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Icterícia

Autor:

Andréa Remígio de Oliveira Leite

Médica Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas - Unidade de Terapia Intensiva - do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 01/02/2010

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Icterícia provém do grego ikteros, termo usado no tempo de Hipócrates para designar a coloração amarelada da pele e das mucosas causada pela deposição de pigmento biliar.

A Icterícia é um sintoma de grande importância para o médico e o paciente, pois é a manifestação visível de uma doença, seja ela do fígado ou não, quando os níveis de bilirrubina no sangue ultrapassam 2 mg/dL.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A detecção de Icterícia tem importante valor semiológico e deve ser sempre valorizada. Ela reflete perturbações na produção e/ou em passos do metabolismo/excreção da bilirrubina e pode ser manifestação clínica de numerosas doenças hepáticas e não hepáticas. A Icterícia pode ser a primeira ou mesmo a única manifestação de uma doença hepática.

A principal fonte de bilirrubina é a hemoglobina proveniente da quebra de eritrócitos maduros, a qual contribui com cerca de 80 a 85% da produção total. Em adultos, são quebrados diariamente cerca de 35 g de hemoglobina, resultando na produção de 300 mg de bilirrubina.

Em condições fisiológicas, a maioria dos eritrócitos normais é sequestrada da circulação após 120 dias de vida pelas células retículo-endoteliais do baço, do fígado e da medula óssea, onde a hemoglobina é degradada em biliverdina, que é convertida em bilirrubina não conjugada, a qual é lipossolúvel.

A bilirrubina não conjugada ou indireta liga-se reversivelmente à albumina, forma pela qual é transportada no plasma. É encontrada em fluidos corpóreos de acordo com seu conteúdo de proteínas, o que explica sua maior concentração em exsudatos que em transudatos.

O fígado ocupa papel central no metabolismo da bilirrubina, sendo responsável por sua captação, conjugação e excreção. A bilirrubina não conjugada é convertida em bilirrubina conjugada ou direta, um composto solúvel em água passível de rápido transporte através da membrana canalicular para a bile. Este processo requer energia, sendo um dos passos mais suscetíveis de comprometimento quando a célula hepática é lesada.

A bilirrubina conjugada não é absorvida pelo intestino delgado. Uma vez no íleo terminal e no cólon, é hidrolisada por enzimas bacterianas (betaglicuronidases) formando o urobilinogênio, que é absorvido no cólon em pequena parcela. Em condições normais, essa parcela é reexcretada pelo fígado na bile (90% do total) e pelos rins (10% do total). Em situação de disfunção hepática, a reexcreção biliar de urobilinogênio pode diminuir, aumentando a parcela eliminada na urina.

As fezes normais de indivíduo adulto contêm uma mistura de urobilinogênio e seu produto de oxidação correspondente, de cor laranja, a urobilina. A diminuição ou a ausência de excreção de bilirrubina na luz intestinal provoca alterações na cor das fezes, tornando-as mais claras (hipocolia fecal) ou esbranquiçadas (acolia fecal).

A bilirrubina conjugada penetra mais facilmente em fluidos corpóreos e é capaz de provocar graus mais acentuados de Icterícia que a bilirrubina não conjugada. A pele pode tornar-se esverdeada, nos casos de hiperbilirrubinemia conjugada prolongada, possivelmente pelo aumento da biliverdina.

A concentração plasmática de bilirrubina reflete o balanço entre a taxa de produção e o clareamento hepático. Assim, se sua produção estiver aumentada, se houver prejuízo em um ou mais passos do processo de metabolização ou excreção hepática, como anormalidades na captação e no transporte da bilirrubina do plasma para o hepatócito, déficit na sua conjugação com o ácido glicurônico ou na sua excreção para o canalículo biliar ou ainda se houver obstáculo ao fluxo de bile na árvore biliar no seu trajeto até o duodeno, poderá haver elevação dos níveis séricos de bilirrubina. Dependendo da causa de hiperbilirrubinemia, podemos observar predomínio de uma das duas frações da bilirrubina, da não conjugada ou da conjugada.

 

Tabela 1. Classificação fisiopatológica da Icterícia

Aumento da produção de bilirrubina

Hemólise

Eritropoiese ineficaz

Diminuição da captação hepática/transporte de bilirrubina

Drogas

Sepse

Distúrbio da conjugação da bilirrubina (atividade diminuída da enzima glicuronosil-transferase)

Deficiência hereditária: síndrome de Gilbert; síndrome de Crigler-Najjar tipo II; síndrome de Crigler-Najjar tipo I.

Deficiência adquirida: drogas; doença hepatocelular; sepse.

Defeitos na excreção da bilirrubina (defeitos intra-hepáticos)

Doenças hereditárias ou familiares: síndrome de Dubin-Johnson; síndrome de Rotor.

Distúrbios adquiridos: doença hepatocelular; drogas; sepse.

Obstrução biliar extra-hepática

Obstrução mecânica das vias biliares extra-hepáticas por cálculo, estenoses e tumores (câncer das vias biliares, câncer da cabeça do pâncreas, câncer de papila ou do duodeno, linfomas).

Multifatorial (defeito em mais de uma fase do metabolismo da bilirrubina)

Doença hepatocelular; hiperbilirrubinemia conjugada; sepse; Icterícia neonatal.

 

ACHADOS CLÍNICOS

A anamnese e o exame físico, associados a testes laboratoriais simples de triagem, possibilitam o diagnóstico da doença de base em aproximadamente 85% dos pacientes.

