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Hematúria e Proteinúria Assintomáticas

Autor:

Rodrigo de Oliveira Schmitz

Especialista em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

Última revisão: 22/11/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Hematúria

O termo hematúria designa a presença excessiva de hemácias na urina. Está presente em 5 a 6% da população e, na maioria dos casos, sua origem é o trato urinário inferior, decorrente de condições que afetam a uretra, a bexiga e a próstata. Menos de 10% das hematúrias são de origem glomerular.

A hematúria pode ser caracterizada como macroscópica (alteração visível na coloração da urina) ou microscópica (identificada somente por fita reagente e/ou exame microscópico) e classificada em inicial (quando ocorre no início da micção sugerindo fonte uretral), terminal (quando presente somente ao final da micção, sugerindo sangramentos do colo vesical ou de uretra posterior) ou total (sangramentos da bexiga ou trato urinário alto). É também caracterizada quanto à presença de dismorfismo eritrocitário (presença de formas anômalas de hemácias que, quando encontradas em grande quantidade, sugerem etiologia glomerular).

Constitui um dos principais sinais de patologias renais e do trato urinário, mas é comumente uma alteração silenciosa, gerando atraso no diagnóstico e no tratamento da patologia subjacente.

Existe controvérsia na literatura sobre a indicação de exames de screening para hematúria. A principal razão para a sua realização seria a possibilidade da detecção precoce de doenças malignas do trato urinário. Porém, até o momento, sua pesquisa rotineira não é recomendada devido ao baixo valor preditivo do teste positivo, custo do rastreamento e falta de evidência do impacto do rastreamento sobre a história natural da doença. Mesmo após uma investigação completa, a fonte da hematúria pode não ser identificada em até 80% das crianças e 10 a 20% dos adultos.

 

Proteinúria

Proteinúria é a perda excessiva de proteína via urina, ou seja, acima de 300 mg/dia. Existem três tipos básicos de proteinúria: glomerular, tubular e por overflow.

A proteinúria de origem glomerular ocorre principalmente por lesões estruturais nas células glomerulares que cursam com modificações nas propriedades de filtro da barreira capilar glomerular, permitindo a passagem anômala de proteínas. Pode ser seletiva ou não seletiva, a depender do tipo de lesão (tamanho dos poros do filtro glomerular ou alterações na carga elétrica da barreira). É o mecanismo vigente nas diversas causas de síndrome nefrótica e glomerulonefrites agudas.

Normalmente uma grande quantidade de proteínas, conhecidas como de baixo peso molecular (beta-2-microglobulina, entre outras), são filtradas nos capilares glomerulares. A grande maioria é reabsorvida no túbulo proximal do rim. Qualquer situação que interfira com essa reabsorção poderá ocasionar uma proteinúria de origem tubular. Este tipo de proteinúria, ao contrário da glomerular, não é identificado pelo uso da fita reagente, uma vez que esta não é capaz de detectar proteinúria de baixo peso.

Situações que cursem com uma produção excessiva de proteínas de baixo peso molecular, aumentando assim a quantidade de proteína filtrada, poderiam suplantar a capacidade de reabsorção do túbulo proximal e originar proteinúria de overflow (mieloma múltiplo).

Juntamente com a hematúria, é um sinal importante para o diagnóstico de patologias renais, podendo ser utilizado também para a monitoração da evolução da doença e na avaliação da resposta ao tratamento.

Alguns pacientes podem apresentar outros sinais, como proteinúria nefrótica (acima de 3,5 g/24 horass), lipidúria, hematúria com dismorfismo eritrocitário, cilindros hemáticos e alteração de função renal, reforçando a possibilidade de uma patologia glomerular como causa da proteinúria. Em outras ocasiões, entretanto, o paciente é assintomático e a proteinúria é um achado de exame de fita reagente.

 

ACHADOS CLÍNICOS

História Clínica e Exame Físico

Hematúria/Proteinúria

Como o próprio nome indica, a hematúria e a proteinúria assintomáticas são alterações laboratoriais desprovidas de sintomas. Entretanto, alguns pontos na história clínica são importantes para orientar a investigação diagnóstica.

