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Endocardite Infecciosa

Autores:

Frederico de Moraes Ribeiro

Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico da Unidade de Terapia Intensiva da Universidade Federal de Goiás

Leonardo Vieira da Rosa

Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.

Última revisão: 05/04/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A endocardite infecciosa (EI) é uma infecção microbiana do endotélio cardíaco. A lesão característica, a vegetação, é uma massa amorfa de tamanho variável, composta de plaquetas e fibrina, na qual uma grande quantidade de microorganismos e células inflamatórias estão entremeadas. As valvas cardíacas são comumente envolvidas, porém a infecção pode ocorrer em qualquer estrutura cardíaca, defeitos nos septos, corda tendínea ou até no endocárdio mural e nos shunts arteriovenosos e artério-arteriais. Muitas espécies de bactérias, fungos, micobactérias, rickettsias, clamídias e micoplasmas podem causar endocardite infecciosa. Entretanto, estreptococos, estafilococos, enterococos e Gram-negativos são os principais agentes etiológicos.

 

EPIDEMIOLOGIA

A incidência de EI manteve-se relativamente estável de 1950 a 1987, em torno de 4,2/100.000 pacientes-ano.1 Porém, nas últimas décadas, com o maior número de intervenções, tais como marca-passos, desfibriladores, aumento da população geriátrica, aumento das doenças valvares degenerativas, o número de pessoas suscetíveis à EI tem aumentado. Em torno de 15.000 pacientes, só nos EUA, terão EI com índices de mortalidade em torno de 40%.2

Sua ocorrência é mais comum em homens, com 1,6 a 2,5 mais casos do que em mulheres, em usuários de drogas injetáveis, em pacientes com doenças cardíacas estruturais, como a doença cardíaca reumática, cardiopatias congênitas, prolapso da valva mitral, cardiomiopatia hipertrófica, entre outras.2

 

FISIOPATOLOGIA

O endotélio do coração e das valvas cardíacas é geralmente resistente a infecções bacterianas e fúngicas. Uma pequena quantidade de organismos virulentos é capaz de infectar valvas cardíacas aparentemente normais, mas isso é uma exceção. A interação que finalmente resulta na endocardite envolve um complexo hospedeiro-microorganismo, endotélio vascular, sistema imunológico, mecanismos hemostáticos, características cardíacas anatômicas, enzimas e toxinas produzidas pelos microorganismos, além de eventos periféricos que causam bacteremia.3

 

MICROBIOLOGIA

As hemoculturas são de grande importância para o diagnóstico de EI, sendo que a bacteremia é constante e de baixo grau. Sua positividade chega a 95% quando coletadas antes da administração de antibióticos. A coleta pode ser feita por meio de veia periférica, a qualquer momento, não havendo necessidade de aguardar episódios febris. Devem ser coletadas pelo menos 3 amostras separadas, com intervalo de 24 horas, para se avaliar a presença de bacteremia persistente.4

São causas de endocardite infecciosa com hemoculturas negativas o uso prévio de antimicrobianos e infecções por microorganismos de isolamento mais difícil, como os do grupo HACEK e fungos.4

Outros métodos para o diagnóstico dos agentes etiológicos das EI são o uso das sorologias (Chlamidia, Coxiella, Bartonella e Legionella), culturas de valvas e de êmbolo séptico e PCR (reação de polimerase em cadeia) no sangue do DNA de microorganismos.4

 

Tabela 1: Predisposição e microbiologia da endocardite de valvas nativas

Condições e microbiologia

Neonatos

2 meses a 15 anos

15 anos a 60 anos

> 60 anos

Doença cardíaca reumática

 

2 a 10%

25 a 30%

8%

Cardiopatias congênitas

28%

75 a 90%

10 a 20%

2%

PVM

 

5 a 15%

10 a 30%

10%

Doença cardíaca degenerativa

 

 

Raro

30%

Uso de droga endovenosa

 

 