 

História Clínica

      Idade: a idade de início do quadro pode auxiliar na determinação da etiologia. Exemplo: hepatite A em crianças e adolescentes e câncer de vias biliares em pacientes idosos.

      Profissão: exposição a infecções virais (hepatites B e C e HIV), como ocorre com médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos de laboratório e estudantes da área de saúde, ou a tóxicos.

      Procedência/viagens: o paciente pode proceder, ter residido ou viajado para regiões endêmicas de esquistossomose, hepatites, febre amarela, leptospirose e outras doenças que cursam com Icterícia.

      Raça: negros apresentam maior incidência de anemia falciforme.

      Hábitos: uso de bebida alcoólica (quantidade, tipo de bebida, tempo de uso, história de abuso recente). As hepatites B e C são frequentes em usuários de drogas injetáveis e em homossexuais masculinos.

      Antecedentes: transfusões de sangue ou derivados, contacto com ictéricos, história familiar de hepatite, Icterícia ou anemia, antecedente de cirurgias, particularmente em vias biliares, antecedente de tumores, tatuagens, tratamento dentário, entre outros.

      Pródromos de hepatite: queixas de náusea, anorexia e aversão ao cigarro, precedendo o aparecimento de Icterícia, sugerem hepatite viral.

      Uso de medicamentos e exposição a tóxicos: uso ou exposição crônica, recente ou esporádica. Lembrar de chás ou medicamentos feitos a partir de plantas ou ervas, pois podem produzir lesão hepatocelular ou hemólise.

 

Para a detecção da Icterícia, é fundamental que o paciente seja examinado em ambiente com luz natural adequada, uma vez que, com pouca claridade ou com iluminação artificial, sua percepção pode ser prejudicada. Os locais onde a Icterícia é mais frequentemente percebida são a conjuntiva ocular (em casos mais discretos, sobrretudo na periferia), a mucosa oral e a pele. Essa distribuição é consequência da afinidade da bilirrubina por tecido elástico, o que pode explicar ainda a discrepância entre a intensidade da Icterícia e os níveis séricos de bilirrubina em fases de recuperação de doenças que se acompanham de Icterícia.

 

Exame Físico

      Febre: febre baixa, sem calafrios, que pode ocorrer na hepatite aguda viral e na hepatite alcoólica; já a febre alta com calafrios sugere contaminação bacteriana da bile (colangite) e pode acompanhar-se de hepatomegalia dolorosa. Em cirróticos, sugere bacteriemia. A febre pode fazer parte de um quadro infeccioso de qualquer natureza e a Icterícia pode ter a sepse como causa.

      Colúria: presença de pigmento biliar na urina indica hiperbilirrubinemia conjugada.

      Acolia/hipocolia fecal: deficiência ou obstrução à excreção de bilirrubina para o intestino sugere obstrução biliar extra-hepática.

      Dor abdominal:

-      cólica biliar: dor em cólica no hipocôndrio direito ou no quadrante superior direito do abdome sugere cálculo biliar;

-      dor ou desconforto no hipocôndrio direito: ocorre em casos de aumento rápido do volume do fígado como nas hepatites agudas, nos tumores e na congestão hepática, ou no abscesso hepático;

-      dor pancreática: dor em faixa no andar superior do abdome, acompanhada de vômitos; ocorre em casos de pancreatites, tumores pancreáticos ou obstrução das vias biliares por cálculo.

      Prurido cutâneo: secundário à retenção de sais biliares, pode ser a primeira manifestação de cirrose biliar primária.

      Perda de peso: é comum em doenças hepáticas, principalmente na fase final da doença e nas neoplasias.

      Vesícula biliar palpável: sugere obstrução biliar extra-hepática, neoplasia justa-ampolar ou coledocolitíase.

      Manifestações de hipertensão portal: circulação colateral portossistêmica, esplenomegalia e ascite.

      Manifestações de doença hepática crônica: aranhas vasculares, eritema palmar, diminuição dos pelos, atrofia testicular, ginecomastia, distúrbios da coagulação (sangramentos), hálito hepático, encefalopatia hepática.

      Exame do fígado:

-      hepatomegalia dolorosa em hepatites agudas, colangites, tumores, congestão hepática, abscesso hepático;

-      fígado nodular em tumores e cirrose;

-      fígado diminuído em casos de hepatite grave e de cirrose.

      Esplenomegalia: pode ser manifestação da síndrome de hipertensão portal, fazer parte do quadro de hemólise ou acompanhar infecções.

      Ascite: pode ser manifestação de hipertensão portal e de carcinomatose peritoneal.

      Edema periférico: pode ser manifestação de hipoalbuminemia que acompanha as hepatopatias graves; nesses casos, o edema é frio, depressível e indolor.

      Esteatorreia pode estar presente, muitas vezes associada à perda de peso e à má absorção de cálcio e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K); sugere obstrução de vias biliares.

      Três achados físicos indicam ingestão de quantidades excessivas de álcool: aumento da parótida, ginecomastia e contratura de Dupuytren; a ausência destes achados não exclui o diagnóstico.

      Manifestações de colestase crônica: a bilirrubina também pode impregnar a urina, o suor, o sêmen e o leite; em casos de Icterícia intensa, o fluido ocular pode determinar queixas de xantopsia (visão amarelada dos objetos). Xantomas, xantelasmas, hiperqueratose e baqueteamento dos dedos podem estar presentes.