Deve-se sempre questionar a presença de fatores de risco para neoplasias urológicas, por exemplo, exposição ocupacional a agentes químicos como benzeno e aminas aromáticas, tabagismo, alcoolismo, uso abusivo de analgésicos e tratamento radiológico prévio, principalmente em pacientes idosos. O uso de medicação anticoagulante não pode ser considerado como causa de hematúria, exceto nos casos em que há intoxicação importante, geralmente acompanhada de sangramentos em outros sítios. Infecções urinárias assintomáticas também devem ser pesquisadas, sendo especialmente frequentes em certos subgrupos de pacientes, como mulheres diabéticas. Em algumas doenças glomerulares, como a nefropatia da IgA, a hematúria pode ocorrer após episódios de infecções de vias aéreas superiores. Em pacientes de etnia negra, a anemia falciforme ou o traço falciforme também podem ser causa de hematúria assintomática. Outros antecedentes familiares e pessoais relativos à história de insuficiência renal crônica, como doença renal policística, nefrolitíase, alterações oculares e auditivas, também podem guiar o médico ao diagnóstico. A presença de urina espumosa pode significar proteinúria e indicar uma patologia renal.

As alterações ao exame físico são escassas nestes pacientes. Eventualmente, pode-se encontrar massa à palpação abdominal, que pode sugerir tumores abdominais, rins policísticos ou hidronefrose volumosa.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Hematúria

O diagnóstico diferencial de hematúria assintomática é amplo, com algumas patologias predominando em determinado grupo etário. Em adultos, a principal causa são as patologias do trato urinário inferior.

 

Tabela 1: Causas de hematúria

Causa glomerular

Nefropatia de IgA, doença de membrana fina, síndrome de Alport, glomeruloesclerose focal e segmentar, lúpus, glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefrite mesangioproliferativa, glomerulonefrite fibrilar, vasculites, endocardite, microangiopatias trombóticas, glomerulonefrite pós-infecciosa.

Trato urinário superior

Nefrolitíase, pielonefrite, doença renal policística, rim esponja medular, hipercalciúria, hiperuricosúria, trauma renal, necrose de papila, estenose ureteral e hidronefrose, doença falciforme ou traço falciforme, infarto renal ou malformação arteriovenosa, tuberculose renal, câncer de rim, de pelve renal ou ureteral, síndrome de “quebra-nozes”, nefrite intersticial aguda, hipertensão maligna, embolia de colesterol.

Trato urinário inferior

Cistites, prostatites, uretrites, pólipos e tumores benignos da bexiga, câncer de bexiga e de próstata, estenose uretral e de meato, esquistossomose urinária (Schistossoma haematobium).

Outras

Atividade física, relação sexual, menstruação, intoxicação por anticoagulantes, distúrbios da coagulação.

 

Tabela 2: Causas de proteinúria

Proteinúria glomerular

Glomerulopatias, insuficiência cardíaca, diabetes, febre, atividade física, proteinúria ortostática.

Proteinúria tubular

Doenças tubulointersticiais em geral: síndrome de Fanconi, refluxo vesicoureteral, abuso de analgésicos, intoxicações por metais (chumbo, cadium) e síndrome nefrótica.

Proteinúria overflow

Mieloma múltiplo, amiloidose, macroglobulinemia de Waldenstron, nefropatia de cadeias leves.

 

Causas Glomerulares

Como biópsia renal não faz parte da avaliação de rotina da hematúria assintomática, é difícil saber ao certo qual a porcentagem atribuível ao sangramento glomerular. Estima-se, entretanto, que, em menos de 10% das vezes, a hematúria origine-se do glomérulo.