15 a 35%

10%

Outros

 

 

10 a 15%

10%

Nenhum

72%

2 a 5%

15 a 45%

25 a 40%

Estreptococos

15 a 20%

40 a 50%

45 a 65%

30 a 45%

Enterococos

 

4%

5 a 8%

15%

S. aureus

40 a 50%

25%

30 a 40%

25 a 30%

Estafilococos coagulase-negativo

10%

5%

3 a 5%

5 a 8%

Gram-negativos

10%

5%

4 a 8%

5%

Fungos

10%

1%

1%

Raro

Polimicrobiana

4%

 

1%

Raro

Outros

 

 

1%

2%

Cultura negativa

4%

0-15%

3-10%

5%

Fonte: Karchmer.3

 

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da EI apóia-se na suspeita clínica derivada da associação de sinais e sintomas apropriados e, mais importantes, na demonstração da bacteremia contínua. Nos últimos 30 anos, o diagnóstico da EI tem passado por grandes transformações; em 1994, foram publicados os critérios diagnósticos da Universidade de Duke, que incorporaram as imagens do ecocardiograma e que recentemente também foram modificados, ficando conhecidos como os critérios modificados de Duke.

 

Tabela 2: Critérios modificados de Duke no diagnóstico da endocardite infecciosa

1.    Critérios maiores

a) Microbiológicos: isolamento de microorganismos típicos de duas amostras isoladas de hemocultura; ou isolamento de microorganismos de hemoculturas persistentemente positivas; ou simples hemocultura positiva para Coxiella burnetti (ou títulos de IgG > 1:800)

b) Evidência de envolvimento endocárdico: piora ou novo sopro de regurgitação, ecocardiograma positivo (massa intracardíaca, abscesso perianular ou nova deiscência de valva prostética)

2.    Critérios menores

a) Predisposição para EI: EI prévia; uso de drogas injetáveis; valva prostética; prolapso de valva mitral; cardiopatia congênita cianogênica; outras lesões cardíacas que geram fluxo turbulento dentro das câmaras

b) Febre: temperatura > 38°C

c) Fenômeno vascular: evento embólico arterial maior, infarto pulmonar séptico, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia subconjuntival e lesões de Janeway

d) Fenômeno imunológico: presença de marcadores sorológicos, glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth

e) Achados microbiológicos que não se enquadram nos critérios maiores

 

O diagnóstico definitivo de EI requer 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 3 menores ou 5 menores. O diagnóstico presuntivo de EI requer 1 critério maior ou 3 menores.5

 

Figura 1: Os nódulos de Osler ocorrem em 10 a 20% das endocardites subagudas e em menos de 10% das agudas. Caracterizam-se por lesões elevadas, eritematosas, dolorosas, pequenas (2 a 15 mm) e evanescentes (horas a dias). Surgem nas polpas de dedos ou artelhos, ocasionalmente na eminência tenar. Podem ser encontrados também em lúpus eritematoso sistêmico, anemias hemolíticas e infecções gonocócicas.

 

Figura 2: As lesões de Janeway são achatadas, avermelhadas, pequenas (5 mm), indolores e acometem as regiões palmares e plantares de poucos pacientes com endocardite.

 

Tabela 3: Critérios ecocardiográficos de endocardite infecciosa

Lesão

Descrição

Vegetação

Formato irregular, massa com discreta ecogenicidade Aderente à superfície cardíaca. Pode haver oscilação da massa (não mandatório)

Abscesso

Área espessa, ou massa na região anular do miocárdio. Aparência não homogênea com ecogenicidade e ecoluscência

Aneurisma

Espaço de ecoluscência limitado por tecido fino

Fístula

Trajeto entre dois distintos espaços cardíacos por um canal não-anatômico

Perfuração de cúspide

Defeito no corpo da cúspide da valva miocárdica com evidência de fluxo pelo defeito

Deiscência valvar

Movimento da valva prostética com extrusão > 15° em pelo menos uma direção

Adaptado de: Sachdev et al.6

 

Figura 3: Ecocardiograma demonstrando vegetação na válvula aórtica em paciente com endocardite por brucelose.

