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Peculiaridades da psiquiatria no idoso

Autores:

Vanessa Flabórea Favaro

Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria. Médica Preceptora do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo

Mary Ann von Bismark

Mestranda do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médica colaboradora do Programa de Neuropsiquiatria (Pronepsi) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (FMUSP)

Última revisão: 26/04/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

O aumento do percentual de idosos na população geral é fato inquestionável desde as últimas décadas. Este fenômeno se deve especialmente ao incremento na expectativa de vida, tendência que se reflete na saúde mental, onde existe uma busca crescente de conhecimento e novas práticas específicas. Com isso, estrutura-se a subespecialização em Psiquiatria Geriátrica, ou Gerontopsiquiatria. Considera-se, arbitrariamente, pertencentes ao grupo de idosos ou à terceira idade os indivíduos que estão acima dos 65 anos de idade.

A psiquiatria do idoso diferencia-se da psiquiatria geral do adulto em vários aspectos. Nessa fase da vida, existem fatores estressores mais frequentes e mais intensos, destacando-se as doenças físicas agudas ou crônicas, o uso de medicações, a perda de autonomia e mudanças na imagem corpórea. Há também fatores estressores sociais e familiares, como aposentadoria ou morte do cônjuge, que trazem isolamento e privação psicológica. Como fator biológico significativo, existe o aumento da prevalência das demências, as quais, muitas vezes, são precedidas por sintomas depressivos e ansiosos. Apesar disso, transtornos mentais não são mais comuns na população geriátrica do que na população jovem, com exceção de delirium e demência.

A avaliação em psiquiatria geriátrica exige mudanças, como tempo mais longo disponível, para se adaptar à história de vida mais rica do paciente e à necessidade de se obter informações com familiares e cuidadores. Por fim, o tratamento medicamentoso deve ser mais cuidadoso porque ocorrem outras doenças e mesmo alterações normais da idade, como diminuição da reserva funcional de certos sistemas.

É importante lembrar que comorbidades psiquiátricas em pacientes clínicos levam a taxas mais altas de complicação e mortalidade. A atenção a essas patologias pode contribuir para melhorar a qualidade de vida e a longevidade desses pacientes. Ao contrário do que se pensa, a população geriátrica tem boa resposta ao tratamento das doenças mentais.

 

ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA E EXAME PSÍQUICO

Uma entrevista psiquiátrica bem feita é ainda a principal arma para a formulação diagnóstica. Uma coleta de dados ampla e detalhada é mais importante no paciente idoso e, para que isso ocorra, deve-se prestar atenção ao vínculo estabelecido, minimizar desconfortos durante a entrevista, garantir privacidade e confidencialidade. A entrevista tem como objetivo estabelecer um perfil do seu estado mental e físico do indivíduo ao longo da vida, atendo-se também às influências psicossociais.

Sugerimos aqui uma entrevista ideal em 4 tempos:

 

1.   Conversa com o paciente sozinho: mostra ao paciente que o médico valoriza o relacionamento entre ambos e dá a oportunidade para que ele se expresse livremente, sem se sentir pressionado ou envergonhado na presença da família. Focar a entrevista na perspectiva subjetiva dos problemas. Sempre questionar sobre ideação de suicídio, de maneira clara, sem eufemismos. Técnicas de confrontação devem se limitar a situações específicas, pois, na maioria das vezes, comprometem a obtenção de dados e a aliança terapêutica.

2.   Paciente e família: o médico tem uma ideia da dinâmica entre os membros da família. Nesta fase, também se explica e pede-se autorização ao paciente para falar com familiares e cuidadores em separado.

3.   Família e cuidadores sozinhos: facilita a exploração de sintomas sutis, como ideação paranoide, bem como o curso da doença. Focar a entrevista na perspectiva objetiva dos problemas. Podem existir divergências entre a informação do paciente e a da família. Verificar se existe possibilidade de abuso por parte da família.

4.   Paciente sozinho novamente: reavaliação do paciente a partir dos dados obtidos e resposta a dúvidas sobre seu estado de saúde. Estabelecer uma aliança terapêutica. É importante ser realista sobre expectativas com o tratamento, ao mesmo tempo em que se oferece esperança de alívio para aquilo que o aflige.

 

Atenção redobrada com os aspectos:

  Diálogo com médicos de outras especialidades e cuidador direto;

  problemas médicos concomitantes;

  uso de medicamentos (prescritos ou não);

  fatores externos desestabilizadores como perda de parentes ou mudanças socioeconômicas;

  mudanças recentes no ambiente, influências culturais e religiosas relevantes;

  perda de capacidade sensorial, especialmente visão e audição;

  resposta a tratamentos prévios;

  ritmo mais vagaroso para se comunicar e distração enquanto conversam, necessitando, por vezes, de períodos de anamnese mais breves e em maior número, pois podem se cansar mais facilmente.

 

Na realização do exame psíquico, as funções cognitivas devem ser exploradas de rotina, às vezes, necessitando de uma testagem rápida mais objetiva. Testes de memória e inteligência muitas vezes são constrangedores e variam muito seu resultado em função da cooperação e da compreensão do paciente. Lembrar que pacientes mais idosos nem sempre tiveram acesso à escolarização, e podem apresentar problemas auditivos e visuais.

 

PECULIARIDADES DO TRATAMENTO

O manejo de pacientes idosos sob tratamento medicamentoso é mais difícil porque:

 

1.   Existe a presença de outras doenças médicas. Exemplo: psicotrópicos com ação anticolinérgica que pioram queixas de prostatismo, constipação e glaucoma.

2.   Existe a farmacodinâmica entre as medicações em uso. Exemplo: tricíclicos e anticoagulantes.

3.   Há alterações normais da idade, como diminuição da reserva funcional de certos sistemas:

  função hepática, com ritmo lentificado de metabolização das drogas. Exemplo: benzodiazepínicos de longa duração;

  função renal, por menor fluxo sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular, acarretando menor excreção renal de fármacos. Exemplo: lítio tem excreção renal exclusiva;

  sistema nervoso central acometido por outras doenças. Exemplo: limiar convulsivo dos psicotrópicos como ziprazidona, clozapina e bupropiona;

  sistema cardiovascular com menor débito cardíaco e menor perfusão tecidual.

