfalo;
  • ausência de resposta: lesão periférica, pontina ou bulbar.
  •  

    Padrão Respiratório

    Embora sejam descritos padrões respiratórios sugestivos de lesão de SNC, como a respiração de Cheyne-Stokes (respiração periódica ou cíclica, alternando períodos de hiperpnéia com hipopnéia), o padrão respiratório tem pouca aplicabilidade clínica. Além de ser influenciado por inúmeros fatores clínicos como acidose e doenças pulmonares, quando alterado por motivo neurológico costuma ser acompanhado de rebaixamento importante do nível de consciência, o que geralmente motiva intubação orotraqueal e dificulta o acompanhamento.


    Motricidade Ocular Extrínseca

    Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular são o III, o IV e o VI, cujos núcleos localizam-se no mesencéfalo e ponte, portanto apresentando íntima relação com a FRAA. Os núcleos desses nervos estão intimamente relacionados através do fascículo longitudinal medial. Pela proximidade e associação destes com a FRAA, a análise adequada da motricidade ocular extrínseca (MOE) horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência, permitindo concluir se há integridade dessa estrutura.

    O primeiro movimento é o conjugado horizontal dos olhos, do qual participam o III (reto medial) e VI nervos. Esse movimento é integrado ao nível da ponte posterior, através da formação reticular pontina paramediana (FRPP), que é o centro do olhar conjugado horizontal e faz conexão com o núcleo do VI nervo, também na ponte, e do III nervo no mesencéfalo, permitindo assim o movimento conjugado horizontal bilateral. Esse movimento é regulado por vias supratentoriais frontais (área 8 de Brodmann) que regulam e coordenam o olhar para o lado contralateral, o movimento de seguimento e os movimentos sacádicos. Por conexões com os núcleos vestibulares, regulam também a posição dos olhos relacionados à movimentação da cabeça.

    Em função da relação dessas vias com as piramidais podemos identificar duas síndromes clínicas: na síndrome de Foville inferior (lesão infratentorial) a lesão do FRPP de um lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão, e a lesão piramidal leva à hemiparesia contralateral (por exemplo, hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita); já na síndrome de Foville superior ocorre lesão associada da área 8 de Brodmann (portanto, com desvio do olhar para o lado da lesão encefálica) e lesão piramidal contígua com hemiparesia contralateral (por exemplo, hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas.

    Nos pacientes inconscientes, o exame da MOE deve ser realizado pela manobra dos olhos de boneca, melhor denominado reflexo óculo-cefálico – movimentos bruscos da cabeça, para o lado direito e esquerdo, e posteriormente no sentido de flexão e extensão da cabeça sobre o tronco. Os olhos realizam movimentos em igual direção e velocidade, porém em sentido contrário ao movimento da cabeça. Quando existir suspeita de lesão de coluna cervical (notadamente nos traumas), essa manobra não deve ser feita, pelo risco do agravamento de eventual lesão medular associada. Nessa situação é feito o reflexo vestíbulo-ocular, realizado após otoscopia (para excluir lesão timpânica), colocando-se o paciente com cabeça inclinada a 30º, instilando-se 50 a 100 ml de água a 30ºC (fria) ou 44ºC (quente) num dos condutos auditivos externos (alternando os lados após 5 minutos). Em geral, apenas o teste com água gelada é realizado em indivíduos em Coma. A água gelada inibe o labirinto e a água quente estimula. O labirinto desvia o olhar, quando estimulado, para o lado contrário, por manter tônus para o olhar contralateral. Entre as duas manobras, a manobra óculo-vestibular é mais fidedigna.

     

    De acordo com a MOE podem-se concluir:

     

             movimentos oculares preservados: visto pela motricidade espontânea, manobra óculo-vestibular ou óculo-cefálica. Sugerem integridade da transição pontomesencefálica (região anatomicamente relacionada com a MOE). Está presente em lesões focais supratentoriais ou em lesões difusas ou multifocais que justifiquem o Coma;

             movimentos oculares comprometidos: sugerem lesões estruturais infratentoriais (lesões de tronco, sejam primárias ou secundárias). Se a alteração é do olhar horizontal, possivelmente indica lesão pontina; se a alteração é do olhar conjugado vertical indica lesão mesencefálica afetando áreas de controle da MOE. Outra causa pode ser tóxica, relacionada a drogas (drogas hipnótico-­sedativas, curare, anestesia geral, difenil-hidantoina, primidona).

