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Índice

Dependência de Substâncias Psicoativas

Autores:

Melissa Garcia Tamelini

Especialista em Psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

Susan Meire Mondoni

Especialista em Psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
Mestrado em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP

Última revisão: 01/02/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A trajetória humana sempre esteve associada ao uso de substâncias psicoativas. Muitas delas já tiveram seu uso indiscriminado e, inclusive, incentivado por profissionais de saúde. Drogas como o tabaco e a cocaína eram vistas como potencializadores cognitivos; o ácido lisérgico era tido como um estimulante da criatividade. Foi somente a partir da década de 1960 que os malefícios e o potencial para desenvolver uso abusivo e dependência foram definitivamente reconhecidos. Desde então, seu uso tem sido desaconselhado e inclusive proibido na maioria dos países.

Apesar disso, o número de novas drogas e de “usuários-problema” tem crescido espantosamente. Nas últimas décadas, a questão tornou-se prioritária no âmbito de saúde pública. Além do aumento no consumo, tal destaque é embasado pela maior precocidade no início deste uso e pela abrangência e impacto das complicações clínicas e sociais associadas. Entretanto, em detrimento deste destaque, ainda observamos largas deficiências no conhecimento geral sobre o assunto e na abordagem destes indivíduos pelos profissionais de saúde.

Substâncias psicoativas são aquelas que alteram o psiquismo. Diversas dessas drogas possuem potencial de abuso, ou seja, são passíveis da autoadministração repetida e consequente ocorrência de fenômenos, como uso nocivo (padrão de uso de substâncias psicoativas que está causando dano à saúde física ou mental), tolerância (necessidade de doses crescentes da substância para atingir o efeito desejado), abstinência, compulsão para o consumo e a dependência (síndrome composta de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos no qual o uso de uma substância torna-se prioritário para o indivíduo em relação a outros comportamentos que antes tinham maior importância).

As substâncias psicoativas são divididas em três grupos:

 

1.    Drogas psicoanalépticas ou estimulantes do SNC (cocaína, anfetamina, nicotina, cafeína etc.).

2.    Drogas psicolépticas ou depressoras do SNC (álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, opioides, solventes etc.

3.    Drogas psicodislépticas ou alucinógenas (cannabis, LSD, fungos alucinógenos, anticolinérgicos etc.).

 

Os limites são pouco nítidos entre o uso recreativo, o abuso e a dependência de substâncias psicoativas. Postula-se que sejam fenômenos que ocorram em um continuum e que alguns parâmetros orientem a transição de um estágio para o outro (tais como o impacto funcional, as consequências e restrições decorrentes do consumo da substância, assim como o desenvolvimento de mecanismos fisiológicos de adaptação à presença da substância, como tolerância e abstinência).

O abuso ou uso nocivo seria um momento intermediário entre o uso recreativo (de baixo risco, não sendo caracterizado como um problema médico) e a dependência. Já há prejuízo decorrente do consumo da substância, mas ainda há algum controle do indivíduo quanto à quantidade consumida e à duração dos efeitos.

A dependência de substâncias psicoativas é uma síndrome cujo elemento central é um desejo intenso de consumir a substância. Dois pontos devem ser observados:

 

1.    Os critérios diagnósticos não divergem de acordo com a substância usada.

2.     É vista como um fenômeno global, cuja prioridade é o aspecto qualitativo e não quantitativo do consumo (não há divisão entre dependência física e psicológica) (Tabela 1).

 

Tabela 1: Critérios diagnósticos da CID-10 para a síndrome de dependência de substâncias psicoativas

Um diagnóstico definitivo de dependência deve ser estabelecido apenas quando 3 ou mais dos seguintes fatores foram experimentados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior:

Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância

Dificuldades de controlar o comportamento de uso da substância quanto ao seu início, final ou níveis de uso

Um estado de abstinência fisiológica quando o uso da substância é interrompido ou reduzido, conforme evidenciado pela síndrome de abstinência característica da substância ou pelo uso da mesma substância a fim de evitar ou aliviar os sintomas de abstinência

Evidência de tolerância, de modo que doses crescentes da substância psicoativa são necessárias para obter efeitos originalmente produzidos por doses menores

Desinteresse progressivo por atividades ou prazeres alternativos em favor do uso de substância psicoativa; aumento do tempo necessário para obter ou usar a substância ou para se recuperar de seus efeitos

Persistência no uso da substância a despeito de evidências claras de consequências danosas

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Quanto à etiologia e à fisiopatologia do abuso e da dependência de substâncias psicoativas, não há respostas satisfatórias e definitivas. Diversas hipóteses buscam contemplar a motivação envolvida no consumo e na dependência a determinadas substâncias, fenômeno provavelmente multifatorial. Uma teoria de destaque neste campo é a do sistema de recompensa, o qual supostamente comanda as necessidades essenciais à sobrevivência do indivíduo e da espécie. Assim, atividades estimulantes ativam o circuito da recompensa (circuito córtico-límbico), liberando neurotransmissores responsáveis por uma sensação de bem-estar e prazer (sobretudo dopamina e glutamato) e, consequentemente, desejo por repetir a experiência. Postula-se que, na dependência química, ocorra uma alteração nesta aprendizagem: a adição a drogas aumenta a liberação de dopamina e promove uma “superaprendizagem” no sistema de recompensa. Isso eleva os níveis de glutamato e promove o comportamento de busca ativa da droga, para re-equilibrar o sistema de recompensa. Esta “superaprendizagem” é memorizada pelo sistema, o que teoricamente faz um indivíduo dependente ser sempre dependente. Outros circuitos neuronais e neurotransmissores também podem estar envolvidos na mediação fisiológica do consumo de drogas. Uma compreensão global ainda parece estar longe de ser obtida.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Uso e Intoxicação

A intoxicação, segundo o DSM-IV, é a síndrome reversível e específica devido à ingestão de uma substância, composta de alterações comportamentais, psicológicas ou fisiológicas clinicamente significativas e mal-adaptativas (efeito da substância sobre o sistema nervoso central).

 

Álcool

O álcool é a substância psicoativa usada mais larga e precocemente (a primeira experiência tipicamente ocorre na adolescência) na vida. Trata-se de um depressor do sistema nervoso central (SNC), cujo mecanismo de ação neurofisiológico ainda não está totalmente esclarecido. Em pequenas quantidades, provoca sensação de bem-estar, expansividade, relaxamento e desinibição comportamental, além de comprometimento da coordenação motora. A progressão do consumo de álcool causa comprometimento da atenção e da capacidade de julgamento, humor eufórico, irritado ou deprimido e labilidade afetiva. Os achados característicos incluem hálito alcoólico, fala embriagada, hiperemia conjuntival, ataxia e outras alterações de coordenação. Com doses ainda mais elevadas, há lentificação psicomotora, sonolência e diminuição progressiva do nível de consciência, inclusive com possibilidade de coma. Pode levar à morte, por depressão respiratória ou aspiração de conteúdo gástrico, em intoxicações muito severas. De forma geral, a gravidade dos sintomas da intoxicação mantém relação direta com a alcoolemia. Pode haver amnésia posterior para os eventos ocorridos durante a intoxicação. A resolução é espontânea e geralmente ocorre em um período de até 12 horas após a interrupção do consumo (o organismo metaboliza cerca de 0,015 mg% de álcool/hora).