4.   Absorção e distribuição de drogas afetadas por fluxo sanguíneo alterado, composição corpórea com maior proporção de gordura do que o jovem, diminuição de proteínas plasmáticas.

5.   Uso concomitante de outras drogas que compartilham mesmas subfamílias do sistema citocromo P450.

 

Lembrar que sedativos (p.ex., benzodiazepínicos) podem interferir com o mínimo de reserva cognitiva que resta ao paciente, levando à piora do comportamento. Do mesmo modo, medicações com perfil anticolinérgico podem piorar a perda de memória em paciente com história de distúrbios cognitivos e devem ser evitados em idosos. Por exemplo: cloridrato de difenidramina como anti-histamínico ou sedativo em idosos, pois é importante anticolinérgico. Periciazina, clorpromazina e levomepromazina devido à hipotensão postural, muitas vezes ocasionando quedas noturnas. Hipnóticos não-benzodiazepínicos, como zolpidém, que pode causar confusão mental, agitação e quedas.

No entanto, o tratamento não se restringe às medicações. Abordagens psicológicas e sociais muitas vezes são negligenciadas, porém muito úteis, começando pela compreensão e significado que o paciente dá a seus problemas, até auxiliá-lo na busca de uma nova rede social e de atividades. Abordagens familiares devem ser feitas para estabelecer cuidadores e vigiar abusos. Na Tabela 1, são mostradas dicas práticas para o manejo do tratamento do idoso.

 

Tabela 1: Orientações práticas para o tratamento de idosos

Contato próximo com os outros profissionais e cuidadores é essencial em cada estágio do tratamento.

Combinação de modalidades diferentes de tratamento, como somático, psicoterapêutico, social e ambiental traz maiores ganhos.

Iniciar terapia medicamentosa em menor dose possível, em geral 1/2 ou 1/3 das doses recomendadas para jovens.

Aumentar a dosagem lentamente, com intervalo de dias a semanas entre um aumento e outro.

Prescrever a menor quantidade possível de remédios.

Monitorar regularmente para efeitos adversos.

A descontinuação de medicação psicotrópica deve ser gradual e a parada abrupta pode causar alucinações, confusão e desorientação.

Aumentar a adesão ao individualizar e simplificar o regime terapêutico e ao retirar medicamentos que não sejam absolutamente necessários.

Adesão pode ser incrementada com informação ao paciente e aos familiares sobre o remédio: nome, aparência do remédio, dose e horários, razão da prescrição, resposta esperada e em qual intensidade, efeitos colaterais comuns ou problemáticos, duração da terapia, interferência com atividades diárias (p.ex., dirigir), possíveis interações medicamentosas.

Preferencialmente, dar informação escrita, pois pacientes se esquecem do que foi dito ao sair do consultório.

Tentar adaptar informação à capacidade de compreensão do paciente. Por exemplo, pacientes esquizofrênicos podem receber informação simplificada e esquematizada, já pacientes ansiosos podem ficar com medo de dependência da medicação e dos efeitos colaterais que ela pode trazer. Muitas vezes, esses enfermos necessitam de explicação detalhada dos objetivos e complicações do tratamento.

Atentar que o objetivo maior é preservar ou devolver ao paciente sua independência e seu conforto, deixando-o mental, física e socialmente ativo. Se o esquema de medicação faz o contrário, trata-se de um desserviço ao paciente, que começa a depender de terceiros para tomar o medicamento, fica hipocondríaco e tem sua vida social afetada.

Alguns pacientes colocam a "cura" inteiramente nas mãos do médico, e dar o controle e as informações sobre a medicação para o paciente ajuda-o a ter expectativas mais realistas. Em geral, é possível discutir com o paciente o que se propõe com o tratamento e os ganhos esperados com ele.

 

PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS NOS IDOSOS

Na psiquiatria geriátrica, os conceitos de transtorno mental primário, secundário ou associado a uma doença clínica, fazem parte do dia-a-dia da formulação diagnóstica. Para maior compreensão dos casos clínicos, estudaremos aspectos relevantes na sintomatologia dos possíveis problemas desta população.

 

Alterações do Sistema Nervoso Central devido ao Envelhecimento

O grande número de alterações no sistema nervoso central devido ao envelhecimento leva a um exame crítico das aparentes dicotomias entre neurodegeneração normal e anormal. Ambas se fundem quando se constata que demência de Alzheimer não-familiar está em continuidade com as mudanças universais esperadas com a idade. Temas como a perda neuronal e a hipótese de que não há novos neurônios em formação no cérebro adulto têm se mostrado mais flexíveis do que se imaginava há algum tempo e cada vez mais se comprova que existe neuroplasticidade no cérebro adulto e no do idoso. As alterações mais observadas no SNC do idoso estão relacionadas na Tabela 2.

 

Tabela 2: Resumo das alterações de SNC relacionadas com a idade

Atrofia cerebral

Alargamento ventricular

Perda neuronal regional

Remodelação de dendritos, axônios e sinapses

Aparecimento de lipofucsina intraneuronal

Diminuição regional de neurotransmissores e neuropeptídios

Modificação do metabolismo de neurotransmissores

Neurotoxicidade por glicocorticooide

Possível desregulação de neurotransmissores gasosos

Mudanças em receptores

Mudanças em neurotrofinas

Mudanças em transdução de sinais

Prejuízo na homeostase de cálcio

Possíveis mudanças nos reguladores do ciclo celular

Possíveis mudanças nas proteínas da matriz extracelular

Provável declínio no fluxo sanguíneo cerebral

Aparecimento de placas senis e emaranhados neurofibrilares

Provável declínio na taxa metabólica cerebral

 

Problemas Psiquiátricos nos Pacientes Clínico-cirúrgicos

Estimativas da prevalência de problemas psiquiátricos em pacientes de outras especialidades são muito variadas, dependendo do contexto em que são feitas (p.ex., pacientes internados ou de ambulatório). Na atenção primária a idosos nos Estados Unidos, 30% têm pelo menos um diagnóstico psiquiátrico, 10 a 15% têm síndromes depressivas, 5% têm demência e 2 a 5% têm uso de álcool ou transtorno psicótico.