      Alguns achados sugerem doenças hepáticas especificas: hiperpigmentação (doença biliar crônica ou hemocromatose); xantomas (encontrado na cirrose biliar primária) e anéis de Kaiser-Fleischer (doença de Wilson).

 

Logo, por meio da história e do exame físico, o médico já pode ter uma boa ideia da etiologia da Icterícia, tentando responder principalmente as seguintes questões:

 

      A Icterícia é secundária a uma obstrução biliar?

      Existem evidências de doença hepática crônica?

      A Icterícia é possivelmente induzida por drogas, álcool ou agentes infecciosos?

      Existe alguma evidência de hemólise?

 

Tabela 2. Manifestações clínicas na hiperbilirrubinemia indireta e direta

Hiperbilirrubinemia não conjugada (indireta)

Hiperbilirrubinemia conjugada (direta):

Icterícia

Icterícia

Colúria

Hipocolia ou acolia fecal (pode estar ausente)

 

Tabela 3. Tipos de Icterícia

 

Colestática (direta)

Não colestática (indireta)

Início

Neonatos: hereditárias (Dubin-Johnson e Rotor); atresia de vias biliares.

Idosos: neoplasia.

Crianças: esferocitose, anemia falciforme, talassemias.

Adultos: anemia hemolítica autoimune, hemólises intravasculares.

Urina

Colúrica

Normal

Fezes

Acolia

Normal

Prurido cutâneo

Presente ou não

Ausente

Intensidade

Leve ou intensa

Leve

Mucosas

Avermelhadas e ictéricas

Pálidas

Pele

Icterícia

Palidez

Anomalias ósseas genéticas

Ausentes

Podem estar presentes

 

EXAMES COMPLEMENTARES

A investigação dos quadros de Icterícia inclui exames laboratoriais e de imagem.

 

Bilirrubinas Totais e Frações

São os primeiros exames a serem solicitados. Facilitam o diagnóstico por dividir as possíveis causas em dois grandes grupos: hiperbilirrubinemia direta ou indireta.

 

AST, ALT, TP, TTPA

Alteração nestes exames sugere hepatopatia. A relação entre AST e ALT é um marcador diferencial entre a esteato-hepatite não alcoólica e a doença hepática alcoólica (AST/ALT < 1 = esteato-hepatite não alcoólica; > 2 = doença hepática alcoólica). Na persistência de níveis elevados, solicitar marcadores de autoimunidade (antimúsculo liso, antinúcleo, anti-LKM 1), perfil férrico e, se necessário, pesquisar mutação no gene HFE (suspeita de hemocromatose), anticorpos antimitocondriais (cirrose biliar primária), ceruloplasmina e cobre sérico e urinário (doença de Wilson) e alfa-1-antitripsina (deficiência de alfa-1-antitripsina).

 

Fosfatase Alcalina e Gama-GT

Sugerem doença canalicular. A elevação da gama-GT colabora para o diagnóstico de abuso de álcool. As drogas que mais comumente causam elevações são anti-inflamatórios não hormonais, anticonvulsivantes e drogas antituberculose.

 

Sorologias para Hepatites A, B e C

Devem ser solicitadas para todos os pacientes ictéricos.

 

Urina I – Urobilinogênio

Em condições em que há diminuição da excreção de bilirrubina no intestino ou diminuição da flora intestinal (uso de antibióticos, por exemplo), pode haver diminuição da produção de urobilinogênio. Ao contrário, em situações de aumento da produção da bilirrubina, pode haver aumento da síntese de urobilinogênio e de seus níveis na urina.

 

Ultrassonografia Abdominal

É o primeiro exame de imagem a ser solicitado na Icterícia aguda. Ele confirma ou exclui obstrução (sensibilidade de 55 a 91% e especificidade de 63 a 96%), identifica sinais de hepatopatia crônica e lesões expansivas. É um exame operador-dependente, de difícil interpretação no obeso e na presença de gás no intestino.

 

Tomografia Computadorizada

Permite medidas precisas do calibre da árvore biliar (sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 93 a 100%), detecta lesões expansivas menores que 5 mm, mas apresenta o risco do contraste endovenoso. Não é tão acurado quanto a ultrassonografia na detecção de coledocolitíase porque apenas os cálculos calcificados são visualizados.

 

Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada (CPRE) e Colangiografia Percutânea Trans-hepática (CPT)

Na presença de obstrução biliar, são os procedimentos de escolha. A CPRE permite a visão direta da árvore biliar e do ducto pancreático (sensibilidade de 89 a 98% e especificidade de 89 a 100%), a realização de biópsias e, na presença de obstrução biliar, permite manobras de desobstrução (esfincterectomia, extração do cálculo, dilatação, colocação de stent). Complicações ocorrem em menos de 3% dos casos (depressão respiratória, aspiração, sangramento, perfuração, colangite e pancreatite). A CPT possui sensibilidade de 98 a 100% e especificidade de 89 a 100%) e é recomendada quando procedimentos são necessários (dilatação, stent), sendo preferível nas obstruções próximas ao ducto hepático comum e na presença de anomalias anatômicas que dificultem a CPRE. Necessita da dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos para sua realização e apresenta morbidade 3% e mortalidade 0,2%, semelhantes à CPRE.

