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Manifestações Neurológicas no Paciente com HIV

Autores:

Fernanda Martins Maia

Neurologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Pós-graduanda (doutorado) em Neurologia pela Faculdade de Medicina da USP

Norberto Anízio Frota

Neurologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Pós-graduando (doutorado) em Neurologia pela Faculdade de Medicina da USP
Especialista em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/09/2008

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

            As manifestações neurológicas em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) podem ser encontradas nas diversas fases da doença, desde o período de contaminação até estágios mais avançados de imunossupressão. Antes do início da terapia HAART (terapia anti-retroviral altamente ativa), mais de um terço dos pacientes apresentava sintomas neurológicos por ação direta do HIV. Hoje, o controle do vírus mudou o curso da infecção, tornando-a uma doença crônica, possibilitando o manejo clínico de suas complicações

Em cerca de 10%-20% dos casos, a manifestação inicial da infecção pelo HIV é uma complicação neurológica, acontecendo tanto por ação direta do vírus como por infecções oportunistas. Estudos consecutivos de séries de autópsias identificaram a presença de comprometimento do sistema nervoso central (SNC) em 80%-90% dos casos de pacientes portadores do vírus HIV.

As manifestações neurológicas, especificamente, podem passar, não raro, despercebidas. Sua sintomatologia pode ser extremamente pobre, como no caso da meningite asséptica; outras vezes, podem drasticamente constituir o primeiro sinal e ser definidoras da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS).

            Na abordagem do paciente com HIV, de forma didática, podemos dividir em três grandes grupos:

 

         manifestações primárias da infecção pelo HIV;

         manifestações relacionadas à infecções não oportunistas e oportunistas;

         manifestações secundárias ao tratamento e outras.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

            O HIV é um retrovírus que primariamente infecta as células que expressam o antígeno CD4, do qual o vírus utiliza para se ligar. Uma vez dentro da célula, o vírus pode replicar-se, levando-a à morte, ou pode integrar o seu genoma ao da célula hospedeira e permanecer latente por um período variável. As principais células infectadas são os linfócitos CD4+, que podem sofrer diminuição quantitativa progressivamente ao longo da doença, e perdem sua função como regulador do sistema imune. Outras células do sistema imune infectadas pelo HIV são os linfócitos B e macrófagos. Os linfócitos B são afetados tanto diretamente pela infecção quanto pelos efeitos indiretos sobre a função dos linfócitos CD4+, o que pode levar à hipergamaglobulinemia global e à diminuição da resposta a novos antígenos. Os macrófagos atuam como reservatórios para o HIV e servem para disseminá-lo para outros órgãos. Portanto, a imunodeficiência relacionada à infecção pelo HIV é mista, já que acomete tanto componentes do sistema imune celular quanto humoral.

            No  SNC, as principais células infectadas pelo HIV são as da linhagem monocítica-macrofágica, que incluem os monócitos que migraram do sangue periférico e as células da micróglia. O vírus entra no  SNC durante a fase de viremia da infecção primária por meio da adesão de macrófagos infectados ao endotélio cerebral. Em virtude da menor expressão do antígeno CD4, as células neuronais são menos infectadas. Os efeitos patogênicos parecem estar relacionados à combinação de efeitos diretos, tanto tóxicos quanto regulatórios, do vírus e de seus antígenos, nas células neuronais, e à ação de neurotoxinas liberadas pelos monócitos infiltrados, células da micróglia e astrócitos.

            Além disso, as manifestações neurológicas relacionadas à infecção pelo HIV podem estar relacionadas a seu efeito direto no sistema nervoso, e ao comprometimento do sistema imunológico, levando à maior predisposição a infecções oportunistas e neoplasias (tabela 1). De fato, existe correlação entre o grau de imunossupressão e a etiologia das manifestações neurológicas (tabela 2).

 

Tabela 1: Classificação das manifestações neurológicas no paciente com HIV

Direta (pelo HIV)

Indireta (imunossupressão ou do tratamento)

         Meningite aguda

         Infecções oportunistas

         Meningite crônica

         Neoplasias

         Encefalopatia

         Tóxico-metabólica

         Mielopatia

         Relacionados a drogas

         Neuropatia periférica

         Doença cérebro-vascular

         Miopatia/miosite

 

 

Tabela 2: Contagem de CD4 e Etiologia das Manifestações Neurológicas

Etiologias

Contagem de CD4 (células/mL)

> 200

< 200

< 100

         Meningite pelo HIV

X

X

X

         Meningite bacteriana ou viral

X

X

X

         Neurossífilis

X

X

X

         Neurotuberculose

X

X

X

         Demência relacionada ao HIV

 

X

X

         Meningite criptocócica

 

X

X

         Toxoplasmose cerebral

 

X

X

         Mielopatia vacuolar relacionada ao HIV

 

X

X

         Polineuropatia sensitiva distal

 

X

X

         Encefalite por citomegalovírus

 

 

X

         Linfoma primário do SNC

 

 

X

         Leucoencefalopatia multifocal progressiva

 

 

X

 

ACHADOS CLÍNICOS

 

Síndrome de Cefaléia e Meningismo

Caracteriza-se por sintomas como vômitos, febre, cefaléia, rigidez de nuca, evoluindo com confusão. Os sintomas podem ser subagudos e sutis (meningite tuberculosa, criptococose) ou mais intensos e agudos (meningite viral, bacteriana). Sintomas localizatórios (paresias, grandes déficits) não costumam ocorrer, mas podem ser encontrados, sobretudo em meningites basilares. Outras causas são Neurossífilis e infiltração meníngea por Linfoma.

 

Síndrome Cerebral Predominantemente Focal

Hemiparesia, afasia, apraxia, déficits hemissensoriais, ataxia, múltiplos pares cranianos e déficits em campos visuais, entre outros, são os achados mais marcantes. As três principais causas são Toxoplasmose, Linfoma primário do SNC e Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP). Outras causas menos comuns são tuberculoma, criptococoma, vírus herpes, varicela zoster e citomegalovírus (CMV).