O tratamento da intoxicação inclui o asseguramento do término do consumo de álcool, a monitoração dos sinais vitais e o tratamento de suporte. Pode-se prescrever tiamina 100 mg EV ou IM, seguidos de 300 mg VO por 6 dias (prevenção da síndrome de Wernicke-Korsakoff, complicação que ocorre em alcoolistas severos). Deve-se evitar a administração indiscriminada de glicose, exceto em casos de hipoglicemia. Quando necessário, utilizar somente após a prescrição de tiamina.

A intoxicação idiossincrática é a marcante alteração comportamental, acompanhada de agitação psicomotora e agressividade, com duração e remissão rápidas (poucas horas), que ocorre após o uso de pequena dose de álcool, a qual não intoxicaria a maioria dos indivíduos. É muito frequente que os eventos ocorridos durante o episódio não sejam recordados pelo indivíduo (amnésia lacunar). Possíveis fatores de risco são: presença de lesão cerebral, patologias crônicas debilitantes preexistentes e idade avançada. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de intoxicação (por álcool não-idiossincrática, cocaína e benzodiazepínicos), crises epilépticas, delirium tremens, quadros dissociativos, quadros orgânicos e outros quadros psiquiátricos agudos.

No tratamento destes quadros, deve-se manter o paciente em observação clínica (geralmente por algumas horas, devido ao risco de auto ou heteroagressividade) e contenção física, caso seja necessário.  Pode-se administrar antipsicóticos (como haloperidol 5 mg IM) para controle da agitação psicomotora.

 

Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos incluem uma grande variedade de medicações, largamente prescritas, que se diferenciam sobretudo pela meia-vida. Possuem uma ação depressora reversível sobre o SNC, atuando primariamente sobre os receptores do complexo GABA (ácido gama-aminobutírico) tipo A.

Provocam graus variáveis de sedação, sonolência e relaxamento muscular, além de comprometimento cognitivo e do desempenho psicomotor. Possuem ação anticonvulsivante e induzem tolerância e dependência física.

A intoxicação por essas substâncias é marcada pela excessiva sedação, ataxia, confusão e estupor e, em alguns casos, alterações comportamentais e agressividade. Pode ser uma síndrome semelhante à da intoxicação alcoólica e a intoxicação concomitante de ambas as substâncias aumenta o risco de alterações cardiorrespiratórias e morte.

O tratamento consiste em medidas de suporte geral. No caso de ingestão aguda ou intencional, pode-se indicar lavagem gástrica com carvão ativado, desde que logo nas primeiras horas após. No tratamento de casos dramáticos, em ambiente hospitalar, deve-se usar um antagonista de benzodiazepínicos, como flumazenil 0,2 mg EV a cada 30 segundos até resposta do paciente. Evitar doses maiores que 3 mg/hora.

 

Maconha

A maconha é a droga ilícita mais usada no mundo. É extraída de uma planta chamada Cannabis sativa e o principal composto psicoativo é o delta-9-tetra-hidrocanabiol (THC), cujo mecanismo de ação ainda não é totalmente conhecido. A droga conhecida como haxixe possui concentração de THC cerca de 10 vezes superior a da maconha e ambas as substâncias, no geral, são fumadas, mas podem ser ingeridas.

Os efeitos da maconha iniciam-se logo após ser fumada e duram cerca de 2 a 5 horas. Certo prejuízo das habilidades motoras pode permanecer por até 12 horas. Os efeitos psíquicos são variáveis, por vezes dependentes da expectativa do usuário, e incluem um efeito euforizante, relaxamento, diminuição da ansiedade, alterações da percepção temporal e espacial, aumento da percepção das cores, sons, textura e paladar, além de aumento do apetite. Também ocorre hiperemia conjuntival e midríase, leve taquicardia, boca seca, tremores de mãos, alteração da coordenação motora, da atenção e da memória e diminuição da força muscular. Pode haver ansiedade, reações agudas tipo pânico, experiências de despersonalização e desrealização, além de ideias autorreferentes e alucinações. Em doses mais elevadas, pode ocorrer hipotensão ortostática. Não é frequente a presença de pacientes com intoxicação por maconha em serviços de emergência. No geral, não há necessidade de medidas farmacológicas (antipsicóticos e benzodiazepíncos, em baixas doses), bastando o reasseguramento do paciente e o esclarecimento da natureza dos sintomas.

 

Estimulantes

Os estimulantes do SNC incluem cocaína, anfetamina e substâncias anfetaminoides (usadas como anorexígenos), entre outros.

O principal efeito da cocaína é o bloqueio da recaptação de dopamina e de outras monoaminas, como noradrenalina e serotonina, levando ao acúmulo destes neurotransmissores na fenda sináptica. Pode ser usada por via intranasal, endovenosa e fumada (crack: cocaína, em sua forma de base livre, misturada a diversos solventes e de efeito muito potente), e é altamente aditiva. O uso da cocaína provoca sensação de euforia, excitação e bem-estar, aumento da vigília, desinibição e aceleração das funções cognitivas. Os efeitos psíquicos são acompanhados por taquicardia, aumento da temperatura corpórea, aumento da frequência respiratória, sudorese, tremores leves de extremidades, espasmos musculares, tiques e midríase. Tais efeitos têm curta duração (de 30 a 60 minutos), acarretando a administração repetida da droga.

As anfetaminas típicas (dextroanfetamina, metanfetamina e metilfenidato) e drogas anfetaminérgicas (anfepramona, femproporex, dietilpropiona) aumentam a liberação de neurotransmissores das terminações nervosas, como dopamina, noradrenalina e serotonina. São substâncias muito prescritas no Brasil e que frequentemente estão em formulações para redução de peso. Produzem sensação de euforia, aumento da disposição e do estado de vigília, inibem o apetite e geram hiperatividade autonômica.

A intoxicação por estimulantes produz taquicardia, hipertensão, aumento da temperatura corpórea, midríase, tremor de extremidades e vasoconstrição, calafrios, náuseas e/ou vômitos. Os efeitos psíquicos mais comuns são humor eufórico ou irritado, hipervigilância, ansiedade, medo, tensão, comprometimento da capacidade de julgamento, comportamentos estereotipados e agitação psicomotora (retardo psicomotor é bem menos frequente). Pode haver também ideias autorreferentes e de conteúdo persecutório, alucinações, crises de pânico e heteroagressividade. O uso de altas doses de cocaína (overdose) pode levar a eventos potencialmente fatais, como crises convulsivas, delirium, depressão respiratória, acidentes vasculares cerebrais, alterações cardiovasculares (angina pectoris, arritmias, infarto agudo do miocárdio), entre outros. O tratamento é fundamentalmente sintomático, visando a manutenção das funções vitais básicas até que ocorra a eliminação da droga. Devem-se monitorar os sinais vitais, com atenção especial a medidas de temperatura corpórea e glicemia. Pode-se usar betabloqueadores (sintomas adrenérgicos muito intensos), benzodiazepínicos (disforia, ansiedade e convulsões) e antipsicóticos (agitação psicomotora e sintomas psicóticos).

 

Nicotina

A nicotina é a substância psicoativa do tabaco. É também um estimulante do SNC, com grande poder de causar dependência. Os efeitos incluem melhora das capacidades cognitivas, como atenção, humor e relaxamento. Também causa efeitos adversos agudos como náusea e/ou vômitos, aumento da salivação, diarreia, tontura, cefaleia, além de sinais de hiperatividade autonômica em pacientes não-habituados. A intoxicação aguda por nicotina não traz risco de vida para os usuários.

A importância do tabagismo deve-se principalmente ao seu caráter crônico e decorrente potencial de aumento expressivo nas taxas de mortalidade por causas médicas gerais.