 

Colangiorressonância

Pode ser utilizada em pacientes com contraindicação ou insucesso na CPRE e CPT, quando intervenções terapêuticas não parecem ser necessárias e como primeiro exame em pacientes com anastomose biliodigestiva prévia ou Billroth II.

 

Biópsia Hepática

Pode ser necessária para confirmar a causa e a severidade da doença hepática.

 

Tabela 4. Provas diagnósticas importantes nas enfermidades hepáticas mais frequentes

Hepatite A

IgM anti-VHA

Hepatite B

Aguda

Crônica

 

IgM antiHBc, HBsAg

HBsAg, HBeAg, DNA-VHB

Hepatite C

Anti-VHC, RNA-VHC

Hepatite D

HBsAg, anti-VHD

Hepatite E

Anti-VHE

Hepatite autoimune

Auto anticorpos (ANA, SMA, antiKLM-1), hiperglobulinemia (IgG) e histologia compatível

Cirrose biliar primária

AMA, aumento de IgM e histologia compatível

Colangite esclerosante primária

p-ANCA e colangiografia

Hepatite tóxica/fármacos

Ingestão de álcool, fármacos e histologia

Esteato-hepatite não alcoólica

Esteatose (USG, TC e histologia)

Deficiência de alfa-1-antitripsina

Diminuição alfa-1-antitripsina, fenótipo PiZZ ou PiSZ

Doença de Wilson

Diminuição da ceruloplasmina, elevação do cobre sérico e urinário

Hemocromatose

Aumento de IST, aumento de ferritina, histologia e mutações no gene HFE (H63D, C282Y)

Hepatocarcinoma

Elevação da alfafetoproteína (> 500), USG e TC

AMA: anticorpo antimitocôndria; USG: ultrassonografia; TC: tomografia computadorizada; IST: índice de saturação da transferrina; ANA: anticorpo antinúcleo; SMA: antimúsculo liso; anti-LKM1: antimicrossomo fígado/rim; pANCA: anticorpos citoplasmáticos antineutrofílicos perinucleares.

 

Na presença de hiperbilirrubinemia indireta, devem ser investigados sinais de hemólise:

 

      Hemograma: presença de anemia; quando houver pancitopenia, pesquisar hiperesplenismo (esferocitose hereditária, talassemia e anemia hemolítica autoimune). Após 7 a 12 dias do início da hemólise, ocorre expansão medular reacional: reticulocitose (de 10 a 80% das hemácias) e eritroblastose periférica levando a uma macrocitose; policromatofilia; aumento do número de plaquetas e leucócitos.

      Hemólise crônica (longo prazo) – aumento das trabeculações ósseas: osso em escova na radiografia; fácies de roedor (pronásia, nariz afundado, malar proeminente); fíbula em sabre. Diminuição da vida média do eritrócitos é sinal de hemólise mantida (em torno de 30 dias), detectada pelo di-isopropilfluorfosfato ou cromo radioativo.

      Desidrogenase láctica (DHL): é uma enzima abundante dos eritrócitos e está elevada nos quadros hemolíticos.

      Exame de fezes: elevação do estercobilinogênio e do urobilinogênio fecal sugerem hemólise.

      Diminuição da haptoglobina, hemoglobina livre no sangue, hemossiderinúria: sugere hemólise intravascular.

      Eletroforese de hemoglobina: importante exame na suspeita de hemoglobinopatia (anemia falciforme, talassemia).

      Exame de urina: hemoglobinúria, sem sinal de hematúria, é sugestiva de hemólise intravascular.

      Teste de Coombs: é utilizado para detectar anemia hemolítica autoimune.

      Pesquisa do esfregaço de sangue – esquizócitos: encontrados na hemólise intravascular microangiopática (CIVD, púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítica-urêmica (SHU), hipertensão maligna, válvula mecânica, eclâmpsia). Esférócitos: esferocitose e anemia hemolítica autoimune.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial dos quadros de Icterícia, tendo em vista o grande número de patologias que cursam com este achado, deve ser feito considerando as causas de hiperbilirrubinemia conjugada e não conjugada.

 

Hiperbilirrubinemia Não Conjugada

Produção Elevada de Bilirrubinas

1.    Produção ineficaz na medula (eritropoiese ineficaz)

Nesta afecção primária rara, ocorre uma produção insuficiente pela medula resultando na liberação de bilirrubina não conjugada na circulação.

 

2.    Lise aumentada (hemólise)

Principal causa de hiperbilirrubinemia não conjugada, é causada por uma anomalia intrínseca da hemácia ou devido ao desenvolvimento de um mecanismo anormal de destruição.

 

A)  Defeitos intrínsecos das hemácias levando a hemólise elevada

I.     Esferocitose congênita: defeito da membrana das hemácias, tornando-a esférica e mais permeável ao sódio. Os sintomas surgem na infância com crises cada vez piores de anemia e Icterícia causada por hemólise decorrente de infecção. Esplenomegalia é comum, assim como a formação de cálculos biliares.

II.   Eliptocitose congênita: distúrbio autossômico dominante, em geral assintomático; ocasionalmente ocorre anemia hemolítica compensada e Icterícia é rara.

III. Defeitos enzimáticos: distúrbios hereditários que cursam com anemia hemolítica sem alteração na eletroforese de hemoglobina e na fragilidade osmótica.