    Uma referência complementar para estudo prático da motricidade ocular extrínseca e intrínseca pode ser encontrada no site http://cim.ucdavis.edu/eyerelease.

     

    Fundo de Olho e Pupilas (Motricidade Ocular Intrínseca)

    O fundo de olho pode mostrar evidências de doenças clínicas (diabetes, hipertensão), apontar para a presença de hipertensão intracraniana e demonstrar a presença de doenças oftalmológicas que possam sugerir a etiologia da alteração de consciência (por exemplo, retinite por citomegalovírus). É proscrita a utilização de midriáticos para melhor visualização do fundo de olho, pois isso prejudica a avaliação das pupilas. Dois sistemas controlam o diâmetro das pupilas: o sistema nervoso simpático e o parassimpático.

     

    Controle Pupilar pelo Sistema Nervoso Simpático

    O primeiro neurônio origina-se no hipotálamo (diencéfalo), dirige-se caudalmente passando por todo o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo) e avança pela medula cervical, fazendo a primeira sinapse da via na coluna intermédia lateral da medula cérvico-torácica. De lá parte o segundo neurônio, que forma o plexo simpático paravertebral e faz sinapse no gânglio cervical superior. O terceiro neurônio da via envolve a carótida, com a qual retorna para dentro do crânio e parte em direção à órbita com o primeiro ramo do nervo trigêmeo (oftálmico). Ao atingir o olho inerva musculatura radial da pupila, responsável pela midríase, dilatação pupilar.

    Lesão do sistema nervoso simpático em qualquer ponto desta via pode gerar a chamada síndrome de Claude Bernard-Horner, caracterizada por semiptose palpebral, miose e anidrose ipsilaterais à lesão. Contudo, a associação de lesão do sistema nervoso simpático com o parassimpático pode gerar outras alterações pupilares.

     

    Controle Pupilar pelo Sistema Nervoso Parassimpático

    Inicia-se no mesencéfalo, no núcleo de Edinger-Westphal, de onde saem as fibras que vão acompanhar o III nervo e que atingem o gânglio ciliar na órbita e deste a musculatura concêntrica da pupila, responsável pela miose, constrição pupilar. O sistema nervoso parassimpático funciona por meio de estímulos luminosos, compondo o reflexo fotomotor abaixo descrito.

    O estímulo luminoso atinge a retina e as fibras do nervo e tracto óptico que seguem em direção ao mesencéfalo, onde fazem sinapse nos chamados núcleos pré-tectais, localizados na altura dos colículos superiores no tecto mesencefálico. Desses núcleos partem interneurônios que ipsi e contralateralmente vão fazer sinapse no núcleo parassimpático do nervo oculomotor, núcleo de Edinger-Westphal. O cruzamento da linha média realizado pelos axônios desses interneurônios para alcançar o núcleo de Edinger-Westphal contralateral forma a comissura posterior, que é o substrato anatômico para termos reação pupilar de miose contralateral ao olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor consensual). Do núcleo de Edinger-Westphal partem fibras que compõem o III nervo craniano junto com as fibras envolvidas na MOE. As fibras parassimpáticas atingem então os gânglios ciliares, de onde partem fibras em direção à pupila, promovendo a constrição ipsi e contralateral.

       Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via aferente (II nervo craniano), uma integração (mesencefálica) e uma via eferente (III nervo craniano). A integridade desse reflexo denota integridade das estruturas anatômicas que o compõem.

     

    Alterações Pupilares mais Freqüentes

       A região do mesencéfalo e tronco encefálico são as áreas que podem promover alterações pupilares. Na semiologia das pupilas observa-se o diâmetro das pupilas (medindo-o em milímetros), verifica-se sua simetria ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os reflexos fotomotor direto e consensual. A seguir descrevemos as alterações pupilares mais importantes.

     

             Lesão ou disfunção diencefálica: indica disfunção simpática, portanto pupilas mióticas e fotorreagentes, pois o mesencéfalo está íntegro.