 

As anormalidades laboratoriais são achados frequentes, porém não são específicos. A anemia é encontrada em até 90% dos casos, especialmente quando a sintomatologia é prolongada, tendo o padrão hematológico das anemias de doenças crônicas. Nos casos agudos, quase sempre há leucocitose, sendo a leucopenia rara e associada a esplenomegalia ou a toxicidade por drogas. As provas de atividade inflamatória são positivas em praticamente todos os casos, tendo o VHS (velocidade de hemossedimentação) e a PCR (proteína C reativa) valores bastante aumentados, colocando em dúvida o diagnóstico de EI nos casos em que o VHS e a PCR se encontram nomais. Alguns outros achados são a hipergamaglobulinemia (23 a 30% dos casos), a hipocomplementemia (5 a 10% dos casos), a positividade do fator reumatóide (até 50% dos casos).

O exame da urina pode mostrar hematúria microscópica, proteinúria, cilindros hemáticos, piúria, cilindros leucocitários e bacteriúria.4

 

Figura 4: Coleta de hemocultura periférica.

 

TRATAMENTO

Dois grandes objetivos devem ser levados em consideração no tratamento da EI. Primeiro, o microorganismo da vegetação deve ser erradicado, complicações extracardíacas focais e intracardíacas invasivas devem ser resolvidas para minimizar a morbidade e a mortalidade do processo. Segundo objetivo, excede a capacidade da terapia antimicrobiana e requer intervenção cirúrgica.

A terapia antimicrobiana para EI não só deve erradicar o agente causal, como também não causar ou causar pequena toxicidade.

Segue o resumo da terapia antimicrobiana mais adequada para o agente etiológico e o tipo de valva cardíaca (Tabela 4).

 

Tabela 4: Resumo da terapia para endocardite infecciosa causada por Streptococcus bovis ou do grupo viridans

Regime

Dosagem e via

Duração e tipo de valva

Penicilina G cristalina ou (1)

12 a 18 milhões U/24 h contínuo ou dividido em 4 a 6 doses IV

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

Ceftriaxona ou (1)

2 g/24 h IV ou IM em dose única

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

Penicilina G

+

Gentamicina ou (1)

12 a 18 milhões U/24 h contínuo ou dividido em 4 a 6 doses IV +

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

2 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

2 semanas para ambas

Ceftriaxona

+

Gentamicina ou (1)

2 g/24h IV ou IM em dose única

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

2 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

2 semanas para ambas

Vancomicina (1)

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24h

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

Penicilina G

ou

Ceftriaxona

+

Gentamicina ou (2)

12 a 18 milhões U/24 h contínuo ou dividido em 4 a 6 doses IV

2 g/24h IV ou IM em dose única

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

2 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

Vancomicina (2)

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24h

4 semanas para valva nativa

6 semanas para valva protética

(1) Organismo altamente sensível a penicilina. (2) Organismo relativamente sensível a penicilina.

Obs.: quando houver isolamento de S. bovis em casos de EI, deve-se pesquisar por tumor de cólon.

Modificado de: Baddour et al.7

  

Tabela 5: Resumo da terapia para endocardite infecciosa causada por Enterococcus.