 

         Toxoplasmose: evolução mais rápida, poucos dias, geralmente com confusão e febre;

         Linfoma: dias a semanas, geralmente sem febre e sem confusão, apesar de essa última depender da localização do tumor (por exemplo, hipertensão intracraniana pode causar confusão);

         LEMP: evolui mais lentamente que as duas anteriores, durante semanas, sem febre e sem rebaixamento do nível de consciência.

 

Síndrome Cerebral Predominantemente Não-Focal

Caracteriza-se por disfunção cerebral mais difusa e sem aqueles déficits localizatórios. Pode haver distúrbios cognitivos, motores, muitas vezes comportamentais, com ou sem rebaixamento do nível de consciência. O protótipo desse grupo é o complexo de demência relacionada à AIDS (não costuma causar rebaixamento). Quando há confusão e rebaixamento, mas sem déficit localizatório, deve-se suspeitar de CMV.

 

Mielopatias

Distúrbios da marcha, alterações sensitivo-motoras e incontinência (vesical e fecal) são os achados predominantes. Pode ter um nível neurológico bem definido (nível sensitivo, necessitando de ressonância magnética [RM] de urgência), como na mielite transversa (vírus herpes, varicela zoster, CMV ou compressão medular) ou sem nível definido (RM normal ou mostrando apenas atrofia medular), como ocorre na Mielopatia vacuolar ou devido ao vírus linfotrópico T humano (HTLV 1 e 2).

A mais comum manifestação medular em pacientes HIV positivo é a Mielopatia vacuolar, que faz parte do complexo demência relacionado à AIDS. Tem início subagudo, gradual, é indolor e ocasiona progressiva ataxia com espasticidade. Logo após, surgem incontinência fecal e vesical. Os sintomas sensitivos são frustros, quando comparados com os distúrbios motores, exceto se houver Neuropatia periférica concomitante. Ao exame físico, não há nível neurológico (nem sensitivo, nem motor), distinguindo-se da mielite transversa, e há freqüentemente exacerbação de reflexos.

A infecção pelo HTLV pode causar um quadro semelhante ao da Mielopatia vacuolar e ambas podem coexistir. O diagnóstico é sugerido pela ausência de sintomas do SNC e confirmado por sorologia no sangue e no líquor (Ig-G). As técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR) estão rapidamente evoluindo e podem se tornar o padrão de referência. A RM não ajuda a diferenciá-la da Mielopatia vacuolar, mas pode ser bastante útil no diagnóstico de mielopatias segmentares (mielite transversa, compressão neoplásica e associada ao CMV).

 

Neuropatias Periféricas

Acometimento de nervos periféricos, sensitivos e/ou motores, sem um padrão medular, geralmente dolorosas. A Polineuropatia sensitiva distal pode variar desde hiperestesia até grave distúrbio doloroso incapacitante. Pode iniciar com parestesias em extremidades, evoluir com “queimação em botas e luvas”, e ascender para sítios proximais. Há duas grandes etiologias:

 

         associada ao HIV;

         relacionada a agentes anti-retrovirais: zalcitabina, didanosina e estavudina.

 

A polirradiculopatia sensitivo-motora grave é causada pelo CMV. O quadro clínico inicial é de dor, fraqueza e perda sensorial nas raízes lombossacras. Há progressão durante poucos dias, em caráter ascendente, podendo afetar raízes torácicas e cervicais. O líquor caracteristicamente mostra pleocitose, com predomínio de polimorfonucleares e confirmado pela pesquisa do DNA do CMV (PCR-CMV). A doença pode ser fatal e o tratamento com ganciclovir deve ser imediato.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E EXAMES COMPLEMENTARES

            Em razão da grande amplitude de diagnósticos diferenciais, uma abordagem interessante é classificar o paciente quanto ao diagnóstico neurológico topográfico e, a partir daí, tentar estabelecer a etiologia do quadro (tabela 3). Essa abordagem é interessante, pois é a melhor forma de não esquecermos etiologias das mais diversas, como auto-imunes, metabólicas, vasculares, que também podem estar presentes no paciente com HIV.

 

Tabela 3: Diagnóstico diferencial neurológico no paciente HIV positivo

Síndromes

Etiologia

Cefaléia e quadros confusionais

         Meningoencefalite por herpes simples dos tipos 1 e 2

         Meningoencefalite por herpes zoster

         Meningoncefalite por CMV

         Encefalite por ameba

         Encefalite por toxoplasma

         Encefalite por Aspergillus

         Meningite por HIV

         Meningite por Criptococcus

         Meningotuberculose

         Neurossifilis

         Meningite por outras micobacterias

         Meningoencefalite por Listeria

         Meningite por Salmonela

         Meningite por Streptococcus

         Meningite por Bartonela

         Demência pelo HIV

         Meningite linfomatosa

         Disfunção cognitiva motora mínima associada ao HIV

         Encefalopatia metabólica

         Meningites por causas não-infecciosas (sarcoidose, Behçet, vasculites, por uso de antiinflamatórios)

Déficits focais

         Toxoplasmose

         Trypanosoma cruzi

         CMV

         Varicela soster

         Epstein-Barr

         Vírus JC

         Tuberculose

         Neurossífilis

         Outras micobactérias

         Nocardia

         Bartonela

         Streptococcus

         Abscessos mistos

         Pneumocystis jiroveci

         Linfoma primário de SNC

         Leucoencefalopatia multifocal progressiva

         Doença cérebro-vascular (AVC isquêmico/hemorrágico)

Síndromes medulares

         Mielopatia vacuolar

         Mielite por CMV

         Mielite por herpes zoster

         Linfoma

         Mielopatia por HTLV

         Déficit de vitamina B12

         Neurotuberculose

Acometimento periférico

         Polineuropatia pelo HIV

         Polineuropatia por anti-retrovirais

         Polineuropatia por outras drogas (por exemplo, etambutol, isoniazida, álcool)

         Déficit de vitamina B12 ou B6

         Polineuropatias por doenças sistêmicas (por exemplo, diabetes, hanseníase)

         Polirradiculoneuropatia aguda pelo HIV

         Polirradiculoneuropatia crônica pelo HIV

         Polirradiculoneuropatia por CMV

         Polirradiculoneuropatia sifilítica

         Polirradiculoneuropatia tuberculosa

         Polirradiculoneuropatia linfomatosa

         Polirradiculoneuropatia por zoster

         Neuropatia autonômica

         Miopatias – polimiosite, miosite por corpúsculos de inclusão, por medicamentos (zidovudina), piomiosite

 

Manifestações Primárias da Infecção pelo HIV

            O HIV pode ter manifestações logo que ocorre a infecção primária até quadros clínicos que surgem somente em fases mais avançadas da doença. Relacionaremos, a seguir, as manifestações mais comuns, por ordem cronológica, do ponto de vista neurológico.