             Lesão ou disfunção mesencefálica: existem três possibilidades: 1) lesão posterior ou tectal compromete os colículos superiores e, com isso, perde-se a aferência visual, gerando pupilas midriáticas e fixas; 2) nas lesões pré-tectais, ocorre lesão parassimpática e simpática, gerando pupilas com disfunção simpática e parassimpática, médias e fixas; 3) nas lesões mesencefálicas tegmentares ou anteriores ocorre compressão unilateral do III nervo, gerando uma pupila uncal, midríase fixa unilateral. Esse diagnóstico afirma que existe uma lesão intracraniana com compressão de tronco encefálico, denominada hérnia transtentorial lateral e que se apresenta clinicamente com midríase contralateral à hemiparesia (logo, do mesmo lado da lesão encefálica). Esse sinal favorece o seu reconhecimento e deve ser interpretado a priori como uma evidência clínica de hipertensão intracraniana descompensada, independentemente da etiologia da lesão que a causou.

             Lesões pontinas: por ocorrer lesão simpática bilateral observaremos pupilas mióticas, fotorreagentes.

             Causas tóxico-metabólicas: muitas vezes causam alterações pupilares que, via de regra, são simétricas. Exemplos são intoxicação por atropina (dilatadas e sem reflexo fotomotor), opiáceos (muito mióticas, porém com reflexo fotomotor presente), barbitúricos (pupilas fixas) e encefalopatia anóxica (pupilas médio-fixas).

    Assim, dependendo do nível anatômico da lesão que está levando ao rebaixamento do nível de consciência, podemos encontrar diferentes tipos de pupilas. Nas encefalopatias difusas ou multifocais, as pupilas em geral são normais, salvo as causas tóxico-metabólicas discriminadas acima.


    DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E EXAMES COMPLEMENTARES

                Após a estabilização do doente e avaliação clínica inicial (incluindo glicemia capilar), geralmente será possível incluir o doente em um de três grupos principais: 1) paciente com sinais neurológicos focais evidentes; 2) paciente com doença clínica evidente; e 3) paciente nos quais não é possível distinguir com clareza se trata-se de uma doença clínica ou neurológica. A caracterização do doente em um desses grupos possibilitará que sejam realizados exames dirigidos em grande parte dos casos, poupando recursos que muitas vezes são escassos. Se após investigação inicial e tratamento baseados nessa proposta não se identificar prontamente a causa do rebaixamento, a investigação deverá ser ampliada rapidamente para evitar que haja deterioração do quadro clínico.

     

    Pacientes com Sinais Neurológicos Focais Evidentes

                Por exemplo, pacientes com hemiparesia, alterações pupilares, alteração em MOE, sinais meníngeos, história de trauma de crânio ou cefaléia. Provavelmente se tratará de lesão de SNC causando rebaixamento de nível de consciência, pois, com exceção de alguns casos de hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica, o achado de encefalopatia focal relaciona-se a causas estruturais.

       Nesses casos, os exames necessários incluem geralmente uma tomografia computadorizada de crânio, inicialmente sem e, se necessário, com contraste, e se houver dúvida a ressonância magnética pode ser útil. Em casos nos quais o diagnóstico não se esclareça com o exame de imagem, está indicada a realização de punção liquórica. Além de fornecer a medida da pressão intracraniana, o líquor auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do SNC e define situações de hemorragia subaracnoidea que não foram visualizados à tomografia. Em pacientes com quadros típicos de cefaléia e meningismo, com suspeita de meningite bacteriana, se não houver sinais neurológicos focais pode-se considerar proceder diretamente a punção liquórica, para diagnosticar e tratar mais rapidamente o problema.

       Se ainda assim o diagnóstico não for estabelecido, pode-se realizar um eletroencefalograma, buscando identificar crises epilépticas não convulsivas.

                Em relação aos demais exames, devem ser feitos de forma dirigida à doença neurológica de base. Caso não se identifique doença neurológica após o exame de imagem inicial, a investigação deverá ser ampliada, com avaliação infecciosa, tóxica e metabólica conjuntamente com uma investigação neurológica mais aprofundada.