Regime

Dosagem e via

Duração

Ampicilina

ou

Penicilina G

+

Gentamicina

ou

Vancomicina

+

Gentamicina (1)

12 g/24 h IV em 6 doses

 

12 a 18 milhões U/24 h contínuo ou dividido em 4 a 6 doses IV

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

 

30 mg/kg/24h em duas doses com dose máxima de 2 g/24h

3 mg/kg/24h IV ou IM em dose única

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

6 semanas

 

6 semanas

Ampicilina

ou

Penicilina G

+

Estreptomicina

ou

Vancomicina

+

Estreptomicina (2)

12 g/24 h IV em 6 doses

 

12 a 18 milhões U/24 h contínuo ou dividido em 4 a 6 doses IV

15mg/kg/24h IV ou IM em duas doses

 

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24h

15 mg/kg/24h IV ou IM em duas doses

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

6 semanas

 

6 semanas

Produtores de betalactamase:

Ampicilina-sulbactam

+

Gentamicina

Ou

Vancomicina(3)

 

12 g/24 h IV em 4 doses

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

 

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24 h

 

6 semanas

 

6 semanas

 

6 semanas

Resistência intrínseca à penicilina vancomicina:

+

Gentamicina (3)

 

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24h

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

 

6 semanas

 

6 semanas

Resistentes à penicilina, aminoglcosídeos e vancomicina

E. faecium

Linezolida

 

 

 

1.200 mg/24 h IV em duas dose

 

 

 

8semanas

E. faecalis

Imipenem/cilastatina

 +

Ampicilina

ou

Ceftriaxona

+

Ampicilina

 

2 g/24 h em 4 doses

 

12 g/24 h em 6 doses

 

2 g/24 h IV/IM dose única

 

12 g/24 h IV em 6 doses

 

8 semanas

 

8 semanas

 

8 semanas

 

8 semanas

(1) Suscetíveis a penicilina, gentamicina e vancomicina. (2) Suscetíveis a penicilina, estrreptomicina, vancomicina, mas resistente a gentamicina. (3) Suscetíveis a aminoglicosídeos e vancomicina, mas resistentes a penicilina.

Modificado de: Baddour et al.7

  

Tabela 6: Resumo da terapia para endocardite infecciosa por Staphylococcus

Regime

Dosagem e via

Duração

Oxacilina com opção de:

Gentamicina

Ou

Cefazolina com opção de

Gentamicina (1)

12 g/24 h IV em 4 a 6 doses

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

 

6 g/24 h em 3 doses

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

6 semanas

3 a 5 dias

 

6 semanas

3 a 5 dias

Vancomicina (2)

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24 h

6 semanas

Oxacilina

+

Rifampicina

+

Gentamicina (3)

12 g/24 h IV em 4 a 6 doses

 

900 mg/24 h IV/VO em 3 vezes

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

6 semanas

 

6 semanas

 

2 semanas

Vancomicina

+

Rifampicina

+

Gentamicina (4)

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24 h

 

900 mg/24 h IV/VO em 3vezes

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

6semanas

 

6 semanas

 

2 semanas

(1) Organismos suscetíveis a meticilina (valvas nativas). (2) Organismos resistentes a meticilina (valvas nativas). (3) Organismos suscetíveis a meticilina (material prostético). (4) Organismos resistentes a meticilina (material prostético).

Modificado de: Baddour et al.7

  

Tabela 7: Resumo da terapia para endocardite infecciosa por organismos do grupo HACEK (Haemophilus, Actinobacillus, Cardiobacterium, Eikenella, Kingella)

Regime

Dosagem e via

Duração

Ceftriaxona ou

Ampicilina-sulbactam ou

Ciprofloxacino

2 g/24 h IV/IM dose única

12 g/24 h IV em 4 doses

1.000 mg/24 h VO ou 800 mg/24 h IV em 2 doses

4 semanas

4 semanas

4 semanas para valva nativa

6 semanas para prostética

Modificado de: Baddour et al.7

  

Tabela 8: Resumo da terapia para endocardite infecciosa para culturas negativas de valvas nativas ou prostéticas

Regime

Dosagem e via

Duração

Ampicilina-sulbactam

+

Gentamicina

Ou

Vancomicina

+

Gentamicina

+

Ciprofloxacino (1)

12 g/24 h IV em 4 doses

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em dose única

 

30 mg/kg/24 h em duas doses com dose máxima de 2 g/24 h

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

 