IV. Hemoglobinopatias:

      Anemia falciforme: defeito qualitativo hereditário recessivo da hemoglobina, acomete mais negros e é caracterizada por Icterícia, anemia e alterações esqueléticas. O paciente apresenta crises espontâneas de falcização, produzindo fortes dores. O diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina e pela demonstração in vitro do afoiçamento das células (teste da célula falciforme).

      Doença HBSC: ocorre em indivíduos que apresentam traço falciforme e outra hemoglobina anormal (HbC), resultando em hemólise e Icterícia, normalmente com quadros mais leves que a anemia falciforme.

      Talassemia: herança homozigótica com produção defeituosa das cadeias alfa, não é compatível com a vida. A forma heterozigótica (talassemia alfa ou beta menor) produz uma anomalia moderada que raramente causa Icterícia. A talassemia beta maior (homozigota) é a única capaz de, ocasionalmente, causar Icterícia.

V.   Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN): afecção rara com episódios de hemólise intravascular acompanhados de Icterícia, hemoglobinúria e hemossiderinúria. A suspeita diagnóstica é feita pelo histórico de urina avermelhada após o sono e confirmada com teste de acidificação do sangue (Ham) e sacarose.

 

B)  Fatores extrínsecos levando a hemólise

I.     Anemia hemolítica autoimune: destruição extravascular de hemácias mediada por anticorpos. Pode ser detectada pelo teste de Coombs direto. Os quadros agudos são mais frequentes em crianças e cursam com baço palpável, Icterícia, anemia e sintomas constitucionais de febre, vômitos e prostração. Na forma crônica, o início é insidioso, normalmente em adultos com Icterícia (75%) e baço palpável. Em 50% dos pacientes, nenhuma causa é encontrada; no restante, ela é secundária a várias doenças (lúpus eritematoso, doença maligna reticuloendotelial, sarcoidose e leucemia). Pode associar-se a plaquetopenia por anticorpos antiplaquetas, configurando a síndrome de Evans.

II.   Hemoglobinúria devido a anticorpos frios: um anticorpo produzido reage com as hemácias em baixas temperaturas. Pode ocorrer anemia hemolítica leve e contínua, pontuada por períodos de paroxismos com dor abdominal, Icterícia e calafrios. Frequentemente é secundária a infecções virais (micoplasma) e doenças malignas, particularmente linfoma.

III. Drogas e produtos químicos: algumas drogas podem causar hemólise e Icterícia (Tabela 5).

 

Tabela 5. Drogas que causam hemólise

Mecanismo

Formação de haptenos

Imunocomplexos

Anticorpos

Local de hemólise

Extravascular

Intravascular

Extravascular

Medicações

Penicilina, ampicilina, meticilina, carbenicilina, cefalotina

Quinidina, fenacetim, hidroclorotiazida, rifampicina, sulfonamidas, isoniazida, quinina, insulina, tetraciclina, melfalam, paracetamol, hidralazina, probenecida, clorpromazina, estreptomicina, fluorouracil, sulindaco

Alfametildopa, ácido mefenâmico, L-dopa, procainamida, ibuprofeno, diclofenaco de sódio, interferon alfa

 

IV. Deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase (favismo): distúrbio caracterizado por hemólise intravascular e Icterícia que ocorre em pacientes portadores de deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase após a ingestão de certas espécies de feijão, inalação de pólen ou uso de determinadas drogas.

V.   Variadas: hemólise aguda com Icterícia pode ocorrer em várias infecções, como málaria, gangrena, queimaduras e em pneumonias virais. Após exercícios excessivos, pós-transfusional e na anemia hemolítica microangiopática (púrpura trombocitopênica trombótica, hipertensão maligna, neoplasia disseminada e síndrome hemolítico-urêmica).

VI. Causas intravasculares de hemólise: microangiopáticas (CIVD, PTT, SHU, eclâmpsia, válvula mecânica, hipertensão maligna), veneno de cobra, HPN, malária. São caracterizadas por DHL elevado, hemoglobina livre no sangue, haptoglobina bem baixa ou ausente, hemoglobinúria e hemossiderinúria. Nas anemias hemolíticas microangiopáticas, encontram-se esquizócitos. Por outro lado, nas hemoglobinopatias, nos defeitos de síntese de hemoglobina, nos problemas de membrana, nas anemias hemolíticas autoimunes e nas enzimopatias, identifica-se hemólise extravascular.

 

Captação Reduzida de Bilirrubina no Fígado: Doença de Gilbert

Afecção hereditária presente em 5 a 7% da população, cursa com diminuição discreta da meia-vida das hemácias, da capacidade hepática de conjugar a bilirrubina e de transportar a bilirrubina não conjugada para o hepatócito. O grau de Icterícia varia e geralmente aumenta após exercício, infecção ou jejum. O diagnóstico é feito pela exclusão de doença hepática.

 

Conjugação Reduzida de Bilirrubina no Fígado

1.    Síndrome de Crigler-Najjar tipo II

Deficiência familiar parcial da enzima glicuroniltransferase, que conjuga a bilirrubina. O único sintoma costuma ser a Icterícia. Em neonatos, há risco de kernicterus (impregnação cerebral).

 

2.    Síndrome de Crigler-Najjar tipo I

Deficiência familiar total da enzima, é uma rara doença em que o acúmulo de bilirrubina indireta é tão alto que ocasiona kernicterus; costuma ser fatal.