     

    Paciente com Doença Clínica Evidente

                Muitos casos serão típicos de doença clínica causando doença neurológica. Um exemplo comum é um idoso apresentando um quadro insidioso de febre, desidratação e rebaixamento de nível de consciência. Sinais típicos de infecção podem estar presentes, como tosse com expectoração e alteração de auscuta pulmonar (indicando pneumonia), alteração de odor e coloração de urina em paciente com infecções urinárias prévias, entre outras. Neste exemplo, o mais importante é uma avaliação infecciosa e metabólica dirigida aos processos infecciosos, podendo-se dispensar em um primeiro momento exames de imagem, caso o exame neurológico não indique patologia focal de SNC. Se a avaliação infecciosa e metabólica não indicar alterações que expliquem o quadro e o paciente não melhorar rapidamente com a ressucitação volêmica, obviamente serão necessários exames de imagem e outros exames adicionais.

                Outro exemplo comum que se encaixa nesse grupo são os pacientes com intoxicação exógena por álcool ou outras drogas. Deve-se estar atento a doenças neurológicas nesse grupo, ocasionadas principalmente por trauma. Exames de imagem não são obrigatórios a todos esses pacientes em um momento inicial, mas o limiar para a solicitação deve ser baixo.

                Pacientes com história de imunossupressão, neoplasias ou coagulopatias têm alto risco para doenças intracranianas e necessitam exames de imagem logo na avaliação inicial, mesmo que estas não sejam evidentes na apresentação clínica do doente.

     

    Paciente nos Quais não é Possível Distinguir com Clareza Trata-se de uma Doença Clínica ou Neurológica

                Na ausência de história clínica e exame físico que apontem claramente para uma doença clínica ou neurológica causando o rebaixamento de nível de consciência, todas as possibilidades etiológicas devem ser contempladas. Nesses casos, a avaliação deverá ser mais extensa, sendo apropriado a realização de exames de imagem logo após a estabilização clínica do paciente. Devemos lembrar que 65% dos casos de rebaixamento de nível de consciência se devem à encefalopatia difusa ou multifocal, sendo essencial um rastreamento tóxico-metabólico e infeccioso em todos esses casos.

                Os exames complementares irão depender, em grande parte, dos achados clínicos e das hipóteses diagnósticas mais prováveis. Na tabela 2 estão descritos os exames de rastreamento que sempre devem ser solicitados na avaliação de um doente com rebaixamento de nível de consciência não esclarecido e exames adicionais que devem ser solicitados a depender do contexto clínico ou quando outras possibilidades foram esgotadas.

     

    Tabela 2: Exames de rastreamento sugeridos na investigação de estado de consciência alterado sem causa óbvia na avaliação inicial

    Exames necessários em todos os doentes

               Tomografia de crânio (inicialmente sem contraste, com contraste em casos de dúvida)

               Eletrólitos, principalmente Na, K e Ca

               Glicemia

               Uréia/creatinina

               Hemograma completo

               Gasometria arterial

               TGO/TGP

               Urina do tipo 1/urocultura

               Radiografia de tórax

               Eletrocardiograma

    Exames adicionais conforme o quadro clínico e evolução do caso

             Exame toxicológico

             CKMB e troponina

             Coagulograma

             CPK

             TSH e T4 livre

             Ressonância magnética de crânio

             eletroencefalograma

     

    TRATAMENTO

       As alterações de consciência na emergência são sempre indicativas de gravidade e, portanto, sua causa deve ser corrigida o mais rapidamente possível. Assim, na emergência deve-se conduzir um caso de alteração de consciência tratando-se antes de tudo hipóteses diagnósticas que possam comprometer precocemente o prognóstico do paciente.

    O sistema nervoso depende basicamente de oxigênio, glicose e co-fatores para manter sua viabilidade, portanto esses elementos devem ser fornecidos precocemente ao paciente.

    Quando não for possível aferir a glicemia capilar, deve-se administrar empiricamente bolus endovenoso de glicose hipertônica. Em etilistas ou quando não houver histórico do paciente, a administração de glicose deve ser precedida por reposição de tiamina, pois, do contrário, pode-se precipitar a chamada encefalopatia de Wernicke, que classicamente se caracteriza por confusão mental, ataxia e alterações de motricidade ocular, podendo ocorrer também choque e até Coma. Assim, quando estivermos diante de um etilista crônico ou quando não tivermos informações, é obrigatória a administração de tiamina 50 a 100 mg IM ou EV antes da administração de glicose hipertônica.