 

Opioides

Os opioides podem ser naturais (morfina, codeína), semissintéticos (heroína) ou sintéticos (meperidina, metadona, fentanil etc.) derivados do ópio. São utilizados principalmente por via oral, mas também podem ser administrados por via endovenosa, inalados ou fumados (a heroína costuma ser usada por via endovenosa). O principal sítio de ação são receptores opioides específicos no SNC, e seus efeitos incluem analgesia, euforia, alterações de humor, bradipneia, bradicardia, obstipação intestinal, miose, tremor, sonolência e confusão mental. O desenvolvimento de tolerância é bastante rápido, configurando-se como substâncias altamente aditivas.

Os sintomas de intoxicação incluem sedação e apatia, disforia ou irritabilidade, agitação ou retardo psicomotor, fala arrastada, comprometimento de memória e atenção, depressão respiratória, cianose, miose (pupilas em “ponta de alfinete”), bradicardia, hipotermia, hipotensão, edema pulmonar, arritmias cardíacas e convulsões. Trata-se de uma emergência médica, já que pode haver morte em decorrência da depressão respiratória ou ainda do edema pulmonar e/ou cerebral (depressão cardíaca e do SNC). O diagnóstico de intoxicação por opioides deve ser sempre considerado na presença da tríade rebaixamento do nível de consciência, miose e depressão respiratória.

O tratamento da intoxicação por opioides engloba medidas gerais e de suporte, especialmente os cuidados com a depressão respiratória, e o uso de antagonistas de opioides para os casos de overdose: naloxona 0,8 mg EV. Permanecendo sem resposta por 15 minutos, administrar 1,6 mg EV. Se continuar sem resposta por mais 15 minutos, administrar 3,2 mg EV.

Como regra geral, observa-se uma resposta clínica, com reversão da depressão respiratória, midríase e melhora do nível de consciência em poucos minutos. A naloxona possui meia-vida curta e pode haver reaparecimento dos sintomas em 4 a 5 horas. Deve-se reconsiderar o diagnóstico de intoxicação nos casos em que esse padrão de melhora não é observado. Recomenda-se cautela quanto ao risco de desencadeamento de uma crise severa de abstinência por opioides após a administração de naloxona.

Evitar o uso de diuréticos para o tratamento do edema pulmonar, uma vez que este decorre do extravasamento dos capilares pulmonares, e não da sobrecarga de fluidos.

 

Solventes (Inalantes)

Os solventes são depressores do SNC e contêm substâncias químicas voláteis aditivas em sua formulação (como tolueno, benzeno, tricloetano, acetona e hidrocarbonetos alogenados). Incluem colas de sapateiro, propulsores de aerossóis, tintas, vernizes, esmaltes e removedores, no geral drogas de fácil acesso, inaladas principalmente por crianças e adolescentes de baixa renda. Embora ocorra tolerância, os sintomas de abstinência em geral são pouco intensos. Os efeitos dos inalantes têm início após alguns minutos e, em geral, são intensos e efêmeros, incluindo hiperemia de conjuntivas, diplopia, fotofobia, zumbido, irritação de mucosas, fala pastosa, vertigem e alterações de marcha. Os efeitos psíquicos são euforia, excitação, risos imotivados e desinibição (efeitos passageiros, pois são substâncias depressoras do SNC), sensação de flutuação corpórea e ilusões sensoriais. Em doses mais elevadas, pode haver ansiedade, medo, alucinações visuais e auditivas e distorções corpóreas.

O uso de doses maiores de inalantes provoca apatia, alteração comportamental (apatia, agressividade etc.), alucinações intensas, náuseas e/ou vômitos, dores torácicas e musculares, anorexia, nistagmo, diplopia, reflexos deprimidos e ataxia. Pode haver convulsões, depressão respiratória e cardíaca, arritmias e rebaixamento do nível de consciência; há risco de morte súbita. Pode haver amnésia para os eventos ocorridos durante o período de intoxicação intensa. O tratamento é feito com medidas de suporte geral, já que não há medidas específicas.

 

Alucinógenos

Os alucinógenos são substâncias naturais ou sintéticas que induzem alterações sensoperceptivas, como alucinações e ilusões, além de perda do contato com a realidade e delírios, sem que ocorra estimulação ou depressão do SNC. Incluem a psilocibina (extraída de alguns cogumelos), a dimetiltriptilina, a mescalina e a ayuhuasca (ingerida no ritual do Santo Daime ou Culto da União Vegetal e outras seitas). O alucinógeno sintético mais conhecido é a dietilamina do ácido lisérgico (LSD). Algumas outras substâncias, em geral em altas doses, também são passíveis de induzir efeitos alucinógenos, como os anticolinérgicos (p. ex., biperideno).

O início de ação dos alucinógenos ocorre em cerca de 60 minutos, atinge o auge em 2 a 4 horas e tem duração média de 8 a 12 horas. Os efeitos dependem da sensibilidade individual à droga, do estado psíquico e das condições ambientais nas quais se deram o uso, resultando em experiências agradáveis ou desagradáveis (bad trip). Os efeitos relatados variam de intensificação da percepção de cores, sons, odores e paladares, alteração da percepção têmporo-espacial e da imagem corpórea, alucinações (visuais são as mais frequentes), alterações qualitativas e quantitativas das emoções, estados de exaltação e misticismo até ansiedade, angústia, medo e pânico. Também pode haver ideias delirantes agudas, habitualmente com conteúdo grandioso ou persecutório. Quanto aos efeitos físicos, são habitualmente restritos, como leve taquicardia e midríase. Em doses elevadas, pode haver sintomas psicóticos, ansiosos e depressivos intensos, acompanhados de efeitos simpaticomiméticos. Há relatos de mortes e também de uma síndrome similar à síndrome neuroléptica maligna. O tratamento das intoxicações por alucinógenos é feito por meio de medidas de suporte, tranquilização verbal, observação e proteção do indivíduo e uso de benzodiazepínicos e antipsicóticos em casos de sintomatologia exacerbada.

Pode ocorrer tolerância, que surge e desaparece em poucos dias; não há dependência física e a dependência psicológica é rara.

 

Club Drugs

São substâncias sintéticas, usadas principalmente a partir da década de 1990, por jovens em festas, discotecas e raves. Guardam entre si características culturais ligadas ao seu consumo e não são semelhantes quanto às propriedades farmacológicas. As consequências, ao longo prazo, destas substâncias não estão plenamente estabelecidas. É frequente o uso concomitante de mais de uma club drugs e também com álcool, maconha, LSD etc.

 

1.    MDMA (Ecstasy)

Anfetamina sintética com propriedades estimulantes, usada sob a forma de pílulas. O principal mecanismo de ação é no sistema serotoninérgico e os efeitos se iniciam cerca de 30 minutos após a ingestão, com o aparecimento de sensação de intenso prazer (rush ou flash) e aumento da percepção sensorial. A seguir, há uma fase de platô, com duração de 3 a 4 horas, cujos principais efeitos são psicológicos, como alteração da percepção temporal, diminuição da agressividade e do cansaço, alterações na percepção visual, mudança de discurso e aumento da consciência das emoções, necessidade de aumentar a interação pessoal com profundo sentimento de empatia e sensação de profunda conexão com o mundo. Comumente ocorre agitação psicomotora. Entre os efeitos adversos, destacam-se anorexia, trismo, bruxismo, sudorese, nistagmo, tiques e cefaleia. Em alguns usuários, a sensação de euforia inicial pode ceder espaço para o humor depressivo, ansiedade, letargia, insônia e um profundo desinteresse pela vida, que podem persistir por vários dias.