A causa mais frequente de hematúria de origem glomerular é a nefropatia por IgA (NigA). Sua prevalência varia dependendo da forma de abordagem, sendo maior em certos países, como o Japão – onde se realiza rastreamento ativo de hematúria com realização de biópsia renal de forma rotineira – e menor nos países ocidentais, onde só é realizada biópsia em casos de hematúria associada a outros achados como hipertensão, perda de função renal e proteinúria importante. A patologia pode acometer indivíduos de qualquer faixa etária, porém predomina em crianças e adultos jovens. A principal forma de apresentação são episódios de hematúria macroscópica geralmente após infecção de vias aéreas superiores. Pode apresentar ainda graus variados de proteinúria, hipertensão arterial, dor lombar e é a principal glomerulopatia causadora de insuficiência renal crônica, sendo os pacientes com proteinúria elevada os que possuem maior risco de progressão. O diagnóstico é realizado somente por biópsia renal com exame de microscopia ótica e de imunofluorescência.

Outra causa importante de hematúria glomerular é a doença da membrana fina. Esta possui uma prevalência aproximada de 1% na população, acometendo sobretudo crianças e adultos jovens. É uma doença benigna, hereditária, com padrão autossômico dominante, que cursa com hematúria persistente e função renal normal, podendo estar associada à proteinúria discreta (< 500 mg/24 horas). O diagnóstico de certeza, assim como na nefropatia da IgA, também só pode ser realizado por biópsia renal com exame de microscopia eletrônica, que demonstrará membrana basal com espessura inferior ao normal. O exame de microscopia ótica e a imunofluorescência são normais.

A síndrome de Alport também é uma patologia hereditária, sendo a sua principal forma de herança a ligada ao X. Ao contrário da doença de membrana fina, os pacientes portadores desta patologia podem evoluir com proteinúria crescente e perda de função renal. A doença compreende também manifestações auditivas e oftalmológicas, como surdez e lenticone, de penetrância incompleta. O diagnóstico de certeza é realizado por biópsia renal ou cutânea.

Como mostrado na Tabela 1, diversas outras patologias podem ser causa de hematúria, porém, na grande maioria dos casos, é acompanhada de outros sinais ou sintomas.

 

Trato Urinário Superior

Uma vez que a fonte glomerular de hematúria seja afastada ou considerada improvável pela história clínica e pelo exame físico, deve-se realizar exame de imagem do trato urinário superior.

A principal causa de hematúria é o cálculo renal, cuja incidência chega a 10% das mulheres e 15% dos homens. Possui alta recorrência, principalmente em jovens, podendo chegar a 70% em 4 a 5 anos após o primeiro episódio. Outros fatores de risco para a formação de cálculo renal são a presença de familiares em primeiro grau com nefrolitíase, raça branca, hábitos alimentares como a baixa ingesta hídrica, consumo elevado de purinas, dieta rica em sódio e alimentos ricos em cálcio. As principais alterações metabólicas encontradas são a hipercalciúria, a hiperuricosúria e a hipocitratúria. O quadro clínico clássico é a cólica renal, porém esta também pode se apresentar somente com hematúria e/ou leucocitúria. O diagnóstico é feito por exame de imagem, sendo a tomografia computadorizada a mais sensível.

A doença renal policística autossômica dominante é uma patologia comum, ocorrendo em aproximadamente 1 a cada 400 a 2.000 nascimentos. Estima-se que menos da metade dos casos será diagnosticada. A alteração genética mais comum, atingindo 86% das famílias, ocorre no cromossomo 16 (PKD1); o restante possui alguma outra anormalidade que, em alguns casos, envolve o cromossomo 4 (PKD2). Pacientes que possuem alteração no gene não-PKD1 geralmente cursam com aparecimento mais tardio tanto dos cistos, quanto da insuficiência renal. O quadro clínico é variável, podendo haver dor, hematúria secundária à rotura de cisto, infecções de trato urinário, nefrolitíase, hipertensão arterial e insuficiência renal. Podem ocorrer manifestações císticas em outros órgãos, como fígado, pâncreas e baço, além de aneurismas cerebrais. O diagnóstico é feito por meio de ultrassonografia ou tomografia computadorizada.