Delirium é o distúrbio psiquiátrico mais comum em pacientes idosos hospitalizados, mas muitas vezes não identificado e tratado adequadamente. Caracteriza-se por alteração do comportamento de início agudo, curso flutuante, com comprometimento global das funções cognitivas, distúrbio de atenção, ciclo sono-vigília e atividade motora anormalmente elevada no período da tarde e noite e sonolência diurna, classicamente acompanhada de alucinações visuais. Esta síndrome é abordada com maiores detalhes em www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1252/delirium.htm.

Praticamente qualquer quadro psiquiátrico pode ser mimetizado por uma doença orgânica e, por esse motivo, sempre que um paciente idoso desenvolver um novo sintoma ou síndrome psiquiátrica, deve-se pensar em uma causa orgânica que justifique seu surgimento.

Síndromes secundárias a quadros clínicos podem não ter alguns sintomas dos quadros típicos, em especial quando a pessoa não tem história psiquiátrica prévia. Por exemplo, em depressões secundárias, ruminações de culpa são raras e a alteração de sono, se presente, é atípica (alteração de sono mais típica em depressão é insônia terminal). Em geral, síndromes secundárias são acompanhadas de:

 

  alteração do nível de consciência;

  ausência de história familiar psiquiátrica;

  início tardio do quadro, sem história de distúrbios prévios

  sintomas ou mudanças de personalidade muito súbitas e intensas;

  desproporção do quadro esperado em resposta a algum estímulo ambiental;

  resposta pobre ao tratamento psiquiátrico instituído;

  doença orgânica já sabidamente presente;

  mudança recente em medicamentos;

  prejuízo intelectual associado (por vezes, um exame cognitivo mais detalhado pode dar pistas para a etiologia orgânica.

 

Quando existe suspeita de uma causa farmacológica para a síndrome psiquiátrica, a busca de sinais sistêmicos ou neurológicos associados é importante, tais como:

 

  perda de apetite;

  sensação de mal-estar;

  visão borrada;

  fala empastada;

  tontura;

  perda de equilíbrio;

  sonolência.

 

Na Tabela 3, apresentam-se alguns efeitos farmacológicos adversos.

 

Tabela 3 Exemplos de efeitos farmacológicos adversos na faixa geriátrica

Cimetidina

Delirium, aumento de concentração de outras substâncias (antidepressivos tricíclicos, benzodiazepínicos, neurolépticos, propranolol, teofilina etc.)

Metoclopramida

Parkinsonismo, ação inapropriada de levodopa

Antidepressivos tricíclicos

Confusão, constipação, taquicardia, alteração de condução cardíaca, hipotensão; alteração do efeito dos anti-hipertensivos (aumenta efeito dos diuréticos e diminui efeito dos alfa-2-adrenérgicos)

Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS)

Apatia, insônia, agitação, bradicardia, desestabilização de Warfarin, diarreia

Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINE)

Prejuízo cognitivo, aumento da concentração de lítio, aumento da pressão arterial, diminuição do controle pressórico

Antipsicóticos

Prejuízo cognitivo, sintomas extrapiramidais, quedas, pneumonia aspirativa

Gingko biloba

Diminui tempo de coagulação, agitação

Glicocorticooides

Depressão, mania, psicose

 

Se o paciente se queixa de estar “dopado”, impõese a pesquisa de intoxicação medicamentosa. Alguns remédios produzem quadros clássicos quando em doses mais altas, como náusea e distorção da percepção de cores com digitálicos ou zumbido e vertigem com aspirina. Já outras síndromes clássicas podem ser produzidas por muitas substâncias diferentes, como é o caso da síndrome colinérgica central, caracterizada por taquicardia, midríase, alucinações visuais e delirium. Para as drogas que possuem dosagem de nível sérico, aumento além da faixa terapêutica pode auxiliar no diagnóstico. No entanto, melhora dos sintomas com diminuição ou suspensão do medicamento é o teste mais comum e mais importante na determinação de sua patogênese.

Os indivíduos com maior vulnerabilidade a efeitos adversos medicamentosos são:

 

  os muito idosos (mais que 80 anos);

  pessoas com prejuízos cognitivos prévios;

  pacientes com fraturas ou infecções assintomáticas;

  pacientes recebendo psicotrópicos ou opioides.

 

O exame psíquico do paciente e a coleta de informações com acompanhantes, especialmente sobre o momento do início dos sintomas e sua associação com o estado clínico do paciente, são muito úteis. Às vezes, exames subsidiários podem ser usados para diferenciar quadros psiquiátricos primários e secundários. Por exemplo, TC de crânio para mostrar hematoma subdural crônico em paciente confuso ou um traçado de EEG com lentificação difusa em pacientes com síndromes psiquiátricas causadas por problemas circulatórios, metabólicos ou tóxicos.

 

Casos Clínicos

1.   Homem de 68 anos de idade, , obeso, com DPOC e etilismo de longa data, atualmente abstinente. Tem depressão com insônia e sonolência diurna após rompimento de caso extraconjugal. Responde a nortriptilina, porém, após 3 meses, tem deterioração do quadro psíquico com irritabilidade, confusão, ganho de peso, edema e insuficiência cardíaca congestiva. Houve melhora do quadro psíquico com descontinuação da medicação, mas o paciente continuou necessitando de tratamento para o quadro cardíaco. Existe a possibilidade de ter havido acúmulo de metabólitos da nortriptilina devido à insuficiência cardíaca não previamente diagnosticada, o que, por sua vez, piorou o quadro circulatório.

