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Distúrbios do Cálcio e Fósforo

Autor:

Carla Wood Schmitz

Médica Nefrologista, formada pelo Departamento de Nefrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Última revisão: 19/10/2009

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INTRODUÇÃO

Os íons cálcio e fósforo são abundantes no esqueleto humano, tendo um metabolismo em comum e associado a fatores como a vitamina D e o paratormônio. Por meio destes fatores se processa a homeostase destes íons, havendo participação de órgãos como o rim, o intestino e o próprio esqueleto.

O cálcio corresponde a cerca de 2% do peso corpóreo, portanto cerca de 1.500 g no indivíduo adulto. Encontra-se tanto sob a forma livre como ligada. A maior parte do cálcio encontra-se ligada e associada a estruturas ósseas (99%). O cálcio livre, tanto na forma ionizada, como na forma não ionizada, é encontrado no fluido intra e extracelular. A concentração intracelular é muito baixa, sendo 4 ordens de magnitude inferior a extracelular. Há, no entanto, quantidade muito maior de cálcio em compartimentos intracelulares, armazenado e envolvido na manutenção das necessidades específicas da célula. A manutenção da homeostase do cálcio depende da adaptação da absorção intestinal às necessidades do organismo, que é fruto do balanço entre formação e reabsorção óssea e excreção urinária de cálcio. Os níveis séricos de cálcio são regulados de maneira rigorosa, uma vez que pequenas alterações em sua concentração têm séria influência em processos biológicos, como a condução cardíaca do estímulo elétrico. Esses níveis são controlados por uma resposta integrada de hormônios reguladores: o paratormônio, a vitamina D e a calcitonina.

No organismo humano adulto, há em torno de 600 g de fósforo (1% do peso corpóreo), sendo 85% encontrado no esqueleto e 15% no fluido extracelular, sob a forma de fosfato inorgânico, e nos tecidos moles, sob a forma de ésteres de fosfato. Embora o fósforo participe de reações bioquímicas envolvidas na geração e na transferência de energia, sua concentração intracelular é baixa, localizando-se principalmente nas mitocôndrias. Em condições normais, a concentração sérica de fósforo varia entre 3 e 4,5 mg/dL, dependendo sobretudo da ingestão, do aporte de carboidratos da dieta (influência negativa) e do pH. A manutenção da homeostase deste íon depende da adaptação da reabsorção tubular de fósforo às necessidades do organismo. A deficiência crônica de ingestão de fósforo leva primeiramente à hipofosfatemia e, posteriormente, à depleção intracelular do íon. Por comparação, a hiperfosfatemia ocorre na insuficiência renal crônica avançada, mesmo quando a dieta contém níveis normalmente aceitáveis de fósforo. O transporte de fósforo é regulado por transportadores sensíveis à ingestão de fósforo, como o paratormônio, a vitamina D e o pH.

Abordaremos inicialmente as alterações na concentração dos íons cálcio e, em seguida, as alterações da concentração dos íons fósforo.

 

DISTÚRBIOS DA CONCENTRAÇÃO DO CÁLCIO

Hipercalcemia

É um problema clínico relativamente comum. Esta condição ocorre quando a entrada de cálcio na circulação excede sua excreção urinária e deposição óssea. A principal causa de hipercalcemia nos dias atuais é o excesso de reabsorção óssea induzido por processos neoplásicos. Os tumores de mama, pulmão e rim são os mais comumente envolvidos, seguidos por tumores de linhagem hematopoiética, particularmente o mieloma múltiplo, sendo os linfomas e as leucemias causas raras de hipercalcemia. Em geral, quando ocorre hipercalcemia de origem tumoral, a doença já é avançada e diagnosticada ou facilmente detectável. A hipercalcemia da malignidade pode ocorrer por 4 mecanismos distintos:

 

      hipercalcemia osteolítica local (por aumento da atividade osteoclástica nos locais dos implantes de células malignas, em torno de 20% dos casos);

      hipercalcemia humoral da malignidade (por produção de um peptídeo PTH-símile, em torno de 80% dos casos);

      por secreção de vitamina D (linfomas, < 1% dos casos);

      por secreção ectópica de PTH (8 casos descritos na literatura até o momento).