As complicações agudas, potencialmente fatais, incluem hipertermia (reconhecida como a complicação que oferece maior risco), delirium, nistagmo, crises hipertensivas, precordialgias, arritmias cardíacas, hepatites tóxicas, convulsões, rabdomiólise e coma. Pode ocorrer síndrome serotoninérgica ou síndrome neuroléptica maligna, facilitadas por condições associadas (estados de desidratação, excesso de atividade física e alta temperatura ambiente). As consequências tardias decorrentes do consumo esporádico ou crônico não estão totalmente esclarecidas, mas especula-se que possa haver lesões em vias serotoninérgicas cerebrais e alterações de humor (muitas vezes de difícil tratamento) e cognitivas.

 

2.    Ketamina (Special K)

É uma substância derivada da PCP (fenciclidina), usada principalmente como anestésico veterinário, cujo mecanismo de ação não é totalmente compreendido. Os efeitos iniciam-se na primeira hora após o uso, têm duração média de 6 a 8 horas e incluem uma sensação de exteriorização ou dissociação do próprio corpo, euforia, intensificação de cores e sons, distorção do sentido de identidade, analgesia e amnésia. Pode haver náuseas e vômitos, diarreia, dormência, fala arrastada, deterioração do controle motor, hipotermia e depressão respiratória. Em altas doses, pode haver convulsões e morte (1 g da substância pode ser letal). Em casos de overdose, pode ser necessária a introdução de medidas de suporte geral em serviços de pronto-socorro. Parece induzir tolerância, mas não produz dependência física.

 

3.    GHB (Ecstasy líquido)

É a sigla referente ao gama-hidroxibutirato, cujo mecanismo de ação também não é bem estabelecido. Seus efeitos se iniciam 20 minutos após a ingestão e duram por mais de 24 horas. Há uma sensação de bem-estar, euforia, desinibição e relaxamento e uma prazerosa sensação de desconexão com o corpo. Alguns indivíduos podem ter náuseas, vômitos, cefaleia e incapacidade de se movimentar apesar de estar consciente (indivíduo não responde aos estímulos por cerca de 3 horas). Há um atraso na percepção sensorial e no tempo de reação. Doses elevadas podem causar ataxia, dificuldade de coordenação, letargia, depressão respiratória, coma e morte. O uso concomitante com o álcool pode provocar efeito sinérgico, aumentando o risco de complicações fatais. Pode haver sintomas de abstinência em usuários crônicos da substância, como dificuldade para dormir, aumento da fadiga, agitação, que provavelmente pode ser tratada de maneira similar à abstinência de álcool, apesar de não haver estudos definitivos. Os riscos do uso prolongado ainda não são totalmente conhecidos.

 

Síndrome de Abstinência

A abstinência, segundo o DSM-IV, é caracterizada como uma síndrome específica (sinais e sintomas característicos) à determinada substância, que surge devido à interrupção ou à redução no consumo da mesma (em geral, após uso prolongado e/ou em altas doses), causando sofrimento e impacto clinicamente significativos em diversas áreas no funcionamento global do indivíduo.

 

Álcool

O início dos sintomas ocorre até 48 horas após a diminuição ou a interrupção do consumo de álcool e tem duração de 5 a 7 dias. O sintoma mais característico é o tremor, que pode vir acompanhado de hiperatividade autonômica (taquicardia, hipertensão arterial, sudorese, hipotensão ortostática e febre menor que 38°C), náuseas e/ou vômitos, fraqueza, insônia, ansiedade, irritabilidade, alterações perceptivas (alucinações e ilusões), cefaleias e outros. Pode haver crises convulsivas, caracteristicamente do tipo tônico-clônicas generalizadas, em qualquer momento da síndrome de abstinência (pico em 24 horas após o início). Tais crises ocorrem em cerca de 3% dos casos, geralmente são autolimitadas e não requerem tratamento anticonvulsivante contínuo. O diagnóstico diferencial deve ser feito com TCE, hematoma subdural, infecções, encefalopatia hepática, cetoacidose diabética, hipoglicemia, alterações hidroeletrolíticas, tremor essencial, abstinência de benzodiazepínicos, intoxicação por estimulantes e outras.

O delirium tremens é a forma grave da abstinência por álcool, evolução de cerca de 5% dos casos. Geralmente se inicia após 72 horas de abstinência, mas pode ocorrer sem nenhum prenúncio. O aspecto essencial é o rebaixamento do nível de consciência (delirium), manifesto por comprometimento da atenção, desorientação têmporo-espacial e alterações de memória. A confusão mental acontece em um contexto de tremores grosseiros e sintomas intensos de hiperatividade autonômica. Frequentemente há alterações sensoperceptivas, como alucinações visuais (classicamente são pequenos insetos ou animais), auditivas ou táteis, ideias delirantes e agitação psicomotora. Pode ocorrer também inversão do ciclo sono-vigília. Trata-se de uma urgência médica, já que a mortalidade associada a este quadro pode chegar a 15%, caso o tratamento adequado não seja instituído precocemente. O tratamento segue as mesmas diretrizes da síndrome de abstinência leve-moderada, entretanto a internação hospitalar é obrigatória e doses maiores de benzodiazepínicos geralmente são necessárias, inclusive por via endovenosa em alguns casos. Via de regra, sugere-se monitoração contínua em UTI para oferecer suporte adequado.

 

Tabela 2: síndrome de abstinência pelo álcool

Gravidade

Sinais e sintomas

Tempo médio de abstinência

Leve

Tremores, irritabilidade, ansiedade, insônia, náuseas e/ou vômitos

6 a 8 horas

Moderada

Intensificação dos sintomas acima, hiperatividade autonômica, alterações sensoperceptivas, convulsão

12 a 24 horas

Grave (delirium tremens)

Delirium, agravamento dos sintomas acima (tremores grosseiros, hiperatividade autonômica marcante, distorções perceptivas intensas e níveis flutuantes de atividade psicomotora)

72 horas

 

Apesar de haver remissão espontânea da síndrome de abstinência, recomenda-se o tratamento adequado, visando ao alívio dos sintomas e à prevenção de complicações, como o delirium tremens. A droga de escolha para o tratamento da síndrome de abstinência são os benzodiazepínicos, preferencialmente de meia-vida prolongada (diazepam 10 a 20 mg VO repetidos a cada hora até sedação leve; em caso de insuficiência hepática, usar lorazepam 4 a 6 mg VO repetidamente, se necessário). Recomenda-se a retirada gradual da medicação ao longo de 1 semana (cerca de 10 a 20% da dose inicial a cada 2 dias). Deve-se evitar a administração profilática e o uso de doses excessivas, com consequente sedação demasiada. Também pode ser utilizado haloperidol (p. ex., 5 mg IM) no caso de agitação psicomotora intensa ou alucinações.

Frequentemente, estes pacientes, alcoolistas crônicos, apresentam deficiências vitamínicas e nutricionais. Recomenda-se sobretudo a administração de tiamina (100 mg IM e depois 300 mg VO por 7 dias), para evitar o surgimento da síndrome de Wernicke-Korsakoff.

Caso ocorram crises convulsivas no ato do atendimento, deve-se adminstrar diazepam 10 mg EV e, se não houver melhora, fenitoína 15 mg/kg EV; evitar hidantalização indiscriminada. O paciente que apresentou convulsão deve ser mantido em observação (cerca de 1/3 destes pacientes desenvolvem delirium tremens).