1.000 mg/24 h VO ou 800 mg/24 h IV em 2 doses

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

 

4 a 6 semanas

Vancomicina

+

Gentamicina

+

Cefepima

+

Rifampicina (2)

30 mg/kg/24 h em 2 doses com dose máxima de 2 g/24 h

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

 

6 g/24 h IV em 3 doses

 

900 mg/24 h VO/IV em 3 vezes

6 semanas

 

2 semanas

 

6 semanas

 

6 semanas

Ceftriaxona

+

Gentamicina com

doxiciclina (opcional) (3)

2 g/24 h IV/IM dose única

 

3 mg/kg/24 h IV ou IM em 2 a 3 doses

200 mg/24 h IV/VO em 2 doses

6 semanas

 

2 semanas

6 semanas

Doxiciclina

+

Gentamicina

Ou

Rifampicina(4)

200 mg/24 h IV/VO em 2 doses

 

3 mg/kg/24h IV ou IM em 2 a 3 doses

 

600 mg/24 h IV/VO em 2 doses

6 semanas

 

2 semanas

 

2 semanas

(1) Valvas nativas. (2) Valvas prostéticas com menos de 1 ano. (3) Valvas prostéticas com mais de 1 ano -  Suspeita de Bartonella com cultura negativa. (4) Valvas prostéticas com mais de 1 ano – Bartonella documentada em cultura positiva.

Modificado de: Baddour et al.7

 

COMPLICAÇÕES DA ENDOCARDITE INFECCIOSA

Durante o tratamento da endocardite infecciosa podem ocorrer complicações, que são divididas em hemodinâmicas ou não-hemodinâmicas, e que se beneficiam de tratamento cirúrgico cardíaco ou extracardíaco, ou não se beneficiam, tais como disfunção valvar aguda, embolias, formação de abscessos e fístulas, aneurismas micóticos, glomerulonefrites entre outros.

A extensão da endocardite infecciosa através do anel valvar prediz um maior índice de mortalidade, desenvolvendo mais frequentemente insuficiência cardíaca e tratamento cirúrgico.8-9 Cavidades perivalvares formam-se quando infecções do anel rompem e expandem para um tecido de continuidade. Na endocardite infecciosa da valva aórtica nativa, isto geralmente ocorre através da porção mais fraca do anel, situada nas proximidades do septo membranoso e do nó atrioventricular. A vulnerabilidade anatômica explica porque os abscessos desta área complicam com bloqueio atrioventricular. Extensões perianulares não são raras e ocorrem em 10 a 40% de todas as endocardites de valvas nativas, sendo mais comuns na valva aórtica do que na mitral e tricúspide.10

Sob influência das pressões sistêmicas intravasculares, os abscessos podem progredir para fístulas que criam shunts intracardíacos. O índice de mortalidade dos pacientes com fístulas aortocavitárias pode atingir os 47% apesar do tratamento cirúrgico realizado em até 87% dos pacientes.11

Parâmetros clínicos para o diagnóstico da extensão perivalvar da endocardite infecciosa são inadequados. Bacteriemia ou febre persistente, embolia recorrente, bloqueio atrioventricular novo, insuficiência cardíaca ou um novo sopro patológico no paciente usando antibióticos adequados, são sugestivos de extensão.

Um pequeno número de pacientes com extensão perianular da infecção ou abscesso miocárdio pode ser tratado com sucesso, sem cirurgia. Estes pacientes possuem pequenos abscessos (< 1 cm) e não possuem complicações como BAV, evidência ecocardiográfica de progressão do abscesso durante o tratamento, deiscência ou insuficiência valvar. Estes pacientes devem ser monitorados de perto com ecocardiograma transesofágico, que devem ser repetidos nos intervalos de 2, 4 e 8 semanas após o término do tratamento antibiótico.12

O tratamento cirúrgico para pacientes com extensão do abscesso perivalvar é direcionado para erradicação da infecção, bem como para correção das anormalidades hemodinâmicas. Drenagem do abscesso, excisão de tecidos necróticos e fechamento de fístulas costumam acompanhar a troca valvar. Apesar de essa troca ser frequentemente requerida, ela pode ser complicada devido a grande destruição dos tecidos de suporte perianular.