    Em situações em que se suspeite de intoxicações exógenas por opiáceos ou benzodiazepínicos, pode-se considerar a administração de antídotos. O uso de naloxone pode reverter o Coma por uso de opiáceos, e o flumazenil é útil em casos de intoxicação por benzodiazepínicos. Também no Coma hepático pode haver melhora do nível de consciência após a administração de flumazenil endovenoso. Em ambas as situações, a resposta é transitória.

    Quando a alteração de consciência ocorre no contexto de crises epilépticas e se constata um estado de mal epiléptico, as condutas específicas devem ser tomadas.

    Quando o aumento da pressão intracraniana se dá de forma aguda, alguns sinais clássicos estão ausentes, como o papiledema. O reconhecimento de hipertensão intracraniana descompensada deve ser feito por meio de outros sinais, como rebaixamento de consciência. Dependendo da causa de hipertensão intracraniana, pode haver deslocamento do parênquima cerebral para o compartimento infratentorial, comprimindo estruturas do tronco encefálico. Nessa situação é o terceiro nervo craniano, que, comprimido pelo uncus do lobo temporal, gera o sinal clássico de herniação transtentorial lateral (ou uncal): midríase sem reflexo fotomotor do lado da lesão e hemiparesia contralateral. Tal achado sugere fortemente hipertensão intracraniana aguda descompensada e deve ser tratada precocemente antes mesmo da confirmação etiológica. Inicia-se o tratamento com ventilação adequada, cabeça retificada e decúbito elevado a 30 graus. Além disso, leve hiperventilação para manter uma pCO2 entre 30 e 34, administração de manitol endovenoso de 0,5 a 1 g/kg de peso e sedação do paciente são medidas adicionais que contribuem para o controle da pressão intracraniana de forma aguda, até que, diante do diagnóstico, possa ser feita a correção adequada da causa de aumento da pressão intracraniana (por exemplo, cirurgia no caso de hematoma extradural agudo). A tabela 3 resume as condutas iniciais no Coma e alterações nos estados de consciência nos estados de consciência alterados.

     

    Tabela 3: Condutas inicias no Coma e alterações nos estados de consciência

    Estabilizar clinicamente o paciente e avaliar os sinais vitais:

             glicemia capilar. Se não for possível realizar rapidamente ou se < 60 mg/dl, administrar imediatamente glicose a 50% 40 a 60 ml, associada a tiamina 50 a 100 mg EV;

             intubar se Glasgow < 8;

             avaliar trauma e estabilizar a coluna cervical;

             suplementar O2;

             acesso endovenoso e coleta de exames laboratoriais;

             suporte hemodinâmico, administrando volume e agentes vasopressores se necessário

    Considerar antídotos:

             se suspeita de intoxicação por benzodiazepínicos – flumazenil;

             se suspeita de intoxicação por opióides – naloxone

    Tratar convulsões com diazepan e fenitoína

    Considerar tratamentos empíricos:

             suspeita de meningite bacteriana – ceftriaxone e dexametasona;

             suspeita de outras infecções – conforme o local de suspeita;

             suspeita de meningoencefalite herpéticaaciclovir;

             suspeita de status epiléptico não convulsivo – fenitoína e diazepam;

             suspeita de aumento de pressão intracraniana – manitol;

             suspeita de intoxicação exógena – considerar lavagem gástrica e carvão ativado

    Tratar distúrbios hidroeletrolíticos e manter o equilíbrio ácido-básico

    Evitar complicações decorrentes de imobilidade e restrição, proteger os olhos, considerar sondas vesical e nasogástrica, controlar agitação e não deixar o paciente sozinho

     

     

    TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

             A estrutura anatômica responsável pela manutenção do nível de consciência é a formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada no tronco encefálico.

             Logo, rebaixamento de nível de consciência costuma ser causado por lesão ou disfunção da FRAA ou por comprometimento de ambos os hemisférios cerebrais (encefalopatias difusas ou multifocais).

             Lesões supratentoriais levando a Coma geralmente são extensas, causando rebaixamento por compressão do hemisfério contralateral ou por compressão do tronco encefálico.