 

Meningite Asséptica

            Este quadro pode estar presente em diversas fases da doença. Inicialmente, após 1 a 6 semanas da contaminação pelo HIV, pode ser observado quadro de mononucleose-like, em que o paciente refere astenia, letargia, artralgia, além de cefaléia refratária, que não preenche critérios para as cefaléias primárias, podendo vir associada a sintomas e sinais de irritação meníngea, como vômitos, febre e rigidez de nuca. Depois de alguns dias, observa-se rash cutâneo com linfonodonomegalia difusa, caracterizando a síndrome de soroconversão. Nessa fase, o paciente apresenta um estado geral relativamente bom, sendo a evolução do quadro autolimitada e, por isso, muitas vezes o paciente não chega a serviços especializados.

Para confirmação do diagnóstico, pode ser feita coleta de líquor, o qual apresenta pleocitose discreta, com predomínio linfomonocitário, aumento de proteínas e glicorraquia normal. Mais especificamente, pode-se tentar a detecção viral por meio de PCR, porém sua negatividade não exclui o diagnóstico. Outras manifestações da síndrome de soroconversão incluem crise epiléptica, encefalite, mielopatia, neuropatias de nervos cranianos e periféricos.

            Durante a fase latente, em que não há depressão da imunidade, a meningite asséptica é relativamente comum e, muitas vezes, ocorre de forma oligossintomática, com cefaléia atípica, refratária, de fraca intensidade, podendo ou não se associar a febre e vômitos. Caso não haja outras comorbidades, o exame neurológico pode ser normal.

À análise do líquor, observa-se pleocitose discreta (< 25 cél/µL), com elevação moderada da proteína (< 100 mg/dL) e glicorraquia normal. Pode-se observar ainda síntese de anticorpos anti-HIV dentro do compartimento liquórico, e o RNA do vírus é possível de ser isolado por PCR. O diagnóstico diferencial deve sempre ser feito com outros vírus e infecções oportunistas. O tratamento, em caso de sintomas, é à base de sintomáticos.

            Vale lembrar que essa manifestação também ocorre em fases mais avançadas da doença, numa freqüência maior.

 

Polirradiculoneuropatia pelo HIV

            Semelhante à síndrome de Guillain-Barré, observada em indivíduos imunocompententes não infectados pelo HIV, esta polirradiculoneurite inflamatória, quando ocorre, costuma ser em fases iniciais da infecção pelo HIV. Apresenta-se com fraqueza rapidamente progressiva, ascendente, podendo acometer musculatura respiratória. Ao exame, observam-se tetraparesia flácida, com arreflexia, podendo estar presentes também sinais de disautonomia. Estudo com eletroneuromiografia revela sinais de desmielinização, como redução da velocidade de condução, com dispersão temporal dos potencias e bloqueio multifocal. Líquor apresenta pleocitose discreta (10 a 50 cél/µL), com aumento moderado de proteínas. Forma de instalação mais lenta, com acometimento motor e sensitivo progressivos, também pode ocorrer, semelhante à polirradiculoneuropatia crônica inflamatória (CIDP).

 

Polineuropatia Sensitiva Distal Relacionada ao HIV

            Relativamente comum, acomete cerca de um terço dos pacientes com HIV e costuma se manifestar com queixas inespecíficas de parestesias em membros inferiores, mais comumente simétricas. A evolução é muito variável. Na maioria dos casos, a piora ocorre de forma lenta e progressiva, em que chama a atenção as queixas de parestesias muito intensas, com sensação de queimação, dormência e dor em pés, principalmente à noite, às vezes com dor neuropática incapacitante. O acometimento de fibras motoras costuma ser muito discreto, ocorrendo basicamente em musculatura intrínseca do pé (o paciente pode não conseguir deambular devido ao quadro álgico). O acometimento de membros superiores, quando ocorre, se dá em fases mais avançadas da doença.

Ao exame neurológico, observa-se ausência ou redução dos reflexos Aquileus, além de perda sensitiva superficial e vibratória em região distal de membros inferiores. O diagnóstico de Polineuropatia é confirmado pela eletroneuromiografia dos quatro membros, a qual revela, mais comumente, padrão axonal, predominantemente sensitivo, simétrico. Em casos extremos, biopsia de pele com estudo de fibras finas pode ser realizada.

 

Mielopatia Vacuolar

            Mais freqüente nas fases mais avançadas da doença, a mielopatia costuma ser constituída pela tríade de paraparesia espástica, ataxia sensitiva e bexiga neurogênica. Essa mielopatia teve sua incidência reduzida, de forma drástica, após modificações no tratamento de manutenção para o HIV. Há queixa de dificuldade de deambular, que vai se agravando de maneira progressiva, geralmente no curso de meses, associando-se incontinência urinária e sintomas sensitivos.

 No exame neurológico, observa-se déficit motor em membros inferiores, com sinais de espasticidade, hiper-reflexia e presença do sinal de Babinski; nota-se ainda ausência de propriocepção e sensibilidade vibratória em membros inferiores. Nível sensitivo geralmente não é estabelecido. O acometimento de membros superiores, quando ocorre, se dá somente em fases mais avançadas.

O diagnóstico é primariamente clínico, uma vez excluídas outras causas.  O exame de neuroimagem, de preferência RM, costuma ser normal ou mostrar atrofia discreta da medula. Estudo com potenciais evocados revela retardo das latências dos potenciais centrais restritos somente à medula tóraco-lombar. As alterações anatomopatológicas poderiam confirmar o diagnóstico, porém seu uso na prática clínica não é aplicável.