 

Benzodiazepínicos

Os sintomas de abstinência por benzodiazepínicos iniciam-se após interrupção ou diminuição das doses habituais e tanto o início como a duração e a gravidade da síndrome dependem da meia-vida da substância, da quantidade e do tempo médio utilizado. De forma geral, a abstinência tende a ser mais grave para substâncias de meia-vida curta e há ansiedade, disforia, inquietação, dificuldade de concentração e memória, além de insônia e pesadelos. Observam-se também tremores, sudorese, palpitações, hipotensão, letargia, anorexia, sintomas gripais, intolerância a luz, cefaleia e náuseas e/ou vômitos. Pode haver contrações musculares, hiper-reflexia e também convulsões e rebaixamento do nível de consciência. Pode remitir espontaneamente, mas é possível que ansiedade e alterações de sono permaneçam por até 6 meses. Recomenda-se a retirada gradual das doses utilizadas, para evitar a abstinência ou o risco de convulsões e podem-se substituir compostos de meia-vida curta e intermediária por de meia-vida longa. Postula-se a redução de 1/4 da dose por semana, sendo que a retirada da metade final da dose inicial pode necessitar de mais tempo. A carbamazepina pode ser útil no alívio dos sintomas de abstinência, nas doses de 400 a 800 mg/dia, mantida por 10 a 14 dias para os benzodiazepínicos de meia vida-curta e de 4 a 8 semanas para os de meia-vida prolongada.

 

Maconha

Não há uma síndrome de abstinência amplamente aceita para a maconha.

 

Estimulantes

Os sintomas de abstinência por estimulantes são principalmente psíquicos e incluem disforia, ansiedade, irritabilidade, fadiga, apatia, alterações de sono, aumento do apetite e retardo psicomotor (ocasionalmente há agitação psicomotora). Geralmente esses indivíduos apresentam desejo intenso e poderoso de usar a substância (craving ou fissura). Para usuários de quantias pequenas de cocaína, a síndrome de abstinência geralmente dura menos de 24 horas, mas pode persistir por semanas quando o uso é mais intenso. Os sintomas de abstinência para as anfetaminas são similares e podem atingir 87% dos usuários, mas há algumas peculiaridades como a ocorrência de hipersonia intensa, pesadelos, sintomas depressivos graves e ocasionalmente sintomas psicóticos. A duração da síndrome de abstinência geralmente é de até 1 semana, mas o quadro depressivo pode persistir por período prolongado.

O tratamento da abstinência de estimulantes é basicamente sintomático. Não há medida farmacológica específica conhecida para a supressão dos sintomas de abstinência e fissura, e podem ser usados benzodiazepínicos para alívio da disforia, antidepressivos para síndromes depressivas prolongadas. A bromocriptina (agonista dopaminérgico) pode trazer alívio para alguns sintomas agudos da abstinência por cocaína (dose de 2,5 mg por 5 a 7 dias).

 

Nicotina

Os sintomas da abstinência iniciam-se poucas horas após o consumo do último cigarro, com pico em 24 a 48 horas e duração de semanas até meses. A sintomatologia inclui desejo intenso de fumar, humor disfórico ou irritado, ansiedade, dificuldade de concentração, inquietação, diminuição do desempenho motor e tensão. Também ocorre sonolência (e dificuldades paradoxais para dormir), diminuição da pressão sanguínea e da frequência cardíaca, aumento do apetite e ganho de peso. A ocorrência de sintomas de abstinência pode ser decisiva para a recaída.

O manejo da síndrome de abstinência é feito como parte integrante do tratamento da dependência de nicotina. Recomenda-se a utilização de medidas cognitivo-comportamentais, como estratégias motivacionais e de psicoeducação. As estratégias farmacológicas mais usadas são a terapia de reposição de nicotina feita por adesivos (adesivo de nicotina de 14 e 21 mg, dependendo da quantidade de cigarros/dia; em geral, para indivíduos que fumam 1 maço de cigarros por dia, a concentração indicada é de 14 mg por um período de 6 a 8 semanas) e goma de mascar (2 mg por tablete; a dosagem é de cerca de 10 a 15 tabletes/dia, que devem ser trocados periodicamente, após 1 a 2 horas de uso, durante 8 a 12 semanas). Também são utilizados antidepressivos, principalmente a bupropiona (dose média de 300 mg/dia), mas também a nortriptilina (dose média de 75 mg/dia) por cerca de 7 a 12 semanas. A vareniclina (Champix®) é um agonista parcial seletivo dos receptores nicotínicos alfa-4-beta-2, que bloqueia a ação da nicotina, diminuindo a fissura por consumir a substância. É prescrito por 12 semanas, em uma dosagem média de 2 mg diários.

 

Opioides

A síndrome de abstinência por opioides pode ocorrer pela interrupção do seu consumo ou pela administração de um antagonista (neste caso, os sintomas podem ter início segundos após a administração por via endovenosa, com pico em uma hora). Os sintomas da abstinência começam em geral de 4 a 12 horas depois da última dose e os achados mais frequentes são desejo intenso de usar a substância, humor disfórico, irritabilidade, lacrimejamento, coriza, bocejos, sudorese, insônia, midríase, fraqueza, tremores, náuseas e/ou vômitos, cólicas abdominais, diarreia profusa, calafrios, rubor, cãibras, piloereção (pele anserina), desregulação da temperatura, incluindo hipo ou hipertermia, e hipertensão. A duração da síndrome de abstinência guarda relação com a meia-vida da substância; para usuários de heroína pode durar até 15 dias.

Há descrição de uma síndrome de abstinência protaída, que pode durar vários meses, caracterizada por “fissura” pelo consumo da substância, hipotensão, bradicardia, insônia, anergia e inapetência.

O tratamento da abstinência de opioides é usualmente realizado em regime hospitalar e, caso ocorra taquicardia, hipertensão arterial, taquipneia, náuseas, vômitos e cólicas abdominais nas primeiras 24 horas, torna-se imprescindível o uso de medidas farmacológicas. Pode-se utilizar terapia de substituição com metadona (10 mg VO repetidos a cada 60 minutos até alívio dos sintomas; sugere-se a repetição da dose caso ainda estejam presentes dois ou mais dos critérios objetivos – Tabela 3). A dose de estabilização usualmente é menor do que 50 mg/dia. Após estipulação da dose diária, esta deve ser mantida por 2 dias, dividida em duas tomadas. Retirada gradual em 7 a 10 dias, já que há potencial para dependência desta substância. Diminuem-se 2 a 3 mg/dia até alcançar 30 mg/dia e depois retira-se de 1 a 2 mg/dia.

 

Tabela 3: Critérios objetivos de abstinência por opioides

Aumento da frequência cardíaca em 10 bpm acima do basal ou acima de 90 (se não há história prévia de taquicardia)

Aumento da pressão sistólica 10 mmHg acima do basal ou acima de 160 X 95 (se não há história prévia de hipertensão arterial sistêmica)

Midríase

Piloereção, sudorese, rinorreia ou lacrimejamento

 

A prescrição de benzodiazepínicos pode ser ajudar no alívio das dores musculares, das alterações de sono e da inquietação. Também pode-se utilizar clonidina (alfa-2-agonista), associada à metadona (dose de 0,3 mg a 1,2 mg/dia, divididos em 3 tomadas diárias), visando o controle dos sintomas noradrenérgicos, além de outros sintomáticos.

 

Solventes (Inalantes)

Há controvérsia quanto à existência de síndrome de abstinência para os solventes.

 

Alucinógenos

Não há uma síndrome de abstinência relatada para esse grupo.

 

PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES CLÍNICAS E PSIQUIÁTRICAS

Álcool

Transtorno Psicótico Induzido por Álcool

Alucinações (alucinose alcoólica) ou ideias delirantes, frequentemente persecutórias e pouco estruturadas. As alucinações são auditivas ou visuais, habitualmente vívidas, e ocorrem na ausência de rebaixamento do nível de consciência. A alucinose alcoólica em geral se inicia após períodos de variações da média de consumo de álcool, com duração curta, apesar de poder haver cronificação (sintomas presentes por mais de 6 meses). O tratamento é feito com drogas antipsicóticas.