             O exame neurológico de um paciente em Coma deve enfatizar nível de consciência, resposta motora, padrão respiratório, motricidade ocular extrínseca e intrínseca.

             Utiliza-se a Escala de Coma de Glasgow para avaliar o nível de consciência, embora esta tenha limitações.

             Glasgow menor ou igual a 8 indica a necessidade de intubação orotraqueal para manutenção de vias aéreas e evitar aspiração.

             Alterações e assimetria na resposta motora costumam indicar lesão encefálica.

             O III, IV e VI nervos cranianos são responsáveis pela MOE e apresentam íntima relação com a FRAA. Logo, a análise da MOE permite avaliar se há integridade dessa estrutura e do tronco encefálico.

             Na síndrome de Foville inferior (lesão infratentorial) ocorre desvio do olhar para o lado oposto da lesão, e a lesão piramidal leva à hemiparesia contralateral (por exemplo, hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita).

             Na síndrome de Foville superior há desvio do olhar para o lado da lesão encefálica associado à hemiparesia contralateral (por exemplo, hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas.

             O sistema nervoso simpático é responsável pela midríase e o sistema nervoso parassimpático pela miose.

             Lesão das vias simpáticas (intra ou extracranianas) responsáveis pela motricidade ocular intrínseca podem levar a síndrome de Claude Bernard-Horner, caracterizada por semiptose palpebral, miose e anidrose ipsilaterais à lesão.

             Lesões intracranianas comprimindo o tronco encefálico podem levar à compressão do III nervo, gerando midríase fixa unilateral do lado da lesão (pupila uncal) e hemiparesia contralateral. Esse sinal sugere hipertensão intracraniana descompensada e indica imediata avaliação por neurocirurgião.

             Causas tóxico-metabólicas podem causar alterações pupilares, mas estas, via de regra, são simétricas.

             Pacientes com rebaixamento de nível de consciência e suspeita de doença neurológica devem ser submetidos a exame de imagem imediatamente. Se houver história de cefaléia, meningismo e febre sem sintomas neurológicos focais, pode ser realizado primeiramente análise do líquido céfalo-raquidiano.

             Pacientes em que houver forte suspeita de doença clínica causando o rebaixamento de nível de consciência devem ser extensamente avaliados do ponto de vista infeccioso e metabólico de acordo com as hipóteses mais prováveis. Em um primeiro momento, pode não ser necessário exame de imagem, mas o limiar para que seja solicitado deve ser baixo.

             Pacientes sem causa evidente para o rebaixamento de nível de consciência devem ser submetidos à investigação ampla e que contemple todas as possibilidades diagnósticas, incluindo exame de imagem e extensa avaliação infecciosa, tóxica e metabólica.

             Quando não for possível aferir a glicemia capilar, deve-se administrar empiricamente bolus endovenoso de glicose hipertônica. Em etilistas ou quando não houver histórico do paciente, a administração de glicose deve ser precedida por reposição de tiamina, pois, do contrário, pode-se precipitar encefalopatia de Wernicke.

             naloxone pode reverter o Coma por uso de opiáceos, e flumazenil é útil em casos de intoxicação por benzodiazepínicos.

     

    ALGORITMO

               

    Algoritmo 1: Avaliação diagnóstica de paciente em Coma ou com rebaixamento de nível de consciência

     

    BIBLIOGRAFIA

    1. Berger JR. Clinical approach to stupor and Coma. In: Neurology in clinical practice. 4. ed. Philadelphia: Butterworth Heinemann; 2004.

    2. Brenner RP. The interpretation of the EEG in stupor and Coma. Neurologist 2005;11(5):271-84.

    3. Leigh RJ, Zee DS. The neurology of eye movements. 2. ed. Philadelphia: Davis; 1991.

    4. Olsen CG. Myxedema Coma in the elderly. J Am Board Fam Pract 1995;8:376-83.

    5. Plum F, Posner JB. The diagnosis of stupor and Coma. 3 ed. Philadelphia: Davis; 1980.

    6. Rabello GD. Comas. In: Nitrini R, Bacheschi LA, editors. A neurologia que todo médico deve saber. São Paulo: Maltese; 1991.

    7. Young GB. The EEG in Coma. J Clin Neurophysiol 2000;17(5):473-85.

    8. http://cim.ucdavis.edu/eyerelease

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