 

1.    Complicações hemodinâmicas que podem se beneficiar do tratamento cirúrgico: disfunção valvar aguda acentuada com congestão pulmonar e as fístulas intercavitárias, que são mais raras.4

2.    Complicações não-hemodinâmicas que podem se beneficiar com tratamento cirúrgico extracardíaco: embolia arterial com isquemia de membros e abscessos esplênicos.4

3.    Complicações não-hemodinâmicas que podem se beneficiar de tratamento cirúrgico cardíaco: ocorre por falha do tratamento etiológico, sendo mais comum nas infecções de próteses valvares e na valva aórtica nativa. Pode haver extensão do processo infeccioso para os tecidos adjacentes com posterior formação de abscessos e fístulas. São sinais de alerta a presença de febre persistente, anormalidades eletrocardiográficas persistentes da condução elétrica.4

4.    Complicações não-hemodinâmicas para as quais o tratamento cirúrgico tem eficácia discutida: complicações neurológicas como embolia cerebral, aneurismas micóticos, arterite séptica. Os sintomas podem incluir febre persistente, cefaléia, déficits neurológicos focais, sinais de irritação meníngea e confusão mental. Tais complicações podem ter resolução com a continuidade do tratamento clínico, podendo haver indicação cirúrgica caso haja aumento da lesão ou presença de sangramento.4

5.    Complicações não-hemodinâmicas que não necessitam ou não se beneficiam de tratamento cirúrgico cardíaco: reação ao tratamento medicamentoso como febre, granulocitopenia, erupção cutânea relacionada ao tratamento prolongado com antibióticos betalactâmicos, glomerulonefrite e falência múltipla de órgãos. 4

 

Tabela 9: Recomendações para tratamento cirúrgico de endocardite em valvas nativas

Indicação

Classe

Insuficiência aórtica aguda ou insuficiência mitral aguda, associadas à insuficiência cardíaca

I

Insuficiência aórtica aguda, com taquicardia e fechamento prematuro da valva mitral

I

Endocardite fúngica

I

Evidência de abscesso anular ou aórtico, aneurisma do seio de valsalva verdadeiro ou pseudo-aneurisma

I

Evidência de disfunção da valva e infecção persistente, após período prolongado (7 a 10 dias) de terapia antibiótica apropriada, indicada devido a presença de febre, leucocitose e bacteriemia, desde que não haja causas não-cardíacas para a infecção

I

Êmbolos recorrentes após terapia antibiótica apropriada

IIa

Infecção com organismos Gram-negativos ou organismos com baixa resposta a antibióticos, em pacientes com disfunção valvar

IIa

Vegetações móveis > 10 mm

IIb

Infecções na valva mitral em fase inicial, que podem, provavelmente, ser corrigidas por cirurgias conservadoras

III

Febre persistente e leucocitose com culturas sanguíneas negativas

III

 

Figura 5: Microfotografia exibindo abscesso anular mitral.

 

Figura 6: Tomografia de abdome demonstrando infarto posterior do baço.

 

PROFILAXIA PARA ENDOCARDITE INFECCIOSA

A EI é uma grave doença associada a significantes morbidade e mortalidade. Sua prevenção é feita com apropriada administração de antibióticos antes de um procedimento no qual se espera produzir bacteriemia. Na presença de bacteriemia, organismos podem aderir lesões endoteliais e se multiplicar com o complexo plaqueta-fibrina, levando à formação de vegetação infecciosa. Anormalidades congênitas e valvares, especialmente aquelas associadas com jatos de alta velocidade, podem resultar em dano endotelial, depósito de plaqueta-fibrina e predisposição à colonização bacteriana.