 

A segunda principal causa de hipercalcemia é o hiperparatireoidismo primário, doença cujo diagnóstico tem sido muito mais frequente pelo uso rotineiro da dosagem sérica de cálcio. Em cerca de 80% dos casos, o distúrbio é causado por um adenoma de uma única glândula paratireoide; em 10 a 15% dos casos, ocorre por hiperplasia difusa de 4 ou mais glândulas; e em menos de 5% das vezes, é secundário à presença de tumores malignos de paratireoide. O hiperparatireoidismo primário pode ocorrer ainda como parte da síndrome de neoplasia endócrina múltipla (MEN 1 e MEN 2a). O hiperparatireoidismo ocasiona, de maneira geral, hipercalcemia de menor intensidade que os processos neoplásicos e estas duas causas juntas são responsáveis por cerca de 90% dos casos de hipercalcemia.

Causas menos frequentes incluem a hipercalcemia hipocalciúrica familiar, o uso de medicações (como tiazídicos, lítio e vitamina A), granulomatoses (os macrófagos dos granulomas hidroxilam a vitamina D, tornando-a ativa) e outras endocrinopatias não paratireoideas. A hipercalcemia pode ainda resultar de imobilização prolongada, recuperação de insuficiência renal aguda secundária a rabdomiólise, intoxicação por vitamina D e ingestão exagerada de cálcio principalmente sob a forma de antiácidos (“milk-alcali syndrome”) (Tabela 1).

 

Tabela 1: Causas de hipercalcemia

Hiperparatireoidismo primário

Adenoma, hiperplasia difusa, câncer, neoplasia endócrina múltipla

Outras endocrinopatias

Hipertireoidismo, acromegalia, feocromocitoma, insuficiência adrenal aguda, hiperparatireoidismo terciário

Doenças granulomatosas

Sarcoidose, tuberculose, beriliose, coccidioidomicose, histoplasmose, lepra, granulomas induzidos por sílica

Intoxicação vitamínica

Hipervitaminose A, hipervitaminose D

Neoplasias do sistema hematopoiético

Mieloma múltiplo, linfoma, leucemia

Tumores sólidos

Câncer de mama, brônquico, rim, tireoide

Outras

Imobilização, medicações, síndrome milk-alkali, fase de recuperação da insuficiência renal aguda, hipercalcemia falsa (hemoconcentração), hipercalcemia hipocalciúria familiar, pseudo-hiperparatireoidismo

 

Quadro Clínico

De forma análoga ao que acontece em outros distúrbios eletrolíticos, a gravidade dos sintomas clínicos da hipercalcemia depende não só do seu grau, mas também da velocidade de sua instalação e do estado clínico prévio do paciente. Sintomas iniciais incluem fadiga, fraqueza muscular e outros sintomas gerais. Subsequentemente, podem ocorrer manifestações em sistemas variados:

 

      gastrintestinal: constipação, náuseas e vômitos; pancreatite, embora descrita, é rara;

      renal: poliúria e polidipsia (a hipercalcemia interfere com a ação do ADH, ocasionando diabetes insípido nefrogênico), desidratação, litíase, nefrite intersticial e nefrocalcinose (especialmente se o fósforo também estiver elevado). Caso a hipercalcemia persista, alterações inicialmente reversíveis da função renal podem ocasionar danos permanentes nesta;

      neuropsiquiátricos: cefaleia, perda de memória, hiper-reflexia, sonolência torpor e coma;

      oculares: conjuntivite por deposição no cristalino e, mais raramente, ceratopatia;

      cardíaco: o eletrocardiograma pode mostrar redução do intervalo QT e depressão do segmento ST. As arritmias são raras, embora a bradicardia e o bloqueio atrioventricular de primeiro grau tenham sido relatados;

      outros: hipertensão arterial, calcificação de tecidos moles e dores ósseas.