 

Demência Relacionada ao HIV

Embora tenha tido redução drástica de incidência após instituição do esquema HAART, a demência pelo HIV ainda é uma causa de grande morbidade. Após a modificação do tratamento anti-retroviral, essa demência passou a ocorrer em indivíduos com contagem de CD4 praticamente normal, observando-se que o fator de risco mais significativo é o nadir de CD4 (contagem mais baixa de CD4 durante todo o tempo de infecção pelo HIV). Outros fatores de risco que influenciam a ocorrência de demência são idade, efeitos em longo prazo da terapia com HAART, efeitos aditivos do abuso de drogas ilícitas e co-infecção pelo vírus da hepatite C. Indivíduos com alelo da apolipoproteína E4 também têm predisposição para essa demência.

            Em relação ao quadro clínico, este abrange alterações cognitivas, comportamentais e motoras que se desenvolvem em meses, de início insidioso e, por isso, facilmente ignorado, podendo ser atribuído à depressão ou alentecimento natural. Nos estágios iniciais, o paciente refere perda da memória para eventos recentes, com lentificação de pensamento, dificuldade para ler e compreender, além de apatia. Observa-se perda da capacidade para executar funções do dia-a-dia, associado à dificuldade para caminhar, com tropeços e hesitações freqüentes. Alterações comportamentais podem ainda ser referidas, podendo variar de humor deprimido até episódios de mania.

 No exame neurológico, observa-se perfil neuropsicológico compatível com demência subcortical, sem acometimento importante da linguagem ou de outras funções corticais. Observam-se ainda bradicinesia, instabilidade postural, tremor postural, hiper-reflexia difusa e presença de reflexos primitivos, indicando liberação frontal. O diagnóstico, na prática, é presuntivo, devendo ser excluídas causas como infecções, déficits vitamínicos e drogas. A RM revela atrofia central e cortical, com sinais característicos confluentes em substância branca profunda – interessante ressaltar que essa alteração pode ser reversível com otimização da HAART. Quanto ao curso da doença, este pode ser dividido em subagudo progressivo, ativo crônico, inativo crônico e reversível, sendo este último observado em pacientes com boa aderência ao HAART e supressão da carga viral efetiva.

 

Manifestações por Infecções da Comunidade e Infecções Oportunístas

Nas fases iniciais, quando a depressão imunológica não é tão grave (CD4 > 200), as infecções neurológicas presentes em pacientes com HIV são semelhantes às da comunidade. Essas manifestações, como as meningites virais, meningites bacterianas, encefalites virais, Neurossífilis, Neurotuberculose. Nas fases mais avançadas de imunossupressão, além dessas etiologias, somam-se neurotoxoplasmose, neurocriptococose, neurocitomegalovirose, LEMP, entre outras.

 

Neurotoxoplasmose

            Esta infecção, causada pelo Toxoplasma gondii, costuma ocorrer com CD4 abaixo de 200/µL. Sua incidência foi primeiramente reduzida com a introdução da profilaxia com sulfametoxazol e trimetoprima para Pneumocystis jiroveci e novamente após a introdução do HAART. Sua manifestação mais comum é com déficit motor focal, geralmente hemiparesia ou hemi-hipoestesia associado à confusão mental, que se instala no decorrer de dias, ou ainda de forma súbita, com cefaléia, febre e ataxia.

 Ao exame neurológico, o paciente se encontra sonolento, com déficit motor focal, como hemiparesia, com sinais de liberação piramidal, ataxia, lentificação psicomotora. O diagnóstico pode ser favorecido com tomografia ou RM, os quais demonstram lesões isoladas ou múltiplas, ovaladas, com captação de contraste anelar, muitas vezes com sinais de sangramento intralesional, associadas a edema significativo, geralmente localizadas em núcleos da base, substância branca profunda e transição de substância branca/cinzenta. Outro dado importante é a presença de sorologia positiva para IgG – a ausência desta deve sempre nos levar a pesquisar outras causas. A pesquisa de toxoplasma por PCR no líquor é específica, porém pouco sensível, não sendo utilizada freqüentemente na prática clínica.

 

Meningite por Cryptococcus

            Causada pelo fungo Cryptococcus neoformans, sendo este adquirido do meio ambiente, sua incidência foi reduzida após introdução do esquema HAART e em paciente em uso profilático de fluconazol. Sua principal forma de apresentação é com cefaléia atípica, de instalação insidiosa, piora progressiva, tornando-se refratária a medicações, às vezes com piora ao deitar, podendo vir associada à febre desde o início. Evolui tipicamente com sinais de hipertensão intracraniana, como vômitos, borramento visual e sonolência.

            O exame neurológico, em geral, mostra sinais de irritação meníngea não proeminentes, podendo ser observados papiledema e, mais raramente, sinais motores focais. À tomografia, o cérebro encontra-se edemaciado, com ventrículos e cisternas reduzidos. À RM, algumas vezes, pode ser vista imagens com hipersinal em T2, com presença de captação de contraste em T1, localizadas nos núcleos da base, que lembram “bolhas de sabão”, caracterizando criptococomas. À punção lombar, é de vital importância a mensuração da pressão liquórica, a qual pode estar bem aumentada; a celularidade é elevada, à custa de linfócitos, mas com porcentagem de neutrófilos moderada, proteína elevada, e a glicorraquia pode estar moderadamente reduzida.  Teste com tinta da China pode confirmar o diagnóstico de forma mais rápida, podendo ainda ser feita confirmação mediante pesquisa do antígeno e cultura do líquor.

 Fatores que indicam mal prognóstico incluem alteração do estado mental na apresentação, pleocitose baixa no líquor  (< 20 cél/µL), titulação do antígeno da criptococcose > 1:1.024 e aumento da pressão liquórica de abertura. A ocorrência da síndrome de reconstituição inflamatória imune, no decorrer do tratamento, ocorre em até 30% dos casos e também pode comprometer o prognóstico desses pacientes.    