 

Síndrome de Wernicke-Korsakoff

A encefalopatia de Wernicke é causada pela deficiência de vitaminas do complexo B, particularmente tiamina, um co-fator importante na utilização de glicose. Caracteriza-se pela tríade clássica: confusão mental, ataxia cerebelar e alterações oculares (oftalmoplegia bilateral e nistagmo, principalmente). Pode ocorrer na forma incompleta ou associada a outras manifestações neurológicas. Trata-se de um quadro agudo, que pode ser desencadeado pela administração de glicose, previamente à de tiamina, em indivíduos com deficiência nutricional. O tratamento é feito com a administração de tiamina (100 mg IM ou EV, repetidos até controle das alterações oculares e manutenção com cerca de 300 mg diários por 7 a 14 dias) e complexo B. A hipomagnesemia é uma das causas de não-resposta ao tratamento; assim, pode-se administrar sulfato de magnésio (1 a 2 mL em solução de 50% IM). Com a instituição da terapêutica adequada, há remissão completa dos sintomas, mas, do contrário, há risco de evolução para a forma crônica, conhecida com síndrome de Korsakoff.

A síndrome de Korsakoff é marcada pela alteração proeminente de memória anterógrada e retrógrada, sem rebaixamento do nível de consciência. Pode haver confabulações, preenchendo as lacunas mnésticas, e alterações comportamentais, como apatia, inércia e perda de insight. O tratamento é feito com tiamina (300 mg VO diários por 3 a 12 meses), complexo B e eventualmente clonidina (0,3 mg 2 vezes/dia, associada a melhora discreta da memória recente), mas a resposta ao tratamento é satisfatória em apenas 20% dos casos

 

Demência Persistente Induzida por Álcool

Quadro demencial causado pelo uso crônico e prolongado de álcool, provavelmente com contribuição de outros fatores, como carências nutricionais, traumas e outros comprometimentos neurológicos secundários a alterações sistêmicas. O diagnóstico requer período de abstinência maior que 3 semanas e exclusão de outras causas demenciais. Não há um tratamento específico, mas é importante a abstinência de álcool.

 

Síndrome Fetal pelo Uso do Álcool

Síndrome do recém-nascido devido ao consumo de álcool durante a gestação. Os achados incluem retardo mental (leve a moderado), baixo peso e diversas malformações faciais, cardíacas e de membros. É importante salientar que não há quantidades seguras para consumo de álcool durante a gestação.

 

Complicações Psiquiátricas

O álcool pode induzir transtornos de humor, ansiosos, de sono e disfunções sexuais, havendo nestes casos uma correlação temporal entre o uso de álcool e tais manifestações psiquiátricas. O tratamento é indicado de acordo com o tipo de sintomatologia predominante no quadro.

 

Patologias Clínicas Associadas ao Uso de Álcool

Há complicações clínicas decorrentes do uso de álcool em praticamente todo o organismo, além das anteriormente listadas.

 

  Neurológicas: degeneração cerebelar, polineuropatia periférica, neuropatia óptica, pelagra, atrofia cerebral.

  Gastrintestinais: esofagite, gastrite ou úlcera, pancreatite, síndrome de má-absorção, esteatose hepática, hepatite alcoólica, cirrose, insuficiência hepática, carcinoma hepatocelular.

  Cardiovasculares: hipertensão arterial, arritimias, síndromes coronarianas, miocardiopatia, insuficiência cardíaca (beri-beri).

  Metabólicas e nutricionais: desnutrição, hiperuricemia, hiperlipidemia, hipoglicemia, deterioração da síntese de proteínas, desequilíbrio hidroeletrolítico, deficiências vitamínicas e de oligoelementos.

  Endócrinas: aumento da liberação de ACTH, de glicocorticoides ou de catecolaminas, inibição da síntese de testosterona (hipogonadismo masculino), inibição da liberação de ADH, osteopenia.

  Sistema imunológico: aumento da predisposição a infecções (multifatorial).

  Sistema hematopoiético: anemia, macrocitose, leucopenia, paquetopenia.

 

Benzodiazepínicos

O consumo de benzodiazepínicos está associado a alterações comportamentais, sintomas depressivos, quadros amnésicos e quadros psicóticos. Pode haver também surgimento e agravamento de transtornos do sono. Além disso, o uso destas substâncias está implicado em risco de quedas, fraturas e de acidentes em geral.

Alguns indivíduos (particularmente idosos, crianças e portadores de retardo mental) podem apresentar uma reação paradoxal aos benzodiazepínicos, caracterizada por agitação psicomotora, excitação, agressividade e desinibição comportamental.

 

Maconha

O uso prolongado de maconha está associado a maior suscetibilidade a infecções e danos respiratórios e a alterações reprodutivas, como diminuição da produção de espermatozoides e irregularidades no ciclo menstrual.

Além disso, pode haver prejuízos cognitivos (atenção, aprendizado e memória de fixação) e postula-se a existência de uma “síndrome amotivacional”, caracterizada por apatia, dificuldade de concentração e déficit de motivação e interesse para as atividades cotidianas.

A maconha também pode contribuir para a piora de quadros psicóticos preexistentes, além de constituir um fator de risco para o desencadeamento de esquizofrenia, em indivíduos suscetíveis. Sintomatologia de humor também pode ocorrer em usuários crônicos.

 

Estimulantes

O consumo de estimulantes está associado a quadros depressivos e disfóricos prolongados, além do desencadeamento de fases de mania. Também pode haver quadros psicóticos, com ideias de cunho persecutório e alucinações, particularmente comuns em usuários de crack, cocaína por via endovenosa e anfetaminas. O uso crônico dos estimulantes relaciona-se com alterações de sono e disfunções sexuais.

As complicações clínicas pelo uso crônico dependem do tipo de substância usada e da via preferencial de administração. As principais complicações são:

 

  complicações potencialmente fatais: arritmias, angina pectoris, infarto agudo do miocárdio, AVC e AIT, convulsões tônico-clônicas generalizadas;

  aumento do risco de infecções como tromboflebites, abscessos, endocardites bacterianas, bacteriemias, infecções pulmonares, HIV, hepatite B, hepatite C, tétano etc.;

  o uso intranasal pode levar a congestão nasal, ulcerações e sangramento da mucosa, além de necrose isquêmica e perfurações do septo nasal;

  outras: transtornos do movimento (distonias, acatisias, discinesia); alterações hepáticas (aumento de transaminases); rabdomiólise; isquemias gastrintestinais; disfunções sexuais; alterações obstétricas (abortos espontâneos, baixo peso e alterações cognitivas no RN).

 

Nicotina

O tabagismo associa-se à ampla morbimortalidade, incluindo a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), câncer de pulmão e segmentos de cabeça e pescoço, coronariopatias, doença vascular periférica, entre outras (vide capítulos específicos).

 

Opioides

O uso crônico de opioides está associado a diversas infecções, alterações gastrintestinais, alterações hormonais e diversas outras. Aproximadamente 75% dos recém-nascidos de mães dependentes de opioides podem apresentar uma síndrome de abstinência. A abstinência é frequentemente grave e pode levar a aborto ou morte fetal.

Os opioides também se relacionam a alterações de humor e de sono, disfunção sexual e quadros psicóticos.