 

Achados Laboratoriais e Outros Exames Complementares

A causa do distúrbio deve ser sempre pesquisada, incluindo a dosagem de cálcio total e ionizado (este último em especial, já que o cálcio total pode sofrer alterações devido à concentração de proteínas plasmáticas). Existem fórmulas para a correção do cálcio total em relação à albumina sérica, como o acréscimo de 0,8 a 1 mg/dL de cálcio para cada grama de albumina abaixo de 3,5 g/dL. Entretanto, estas fórmulas não demonstram precisão adequada. A quantificação da excreção urinária de creatinina, fósforo e cálcio é bastante útil para que se tenha mais precisão em relação ao ritmo de filtração glomerular e da fração de excreção urinária dos íons. A dosagem do PTH intacto (exclui a maioria dos fragmentos biologicamente inativos) permite estabelecer o diagnóstico de hiperparatireoidismo. Se o PTH é baixo ou no limite inferior da normalidade, a possibilidade de neoplasia deve ser seriamente considerada. O achado de um ânion gap sérico baixo corrobora a hipótese de mieloma múltiplo (a IgG monoclonal é carregada positivamente). A dosagem do peptídeo PTH-símile pode ser feita em laboratórios de referência, assim como a dosagem de vitamina D (aumentada em casos de intoxicação por vitamina D e nas doenças granulomatosas) e de atividade da enzima conversora de angiotensina (elevada nas doenças granulomatosas).

No caso de hiperparatireoidismo confirmado, a ultrassonografia de pescoço e cintilografia com tecnécio são úteis na localização e detecção de adenomas de paratireoide. A ultrassonografia de rins e vias urinárias avalia a presença de urolitíase e/ou nefrocalcinose e pode caracterizar o parênquima e o tamanho dos rins, dado especialmente importante nos casos em que há insuficiência renal.

 

Tratamento

O tratamento deve ser direcionado à causa de base. No entanto, a hipercalcemia grave e sintomática requer tratamento rápido e efetivo. Inicialmente, os pacientes devem ser hidratados com solução salina isotônica e visando reverter os frequentes quadros de desidratação associados, especialmente nos pacientes com câncer. Na sequência, podem ser utilizados diuréticos de alça, como a furosemida, para aumentar a excreção urinária de cálcio. A administração de fluidos e eletrólitos, assim como a ingestão oral, devem ser monitoradas cautelosamente, além do débito urinário. O equilíbrio ácido-básico deve ser acompanhado, sendo a insuficiência renal e cardíaca motivos para cautela rigorosa na expansão volêmica em associação ao uso de diuréticos.

As drogas bisfosfonadas são as mais estudadas e seguras para o tratamento da hipercalcemia, atuando na inibição da reabsorção óssea resultante da atividade osteoclástica. São de absorção oral muito ruim, devendo ser utilizadas por via intravenosa. O efeito de queda na calcemia não é imediato, havendo uma latência de cerca de 2 a 4 dias. O nadir do efeito hipocalcemiante destas drogas ocorre em 4 a 7 dias após a instituição da terapia. No Brasil, os agentes mais utilizados são o alendronato, o pamidronato e, mais recentemente, o zoledronato, que tem a vantagem de administração mais simples e rápida, embora com custo elevado. Outros agentes são utilizados menos frequentemente nos dias atuais em situações nas quais os bisfosfonados são inefetivos ou contraindicados. Os glicocorticoides podem ter um papel no tratamento de alguns casos, como nos pacientes com linfoma resultando em níveis elevados de vitamina D. A calcitonina pode promover uma queda mais rápida dos níveis de cálcio, porém seu efeito é questionável, uma vez que as reduções são modestas e pouco duradouras. A mitramicina é uma droga eficaz, mas seu uso é limitado pelos potenciais efeitos colaterais.