Ocorrendo oportunidade para bacteriemia, como a manipulação dentária em portadores de valvopatia, pode ocorrer colonização pela aderência do microorganismo na valva deformada.

Assim, a prevenção da endocardite infecciosa é de grande importância, sendo desejável, particularmente em indivíduos de alto risco, como os portadores de próteses valvares, shunts ou condutos sistêmico-pulmonares, passado de endocardite e cardiopatia congênita cianótica complexa. Outras situações apresentam risco moderado, como a maioria das cardiopatias congênitas acianóticas, disfunção valvar pela doença reumática, do colágeno, cardiomiopatia hipertrófica e prolapso valvar mitral com regurgitação. As outras são de baixo risco.

Além de definir a população de maior risco, também é necessário estabelecer qual procedimento merece prevenção. Na realidade, a manutenção das condições de saúde adequadas, incluindo a dental, é a melhor forma de prevenção para estes indivíduos. Nossa população tem péssimos cuidados de preservação e higiene dentária, o que facilita a instalação de endocardite. Em algumas situações, como certos procedimentos ou cirurgias gastrointestinais, ginecológicas ou urológicas, pode ser necessário o uso de antibióticos profiláticos. Outros procedimentos, como instalação de cateteres, sonda uretrais e cateterismo cardíaco, a profilaxia não é recomendada ou tem valor controverso

Os antibióticos mais utilizados na profilaxia da endocardite são as penicilinas, os aminoglicosídeos e, em algumas situações, a vancomicina e as cefalosporinas. A utilização de medidas preventivas, o diagnóstico precoce, a instituição de terapêutica e o acompanhamento eficaz podem reduzir o impacto sobre a história natural dos cardiopatas de risco, bem como a ainda expressiva morbimortalidade da endocardite infecciosa.

Dez anos após a sua última revisão, a American Heart Association (AHA) publicou seus novos guidelines da profilaxia da endocardite infecciosa. É um documento muito importante e com muitas implicações, no qual foram feitas alterações arrojadas no sentido de maior clareza, maior suporte na evidência e na simplificação.

Uma diferença importante na filosofia destes novos guidelines é a estratificação dos doentes, não por risco de adquirir endocardite infecciosa ao longo da sua vida, consoante à patologia subjacente, mas por risco de sofrer consequências graves de uma endocardite infecciosa. Só nestes pacientes alguma forma de profilaxia estará indicada.

De rotina, nenhuma profilaxia é necessária, mesmo nos doentes com a patologia cardíaca indicada na lista, em procedimentos do trato gastrintestinal e geniturinário. Situações especiais a serem consideradas individualmente são quando os procedimentos envolverem locais com infecção ativa. O mesmo vale para procedimentos cutâneos. Para procedimentos do trato respiratório, os doentes com a patologia listada devem apenas fazer profilaxia quando o procedimento envolver incisão e biópsia da mucosa respiratória.

É oportuno discutir esse documento, já que as implicações para a prática clínica são muitas, uma vez que a população estudada para a formalização deste guideline diverge da brasileira, em que a febre reumática ainda é uma das grandes causas de valvopatias e, como já dito, temos uma população com péssima saúde bucal.

 

Tabela 10: Profilaxia para endocardite infecciosa nos procedimentos dentários

Razoável fazer profilaxia

Não-indicado

A profilaxia para EI é razoável para pacientes de alto risco para eventos adversos que se submeterão a procedimentos dentários que envolvem manipulação do tecido gengival e da região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa oral

Injeções anestésicas de rotina em tecido não-infectado; radiografia dental; colocação ou remoção de órteses/próteses ortodônticas ou prostodônticas; ajuste de próteses ortodônticas; sangramento por trauma dos lábios ou da mucosa oral; extração de dentes decíduos

  

Recomendação dos Guidelines de 2006

Recomendação dos Guidelines de 2008

Comentários

Classe I

Classe IIa

 