2.   Mulher de 65 anos de idade, tem asma dependente de corticoides e, há alguns meses, apresenta episódios espontâneos de ansiedade com comportamento evitativo. Sua médica achava cada vez mais difícil determinar se a paciente estava tendo crises de pânico ou ataques de asma que a assustavam e que, por sua vez, causavam crises de pânico. As próprias medicações para asma poderiam piorar sua ansiedade, pois os simpatomiméticos são ansiogênicos. Esta é uma situação de manejo difícil, pois não é possível restringir o uso de medicação broncodilatadora para melhorar a ansiedade, e os ansiolíticos necessários no quadro psíquico podem diminuir o drive respiratório.

3.   Homem de 70 anos de idade, com apatia, fadiga, edema de membros inferiores e humor depressivo, fazendo uso de diurético de alta potência há vários anos. Necessita de eletrocardiograma e ecocardiograma para avaliação do grau de insuficiência cardíaca, pois, caso haja descompensação circulatória, tende-se a atribuir o humor deprimido ao hipofluxo cerebral e, nesse caso, a melhor medida para depressão é o tratamento da doença de base. Outra possibilidade é que o diurético tenha levado a distúrbio hidroeletrolítico e este esteja alterando o humor do paciente. Os exames também podem ajudar na escolha posterior do antidepressivo, já que tricíclicos são mais difíceis de serem usados na presença de alterações de condução cardíaca.

 

Sintomas Psiquiátricos Associados com Condições Médicas Específicas

Acidente Vascular Cerebral

Tanto a lesão cerebral quanto a adaptação a uma perda de função podem trazer problemas psiquiátricos, e até 50% dos pacientes apresentam depressão após AVC. Lesões em qualquer localização podem levar a depressão, mas as de hemisfério anterior esquerdo são as que estão mais relacionadas ao quadro depressivo. A clínica e a resposta a antidepressivos são semelhantes à de depressões primárias.

Episódios maníacos, psicose, confusão e estados de apatia podem estar presentes e, por vezes, é a única manifestação de AVC. Conforme sua localização, alguns sintomas podem mostrar-se mais comuns.

 

Doença de Parkinson, Demência de Alzheimer e Outras Doenças Neurológicas

Na doença de Parkinson, até 50% dos pacientes apresentam depressão e aparentemente ela é causada pela própria neurodegeneração, predizendo deterioração mais rápida do quadro motor. Apesar disso, não existe correlação entre a gravidade dos sintomas psíquicos e a debilidade neurológica. Assim como no AVC, a depressão responde bem à medicação psiquiátrica. Pacientes com prejuízos cognitivos são mais vulneráveis a delirium e psicose induzida por antiparkinsonianos, e os sintomas podem remitir com simples diminuição da dosagem.

Na demência de Alzheimer, a depressão afeta até 1/3 dos pacientes no início da doença, enquanto a agitação, a psicose e o comportamento agressivo são mais frequentes com a progressão da demência. Fatores de risco para depressão em pacientes com demência da Alzheimer incluem: história de depressão, idade mais jovem ao surgimento da demência e sexo feminino. Sintomas como perda do apetite, dificuldade na concentração ou insônia intermediária (na qual o paciente acorda diversas vezes à noite) devem ser consideradas a princípio como sendo parte do conjunto de sintomas da depressão, e não como efeitos não específicos da demência primária.

 

Outras Condições Neurológicas

Esclerose múltipla, tumores e infecções do sistema nervoso central podem cursar com síndromes psiquiátricas como depressão, mania ou psicose, necessitando de tratamento medicamentoso. Para depressão, a tolerância a antidepressivos ao longo do tempo pode ser problemática e requerer novos tratamentos.

 

Doença Cardiovascular

Infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca congestiva podem ser acompanhados de estados confusionais por hipoperfusão cerebral ou por complicações do tratamento (p.ex., distúrbio hidroeletrolítico por diuréticos). O melhor tratamento é a recuperação da doença de base, melhorando a função cardíaca e o estado metabólico. Uso breve de benzodiazepínicos ou antipsicóticos em doses baixas ajudam a prevenir que o paciente ou a equipe se machuquem quando há agitação. Dez por cento dos pacientes que sofrem cirurgia cardíaca têm déficits neuropsicológicos leves permanentes.

A depressão não tratada piora o prognóstico dos problemas cardiológicos e o tratamento deve incluir tanto medidas psicoterapêuticas quanto medicamentosas.

 

Doenças Crônicas Pulmonares, Renais e Hepáticas

Nas doenças respiratórias, assim como em outras doenças crônicas, a presença de depressão é comum, caracterizada principalmente por ansiedade, ataques de pânico e medo de atividade física, que podem melhorar com educação sobre o transtorno. Encefalopatia crônica ou aguda pode ocorrer em todas as condições acima.

 

Artrite

O prejuízo funcional é muito aumentado quando existe depressão associada à artrite. Podem também ocorrer sintomas decorrentes do uso de prednisona ou anti-inflamatórios não-esteroidais.

 

Anemia, Doenças Tireoidianas e Desnutrição

São comuns em idosos com comorbidades. Podem trazer sintomas de letargia, fraqueza, confusão e mudanças de comportamento. Devem ser ativamente procuradas e tratadas.

 

Transtornos do Humor

Depressão geriátrica em geral ocorre no contexto de condições clínicas que predispõem ou desencadeiam esta condição, como infarto agudo do miocárdio, ou em outras situações clínicas onde a relação causal com a depressão é menos evidente. De qualquer forma, a gravidade e a limitação geradas pela doença de base são fatores de risco para esta entidade.

Depressão causa grande sofrimento para o paciente e sua família e está associada com prejuízo funcional. Geralmente não é reconhecida e diagnosticada de modo adequado, prejudicando a qualidade de vida do paciente, mesmo que já existam tratamentos eficazes nos dias de hoje.

Reconhecer a presença de outros fatores de risco também ajuda no diagnóstico dessa condição: sexo feminino, separação ou divórcio do cônjuge, baixo nível socioeconômico, suporte social inadequado, eventos de vida recentes estressantes e institucionalização.