Em relação ao tratamento da hipercalcemia resultante do hiperparatireoidismo, uma nova classe de drogas, os calcimiméticos (cinacalcet), está aprovada e em uso nos EUA, após estudos clínicos adequados de eficácia. Em pacientes urêmicos com hiperparatireoidismo secundário, houve uma redução de pelo menos 30% no PTH e consequente redução do produto cálcio X fósforo.

 

Hipocalcemia

Geralmente, a hipocalcemia ocorre de forma associada a alterações da concentração do fósforo. Dessa maneira, pode ser dividida em hipocalcemia associada à elevação ou à redução do fósforo sérico. A hipocalcemia com hiperfosfatemia é causada por estados de hipoparatireoidismo, idiopáticos ou secundários (pós-operatório, pós-radioterapia etc.). O pseudo-hipoparatireoidismo é caracterizado por um fenótipo típico com pescoço curto, face arredondada e metacarpos curtos, com resistência dos órgãos-alvo à ação do PTH. Pode ocorrer também na insuficiência renal crônica, insuficiência renal aguda em sua fase oligoanúrica (rabdomiólise, por exemplo) ou na administração maciça de fosfato.

A hipocalcemia com hipofosfatemia pode ocorrer nos estados em que há carência de vitamina D (pouca exposição ao sol, baixa ingestão, redução da absorção após cirurgia, síndromes mal-absortivas e doenças hepatobiliares, como a cirrose biliar primária). A hipocalcemia pode estar ainda associada a distúrbios do magnésio, já que este pode inibir a secreção do PTH (Tabela 2).

 

Tabela 2: Causas de hipocalcemia

Hipocalcemia com hiperfosfatemia

Hipoparatireoidismo, pseudo-hipoparatireoidismo (tipo I e II), doença renal crônica, insuficiência renal aguda oligúrica

Hipocalcemia com fósforo normal ou baixo

Deficiência de vitamina D, diminuição de geração de 25-hidroxivitamina D, diminuição de formação de calcitriol, resistência ao calcitriol, pancreatite aguda, deficiência de magnésio, síndrome da fome óssea

Associada a hipoalbuminemia/adesão do cálcio a proteínas plasmáticas

Hemodiluição, síndrome nefrótica, enteropatia exsudativa

 

Quadro Clínico

Os sintomas são igualmente dependentes da velocidade de instalação. As manifestações mais comuns são a fadiga e a fraqueza muscular, irritabilidade, perda de memória, confusão mental, alucinação, paranoia e depressão (Tabela 3). O exame físico pode ser um pouco mais rico do que nos casos de hipercalcemia, com a presença dos sinais clássicos de Chvostek (tremor do lábio superior após percussão do nervo facial abaixo do arco zigomático) e Trousseau (espasmo do carpo após insuflação de um cuff no braço acima da pressão sistólica por 2 a 3 minutos). Na hipocalcemia aguda, podem ocorrer tremores generalizados, abalos musculares, tetania, estridor laríngeo ou convulsões. A hipocalcemia crônica está associada a cataratas, unhas com estriações transversais, pele ressecada, redução ou ausência de pelos axilares (especialmente no hipoparatireoidismo).

 

Achados Laboratoriais e Outros Exames Complementares

A investigação laboratorial também inclui dosagem de cálcio total e iônico, albumina sérica, fósforo e PTH, além da dosagem de magnésio. O cálculo das frações de excreção de cálcio, fósforo e creatinina também é útil, assim como a dosagem de vitamina D.

Radiologicamente, podem-se notar calcificações intracranianas, especialmente nos gânglios da base, em 20% dos pacientes com diagnóstico de hipoparatireoidismo idiopático. Ao ECG, o intervalo QT corrigido está frequentemente prolongado ocorrendo, às vezes, períodos de arritmias.