 

Solventes (Inalantes)

O uso crônico de solventes pode causar neuropatia periférica, depressão ou até aplasia da medula óssea, ataxia, prejuízo de memória, arritmias cardíacas, hepatites tóxicas, insuficiência renal crônica, miastenia, pneumonites químicas, tosse, broncoespasmo, alterações gastrintestinais (dores abdominais, diarreia). A maioria dessas complicações é de caráter transitório, remitindo com a instituição de medidas de suporte e abstinência. Porém, algumas outras alterações neurológicas, como neuropatia e déficits cognitivos, tendem a ser irreversíveis.

Também pode haver quadros psicóticos, quadros de humor e quadros ansiosos.

 

Alucinógenos

O transtorno perceptual persistente por alucinógenos é caracterizado pela volta espontânea de sintomas alucinatórios da experiência induzida pelo alucinógeno, semanas ou meses após o uso da droga (flashback). A maioria dos episódios tem duração curta (segundos até minutos), com alucinações geométricas, alucinações auditivas, lampejos de cores, rastros de imagens de objetos em movimentos, pós-imagens positivas de halos, macropsia, micropsia, expansão da sensação de tempo, sintomas físicos ou revivência de emoções, geralmente sem prejuízo da crítica a respeito de tais vivências. O tratamento deve ser sintomático, mas habitualmente a resposta terapêutica é pobre.

Pode haver quadros de humor e quadros ansiosos, frequentemente ataques de pânico.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

O diagnóstico da dependência de substâncias psicoativas é predominantemente clínico. Um exame físico rigoroso é fundamental para a suspeita da maioria das condições clínicas associadas e detecção de indícios de complicações e cronicidade. A solicitação de exames complementares também visa mapear tais complicações, assim como auxiliar no diagnóstico diferencial das situações que podem ocorrer na sala de emergência e também na detecção de co-morbidades.

No atendimento de emergência dos dependentes químicos, a propedêutica armada tem como objetivo prover uma avaliação clínica global do paciente, contemplando a hipótese diagnóstica principal e seus diagnósticos diferenciais. Na assistência ambulatorial desses pacientes, a inserção em um programa específico de atenção à dependência química é utilizada para mapear possíveis complicações, por exemplo, infecciosas.

O resultado da avaliação laboratorial do paciente pode guiar decisões terapêuticas, influenciando no manejo das síndromes associadas. A Tabela 4 apresenta diretrizes gerais para possível solicitação de exames complementares.

 

Tabela 4: Avaliação geral do doente

Hemograma completo

Exames de coagulação

Enzimas hepáticas, enzimas canaliculares e função hepática

Amilase

Perfil lipídico

Glicemia

Função renal

Eletrólitos (Na, K, Ca, Mg)

Proteína total e frações

Gasometria

Avaliação de complicações clínicas e diagnóstico diferencial (de acordo com a substância)

Sorologias: hepatites virais, HIV, sífilis

Radiografia de tórax

Eletrocardiografia

Urina tipo 1 e urocultura

Hemoculturas

Líquido cefalorraquidiano (LCR)

 

Exames de Neuroimagem

Tomografia de crânio (TC) ou ressonância magnética (RNM): são úteis para a diferenciação entre quadros de intoxicação ou abstinência e de lesões intracranianas focais (hemorragias, lesões isquêmicas etc.). Deve-se considerar a solicitação de TC de crânio em casos de alterações neurológicas focais e rebaixamento de nível de consciência.

 

Dosagem Sérica de Tóxicos

Não costuma ser solicitada rotineiramente. Pode ser extremamente útil em contextos médico-legais e ocupacionais. As análises podem ser feitas a partir de amostras de sangue, urina ou cabelo. Como regra geral, a análise de urina e cabelo permite a detecção de substâncias como maconha e cocaína por períodos mais prolongados após o último uso. Quanto ao álcool, por ser uma substância de rápida metabolização, só pode ser detectado em períodos de poucas horas após o uso (em geral, até o máximo de 12 horas) (Tabela 5).

 

Tabela 5: Exame toxicológico

Droga

Tempo de detecção na urina

benzodiazepínicos

Cerca de 30 dias

maconha

1 a 3 dias para uso eventual; cerca de 30 dias para usuários crônicos

cocaína

1 a 3 dias

anfetaminas

2 a 4 dias

Heroína

1 a 3 dias

Metadona

2 a 4 dias

 

TRATAMENTO

O tratamento global da dependência de substâncias químicas pode ocorrer em alguns momentos específicos.

 

Intoxicação

em geral, os quadros de intoxicação são atendidos em serviços de emergência, frequentemente em decorrência de complicações clínicas, como rebaixamento do nível de consciência, convulsões e agitação psicomotora. As condutas devem ser tomadas de acordo com o quadro clínico à admissão do paciente. Frequentemente não dispomos de informações como a identificação exata da(s) droga(s) utilizada(s), assim como a quantidade usada e o grau de tolerância prévia. As medidas específicas já foram descritas para cada substância. Deve-se sempre atentar para a possibilidade de uso concomitante de mais de uma substância psicoativa.

 

Síndrome de Abstinência

No manejo das síndromes de abstinência, devemos priorizar o alívio dos sintomas e a prevenção de complicações inerentes à abstinência da substância em questão. Quando necessárias, medidas farmacológicas específicas devem ser adotadas, conforme descritas anteriormente para cada substância.

O tratamento da síndrome de dependência, em geral, pode ser realizado ambulatorialmente ou em regime de internação hospitalar. Algumas possíveis indicações de internação hospitalar estão apontadas a seguir:

 

  rebaixamento do nível de consciência;

  crises convulsivas;

  sintomas depressivos severos ou persistentes, especialmente com risco de suicídio;

  sintomas psicóticos severos ou persistentes;

  comorbidades psiquiátricas (p. ex., esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, depressão melancólica, transtornos ansiosos graves etc.);

  comorbidades clínicas severas (p. ex., AVC, hepatopatia, cardiopatias, infecções, doenças respiratórias etc.);

  antecedente de síndrome de abstinência severa (delirium tremens, crises convulsivas);

  falha de tratamento ambulatorial;

  falta de motivação para qualquer forma de tratamento;

  ausência de suporte familiar ou social;

  idosos;

  risco de vida (comportamento auto-destrutivo, dívidas com traficantes etc.).

 

Prevenção de Recaídas

As técnicas de prevenção de recaída e a entrevista motivacional são medidas cognitivo-comportamentais bastante utilizadas. Na prevenção de recaída, o objetivo é o desenvolvimento de modificações do estilo de vida e de estratégias que ajudem a evitar que aconteça a recaída. Os estágios da “prontidão” para a mudança (pré-contemplação, contemplação, determinação, ação e manutenção), descritos mais extensivamente na entrevista motivacional (Prochaska e DiClemente, 1982), podem ser úteis na abordagem destes pacientes.

 

Tratamento das Complicações Clínicas e Psiquiátricas Associadas

Algumas substâncias como a maconha, os inalantes e os alucinógenos não requerem medidas farmacológicas específicas no tratamento da síndrome de dependência. O emprego de medicações restringe-se, nestes casos, ao tratamento de sintomas focais associados, como sintomas depressivos ou ansiosos. Para as complicações clínicas e psiquiátricas decorrentes da dependência das substâncias psicoativas de maneira geral, o tratamento segue as orientações que foram sendo apontadas ao longo do texto, posto que cada droga traz um tipo específico de complicação, seja ele físico ou psíquico.

O tratamento da síndrome de dependência pode ser montado a partir de técnicas comportamentais, abordagens psicoterapêuticas e também medidas farmacológicas. Alguns pacientes também se beneficiam de programas de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA).