Nesta fase da vida, a relação de depressão e demência é complexa porque ocorrem separados ou simultaneamente (até 50% dos pacientes com Alzheimer têm depressão). O diagnóstico diferencial entre quadros iniciais de demência e de depressão é mais difícil quando o padrão vegetativo é similar: perda de interesse, anergia, dificuldade de concentração, agitação ou retardo psicomotor. Sintomas psíquicos (humor depressivo, tristeza, pessimismo, culpa e sentimentos de menos-valia) em vez de sintomas físicos podem ser úteis na diferenciação, já que pertencem preferencialmente à esfera depressiva.

Idosos deprimidos invariavelmente queixam-se de falhas da memória. O termo pseudodemência é usado quando existe uma síndrome demencial relevante que se destaca no quadro clínico e é decorrente de um transtorno depressivo, mas que é reversível com tratamento da depressão.

Os pacientes deprimidos que têm déficits cognitivos como parte da síndrome depressiva têm risco mais elevado de evoluir para demência (por volta de 20% ao ano). Isso indica seguimento para rastrear demência nos pacientes geriátricos deprimidos, mesmo que o déficit cognitivo melhore ou até remita com o tratamento.

Para maior clareza clínica, a depressão pode ser dividida entre início precoce (antes dos 60 anos) e tardio (após 60 anos). Esta geralmente é desencadeada por doenças e existe uma frequência aumentada de prejuízo cognitivo com atrofia cerebral e alterações de substância branca; a história familiar de depressão é menos frequente e insônia inicial, agitação e hipocondria são mais comuns. A Tabela 4 apresenta as principais causas orgânicas de depressão.

O risco de suicídio na fase senil é bem maior do que em qualquer outra faixa etária. As vítimas tendem a ser homens, deprimidos, viúvos, com algum diagnóstico clínico e que se queixam de solidão. Não é necessário ter medo de falar sobre tais assuntos temendo que isso possa levantar a ideia de suicídio; muito pelo contrário, o paciente sente-se compreendido e aliviado.

O risco de mania diminui com o envelhecimento. A apresentação do quadro é atípica (maior irritabilidade, menor chance de euforia) com mania secundária como fenômeno muito mais comum em idosos do que em jovens.

 

Tabela 4 Causas orgânicas de depressão

Medicação

Analgésicos (indometacina, opioides etc.); antibióticos (p.ex., ampicilina); anti-hipertensivos (propranolol, reserpina, alfametildopa, clonidina etc.); antineoplásicos (cicloserina, vincristina, vimblastina etc.); cimetidina; levedopa; inseticidas, mercúrio, chumbo; hipnóticos (hidrato de cloral, fenotiazinas etc.)

Álcool e drogas

 

Doenças neurológicas

Hematoma subdural crônico; demência; doença de Huntington; enxaqueca; esclerose múltipla; hidrocefalia de pressão normal; doença de Parkinson; acidentes vasculares cerebrais; doença de Wilson

Doenças infecciosas

Brucelose; encefalite; HIV; hepatite infecciosa; influenza; mononucleose; endocardite bacteriana subaguda; sífilis; tuberculose; pneumonia viral

Neoplasias

Carcinoma broncogênico; tumores de sistema nervoso central; carcinomatose; linfoma; câncer de pâncreas

Doenças endócrinas e metabólicas

Doença de Addison; anemia; hipertireoidismo; doença de Cushing; diabetes; doença hepática; hipocalemia; hiponatremia; hipoparatireoidismo; hipopituitarismo (doença de Sheehan); hipotireoidismo; pelagra; anemia perniciosa; porfiria; deficiência de vitamina b12, folato ou tiamina; uremia

Condições autoimunes

Arterite de células gigantes; artrite reumatóide; lúpus eritematoso sistêmico

Condições cardiovasculares

Insuficiência cardíaca congestiva; hipóxia; prolapso de valva mitral

Outros

Pielonefrite crônica; pancreatite; úlcera péptica

 

Tratamento

A terapia medicamentosa deve ser otimizada com terapias psicossociais. É importante avaliar a situação social e o sistema de suporte disponíveis, o nível de independência e o status financeiro do paciente.

A escolha do antidepressivo em geral leva em conta as mesmas questões da população jovem. Qualquer que seja o agente escolhido, a dose inicial é a metade da dose usual para adultos e o aumento é gradual. Deve-se dar ênfase maior ao perfil de efeitos colaterais da droga e, quando possível, avaliar o nível sérico para garantir doses adequadas de medicação (p.ex., nortriptilina). Os ISRS são uma classe de antidepressivos com perfil de efeitos colaterais mais favoráveis que tricíclicos. Inibidores da monoaminooxidase (IMAO) não são usualmente recomendados devido à incerteza em relação à adesão à dieta restrita e o problema de hipotensão. O tempo necessário para a obtenção do efeito desejado pode ser mais longo nesta faixa etária (de 6 a 12 semanas) devido às alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas.

Casos graves e com curso rapidamente deteriorante, falta de resposta farmacológica ou paciente com quadros clínicos graves podem ser submetidos à eletroconvulsoterapia (ECT).

 

Tabela 5: Doses recomendadas para início e doses terapêuticas do tratamento com antidepressivos

Droga

Dose de início (mg/dia)

Dose para tratamento (mg/dia)

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina

Fluoxetina

5 a 10

10 a 60

Sertralina

25

50 a 200

Citalopram

10

10 a 60

Paroxetina

10

20 a 60

Excitalopram

10

10 a 30

Antidepressivos tricíclicos

Nortriptilina

5 a 25

50 a 150

Amitriptilina

10 a 25

100 a 300

Imipramina

10 a 25

100 a 300

Clomipramina

10 a 25

100 a 300

Outros

Venlafaxina

25

225

Mirtazapina

15

15 a 45

 

Lítio ainda é a conduta padrão em mania aguda e transtorno bipolar em geral, porém, nos idosos, existem complicações do sistema nervoso central, endócrino e renal, tornando a escolha deste agente menos atrativa. Doses mais baixas devem ser iniciadas (150 a 300 mg/dia), podendo a dose diária situar-se entre 450 e 600 mg/dia. Nos casos em que se necessita de resposta mais rápida, antipsicóticos de alta potência em baixas doses podem ser usados nas fases iniciais, ou benzodiazepínicos como lorazepam ou clonazepam. Uma alternativa são os anticonvulsivantes, como valproato e carbamazepina.