O rim esponja medular é um distúrbio relativamente comum e benigno. Geralmente está presente ao nascimento, porém, na maioria dos casos, somente é diagnosticado por volta da 4ª à 5ª década de vida. Anatomicamente, o rim apresenta um característico aumento irregular dos ductos coletores. O paciente pode apresentar hematúria micro ou macroscópica, infecções urinárias de repetição, nefrolitíase, diminuição da capacidade de concentração da urina, nefrocalcinose e, às vezes, uma forma incompleta de acidose tubular renal tipo I. O diagnóstico é confirmado por pielografia, que demonstra estrias nas papilas renais e o característico acúmulo de contraste nos ductos coletores dilatados.

O câncer renal é responsável por 2,3% de todas as neoplasias dos adultos, acometendo principalmente homens acima da 5ª década de vida. Fatores de risco para o seu desenvolvimento são o tabagismo e a síndrome de Von Hippel Lindau. O tipo histológico predominante em 85% dos casos é o adenocarcinoma de células renais. O quadro clínico inclui hematúria microscópica ou macroscópica (60%), dor ou massa no flanco (30%). A tríade clássica constituída por dor no flanco, hematúria e massa pode ser encontrada em 15% dos pacientes e quase sempre significa doença avançada. O prognóstico da doença está diretamente relacionado ao seu grau de extensão. Síndromes paraneoplásicas, como eritrocitose, hipercalcemia e síndrome de Stauffer (disfunção hepática na ausência de metástase), podem ocorrer. A tomografia computadorizada é o exame de imagem de maior importância, permitindo o estadiamento da lesão e a avaliação do envolvimento linfonodal e vascular.

 

Trato Urinário Inferior

Mesmo após intensa investigação de possíveis glomerulopatias e possíveis patologias do trato urinário superior, a origem da hematúria permanece obscura em até 70% dos casos. Nestes casos, é necessário avaliar o trato urinário inferior com ênfase no câncer de bexiga.

O câncer de bexiga é o 2º mais comum dentre os cânceres urológicos. O diagnóstico é realizado geralmente por volta dos 65 anos de idade. Fatores de risco para o desenvolvimento desta neoplasia são: abuso de analgésicos, exposição ao benzeno, tabagismo e aminas aromáticas. O quadro clínico inclui hematúria micro ou macroscópica que pode se apresentar de forma intermitente ou persistente em 85 a 90% dos casos. Sintomas irritativos, como frequência e urgência urinária, são raros e dependem da localização do tumor. Massas em hipogástrio podem ser identificadas em pacientes com tumores de grande volume ou com infiltração profunda. O diagnóstico pode ser feito por meio de ultrassonografia, urografia excretora, tomografia com contraste ou ressonância magnética (que evidenciam falhas de enchimento), cistoscopia ou pesquisa de células neoplásicas na urina.

A hematúria pode ocorrer em até 15% dos casos de tumor de próstata, sendo o câncer mais comum entre homens. A incidência aumenta com a idade, chegando a aproximadamente 30% nos pacientes na 6ª década de vida. Portanto, é uma causa de hematúria que deve ser lembrada principalmente em homens acima da meia-idade.

 

Proteinúria

Algumas questões devem ser respondidas quando se avalia o paciente com proteinúria. O primeiro passo é quantificar a proteinúria, o que normalmente é feito pela coleta urinária de 24 horas. Outra forma mais simples e com boa acurácia é por meio do cálculo da relação proteína/creatinina em amostra simples de urina. Esta metodologia é principalmente útil nos casos em que a realização do exame da urina de 24 horas é difícil. A fita urinária, utilizada quase que de forma universal na pesquisa de proteinúria, não é um bom método de quantificação, uma vez que o seu resultado é afetado pelo volume urinário. Por exemplo, uma urina extremamente concentrada pode apresentar 3+ de proteinúria na fita urinária e não ser indicativo de proteinúria importante. A quantificação de proteinúria é fundamental, uma vez que é um marcador de progressão de doença renal, estando sob maior risco aqueles que possuem o maior nível de proteinúria.