 

3.    Icterícia neonatal

Acredita-se que é causada pelo comprometimento da conjugação e da excreção da bilirrubina, aumento da circulação êntero-hepática e lise acelerada de eritrócitos. Os níveis de bilirrubina no sangue variam entre 6 e 8 mg/100 mL, com predomínio da fração não conjugada.

 

4.    Síndrome de Lucey-Driscoll

Causa rara de Icterícia durante a gravidez por inibição hormonal da conjugação de bilirrubinas.

 

Hiperbilirrubinemia Conjugada

Em pacientes adultos com hiperbilirrubinemia direta, 7 patologias correspondem a 98% dos diagnósticos:

 

1.    Hepatite viral.

2.    Doença alcoólica do fígado.

3.    Hepatite crônica.

4.    Doença hepática induzida por drogas.

5.    Cálculos biliares e suas complicações.

6.    Cirrose biliar primária.

7.    Colangite esclerosante primária.

 

Dano Hepático Agudo

1.    Hepatite viral

Pode ser causada por diversos vírus (rubéola, Coxsackie B, herpes simples, febre amarela, citomegalovírus); os mais comuns são os das hepatites A, B e C e mononucleose (consultar capítulo de Hepatites).

 

2.    Infeções não causadas por vírus

I.     Febre recorrente: é uma doença causada por várias cepas da bactéria Borrelia; cursa com Icterícia e febre de 40oC que dura cerca de 4 ou 5 dias e depois cessa. A forma epidêmica é transmitida por piolhos ou carrapatos.

II.   Leptospirose: síndrome de Weil causada por espiroqueta transmitida pela urina do rato, ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes com leptospirose. Apresenta início súbito de mialgia generalizada (principalmente em panturrilha) associada a febre e cefaleia. Normalmente, entre o 4º e o 7º dia, estes pacientes apresentam uma Icterícia rubínica, consequente de vasodilatação cutaneomucosa associada à deposição de bilirrubina (cor vermelho-alaranjada). A Icterícia é a principal manifestação desta forma, sendo um parâmetro de gravidade.

III.  Sepse: a Icterícia pode estar presente na sepse, independentemente da localização ou do agente infeccioso. A produção aumentada de citocinas inflamatórias pelas células de Kuppfer do fígado, associadas à isquemia dos hepatócitos e à ação de endotoxinas produzidas no intestino, produz colestase e hiperbilirrubinemia.

a)   Induzida por drogas.

b)   Venenos: toxinas industriais como tetracloreto de carbono, dicofano (DDT) e trinitrotolueno (TNT) podem causar necrose hepática. Amanita (cogumelo selvagem) costuma ser fatal mesmo em pequenas quantidades.

c)   Esteato-hepatite da gravidez: afecção periparto pouco frequente, de etiologia desconhecida, geralmente fatal.

 

Tabela 6. Fatores que modificam a suscetibilidade individual a apresentar dano hepático

Idade

Paracetamol, isoniazida e halotano

Idosos são mais suscetíveis

Ácido acetilsalicílico (AAS) e ácido valproico

Crianças são mais suscetíveis

Sexo

Metildopa, nitrofurantoína, diclofenaco e isoniazida

Mulheres são mais suscetíveis, principalmente as portadoras de hepatopatia crônica

Azitromicina

Homens são mais suscetíveis

Dose

Paracetamol e AAS

Risco de hepatotoxicidade proporcional aos níveis plasmáticos

Tetraciclina, tacrina e isoniazida

Idiossincrasia metabólica dose-dependente

Dose total/intervalo

Metotrexato e vitamina A

Aumento da dose ou da frequência aumenta a toxicidade

Via de administração

Tetraviclina EV

Via oral é raramente tóxica

História prévia de reação a fármacos

Eritromicina (amoxicilina/ácido clavulânico); halotano (enfurano); diclofenaco (ibuprofeno); amoxicilina (amoxicilina/ácido clavulânico)

Casos isolados de reação cruzada

Interação farmacológica

Ácido valproico e outros antiepilépticos

­ Risco de hepatotoxicidade

Anticontraceptivos orais e toleandromicina

­ Risco de colestase

Paracetamol e isoniazida, difenil-hidantoína

­ Risco de hepatotoxicidade

Isoniazida e ripampicina

Mais hepatotóxicos que isolados

Fenobarbital e antidepressivos

­ Risco de hepatotoxicidade

Consumo de álcool

Paracetamol

Não superar dose de 2 g/dia

Metotrexato e isoniazida

­ Risco de hepatotoxicidade

Fatores genéticos

Sulfonamidas, hidralazina

Déficit da atividade N-acetiltransferase 2

D-penicilamida, clorpromazina

Déficit da sulfoxidação

Paracetamol

Déficit da glutation-sintetase

Difenil-hidantohína

Déficit da atividade da epóxido-hidrolase

Modulação imunológica

Halotano, antidepressivos tricíclicos

HLA A11

Diclofenaco

HLA DR6

Clorpromazina

HLA DR6 e DR2

Nitrofurantoína

HLA DR1 e DRB5

Amoxicilina/ácido clavulânico

DQB1

Enfermidade adjacente

Aids

Sulfametoxazol-trimetoprim, dapsona

­ Risco de dano hepático

Diabetes e obesidade

Metotrexato, clotrimazol

­ Risco de fibrose hepática

Piora da função renal

Tetraciclinas, alopurinol

­ Risco de dano hepático

Transplante de órgãos

Azatioprina, bussufam

­ Toxicidade vascular

Doença de Still

AAS

­ Risco de dano hepático

Hipertireoidismo

Halotano

­ Risco de hepatite

Hepatite viral crônica

Antituberculosos, AINH, antirretrovirais e metotrexato

­ Risco de dano hepático

Gravidez

Tetraciclina

Induz esteatose microvesicular

Paracetamol

­ Risco de dano hepático

Desnutrição

Paracetamol

­ Risco de dano hepático

 