 

Transtornos de Ansiedade

Os transtornos ansiosos são divididos em transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, fobia simples, fobia social, agorafobia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático. Fobia simples talvez seja a única doença de ansiedade que pode começar após os 60 anos; os outros transtornos ansiosos em geral surgem mais cedo na vida do indivíduo.

Tipicamente, a ansiedade acompanha doenças graves e crônicas, como Parkinson, demência, angina, asma, diabetes, hipertireoidismo etc.; às vezes, o tratamento de uma condição piora a outra porque as medicações também podem causar sintomas ansiosos (p.ex., broncodilatadores, corticoides, anticolinérgicos, alguns bloqueadores de canal de cálcio como verapamil e nifedipina etc.).

Lembrar que o quadro de ansiedade pode ser decorrente de intoxicação ou abstinência de álcool e de benzodiazepínico, o que constitui diagnóstico diferencial importante de transtornos ansiosos. Nos casos de demência frontotemporal, irritabilidade, agitação e comportamentos compulsivos podem abrir o quadro.

Sempre que possível, durante o tratamento, deve-se preferir o uso de medidas não-farmacológicas: educação, manipulação ambiental, psicoterapia e técnicas de relaxamento. Na faixa geriátrica, a ansiedade está mais relacionada a perdas externas, processo de luto e medo de permanecer sem recursos confiáveis, do que à presença de conflitos psíquicos de longa data, e a abordagem destes estressores psicossociais pode ser de grande ajuda.

Benzodiazepínicos podem ser efetivos para tratamento de curto prazo e deve-se dar preferência para medicação de meia-vida curta: alprazolam, oxazepam, lorazepam. Antidepressivos podem ser considerados, principalmente nos estados mistos de depressão e ansiedade, em especial os do grupo dos ISRS.

Antipsicóticos não deveriam ser usados de rotina como primeira linha, a não ser em casos de ansiedade secundária a psicose, delirium ou demência. Se forem necessários, a melhor escolha são os de alta potência (p.ex., haloperidol), e em baixa dose (0,5 a 2 mg).

 

Transtornos do Sono

Sono adequado é importante indicador de qualidade de vida e, ao mesmo tempo, alteração do sono é queixa comum em idade mais avançada. A avaliação inclui horário em que surgem, duração e qualidade do sono e a presença de eventos anormais enquanto a pessoa dorme. Insônia é definida por uma sensação subjetiva de sono inadequado.

Mudanças do padrão de sono podem resultar do envelhecimento normal, de higiene do sono precária (www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1488/insonia_e_outros_transtornos_do_sono.htm) ou de um ou mais transtornos do sono. O envelhecimento normal traz alteração do ciclo circadiano. Pessoas idosas gastam naturalmente mais tempo na cama e menos tempo dormindo, são acordadas mais facilmente do que pessoas jovens, tendem a ir dormir mais cedo e também acordar mais cedo e são menos tolerantes a mudanças da rotina de sono, como as que ocorrem em viagens. Por essas razões, fadiga diurna e cochilos durante o dia são comuns. A Tabela 6 mostra alguns fatores que influenciam no sono.

 

Tabela 6: Fatores que perturbam o sono nos idosos

Condições clínico-cirúrgicas

Doenças respiratórias, doenças cardíacas, artrite, síndromes dolorosas, doença prostática, noctúria de causas variadas, doenças endócrinas

Condições neurológicas / psiquiátricas

Síndrome da apneia do sono, síndrome das pernas inquietas, depressão maior, doença de Alzheimer, delirium, perda e enlutamento, transtornos ansiosos

Fatores ambientais e falta de higiene do sono

Ambiente inadequado (luz e barulho em excesso), ansiedade situacional, hospitalização, longos períodos acamado, falta de exercício físico, confinamento em casa de repouso, distúrbio do ciclo circadiano

Medicamentos e outras substâncias

Drogas, cafeína, álcool, nicotina, broncodilatadores, metildopa, antidepressivos que levam a um estado de alerta (p.ex., bupropiona e IMAO), fenitoína, corticoides, diuréticos, betabloqueadores, uso crônico de hipnóticos (prescritos ou não), imunossupressores

 

Uma avaliação diagnóstica completa pode levar também à conclusão de que existe um transtorno do sono, como os seguintes:

 

1.   Apneia do sono: paciente se queixa de sonolência durante o dia que interfere com as atividades de trabalho. É mais frequente em homens, à medida que envelhecem, especialmente se roncam. A apneia do sono grave não tratada pode comprometer a atividade cardíaca e aumenta a mortalidade. O tratamento inclui perda de peso, não usar depressores respiratórios, não dormir de costas e, por vezes, usar estimulantes respiratórios como acetazolamida, CPAP, cirurgia de vias aéreas superiores e aparelho dental. Existe pouca evidência de que pacientes sem queixa tenham algum ganho com tratamento.

2.   Síndrome das pernas inquietas: aumentam com a idade e estão relacionadas com causas metabólicas (anemia), vasculares ou neurológicas. Clonazepam e temazepam diminuem despertares noturnos, mas podem causar sonolência diurna.

3.   Devido a doenças clínicas: pacientes com dores, ortopneia, noctúria, dispneia etc. não conseguem dormir adequadamente. Priorizar o tratamento da causa de base é a medida mais eficaz.

4.   Devido a transtornos psiquiátricos: depressão e ansiedade são causas comuns de insônia e queixas subjetivas de sono perturbado predizem ocorrência futura de depressão em pacientes não deprimidos. Demenciados e pacientes em delirium têm sono modificado pela doença, com alteração do ciclo sono-vigília.