Outro ponto a ser avaliado é em quais circunstâncias ocorre a proteinúria. A forma mais comum de proteinúria é a intermitente, podendo em ocorrer em até 4% dos homens e 7% das mulheres. Esta forma de proteinúria geralmente surge em exame isolado, desaparecendo nos exames subsequentes. Entre as causas deste tipo de proteinúria estão a febre e a atividade física. Proteinúria ortostática é outra forma benigna de proteinúria, ocorre principalmente em adolescentes e é caracterizada por aumento na excreção proteica na posição ortostática, com excreção normal na posição supina. O diagnóstico é realizado por meio da proteinúria de 24 horas, separando-se a coleta diurna da noturna.

Ao contrário das anteriores, a proteinúria persistente normalmente significa a presença de uma patologia renal ou sistêmica. Sempre que possível, deve-se tentar classificar sua origem como glomerular, tubular ou por overflow.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Hematúria

Uma gama de exames laboratoriais pode ser utilizada tanto para detecção quanto para identificação do foco da hematúria. Entre eles, estão o exame de fita urinária, exame do sedimento urinário, citologia oncótica na urina, cultura de urina, marcadores imunológicos (FAN, crioglobulinas etc.).

A fita reagente é um método fácil e sensível para o diagnóstico de hematúria microscópica, porém apresenta especificidade reduzida em situações de presença de mioglobina ou hemoglobina. Desta forma, um teste positivo com fita regente deve ser, sempre que possível, confirmado por exame microscópico. Outras possíveis causas de resultados falso-positivos são: menstruação, traumas uretrais (pós-sondagem, relação sexual) e após realização de exercício vigoroso.

A análise do sedimento urinário, além de confirmar o exame de fita reagente, pode fornecer outros dados úteis, como a presença de dismorfismo eritrocitário (hemácias fragmentadas, pequenas, com baixo teor de hemoglobina), o qual é encontrado normalmente na urina, porém em quantidades reduzidas. A presença destes elementos em quantidade maior que o habitual corrobora a possibilidade da presença de patologia glomerular. O dismorfismo eritrocitário pode se apresentar em várias formas: as mais típicas são os acantócitos (eritrócitos dismórficos com protusões de membrana) e codócitos (eritrócitos com depósito periférico de hemoglobina, conferindo o aspecto de pneu de automóvel sem roda). Os acantócitos são os que possuem melhor especificidade, sobretudo se em taxa superior a 5% do total de eritrócitos. Apesar disso, é um exame que apresenta sensibilidade moderada, uma vez que diversas patologias glomerulares podem cursar somente com hematúria isomórfica.

Outro achado do sedimento urinário que pode indicar origem glomerular é a presença de cilindros hemáticos (hemácias agregadas a proteínas de Tamm-Horsfall), que, assim como o dismorfismo eritrocitário, apresentam baixa sensibilidade e alta especificidade. Além disso, a presença de proteinúria, principalmente quando acima de 1 g/L, também é indicativo de hematúria glomerular. Deve-se tomar cuidado com a associação de hematúria macroscópica e proteinúria, uma vez que a última pode resultar em falso-positivo devido à presença de hemoglobina.

A citologia oncótica na urina possui sensibilidade inferior (66 a 79%) à cistoscopia na detecção de câncer de bexiga, porém apresenta boa especificidade (95 a 100%). A sensibilidade pode ser melhorada se a amostra de urina utilizada for a primeira da manhã e colhida por 3 dias consecutivos. As células neoplásicas podem ser provenientes de qualquer local do trato urinário, porém o exame é mais sensível para tumores de bexiga do que para os outros tumores urológicos.

Marcadores moleculares urinários para detecção não invasiva de tumores urológicos estão, no momento, sendo avaliados, porém ainda não foram validados.