 

Tratamento

O tratamento deve ser direcionado à causa de base do distúrbio. No entanto, a hipocalcemia grave e sintomática requer tratamento rápido e apropriado. A presença de alcalose respiratória deve ser pesquisada e revertida. Para tal, se o distúrbio é funcional, o simples fato de respirar dentro de um saco de papel pode ser suficiente. Para um efeito mais prolongado, a infusão de sais de cálcio em geral é necessária. Nos casos em que ocorre tetania ou convulsões, deve ser administrado gluconato de cálcio endovenoso em bolus (10 mL de uma solução a 10%, que contém 90 mg de íons cálcio ou 4,4 mmol), seguido de uma infusão contínua de 12 a 24 g durante 24 horas em salina isotônica ou soro glicosado a 5%. O gluconato de cálcio é preferível em relação ao cloreto de cálcio pela sua maior tolerabilidade. A infusão de cloreto de cálcio pode ocasionar necrose extensa da pele se ocorrer extravasamento acidental (calcifilaxia).

O tratamento da hipocalcemia crônica inclui a administração oral de sais de cálcio, diuréticos tiazídicos ou vitamina D. Há várias formas disponíveis de cálcio oral. No Brasil, os compostos mais utilizados são o carbonato e o acetato de cálcio. É válido lembrar que a quantidade de cálcio elementar varia entre os sais, sendo, por exemplo, de 40% no carbonato. A quantidade diária prescrita deve ser em torno de 2 a 4 g de cálcio elementar.

O tratamento com vitamina D, seu metabólito de maior atividade ou seu análogo, 0,25 a 1 mcg/dia, é o tratamento de escolha na presença de hipoparatireoidismo idiopático ou adquirido, uma vez que estes compostos podem ser ingeridos mais facilmente que enormes quantidades de sais de cálcio. A administração de vitamina D e seus derivados geralmente leva à hipercalciúria e, raramente, à nefrocalcinose, requerendo um acompanhamento contínuo para evitar a indução de hipercalcemia e de doença renal. Já o tratamento da hipocalcemia associada ao hipoparatireoidismo é mais complexo, uma vez que requer a administração simultânea de cálcio e vitamina D. Nesta situação, a excreção urinária de cálcio aumenta substancialmente com a suplementação do elemento, podendo ocasionar nefrocalcinose e piora da função renal. Para reduzir a perda de cálcio, o tratamento frequentemente inclui a adição de diurético tiazídico em associação à restrição dietética de cloreto de sódio.

 

Tabela 3: Sinais e sintomas dos distúrbios do cálcio

Hipercalcemia

Fraqueza muscular, fadiga, constipação, náuseas, vômitos, poliúria, litíase, nefrocalcinose, rebaixamento do nível de consciência, encurtamento do intervalo QT

Hipocalcemia

Fraqueza muscular, fadiga, irritabilidade, confusão mental, sinais de Chvostek e Trousseau, parestesias, tetania, estridor

 

DISTÚRBIOS DA CONCENTRAÇÃO DO FÓSFORO

Hiperfosfatemia

O aumento dos níveis séricos de fósforo pode ser observado em várias situações clínicas. A causa mais comum é a redução da excreção urinária na insuficiência renal crônica. As causas de hiperfosfatemia podem ser divididas em três grupos: redução da excreção de fosfato (doença renal crônica, hipoparatireoidismo e pseudo-hipoparatireoidismo, acromegalia, calcinose tumoral e uso de bifosfonados), aumento da ingestão de fósforo (causa rara de hiperfosfatemia na ausência de insuficiência renal) e redistribuição do fósforo intracelular (acidose respiratória, em especial a que ocorre cronicamente, lise tumoral) (Tabela 4).

 

Tabela 4: Causas de hiperfosfatemia

Aumento do reservatório endógeno

Hemólise, rabdomiólise, hipertermia maligna, leucemia, linfoma, alcalose respiratória crônica, acidose lática.

Aumento do suporte exógeno

Ingestão excessiva de sais de fósforo, tratamento com vitamina D e/ou seus derivados

Diminuição da excreção renal de fósforo

Pseudo-hiperparatireoidismo tipo I e II, diminuição da excreção de PTH, uso de bifosfonados, insuficiência renal aguda e crônica, acromegalia, calcinose pseudotumoral.