 

Neurotuberculose

Pode se manifestar como forma meníngea, encefálica ou ambas. Nos Estados Unidos, o risco de Neurotuberculose é 235 vezes maior para pacientes portadores do vírus HIV, com uma mortalidade de 43%. No Brasil, a incidência dessa meningite é certamente maior que nos Estados Unidos.

O quadro clínico é caracterizado por febre, cefaléia, alteração progressiva do nível de consciência e comprometimento de pares cranianos (especialmente, III, IV, VI e VII pares). Convulsões também podem acontecer. As manifestações são similares às dos pacientes sem a doença pelo vírus HIV, exceto pelos achados de lesão com efeito de massa, mais comuns nos imunocomprometidos. Hidrocefalia é uma complicação freqüente da meningite tuberculosa, muitas vezes sendo necessária a realização de derivação ventrículo-peritoneal (DVP).

O diagnóstico é realizado pelo líquor e pode mostrar celularidade aumentada (pode variar de 5 a 2.000 cél/µL), proteinorraquia elevada (em até em 40% dos casos pode chegar a 500 mg/dL), embora raramente possa ser normal. Outras alterações liquóricas são glicorraquia diminuída (4 a 40 mg/dL) e pesquisa de BAAR raramente positiva. A cultura permite o diagnóstico definitivo, entretanto demora de semanas a meses.

Dois exames no líquor podem ajudar: a pesquisa da micobactéria por PCR (PCR-MTB) e a dosagem da enzima adenosina deaminase (encontra-se aumentada).

 

Meningite Bacteriana

Pode ocorrer com qualquer nível de CD4; entretanto, pacientes com CD4 > 200/µL têm risco até 50 vezes maior que a população geral; esse risco é ainda maior quando a contagem de CD4 estiver menor que 200/mm3 (o risco chega a ser 400 vezes maior). A incidência de meningite por Listeria é 65 a 145 vezes maior que na população em geral.

As manifestações, o diagnóstico e o tratamento são semelhantes aos do paciente imunocompetente.

 

Meningoencefalite Viral

Os principais agentes etiológicos são Herpes simplex virus 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2), vírus varicela-zoster, CMV, vírus Epstein-Barr (EBV), vírus da caxumba e enterovírus. A real freqüência dessas infecções em pacientes com AIDS não é conhecida.

Os quadros virais do SNC podem ser meníngeos (geralmente benignos e autolimitados) ou com predomínio de encefalite, que geralmente são graves e podem causar seqüelas. Talvez o mais freqüente seja o vírus herpes. O quadro clínico da encefalite herpética é de febre baixa, letargia, confusão, convulsões e déficits motores. Achado sugestivo é de alteração comportamental, chamando a atenção nesse tipo de encefalite.

O diagnóstico definitivo é feito apenas por biópsia, exame não utilizado como rotina. O PCR-HSV no líquido céfalo-raquidiano tem uma sensibilidade de 98% na primeira semana da doença. O líquor apresenta uma celularidade aumentada com predomínio linfocitário, proteinorraquia aumentada e glicose normal. A presença de hemácias é um achado relacionado à doença. Na tomografia, podem eventualmente surgir edema e hemorragia focal usualmente na região temporal média e na região inferior dos lobos frontais, achados mais freqüentemente vistos na RM de crânio.

O tratamento deve ser iniciado precocemente na suspeita de meningite por HSV, utilizando-se aciclovir 10 mg/kg/dose de 8/8 horas por 14-21 dias.

           

Neurossífilis

            Sífilis é a infecção causada pelo Treponema pallidum e adquirida mediante transmissão venérea ou vertical (mãe-filho). O curso clínico da doença é caracterizado por episódios de exacerbação e períodos variáveis de latência, sendo o acometimento neurológico presente nas fases secundária e terciária:

 

         Fase secundária (4-6 semanas após o cancro): manifesta-se por sintomas constitucionais com febre, queda do estado geral, astenia, linfadenomegalia generalizada e rash, podendo ocorrer quadro neurológicos de meningite, neuropatias cranianas, incluindo perda auditiva neurossensorial e sintomas oculares;

         Fase terciária (meses a décadas): caracterizada por apresentar alterações granulomatosas (goma sifilítica), cardiovasculares e neurológicas (meningovascular, tabes dorsalis e “paralisia geral”).

 

Todas as complicações neurológicas relacionadas à sífilis podem se desenvolver em pacientes com HIV, com a particularidade de haver a aceleração do início e da progressão da doença. Os indivíduos infectados pelo HIV são mais propensos a desenvolver manifestações da Neurossífilis precoce (semanas a poucos anos) do que da sífilis tardia (anos a décadas), e mais freqüentemente têm doença ocular associada, como uveíte.

O diagnóstico da Neurossífilis é baseado nos testes imunológicos treponêmicos e não treponêmicos no soro e no líquor. Os testes não-treponêmicos (VDRL) são específicos, mas de baixa sensibilidade (30%-70%) e tornam-se positivos após 5-6 semanas da exposição e negativos após tratamento adequado. Os testes treponêmicos (FTA Abs, hemaglutinação passiva e ELISA) têm maior sensibilidade, sendo positivos após 3-4 semanas e podem manter a positividade por toda vida (cicatriz). A negatividade do FTAbs no líquor exclui o diagnóstico de Neurossífilis, mas a sua positividade não indica a doença. O líquor costuma evidenciar pleocitose mononuclear, aumento de proteínas, além de maior fração gama das imunoglobulinas.

           

Mielorradiculite por CMV

            O quadro pode se iniciar com manifestação de dor radicular, associada à fraqueza, geralmente em membros inferiores, de instalação subaguda, queixas de incontinência urinária e fecal e parestesias ou dormência em membros inferiores, lembrando uma síndrome de cauda eqüina.

 No exame observa-se déficit motor em membros inferiores associado a nível sensitivo, mais comumente em região torácica baixa ou lombar alta. Os reflexos podem estar aumentados na forma medular pura ou abolidos na forma mielo-radicular, em que as raízes estão acometidas. Pode-se ainda observar presença de sinal de Babinski em alguns casos.