Dano Hepatico Crônico

1.    Cirrose (consultar capítulo de cirrose).

2.    Tumores: apenas tumores malignos causam Icterícia.

I.     Primários: acompanham a cirrose; o câncer hepatocelular é comum em portadores de hepatite B; o diagnóstico é feito pela dosagem elevada de alfafetoproteína e da biópsia hepática. O sarcoma primário do fígado e o hemangiossarcoma são extremamente raros.

II.   Metastáticos: frequentes no fígado, cursam com Icterícia branda.

3.    Infiltração.

I.     Tumores reticuloendoteliais.

II.   Amiloidose: raramente causa Icterícia.

 

Obstrução Biliar Extra-hepática

1.    Causas envolvendo a luz dos ductos

I.     Cálculos biliares: são a causa mais comum de obstrução biliar. O paciente que apresenta coledocolitíase e Icterícia obstrutiva pode ou não ser colecistectomizado. A Icterícia pode ser flutuante e desaparecer completamente após a eliminação do cálculo. Alguns pacientes são assintomáticos e apresentam testes anormais de função hepática. Geralmente, a vesícula biliar não é palpável. Quando a ultrassonografia não revela dilatação de vias biliares, a CPRE ou a CPT confirmam o diagnóstico.

II.   Parasitas: o Ascaris lumbricoides ocasionalmente bloqueia o ducto biliar, causando Icterícia.

2.    Causa afetando as paredes dos ductos

I.     Divisão acidental: geralmente por seccionamento cirúrgico acidental.

II.   Pancreatite aguda: consultar capítulo específico.

III.  Pancreatite crônica: consultar capítulo específico.

IV. Carcinoma do ducto biliar: tumores epiteliais que podem surgir em qualquer ponto da árvore biliar. Os pacientes apresentam Icterícia obstrutiva indolor.

V.   Obliteração congênita do ducto biliar: Icterícia obstrutiva profunda que surge no 3º dia após o nascimento. A insuficiência hepática ocorre entre os 3 e 6 meses.

3.    Compressão extrínseca do ducto biliar ou invasão pelo lado externo

I.     Tumores do pâncreas: produzem Icterícia por invasão do ducto biliar comum ao passar pela cabeça da glândula. A Icterícia é progressiva, eventualmente flutuante e associada à perda de peso. Hepatomegalia e vesícula biliar palpável podem estar presentes.

II.   Causas raras: adesões peritoneais, linfonodos portais aumentados, síndrome de Mirizzi, aneurisma da artéria hepática, cistos hidáticos, cistos retroperitoneais e divertículo duodenal.

 

Colestase Intra-hepática

1.    Síndrome de Dubin-Johnson e síndrome de Rotor

Afecções familiares benignas raras com Icterícia por hiperbilirrubinemia direta. Ocorre o transporte insuficiente da bilirrubina até o canalículo biliar, o que confere, no primeiro caso, uma pigmentação marrom ao fígado e, na síndrome de Rotor, a principal diferença é a ausência deste pigmento marrom.

 

2.    Gravidez

Algumas mulheres desenvolvem colestase no último trimestre da gravidez.

 

3.    Drogas.

 

Carotenemia

Não é Icterícia. Consiste na deposição do pigmento betacaroteno na pele, particularmente nas palmas das mãos, na esclera e nas membranas mucosas.

  

TRATAMENTO

O tratamento da Icterícia consiste no tratamento da doença de base e depende da doença com a qual o sintoma está associado. Nos casos de hepatite viral aguda, o tratamento geralmente é domiciliar e sintomático. Já se a causa for obstrução da drenagem biliar por cálculo, o tratamento é endoscópico ou cirúrgico. Em casos de tumor, geralmente a intervenção é cirúrgica, com avaliação da extensão e do tipo de câncer diagnosticado. Em alguns casos, há a possibilidade da recidiva da doença, ou seja, todos os sintomas, incluindo a Icterícia, poderão reaparecer.

Em razão das inúmeras possibilidades, é fundamental identificar os primeiros sinais de Icterícia e diagnosticar sua causa para adotar o tratamento mais eficaz. Desta forma, reduz-se o risco do aparecimento de complicações secundárias.

Não se dispõe, até o momento, de terapêutica específica para Icterícia. Medidas como colestiramina, rifampicina, fenobarbital, ácido ursodeoxicólico, S-adenosilmetionina e plasmaférese têm sido empregadas para aliviar o prurido. A causa do prurido ainda é incerta, pois não está diretamente relacionada ao nível sanguíneo de bilirrubina. Mesmo assim, o uso de um quelante de sais biliares, a colestiramina, em uma dose de até 12 g/dia, é a primeira escolha no tratamento. Quando não há resposta, é possível o uso de rifampicina, iniciando-se com 150 mg/dia.