Outras

Hiperostose cortical, hiperfosfatemia intermitente

 

Quadro Clínico

A hiperfosfatemia grave pode induzir hipocalcemia, causando a presença de tetania e calcificações ectópicas (articulações e tecidos moles, assim como pulmão, rim e conjuntiva). Podem ocorrer calcificações pseudotumorais em diversos sítios, sendo, neste caso, mais associada a níveis de cálcio plasmáticos normais ou elevados. A hiperfosfatemia ocasionada pela doença renal crônica pode ocasionar intenso prurido cutâneo por impregnação do íon na pele.

 

Achados Laboratoriais e Demais Exames Complementares

A investigação laboratorial básica inclui a dosagem de fósforo, cálcio total e iônico, albumina, magnésio e PTH. Radiografias simples de articulações e de corpo inteiro podem evidenciar calcificações de tecidos moles e articulações, além de depósitos pseudotumorais.

 

Tratamento

O tratamento do fator causal deve ser buscado sempre que possível. Em adição, podem ser utilizados agentes quelantes de fósforo orais como sais de alumínio (até 3 g/dia), sais de cálcio (até 6 g/dia) e sais de magnésio (2 a 3 g/dia). Estes tratamentos devem ser utilizados com cautela em pacientes urêmicos, especialmente os quelantes à base de alumínio, em razão da possibilidade de acúmulo e potencialização do risco de toxicidade. O sevelamer, uma resina quelante nova de fósforo sem alumínio ou cálcio na sua composição, tem sido utilizado recentemente em pacientes em diálise, no intuito de evitar os inconvenientes da administração de cálcio e alumínio. Outra estratégia é a redução do aporte dietético de proteína, que resulta em menor absorção de fósforo pelo trato gastrintestinal.

 

Hipofosfatemia

Embora existam mecanismos de defesa para a proteção contra a ingestão insuficiente de fósforo, a hipofosfatemia pode ocorrer por aumento da excreção renal (hiperparatireoidismo, insuficiência renal aguda e recuperação de necrose tubular aguda, após transplante renal e na síndrome de Fanconi, onde há um defeito complexo de transporte no túbulo proximal, resultando em redução da absorção de glicose, aminoácidos e bicarbonato e fosfato), redução da absorção intestinal (desnutrição, desabsorção e estados de deficiência de vitamina D), redistribuição (alcalose respiratória, síndrome da realimentação) e ainda em situações de mecanismos mistos, como alcoolismo, diabetes melito, uso de medicações, sepse, leucemias e linfomas, além de algumas doenças hepáticas. Há ainda outras causas herdadas e bastante raras, como a hiperfosfatemia ligada ao X, o raquitismo hipofosfatêmico autossômico dominante e outros (Tabela 5).

 

Tabela 5: Causas de hipofosfatemia

Aumento das perdas urinárias de fósforo

Hiperparatireoidismo, deficiência de vitamina D, uso de diuréticos, administração de bicarbonato, tratamento com corticoides, doenças tubulares renais e transplante renal.

Redução do aporte

Deficiência de vitamina D, síndromes disabsortivas (ressecção ou doenças intestinais) e jejum prolongado (alcoolismo).

Redistribuição

Hiperventilação, hipermetabolismo e “fome óssea”.

Defeitos primários (hereditários)

Acidoses tubulares distais, síndrome de Fanconi, anomalias do metabolismo ou ação da vitamina D.

 

Quadro Clínico

As manifestações clínicas são proporcionais ao grau de hipofosfatemia e muito raras. Sinais e sintomas diagnósticos de hipofosfatemia crônica incluem encefalopatia metabólica, disfunção hemática (depleção de ATP e 2,3 BPG) podendo induzir hemólise, anomalias da função leucocitária e trombocitopenia (Tabela 6). Alterações de contratilidade muscular (e raramente rabdomiólise) e diminuição da contratilidade miocárdica (com cardiomiopatia) podem ocorrer.