 À RM, observa-se lesão com hipossinal em T1, com captação de contraste, e hipersinal em T2 que se estende por alguns segmentos, a depender da extensão do processo inflamatório. À análise do líquor, observam-se pleocitose com predomínio de polimorfonuclear, proteína elevada e glicose normal ou baixa. PCR para CMV pode confirmar o diagnóstico. 

 

Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva

            Essa manifestação, cujo agente causador é o Vírus JC, ocorre principalmente em fases muito avançadas da infecção pelo HIV, em que o grau de imunodepressão é muito grave. Ao contrário de outras infecções relacionadas ao HIV, esta não teve sua incidência modificada pela introdução do HAART, porém a sobrevida melhorou de forma significativa.

 Como manifestações clínicas, ocorrem déficits neurológicos focais, de instalação muito lenta e progressiva, como déficits de campo visual (mais comuns), déficits motores, afasia, dificuldades na marcha, déficits sensitivos e ataxia.

 À RM, nas fases iniciais, observam-se imagens com hipersinal em T2, que se iniciam em pequena dimensão, principalmente em regiões parieto-occipitais, que vão coalescendo à medida que a doença progride. A identificação do vírus pode ser feita no líquor pela identificação do DNA viral por PCR; este pode ser negativo em até 30% dos indivíduos com LEMP, nos quais diagnóstico mais preciso pode ser confirmado por biopsia. A sobrevida é ruim para a maioria dos pacientes, com tempo médio de 2-4 meses, apesar de uma minoria de pacientes conseguir apresentar remissão do quadro. O prognóstico é menos grave se CD4 estiver acima de 100 cél/µL, carga viral de HIV estiver abaixo de 500 cópias/mL, se houver presença de lesões captantes de contraste, baixo número de cópias do Vírus JC no líquor e se a LEMP for a primeira doença definidora de AIDS no paciente.

 

Manifestações Secundárias ao Tratamento e Outras

 

Linfoma de Sistema Nervoso Central

Relacionado à infecção pelo EBV, alguns autores chegam a considerá-lo no espectro das infecções oportunistas relacionadas ao HIV. Sua incidência tem aumentado nos últimos anos, fator esse atribuído ao aumento na longevidade e à redução de algumas infecções, principalmente em paises desenvolvidos, onde hoje já é a segunda causa mais comum de lesão focal em pacientes com HIV.

O quadro costuma progredir em algumas semanas, com aparecimento de déficits focais, mais comumente hemiparesia, porém podendo ser dos mais variados como afasia, ataxia, alterações comportamentais, além de cefaléia. Febre ocorre somente na presença de outras comorbidades.

 O diagnóstico é sugerido por imagem – à RM, mais sensível do que a tomografia – observa-se lesão mais freqüentemente única, em áreas profundas do cérebro, próxima aos ventrículos laterais, às vezes com extensão subependimal. Pode-se observar efeito de massa, mas a captação de contraste é pequena. A confirmação de DNA de Epstein-Barr por PCR, no líquor, corrobora o diagnóstico. SPECT com Tálio-201 pode ser realizado para diferenciar de Toxoplasmose – nesse, a captação é intensa, enquanto na Toxoplasmose praticamente não há captação de tálio. Quando esses testes diagnósticos não forem suficientes, biopsia deverá ser realizada para confirmar o diagnóstico. O uso de HAART melhorou bastante o prognóstico desses pacientes, os quais tinham sobrevida média prévia de 80 dias.

 

 

Síndrome da reconstituição inflamatória imune (IRIS)

            Descrita mais recentemente, após grande avanço no tratamento do HIV, ocorre quando há uma piora paradoxal do quadro clínico, após início do tratamento. Está relacionada à queda drástica da carga viral na periferia e possível melhora da resposta imune. Apesar disso, pode estar associada com alto grau de morbidade e mortalidade, especialmente em indivíduos sem tratamento prévio e com algum acometimento de  SNC. São fatores de risco para o desenvolvimento da IRIS: pacientes virgens de tratamento com drogas anti-retrovirais, independente da idade ou da contagem de CD4; duração e extensão da imunodeficiência; fatores de susceptibilidade genética e velocidade da reconstituição imune.

 

Doença Cérebro-vascular

            Deve sempre ser considerada quando déficits focais tiverem início súbito ou rapidamente progressivo, uma vez que existe possível papel do próprio vírus do HIV na causalidade dessas lesões. Das causas de AVC isquêmico, devem ser investigadas também endocardite infecciosa ou não infecciosa, vasculites, estados pró-coagulantes, angeíte granulomatosa de  SNC, vasculite por vírus da varicela zoster, vasculite por sífilis, vasculite por tuberculose, além de lesões fúngicas com invasão de vasos cerebrais como aspergilose e mucormicose. Das causas de lesões hemorrágicas, trombocitopenia secundária ao HIV, coagulopatia por doença hepática, coagulação intravascular disseminada, Linfoma primário de SNC, sarcoma de Kaposi e Toxoplasmose devem ser considerados.  

 

Neuropatia Relacionada aos Análogos de Nucleosídeo

            zalcitabina (ddC), didanosina (ddI) e estavudina (d4T) são análogos de inibidor da transcriptase reversa utilizados, cuja toxicidade foi bem documentada. Neuropatia relacionada ao seu uso inicia-se por volta dos dois meses de uso, sendo mais freqüente quanto maior a dose, com quadro súbito de dor em queimação ou em pontadas em pés, seguida de dormência, parestesias e, ocasionalmente, cãibras musculares e déficit motor distal leve. A dor pode ser muito intensa e debilitante. No exame, observam-se déficits de sensibilidade para temperatura e de tato distais, simétricos, associados à alodínea e perda dos reflexos profundos. O diagnóstico é dado por eletroneuromiografia, que mostra queda da amplitude dos potencias, sugerindo padrão axonal. A recuperação acontece na maioria dos pacientes que suspende a medicação.

 

Miosite

            O paciente pode desenvolver quadro de polimiosite relacionada ao HIV, com fraqueza proximal e mialgia, atribuída à uma resposta disimune após infecção pelo vírus, ou relacionada à IRIS. Laboratorialmente, os níveis de creatininoquinase estão elevados e, à eletroneuromiografia, observam-se potenciais motores sugestivos de miopatia, com aumento da atividade insercional e espontânea, sugestivas de miopatia inflamatória. Essa complicação pode estar presente em qualquer fase da doença.