Após ter sido afastada a causa glomerular como fonte da hematúria, deve-se obter imagens do trato urinário superior. O objetivo é detectar qualquer tipo de neoplasia, assim como a presença de nefrolitíase, doenças císticas e lesões obstrutivas.

A ultrassonografia é um exame mais seguro, não invasivo, sem necessidade do contraste, barato e apropriado para uso em gestantes. Possui como limitação a incapacidade de detectar lesões menores do que 3 cm de diâmetro. Um estudo que avaliou a sensibilidade e a especificidade da ultrassonografia e da urografia excretora para detecção de massas entre 2 a 3 cm, utilizando como padrão ouro a tomografia computadorizada, obteve respectivamente as sensibilidades de 82% e 52% e especificidades de 91% e 82%.

Por ser o exame mais antigo, a urografia excretora tem sido utilizada rotineiramente para avaliar o trato urinário superior na maioria das avaliações de hematúria microscópica. Os inconvenientes do método são a necessidade de utilização intravenosa de contraste iodado, a incapacidade de diferenciar lesões sólidas e císticas e a dificuldade em identificar lesões pequenas.

A tomografia computadorizada é superior à ultrassonografia, podendo identificar lesões de até 0,5 cm, sendo o exame de escolha no diagnóstico de nefrolitíase. Sempre que houver suspeita desta patologia, ela deve ser realizada inicialmente sem contraste e posteriormente com contraste, sobretudo em pacientes de alto risco para câncer renal. Dentre os inconvenientes do método encontram-se a necessidade de exposição à radiação, o alto custo e a eventual necessidade de uso de contraste.

Até o momento, nenhum estudo comparou a eficácia dos vários métodos de imagem na avaliação de hematúria. Entretanto, como a urografia excretora é incapaz de identificar lesões pequenas, assim como diferenciar lesões sólidas de císticas, recomenda-se a avaliação do trato urinário superior com ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética.

A cistoscopia é peça fundamental na avaliação da hematúria assintomática. Ela fica reservada para aqueles pacientes cujas fontes de hematúria glomerular e do trato urinário superior foram afastadas e possuem fatores de risco para câncer de bexiga. O exame deve ser realizado mesmo naqueles com citologia oncótica urinária negativa.

A biópsia renal é a chave para o diagnóstico de hematúria de origem glomerular. Entretanto, devido à evolução benigna na maioria dos casos de hematúria assintomática, a biópsia renal fica indicada somente para aqueles casos que apresentam hematúria associada a outros fatores, como hipertensão arterial, proteinúria e perda de função renal.

 

Proteinúria

A fita urinária detecta primariamente albumina, logo, um exame de fita urinária positivo normalmente refere uma proteinúria glomerular. As proteinúrias de origem tubular ou por overflow somente podem ser diagnosticadas pela quantificação da proteinúria de 24 horas ou pelo uso de ácido sulfassalicílico ou ácido tricloroacético, os quais detectam qualquer tipo de proteinúria. Tanto o exame por fita reagente quanto o por ácido sulfassalicílico e tricloroacético sofrem influência do volume urinário, sendo que urinas concentradas podem superestimar a proteinúria. Podem ocorrer resultados falso-positivos caso o paciente tenha feito uso recente (24 horas) de contraste iodado, assim como em pacientes portadores de leucemia aguda monocítica, uma vez que eles também detectam lisozimas urinárias.

O cálculo da relação proteína/creatinina é um método alternativo e razoável para quantificar a proteinúria de 24 horas. Sua vantagem é poder ser realizado em amostra isolada. No entanto, deve-se evitar utilizar a primeira urina da manhã, devido à queda fisiológica da excreção proteica que ocorre durante a madrugada. Por exemplo, um paciente que apresente uma excreção proteica de 2,3 g/L e uma excreção de creatinina de 0,90 g/L apresentará uma relação de 2,5, o equivalente a uma excreção de 2,5 g de proteína em 24 horas.