 

Achados Laboratoriais e Demais Exames Complementares

A investigação laboratorial básica é a mesma que no caso de hiperfofatemia, consistindo em dosagem de fósforo, cálcio total e iônico, albumina, magnésio e PTH e radiografias simples de articulações e de corpo inteiro. No caso da hipofosfatemia com anemia, devem ser realizadas provas de hemólise (DHL, haptoglobina e bilirrubinas) e contagem de plaquetas.

 

Tratamento

Quando o fósforo plasmático encontra-se entre 1 e 2,5 mg/dL, a condição é denominada hipofosfatemia moderada. Abaixo de 1 mg/dL, é considerada hipofosfatemia grave.

Em geral, a hipofosfatemia não é uma emergência, devendo-se definir os mecanismos causadores para uma melhor abordagem. A cetoacidose diabética e a alcalose respiratória aguda são exemplos típicos. Quando diagnosticada, a hipofosfatemia deve ser tratada, sempre que possível, por meio da reposição oral de sais de fósforo. Nos casos em que ocorre deficiência grave e/ou sintomática, a infusão de fósforo pode ser realizada em doses divididas durante as 24 horas. Em pacientes com nutrição parenteral, devem ser administrados 10 a 25 mmol de fósforo para cada 1.000 kcal. A indução de hiperfosfatemia deve ser evitada pelo risco da indução de calcificação em tecidos moles. A administração de dipiridamol demonstrou reduzir a excreção urinária de fósforo em pacientes com um baixo limiar renal para o íon.

 

Tabela 6: Sinais e sintomas dos distúrbios do fósforo

Hiperfosfatemia

Tetania, calcificações ectópicas

Hipofosfatemia

Raros sinais ou sintomas, encefalopatia metabólica, disfunção eritrocitária, trombocitopenia e cardiomiopatia.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      O fósforo e o cálcio são os mais abundantes componentes do esqueleto. Os metabolismos destes íons são interligados e regulados por outros fatores, como o paratormônio e a vitamina D.

      A calcemia é regulada de maneira rigorosa, uma vez que pequenas alterações em sua concentração têm séria influência em processos biológicos, como a condução cardíaca do estímulo elétrico. Em condições normais, a concentração de fósforo vai de 3 a 4,5 mg/dL, sendo, no entanto, de muita variabilidade, a depender da ingestão, do aporte de carboidratos na dieta e do pH.

      As manifestações clínicas das alterações na concentração do cálcio dependem não só do grau da hiper/hipocalcemia, mas também da velocidade de sua instalação. As principais causas de hipercalcemia nos dias atuais são a presença da malignidade e o hiperparatireoidismo. A hipocalcemia com hiperfosfatemia é causada por estados de hipoparatireoidismo e a hipocalcemia com hipofosfatemia pode ocorrer quando há carência de vitamina D.

      O tratamento deve ser direcionado à causa base. A hipercalcemia grave ou sintomática requer, no entanto, tratamento específico com hidratação venosa, uso de diuréticos de alça e uso de bisfosfonados. A hipocalcemia pode ser tratada com a administração oral (casos crônicos) ou intravenosa (situações nas quais a correção mais rápida é necessária) de sais de cálcio.

      A causa mais comum de hiperfosfatemia é a redução da excreção urinária na insuficiência renal crônica. A hipofosfatemia pode ocorrer por aumento das perdas renais, redução da absorção intestinal ou redistribuição. O tratamento da hiperfosfatemia baseia-se no uso de quelantes orais de fósforo, enquanto o da hipofosfatemia baseia-se na reposição oral e/ou intravenosa de sais de fósforo.

 

ALGORITMOS

Algoritmo 1: Hipercalcemia.

* Ver Tabela 1.

 

Algoritmo 2: Hipocalcemia.

 

Algoritmo 3: Hiperfosfatemia.

* Ver Tabela 4.

 

Algoritmo 4: Hipofosfatemia.

 

BIBLIOGRAFIA

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Uso de quelantes como hidróxido de alumínio, sais de cálcio, sevelamer

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