O tratamento farmacológico da síndrome de dependência inclui substâncias que diminuem o desejo de usar a substância, bloqueiam os efeitos provocados por ela ou geram reações desagradáveis quando do seu consumo. Em geral, o uso destas medicações se faz por período prolongado. As indicações devem levar em consideração a presença de complicações físicas e psiquiátricas, a presença de comorbidades, o perfil de efeitos colaterais e contra-indicações das mesmas. As medicações mais comumente utilizadas para cada droga são descritas a seguir.

 

Álcool

1.    Dissulfiram: inibe a enzima aldeído-desidrogenase (ALDH) e impede a metabolização do álcool, gerando reações adversas (mal-estar geral, rubor facial, cefaleia, náusea e/ou vômitos, taquicardia, visão turva, hipotensão, tontura, sonolência) quando do uso concomitante ao álcool. Embora bastante desagradável, este quadro raramente é fatal. A dose média é de 250 mg/dia e o paciente deve estar ciente de sua ingestão.

2.    Naltrexona: é um antagonista de receptores opioides (dose de 50 mg/dia); diminui a vontade de beber.

3.    Topiramato: é um anticonvulsivante (dose média 300 mg/dia) que também atua diminuindo a vontade de beber.

4.    Outros (inibidores seletivos da recaptação de serotonina, carbamazepina, oxcarbamazepina etc.): apresentam pequena eficácia no tratamento da dependência de álcool e são indicados para o tratamento de possíveis comorbidades associadas.

 

Benzodiazepínicos

Não há medidas farmacológicas específicas. Algumas considerações para a retirada dos benzodiazepínicos devem ser feitas: quando a dependência não é severa, pode-se retirar abruptamente a medicação. Entretanto, nos casos de dependência severa, preconiza-se a suspensão gradativa e a substituição por compostos de meia-vida mais longa, como o diazepam ou o clonazepam. Pode-se diminuir um comprimido a cada semana (após a estabilização da dose usada, retira-se o equivalente a uma unidade farmacológica da dose diária a cada semana).

 

Estimulantes

  Topiramato: estudos demonstram sua eficácia na redução do craving, da recaída.

  Lamotrigina e gabapentina: eficazes também na redução do craving, da recaída, além de serem indicados quando da presença de sintomas depressivos ou maniformes associados.

  Outros anticonvulsivantes (como a carbamazepina).

  Antidepressivos (inibidores seletivos da recaptação de serotonina).

 

Opioides

  Metadona: é utilizada também na prevenção de recaída. Sua prescrição deve ser bastante criteriosa e restrita a profissionais e serviços especializados. Geralmente é utilizada em casos de dependência física severa e/ou com risco de morte.

  Naltrexona: necessita de um período de abstinência de opioide maior que 10 dias para ser utilizado. Parece reduzir o reforço positivo associado ao consumo de opioides; estudos utilizando a naltrexona nestas situações têm demonstrado, entretanto, baixa adesão dos pacientes ao tratamento.

 

USO DE DROGAS ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A experimentação de substâncias ilícitas é um fenômeno da juventude. A maioria das pessoas que utilizaram algum tipo de substância ao menos uma vez na vida, o fizeram nessa fase.

Independentemente da população estudada, as drogas mais consumidas são álcool e tabaco. Estudos brasileiros demonstram que 65% dos estudantes do ensino fundamental II e médio fizeram uso de álcool pelo menos uma vez na vida. Nos EUA, estes índices chegam a 90% e são semelhantes aos índices encontrados no Brasil para menores em situação de rua.

A experimentação, por si só, não constitui um comportamento patológico do adolescente. Ela está incluída numa atitude global de busca por novas experiências que lhe façam sentido, na construção de uma identidade. Entretanto, alguns fatores de risco estão associados à manutenção deste uso:

 

  a curiosidade natural do adolescente é um dos fatores de risco mais importantes, posto ser o que o move para experimentar a substância, estando assim sob risco de desenvolver dependência;

  o fácil acesso às drogas e as oportunidades de uso;

  ser do sexo masculino (meninos experimentam mais do que as meninas);

  influência de modismos;

  condições familiares, tanto pelo aspecto genético (filhos de pais dependentes apresentam 4 vezes mais chance de o serem também) quanto pelos aspectos ambientais, fortemente correlacionados com o início do uso;

  uso de drogas por pais e/ou amigos;

  relacionamento ruim com os pais;

  fatores internos do adolescente, como insatisfação e não-realização em suas atividades, insegurança, baixa autoestima e sintomas depressivos;

  baixo desempenho escolar.

 

O uso de drogas afeta diretamente o desenvolvimento da criança e do adolescente, principalmente com relação às funções cognitivas, capacidade de julgamento, humor e os relacionamentos interpessoais. Quanto mais precoce o início do uso, maiores as deficiências nestas áreas.

Quando comparamos populações de adolescentes e adultos que procuraram tratamento para dependência de drogas, vemos que os adolescentes, em geral, começam o consumo de substâncias mais precocemente que os adultos, e também iniciam o tratamento com menor tempo de uso. Apresentam maior prevalência de abuso de múltiplas substâncias e, com muito menor frequência, apresentam sintomas físicos de abstinência.

Com relação ao tratamento, deve-se sempre proceder a uma avaliação clínica, neurológica e psíquica do adolescente, pesquisando-se condições associadas ou decorrentes do uso de drogas. Estas condições devem receber tratamento específico. A minuciosa análise dos fatores de risco pode ajudar no planejamento terapêutico.

Nunca devemos esquecer que o adolescente ainda está em processo de desenvolvimento e qualquer tratamento proposto deve respeitar esta condição. Um dos principais pontos do tratamento de adolescentes dependentes de drogas é auxiliá-los a se manterem abstinentes. Para isso, é necessário o envolvimento da família, que funciona como um limite externo concreto, inviabilizando o acesso do adolescente às drogas.

Abordagens psicoterápicas, individual ou em grupo, devem ser propostas. Parece haver uma maior adesão dos adolescentes à psicoterapia em grupo. A família também deve ser encaminhada para atendimento psicológico, para que sejam identificados os pontos de fragilidade em acolher o adolescente usuário de drogas.

O uso de medicações está indicado para duas situações: tratamento de sintomas-alvo e/ou comorbidades (antidepressivos para sintomas depressivos ou depressão associada, benzodiazepínicos para sintomas ansiosos etc.) e na abordagem inicial dos sintomas de abstinência (em geral, utiliza-se benzodiazepínicos de ação prolongada por curto período, já que a abstinência, quando presente, é bastante rápida).

 

TÓPICOS IMPORTANTES

  O consumo de substâncias psicoativas é um sério problema de saúde pública mundial. Seu uso deve sempre ser investigado por todos profissionais de saúde. Os quadros de intoxicação e abstinência devem ser reconhecidos e tratados adequadamente, visando ao alívio dos sintomas e prevenção de complicações.

  Quando do diagnóstico de dependência química, o paciente deve ser avaliado cuidadosamente para a detecção de complicações e co-morbidades associadas. Para o tratamento das síndromes de dependência de substâncias psicoativas, a combinação de técnicas de psicoterapia e medidas farmacológicas parece ser a estratégia mais efetiva.

  A população de adolescentes é especialmente vulnerável à experimentação de drogas. Esta, por si só, não constitui comportamento patológico, mas alguns fatores de risco podem induzir à manutenção do uso. Qualquer medida terapêutica instituída para esta faixa etária deve respeitar a questão do desenvolvimento, que ainda não está completo nestes pacientes, e viabilizar a inclusão da família no tratamento.

 

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