O ácido ursodeoxicólico também pode ser utilizado. É um variante de sais biliares mais hidrofílico (mais solúvel em água) que a maioria dos sais biliares. Quando administrado em doses terapêuticas (13 a 15 mg/kg/dia), passa a constituir cerca de 40% do total de ácidos biliares, que se torna menos detergente e tóxico. Além disso, parece ter efeito na imunidade nos hepatócitos e canais biliares.

Pacientes ictéricos também podem apresentar deficiências vitamínicas por diminuição da absorção de vitaminas lipossolúveis, com sintomatologia própria: vitamina A (cegueira noturna), vitamina D (osteoporose, osteomalácia), vitamina E (alterações neurológicas) e vitamina K (coagulopatia). Como o excesso pode ser tão danoso quanto à deficiência, apenas recomenda-se a reposição após exames laboratoriais comprovatórios.

Xantomas múltiplos podem levar à dor por infiltração dos nervos e podem ser tratados com plasmaférese. A xeroftalmia (olho seco) melhora com colírios que simulam a lágrima, e os fenômenos de Raynaud, com bloqueadores de canais de cálcio.

Deve-se descontinuar o uso de qualquer tipo de droga hepatotóxica e, em casos mais graves, suporte hemodinâmico em unidades de terapia intensiva pode ser necessário.

A administração de N-acetilcisteína pode minimizar a necrose hepática induzida por paracetamol, mas para que esta terapêutica seja eficaz, deve ser introduzida nas primeiras horas, preferencialmente até 8 horas da exposição, com dose inicial de 150 mg/kg, via intravenosa por 15 minutos, seguida de infusão de 50 mg/kg em 500 mL de dextrose a 5% por 4 horas e, a seguir, 100 mg/kg em 1 litro de dextrose a 5% nas próximas 16 horas (totalizando 300 mg/kg em 20 horas).

Pacientes com Icterícia obstrutiva por cálculo com menos de 60 anos de idade são comumente submetidos à desobstrução endoscópica, percutânea ou cirúrgica. A CPRE é o melhor procedimento para os indivíduos idosos com cálculos biliares localizados nas vias biliares e que já foram submetidos à remoção da vesícula biliar. Para esses indivíduos, o índice de sucesso é comparável ao da cirurgia abdominal.

É sempre importante descartar quadro infeccioso grave e a necessidade imediata de antibioticoterapia ou procedimentos de desobstrução.

Os tumores de fígado, vias biliares e pâncreas devem ser descartados em pacientes com Icterícia colestática, pois o prognóstico depende do diagnóstico e de terapêutica precoces.

O transplante hepático é a última alternativa de tratamento para portadores de hepatopatias em estágio avançado. Quando o paciente transplantado continua a consumir álcool de forma abusiva ou quando a causa subjacente não puder ser alterada, o fígado transplantado acabará evoluindo para a cirrose.

Pacientes com Icterícia por hiperbilirrubinemia indireta precisam ser investigados quanto à presença de anemia hemolítica, cujo tratamento também varia de acordo com o fator desencadeante. De maneira geral, orienta-se que:

 

      Transfusões sanguíneas devem ser utilizadas apenas quando absolutamente necessárias (p.ex., angina e cor anêmico).

      Deve-se suspender drogas, descontinuando o uso de agentes que causam hemólise.

      Deve-se administrar ácido fólico porque a hemólise ativa consome folato e causa megaloblastose.

      Corticoides estão indicados anemia hemolítica autoimune.

      Imunoglobulina (IgG) pode ser usada em pacientes com anemia hemolítica autoimune, mas apenas alguns pacientes respondem e de forma transitória.

      Pode-se repor ferro nos casos de hemólise intravascular severa com hemoglobinúria persistente ocasionando perda substancial de ferro. Entretanto, antes de iniciar a reposição, deve-se avaliar o perfil férrico, principalmente porque o estoque de ferro pode estar elevado em pacientes que requerem terapia transfusional crônica.

      Esplenectomia pode ser necessária em alguns tipos de anemia hemolítica, como na esferocitose familiar ou na falência terapêutica das anemias hemolíticas autoimunes. Nestes casos, a imunização contra agentes capsulados (Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumonia) deve ser realizada antes do procedimento e em pacientes com anemia falciforme (autoesplenectomia).

 

Para maiores detalhes, consultar os capítulos específicos.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      A Icterícia é um achado frequente na prática médica, que deve sempre ser valorizado e investigado.

      Apresenta diversas etiologias possíveis, muitas delas graves e de conduta urgente.

      O tratamento consiste no tratamento da patologia desencadeante e na retirada de drogas tóxicas.

 

ALGORITMOS

Algoritmo 1. Avaliação de Icterícia.

 

1.    Marcadores de autoimunidade: antinúcleo, antimicrossomal, antimúsculo liso, antimitocôndria e p-ANCA.

2.    Forte suspeita de patologia biliar extra-hepática.

3.    Leptospirose, mononucleose, rubéola, coxsackie B, herpes, febre amarela, citomegalovírus e sepse (independentemente da etiologia).

 

Algoritmo 2. Avaliação de hiperbilirrubinemia indireta.

 

1.    Anemia hemolítica microangiopática: púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica, eclâmpsia e hipertensão maligna.

2.    Lúpus, doença maligna retículo-endotelial, sarcoidose e leucemia.

3.    Malária, pneumonias, gangrena.

4.    Consultar Tabela 5.

 

BIBLIOGRAFIA

Adaptado, com autorização, do livro Clínica Médica: dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e Tratamento. Barueri: Manole, 2007.

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