5.   Causados por medicação: pedir para trazer todas as medicações que o paciente usa em casa e pesquisar uso de álcool, muito frequentemente usado como hipnótico.

6.   Insônia psicofisiológica: também chamada de insônia comportamental, afeta idosos mais frágeis que vivem sozinhos, com sentimentos de vulnerabilidade exacerbados à noite. Às vezes, a mudança para uma casa em que tenha companhia é, por si só, uma medida suficiente.

 

Em casos de internação, hipnóticos não devem ser prescritos de rotina, a não ser que o paciente apresente alterações do sono. Mesmo assim, avisar o paciente de que insônia é esperada em hospitalização pode diminuir a necessidade de um indutor de sono.

 

Tratamento

Quando houver o diagnóstico etiológico da insônia e for indicado o uso de hipnótico ou sedativo, o uso deve ser feito por curtos períodos. O uso por longo prazo leva a perda de eficácia, tolerância, dependência, insônia rebote e pesadelos quando a droga é descontinuada. Pode piorar apneia do sono, prejudicar cognição e causar lentificação psicomotora e quedas.

As recomendações para uso de benzodiazepínico em população geriátrica são derivadas quase exclusivamente de estudos em jovens, de modo que a segurança e a eficácia dessas medicações não foram estabelecidas para essa população. A idade pode alterar a farmacocinética dos benzodiazepínicos metabolizados por oxidação (fase I do metabolismo, p.ex., diazepam), tendendo o clearance diminuído. Essa mudança pode causar acumulação da droga e toxicidade durante administração crônica. Os que são transformados por conjugação (fase II, p.ex., lorazepam) têm meia-vida mais curta e acumulam menos após múltiplas doses, em parte porque o processo de conjugação é menos afetado pela idade. Nos pacientes idosos que fumam ou têm hepatopatia, esse fato se torna mais importante.

O envelhecimento também parece aumentar a sensibilidade farmacodinâmica a essa classe medicamentosa. Além disso, transtornos físicos ou emocionais (AVC, Parkinson, demência etc.) e uso de outras drogas psicoativas (antidepressivos, estimulantes, álcool etc.) podem exacerbar sua toxicidade.

O uso de benzodiazepínicos foi associado com efeitos indesejados sérios, dos quais os mais comuns são sedação excessiva, prejuízo psicomotor e comprometimento cognitivo e cerebelar. Isso se aplica inclusive aos de meia-vida curta. Os de meia-vida longa podem aumentar sedação diurna, letargia, prejuízo cognitivo e delirium, assim como quedas e fraturas de quadril. Pacientes idosos são mais sensíveis também aos indutores de sono não-benzodiazepínicos, muitas vezes ocorrendo quadros confusionais, agitação paradoxal e quedas. Tais sintomas podem ser confundidos com uma síndrome demencial. Pacientes demenciados têm risco de piora de sintomas cognitivos.

 

Tabela 7: Meia-vida (horas) e dose média diária de alguns benzodiazepínicos (mg/dia)

Droga

Meia-vida (horas)

Dose média diária (mg/dia)

Meia-vida curta

Alprazolam

12 a 15

0,25 a 3

Lorazepam

10 a 20

0,5 a 3

Oxazepam

5 a 15

10 a 45

Meia-vida longa ou intermediária

Clordiazepóxido

7 a 28

5 a 50

Clonazepam

18 a 56

0,5 a 4

Diazepam

20 a 60

2 a 15

Indutores não-benzodiazepínicos

Zolpidém

2,4 a 3

5 a 10

 

Uso de baixas doses de antidepressivos sedativos, como amitriptilina, é uma medida popular para insônia crônica e, mesmo sem testes formais sobre efetividade, pode ser útil quando há transtornos psiquiátricos, como ansiedade ou depressão. Usar uma medicação pelo seu efeito colateral não é uma medida aceitável em idosos (p.ex., usar prometazina por seus efeitos sedativos).

 

Etilismo e Uso de Drogas

É muito mais comum em idosos o abuso de drogas legais do que de drogas ilícitas, especialmente abuso de medicação sedativa, hipnóticos e analgésicos. A existência de transtornos ansiosos ou depressivos em períodos mais jovens da vida contribui para o uso de ansiolíticos que podem ser mantidos por décadas, tornando difícil a descontinuação do remédio.

A síndrome de abstinência de benzodiazepínicos no paciente geriátrico é comumente confundida com a persistência ou a recorrência dos estados ansiosos que justificaram sua prescrição. Dois ou mais dos seguintes sintomas ocorrem em síndrome de abstinência: hiperatividade autonômica, sudorese, taquicardia, diaforese, tremor de extremidades, ansiedade, alucinações ou ilusões visuais, táteis e auditivas transitórias, agitação psicomotora, náusea ou vômitos, insônia e convulsões tônico-clônicas generalizadas.

Nos idosos que procuram generalistas, 50 a 70% dos pacientes que têm etilismo não têm o diagnóstico elucidado. Os sintomas de dependência alcóolica nesta faixa etária são menos frequentes e menos graves, mas a síndrome de abstinência tem maior tempo de duração e maior gravidade. Problemas físicos em pacientes etilistas são comuns, com sintomas inespecíficos: quedas repetitivas, desnutrição, diarreia, fraqueza, esquecimento, labilidade afetiva e insônia. A investigação de etilismo nessas situações pode ajudar a identificar o problema e permitir algum tipo de abordagem.

Podem-se diferenciar 2 grupos de alcoolistas, de acordo com a idade de início do uso pesado. Primeiramente os de início precoce (antes dos 45 anos) que representam 2/3 dos casos, têm maior frequência de problemas psiquiátricos, legais, sociais e familiares e prognóstico pior. Em geral, já têm lesões decorrentes do álcool, como problemas hepáticos, nutricionais e cerebrais. Já os de início tardio, correspondendo a 1/3 dos casos, têm quadro clínico mais leve, personalidade prévia bem adaptada e encontram no beber excessivo um modo de resposta a dificuldades recentes. Tal divisão é útil para o manejo do caso, mas devemos lembrar que as características básicas são as mesmas, como isolamento social importante e comorbidade frequente com depressão.