            Miosite pode acontecer ainda relacionada ao uso de medicações como a zidovudina, com fraqueza proximal e mialgia insidiosa após cerca de seis meses do início da medicação. À biopsia de músculo, observam-se sinais de disfunção mitocondrial, sem sinais inflamatórios, o que diferencia esta miosite da descrita acima.

            Piomiosite pode ocorrer ainda em pacientes com HIV. O quadro se inicia com febre, dor muscular local e edema envolvendo musculatura acometida, o qual se desenvolve em semanas. Ao exame, observam-se edema, eritema e endurecimento do local, sem formação de abscesso, lembrando aspecto de celulite. Os agentes causadores mais comuns são Staphylococcus aureus, Salmonella typhi, bacilos Gram-negativos. Mais raramente, devem ser considerados como causa C. neoformans, T. gondii, M. tuberculosis, Mycobacterium avium-intracellulare e microsporídia.

 

TRATAMENTO

            Um resumo do tratamento das doenças descritas durante este capítulo está disponível na tabela 4. Mais detalhes estão nas tabelas 5 a 7. A presença do infectologista é essencial e deve sempre ficar a critério deste quando começar e que drogas usar em relação à terapia anti-retroviral. Por sua vez, terapia para infecções oportunistas deve ser iniciada prontamente, assim como medicações sintomáticas, e depois ser solicitada avaliação do infectologista.

 

Neurocriptococose

Na fase aguda, o tratamento proposto é à base de anfotericina B por 2-3 semanas (tabela 5). Nos pacientes que evoluírem bem poderá ser trocado o esquema para fluconazol 400 mg/dia até completar 8-10 semanas, e em seguida mantido com fluconazol 200 mg/dia. O controle da hipertensão intracraniana pode ser feito mediante punções lombares de repetição associadas ou não ao uso de acetazolamida. A instalação de válvulas de derivação liquórica está reservada para os casos mais graves. O regime hipertensivo intracraniano reduz a eficácia do tratamento antifúngico. A mortalidade pode atingir 30% na fase aguda e está mais relacionada ao aumento da pressão intracraniana na apresentação clínica inicial.

 

Neurotoxoplasmose

O tratamento clássico baseia-se na associação de pirimetamina, sulfadiazina (ou clindamicina) e ácido folínico (tabela 6), por seis semanas e na subseqüente profilaxia secundária. A profilaxia secundária estará indicada nos pacientes com CD4 < 100 e soropositividade para IgG-toxoplasma.

 

Neurotuberculose

Aqui está incluído o tratamento para Neurotuberculose, uma vez que a posologia difere daquela utilizada em imunocompetentes. Deve ser feito com o esquema II (E-2) recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil (rifampicina, isoniazida e pirazinamida; durante nove meses) associado a piridoxina (vitamina B6). Vale lembrar que o tratamento recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil é diferente do da literatura Americana ou Européia. Na primeira fase, as três drogas são administradas em conjunto durante dois meses; logo após, mantêm-se a rifampicina e a isoniazida por mais sete meses:

 

         rifampicina: 10 a 20 mg/kg/dia; máximo de 600 mg/dia;

         isoniazida: 10 a 20 mg/kg de peso; máximo de 400 mg/dia;

         pirazinamida: 25 a 35 mg/kg de peso; máximo de 2.000 mg/dia.

 

      O uso de corticóide é recomendado e reduz a mortalidade da doença (prednisona: 1 a 2 mg/kg/dia, com doses decrescentes, durante seis a oito semanas).

 

Neurossífilis

O tratamento da Neurossífilis é feito durante 14-21 dias e seguimento da eficácia do tratamento. O esquema recomendado é com penicilina cristalina 3-4.000.000 UI, IV a cada 4 horas. O aparecimento de novos sinais e sintomas, o aumento dos títulos sorológicos em até 4 vezes o valor inicial, os títulos maiores do que 1:32 no líquor sem redução em pelo menos 4 vezes em 12 a 24 meses, e a permanência de pleocitose após seis meses indicam possibilidade de falha terapêutica e necessidade de re-tratamento.

 

Tabela 4: Tratamento de manifestações relacionadas ao HIV e infecções oportunistas

Situações

Tratamentos recomendados

Demência relacionada ao HIV

         Preferência para drogas com boa penetração para  SNC com objetivo de supressão virológica total, de preferência combinação com três ou mais agentes – estavudina (d4T), zidovudina (AZT), abacavir, efavirenz, nevirapina e indinavir

neurotoxoplasmose – Terapia de manutenção

         pirimetamina – 25 a 50 mg/dia VO e sulfadiazina – 1 g VO 3 a 4 vezes/dia ou clindamicina – 300 a 450 mg VO 3 a 4 vezes/dia

         Administrar ácido folínico 10 a 50 mg/dia VO

Meningite por criptococo – Terapia de manutenção

         fluconazol 200 mg, VO, 1 vez/dia até melhora do perfil imunológico ou queda da carga viral

Leucoencefalopatia multifocal progressiva

         Sem tratamento específico

         HAART com objetivo de supressão completa do RNA viral plasmático

Síndrome de resposta inflamatória

         Papel de corticóide questionável – alguns autores consideram pulsoterapia

Polineuropatia sensitiva distal e relacionada a anti-retrovirais

         Uso de sintomáticos para dor neuropática (opções a seguir)

         Amitriptilina – iniciar com 25 mg e aumentar conforme necessário

         Lamotrigina – iniciar com 25 mg e aumentar conforme necessário

         Capsaicina ou lidocaína tópicos

         Casos graves – patch de fentanil, morfina ou oxicodona

         Em caso de relação com uso de anti-retrovirais à suspender medicação

Neurotuberculose

         isoniazida – até 400 mg/dia por 9 meses ou até 6 meses após negativação constante da cultura

         + rifampicina – até 600 mg/dia por 9 meses ou até 6 meses após negativação constante da cultura