Depois de quantificada a proteinúria de 24 horas, deve-se proceder à identificação do tipo de proteína que está sendo secretada. Esta identificação pode ser realizada por uma série de técnicas, entre elas eletroforese com gel agarose, cromatografia com coluna de gel, eletroforese com gel poliacrilamida e imunoeletroforese. O predomínio de albumina e outras proteínas de alto peso molecular indicam patologia glomerular, enquanto que aumentos isolados de proteinúria de baixo peso indicam proteinúria tubular (proteínas heterogêneas) ou por overflow (proteínas homogêneas).

Microalbuminúria é definida como a excreção de 30 a 300 mg/dia de albumina e é identificada por imunoensaios quantitativos ou por fitas urinárias especiais. Este exame é utilizado sobretudo para identificar pacientes diabéticos com risco de desenvolver nefropatia. Mais recentemente, tem sido utilizadoa como marcador de risco cardiovascular.

Outros exames são fundamentais para o diagnóstico da origem da proteinúria, por exemplo, marcadores imunológicos, sorologias, análise do sedimento urinário e biópsia renal para avaliar tanto proteinúrias glomerulares como as de origem tubular. No caso da proteinúria por overflow, que na maioria das vezes significa a presença de uma paraproteinemia, há a eletroforese e a imunoeletroforese de proteínas tanto no sangue como na urina, a biópsia de medula óssea etc.

 

TRATAMENTO

O tratamento tanto da hematúria quanto da proteinúria assintomática vai depender da sua etiologia. Na grande maioria das vezes, quando o diagnóstico etiológico é feito, o tratamento é complexo, como no caso das glomerulopatias e das neoplasias. Pacientes com hematúria glomerular sem outros fatores deve ser acompanhado semestralmente por pelo menos 5 anos.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      Até o momento, não se recomenda a pesquisa rotineira de hematúria microscópica, devido ao baixo valor preditivo do teste positivo. Mesmo após uma investigação completa, a fonte de hematúria geralmente não é encontrada.

      A associação de hematúria com dismorfismo eritrocitário, presença de cilindros hemáticos ou proteinúria indica a presença de patologia glomerular.

      As principais causas de hematúria assintomática de origem glomerular são a nefropatia da IgA, a doença da membrana fina e a síndrome de Alport.

      A biópsia renal somente é indicada para investigação de hematúria se esta for acompanhada de hipertensão, proteinúria ou perda de função renal.

      A principal causa de hematúria é a nefrolitíase, e o exame diagnóstico de eleição é a tomografia sem contraste.

      Mesmo após intensa investigação de possíveis glomerulopatias e de patologias do trato urinário superior, a origem de hematúria permanece obscura em até 70 % dos casos. Nestes casos, é necessário avaliar o trato urinário inferior, com ênfase no câncer de bexiga.

      A melhor forma de quantificar a proteinúria é por meio da análise de 24 horas. Uma alternativa razoável é pelo cálculo da relação proteína/creatinina em amostra isolada.

 

ALGORITMOS

Algoritmo 1. Avaliação de hematúria.

 

* Na ausência da tomografia computadorizada, a ultrassonografia, a urografia excretora ou a combinação de ambas são uma alternativa razoável.

 

Algoritmo 2. Investigação de proteinúria.

 

 

BIBLIOGRAFIA

1.    Bennett and Plum. Cecil Textbook of Internal Medicine. 22.ed. Saunders.

2.    Johnson RJ, Feehally J. Comprehensive Clinical Nephrology. 2.ed. Mosby.

3.    Brenner. The Kidney. 7.ed. Saunders.

4.    Vaughn DJ. Kelleys Textbook of Internal Medicine. 4.ed. Lippincott Williams & Wilkins.

5.    Kashtan CE. Glomerular hematúria: IgA; Alport; thin basement membrane disease. UpToDate. Disponível em: www.uptodate.com. Software v13.1; 2005.

6.    Cohen RA. Microscopic hematuria. The New England Journal of Medicine. 348;23:2330-2338.

7.    Rose BD. Evaluation of isolated proteinuria. UpToDate. Disponível em: www.uptodate.com. Software v13.1; 2005.

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