A adesão ao tratamento do alcoolismo é maior entre os idosos do que na população jovem e eles têm melhor resposta ao tratamento, porém o ritmo do tratamento em geral é mais lento, com mais soluções negociadas.

 

Demência

Acessar http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1341/demencias.htm.

 

Transtornos Psicóticos

Sintomas psicóticos de início tardio geralmente estão associados com déficits cognitivos, sintomas afetivos e doenças clínicas. É comum que delírios e alucinações nesta idade sejam devidos aos transtornos do humor e demenciais, porém, em um pequeno número de casos, estes sintomas indicam um transtorno psicótico, como esquizofrenia.

Esquizofrenia de início tardio, ou seja, após os 45 anos de idade, é mais rara que a de início precoce e acomete mulheres em maior número de casos, o oposto do que ocorre em jovens. O quadro clínico é muito similar em ambas as situações e o prognóstico é melhor nos casos de início tardio.

Diagnóstico diferencial é feito com esquizofrenia de início precoce, transtornos do humor com sintomas psicóticos, transtorno delirante persistente, psicose induzida por substância, psicose devida à condição médica geral e déficits cognitivos levando à psicose.

 

Tratamento

A estratégia geral do tratamento é igual à da população jovem, pois a doença tem a mesma manifestação, porém algumas táticas são peculiares. Lembrar que idosos têm neurônios colinérgicos em número reduzido ou a presença de demência de Alzheimer, aumentando a sensibilidade aos efeitos anticolinérgicos de muitos antidepressivos ou antipsicóticos. Aumento mais lento possível dos antipsicóticos e doses máximas de 1/2 a 1/3 da dose recomendada para adultos jovens são a norma.

A utilização de antipsicóticos de segunda geração, como risperidona e olanzapina, reduz a chance de efeitos adversos extrapiramidais, mas estudos recentes apontam para uma mortalidade aumentada devido a doenças cerebrovasculares em idosos em uso crônico destas medicações. A monitoração das alterações metabólicas que eles causam é importante, pois essas medicações podem induzir aumento de lipídios, de glicemia e do peso corpóreo.

Se forem utilizados os de primeira geração, que sejam os incisivos, pois apresentam menor potencial anticolinérgico (p.ex., haloperidol). O uso de biperideno para combater os efeitos extrapiramidais é proscrito por gerar distúrbios cognitivos.

 

Tabela 8: Doses recomendadas para início de tratamento e dose máxima recomendada

Droga

Dose de início (mg/dia)

Dose máxima (mg/dia)

Típicos

Haloperidol

0,5

0,5 a 2

Tioridazina

10

10 a 100

Tiotixeno

1

1 a 10

Atípicos

Risperidona

0,25

0,5 a 4

Olanzapina

2,5

5 a 10

Quetiapina

12,5

75 a 125

Clozapina

6,25

50 a 100

 

Abuso de Idosos

A população geriátrica é vitimizada porque, em geral, são pessoas mais frágeis, mais fáceis de serem manipuladas ou controladas e têm medo de retaliações. É comum que a vítima dependa do abusador e por isso tente protegê-lo, não cooperando com a equipe de saúde que está investigando essa possibilidade. A incidência real não é conhecida, mas, aparentemente, a forma mais comum de abuso é a negligência, e os idosos em maior risco são os mais velhos (acima de 80 anos) e as mulheres.

Assim como o idoso que está sendo vitimizado precisa de ajuda, o cuidador que está provocando maus tratos pode estar carente de auxílio. Pode ocorrer que o próprio cuidador tenha doenças mentais ou que não tenha suporte social adequado para lidar com aquela situação. Para trabalhar com estes casos, uma equipe multidisciplinar é necessária, com participação de assistente social e advogado, quando possível. O entendimento da situação por vários ângulos pode criar uma aliança com o paciente e diminuir sua recusa em modificar a situação.

 

ALGUNS CUIDADOS ESPECIAIS COM O PACIENTE IDOSO

1.   Perda auditiva e visual: prejudicam o relacionamento interpessoal, aumentam o sentimento de vulnerabilidade e, em alguns indivíduos, causam alucinação. Tratamento de doenças oculares, uso de lentes corretivas apropriadas, aparelhos de surdez quando necessário e cuidados ambientais podem aumentar a eficácia de intervenções psiquiátricas.

2.   Quedas: fatores de risco para queda incluem resposta lentificada a circunstâncias inesperadas, condições que provocam desequilíbrio, fraqueza muscular, ambiente desfavorável, estilo de vida sedentário, permanecer acamado e dor ou deformidades dos pés. Pouca luz, superfícies escorregadias, obstáculos e sapatos inadequados são alguns problemas ambientais que podem ser resolvidos com relativa simplicidade e trazem grande benefício. O uso de sedativos é a maior causa de quedas em idosos e a associação de fatores de risco aumenta em progressão geométrica o risco de quedas.

3.   Incontinência urinária: pode diminuir saídas de casa e oportunidades para atividades sociais e geralmente não são comunicadas pelo paciente. Lembrar de que existem causas tratáveis e é possível melhorar a socialização do idoso com o simples tratamento do sintoma.

4.   Falta de uso de técnicas psicoterápicas em idosos: enquanto o uso de medicamentos no tratamento de doenças mentais é bem estabelecido e aceito, o uso de psicoterapia fica relegado a segundo plano. Independentemente do diagnóstico, psicoterapia traz maior conforto ao doente e aumenta a eficácia de outras modalidades terapêuticas, ajudando o idoso a se recuperar com maior facilidade.

 

BIBLIOGRAFIA

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10. Associação Brasileira de Psiquiatria. www.abpbrasil.org.br.

11. National Institute on Aging. www.nih.gov/nia/.

12. American Psychiatric Association. www.psych.org.

13. World Psychiatric Association. www.wpanet.org/home.html.

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