1.    A profilaxia para EI é recomendada para os seguintes pacientes:

  portadores de valvas prostéticas e com história de EI (evidência C)

  portadores de cardiopatias congênitas cianogênicas complexas (ventrículo único, transposição de grandes vasos, tetralogia de Fallot – evidência C)

  pacientes com shunts pulmonares cirúrgicos (evidência C)

  portadores de malformação congênita das valvas, particularmente valva aórtica bicúspide e  pacientes com disfunção valvar adquirida (doença reumática do coração – evidência C)

  portadores de cardiopatia hipertrófica obstrutiva (evidência C)

  portadores de prolapso de valva mitral e ausculta evidente de regurgitação e/ou espessamento das cúspides ao ecocardiograma (evidência C)

1. A profilaxia contra EI é razoável para os seguintes pacientes de alto risco que se submeterão a procedimentos dentários envolvendo manipulação do tecido gengival e da região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa oral:

  pacientes com valvas cardíacas prostéticas ou material prostético usado para reparo valvar (evidência B)

  pacientes com EI prévia (evidência B)

  pacientes com cardiopatia congênita:

-  cardiopatia congênita cianogênica não reparada, incluindo shunts paliativos (evidência B)

-  cardiopatias congênitas completamente reparadas, com uso de material prostético ou dispositivos instalados por cirurgia ou percutaneamente, durante os 6 primeiros meses do procedimento (evidênciaB)

-  cardiopatia congênita reparada com defeitos residuais no local ou próximos aos locais de retalho prostético ou dispositivo prostético (ambos ou qual inibe a endotelização) (evidência B)

-  receptores de transplante cardíaco com insuficiência valvar ou valva estruturalmente anormal (evidência C)

Modificação das recomendações (mudança da classe I para IIa). Não há recomendações classe I para profilaxia de EI

 

Classe III

 

2.    Profilaxia para EI não é recomendada para os seguintes pacientes:

  portadores de CIA isolada tipo ostiun secundun (evidência C)

  após 6 meses de reparo bem sucedidos de CIA, CIV e ducto arterioso patente, cirugico ou percutaneamente (evidência C)

  portadores de PVM sem insuficiência mitral ou espessamento das cúspides ao ecocardiograma (evidência C)

  portadores de sopro cardíaco fisiológico, funcional ou inocente, incluindo pacientes com esclerose da valva aórtica, definida por áreas focais de aumento da ecogenicidade e espessamento das cúspides sem restrição da mobilidade e pico de velocidade menos que 2 m/s (evidência C)

  portadores de ecocardiograma com evidência de insuficiência mitral fisiológica, na ausência de sopro com valvas estruturalmente normais (evidência C)

  portadores de ecocardiograma com evidência de insuficiência tricúspide ou pulmonar na ausência de sopro com valvas estruturalmente normais (evidência C)

Profilaxia contra EI não é recomendada para procedimentos não dentários (ecocardiograma transesofágico, EDA ou colonoscopia) na ausência de infecção ativa (evidência 4)

 

 

Tabela 11: Recomendações para profilaxia antibiótica em endocardite

Situação

Antibiótico

Regime

Profilaxia geral

Amoxacilina

Ou

Ampicilina

2 g ou 50 mg/kg* VO 1 h antes do procedimento

ou

2 g (IM/EV) ou 50 mg/kg 30 min antes do procedimento

Alérgico a penicilina

Clindamicina

Ou

Cefalexina

600 mg ou 20 mg/kg VO 1 h antes ou IM 30 min antes do procedimento

ou

2 g ou 50 mg/kg VO 1 h antes do procedimento

 

BIBLIOGRAFIA

1.    Van der Meer JTM, Thompson J, Valkenburg HA, Michel MF. Epidemiology of bacterial endocarditis in the Netherlands. I. Patients characteristics. Arch Intern Med 152:1863-1992.

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