         + pirazinamida – 15-30 mg/kg até 2 g/dia, durante 2 meses

Polirradiculoneuropatia pelo HIV

         Aguda – considerar pulsoterapia com imunoglobulina 400 mg/kg por 5 dias, ou plasmaférese

         Crônica – considerar pulsoterapia com metilprednisolona em casos selecionados

 

Tabela 5: Tratamento da neurocriptococose

Esquema

Medicações e doses

Efeitos adversos

Padrão

anfotericina B: 0,7 mg/kg/dia durante 2 semanas, seguida de fluconazol oral por mais 8 semanas*

Anfotericina: calafrios, febre, flebite, anemia, acidose tubular renal, hipocalemia

fluconazol: náusea, rash, hepatotoxicidade

Opção**

Anfotericina lipossomal: 3 a 6 mg/kg/dia

Semelhante à anfotericina B, embora muito menos comuns

Opção**

Anfotericina em emulsão lipídica: 5 mg/kg/dia

Semelhante à anfotericina B, embora muito menos comuns

* Trocar por fluconazol apenas se a resposta tiver sido boa.

** Preparações especiais de Anfotericina – vantagens: menor toxicidade renal, mais bem tolerada e possibilidade de usar doses maiores; desvantagem: altíssimo custo.

 

Tabela 6: Tratamento da neurotoxoplasmose

Droga

Esquema terapêutico

Efeitos colaterais

sulfadiazina

1,5 g VO 6/6 horas por 6 semanas

Rash cutâneo, supressão de medula óssea, cristalúria

pirimetamina

200 mg VO 1o dia e depois 75 mg/dia VO por 6 semanas

Rash cutâneo, leucopenia

ácido folínico

10-15 mg/dia

Utilizada para prevenir toxicidade da medula óssea

Obs. Para a profilaxia secundária é sugerido o esquema sulfametoxazol + trimetropin 1 vez/dia (ou atvaquone, dapsona+pirimetamina+leucovorin)

 

Tabela 7: Tratamento do comprometimento neurológico pelo CMV

Droga

Esquema terapêutico

Efeitos colaterais

ganciclovir

Indução: 5 mg/kg/dia IV 8/8 horas por 2 semanas

Manutenção: 5 mg/kg/dia IV (5 dias por semana)

 Toxicidade de medula óssea

 

Foscarnet

Indução: 60 mg/kg IV 8/8 horas por 2 semanas

Manutenção: 90 mg/kg/dia IV

Toxicidade renal, hipocalcemia

Cidofovir

5 mg/kg IV semanalmente por 2 semanas, e depois a cada 2 semanas

Insuficiência renal, neutropenia, irite, uveíte, hipotonia ocular

 

TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

         Antes do início da terapia HAART (terapia anti-retroviral altamente ativa), mais de um terço dos pacientes apresentava sintomas neurológicos por ação direta do HIV. Hoje, o controle do vírus mudou o curso da infecção, tornando-a uma doença crônica, possibilitando o manejo clínico de suas complicações

         As manifestações neurológicas podem dever-se ao próprio vírus HIV ou à imunossupressão ocasionada pela redução da contagem de linfócitos T CD4+. Além disso, em qualquer fase da infecção pelo HIV, patologias não necessariamente associadas à imunossupressão podem levar a manifestações do sistema nervoso (por exemplo, Meningite bacteriana, acidente vascular cerebral [AVC] ou mesmo tuberculose).

         Do ponto de vista sindrômico, pacientes infectados pelo HIV podem apresentar uma síndrome meníngea, um déficit neurológico difuso, focal, medular ou sinais e sintomas de comprometimento de nervos periféricos. Essa abordagem facilita o raciocínio diagnóstico.

         meningite asséptica pode ser a manifestação de soroconversão ao vírus HIV e vir associada a um quadro de síndrome mono-like.

         A incidência de demência relacionada à AIDS diminuiu após a instituição do esquema HAART, mais ainda é uma causa de grande morbidade.

         Cursa com alterações cognitivas, comportamentais e motoras, que se desenvolvem em meses, de maneira insidiosa

         A neurotoxoplasmose e a neurocriptococose são as principais infecções oportunistas no paciente com AIDS. Enquanto a Toxoplasmose costuma causar déficits neurológicos localizatórios (convulsões, hemiparesia com sinais de liberação piramidal, ataxia e lentificação psicomotora), a criptococose costuma ocasionar uma síndrome de irritação meníngea com hipertensão intracraniana (febre, cefaléia, vômitos e confusão).

         O diagnóstico da Toxoplasmose é sugerido pela tomografia (ou preferivelmente, por RM), enquanto o da criptococose é feito pela análise do líquor.

         No Brasil, a tuberculose é um grave problema de saúde pública e deve ser incluída no diagnóstico diferencial de síndromes neurológicas, em todos os pacientes infectados pelo HIV, independentemente da contagem de linfócitos CD4.

         Todas as complicações neurológicas relacionadas à sífilis podem se desenvolver em pacientes com HIV, com a particularidade de haver a aceleração do início e da progressão da doença. Os indivíduos infectados pelo HIV são mais propensos a desenvolver manifestações da Neurossífilis precoce (semanas a poucos anos) do que da sífilis tardia (anos a décadas), e mais freqüentemente têm doença ocular associada, como uveíte.

         No paciente com quadro neurológico focal (ataxia, alteração comportamental, distúrbios motores ou sensitivos), em geral sem febre, deve-se pensar em LEMP (infecção pelo Vírus JC, de evolução insidiosa, em meses) e no Linfoma do SNC (associada ao EBV, de evolução em semanas a poucos meses).

         O tratamento da Neurotuberculose recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil é com o esquema II (rifampicina, isoniazida e pirazinamida; durante nove meses) associado a corticóide e piridoxina (vitamina B6).

 

BIBLIOGRÁFIA

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9.     Verma A. Neurological manifestations of human immunodeficiency vírus infection in adults. In: Bradley WG et al. Neurology in clinical practice. 4. ed.  Philadelphia: Elsevier Inc; 2004, p. 1581-602, v.2.

 

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