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Fibromialgia

Autor:

Lais Verderame Lage

Professora Colaboradora da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. Médica Assistente Doutora do Serviço de Reumatologia da FMUSP.

Última revisão: 07/02/2010

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

A fibromialgia é uma condição caracterizada por dor difusa e crônica, frequentemente associada à fadiga, sono não restaurador, e outras queixas pouco específicas como parestesias, sensação subjetiva de edema de extremidades, alterações cognitivas caracterizadas por dificuldade de concentração e raciocínio, ansiedade, humor deprimido e irritabilidade, tontura, sensação de desmaio iminente, perda de memória, cefaleias (tanto do tipo tensional quanto enxaqueca), palpitações e fraqueza. Dor lombar com irradiação para as nádegas é uma queixa frequente.

Afeta predominantemente o gênero feminino (10:1), com prevalência na população adulta, variando de 2 a 11,5%. Em nosso meio, a fibromialgia acomete entre 2,5 e 4,4% da população. O quadro pode estar presente entre crianças e adolescentes, não havendo diferenças quanto à distribuição entre meninos e meninas.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A causa da fibromialgia não está definida. Ela pode ser desencadeada por diversos fatores (físicos, psíquicos, sociais). Há predisposição genética, entretanto distúrbios neuroendócrinos e psicológicos, bem como alterações no mecanismo de percepção da dor, também afetam sua manifestação. Sabe-se que algumas características estão associadas à fibromialgia como sexo feminino, divórcio, dificuldade em completar o ensino médio e baixa renda.

A fibromialgia tem sido definida como um quadro de ampliação da sensibilidade a estímulos sensitivos periféricos como calor, corrente elétrica, pressão, que são interpretados pelo sistema nervoso central como sensações desagradáveis e traduzidas pelo sintoma dor.

Há diminuição dos níveis de serotonina e noradrenalina no soro e no líquido cerebrospinal (LCR) desses indivíduos (lembrando que a serotonina possui importante papel na modulação do humor, nas fases III e IV do sono não REM e no limiar de dor). Além disso, há elevação dos níveis de substância P no LCR, o que está associado a aumento da percepção de dor.

 

ACHADOS CLÍNICOS

O diagnóstico de fibromialgia é complexo. O paciente deve ser questionado quanto às características da dor, que deve ser difusa (acima e abaixo do quadril e em ambos os lados) e com duração maior do que três meses. Alterações do sono geralmente estão presentes, principalmente o sono não reparador. O sedentarismo e a intolerância ao exercício são comuns, assim como a fadiga excessiva, mesmo na execução de atividades diárias habituais. Essas são as características principais do quadro, embora muitas vezes o paciente apresente múltiplas outras queixas e sintomas que não podem ser facilmente explicáveis. A Tabela 1 mostra as características da fibromialgia.

 

Tabela 1: Características da fibromialgia

Características principais

Características associadas

Dor crônica difusa por pelo menos 3 meses

Distúrbios do sono

Pontos dolorosos em = 11 das 18 localizações anatômicas específicas (tender points)

Ansiedade

 

Fadiga

 

Cefaleias

 

Parestesias

 

Dificuldades cognitivas

 

Sensação subjetiva de inchaço articular

 

 

 

 

 

 

 

Na fibromialgia não existem anormalidades óbvias ao exame físico, assim como exames laboratoriais e radiológicos são normais. Porém, a ausência de anormalidades objetivas não define saúde ou bem-estar. Seguindo-se a recomendação do Colégio Americano de Reumatologia (ACR), os critérios diagnósticos para a síndrome da fibromialgia são:

 

a)  presença de dor difusa pelo corpo há mais de 3 meses;

b)  detecção de = 11 pontos dolorosos à palpação (de um conjunto de 18 pré-estabelecidos) – os tender points (Figura 1).

 

Figura 1: Localização dos 18 pontos dolorosos (tender points).

 

1.    Na inserção dos músculos suboccipitais.

2.    Na borda anterior dos espaços intertranversais das vértebras C5-C6.

3.    No corpo da borda superior do músculo trapézio.

4.    Na origem do músculo supraespinal, acima da espinha da escápula.

5.    Na segunda costela, junto à articulação costocondral.

6.    Dois centímetros distalmente ao epicôndilo lateral.

7.    No quadrante súperolateral da região glútea.

8.    Imediatamente posterior ao grande trocânter do fêmur.

9.    Na interlinha medial do joelho.

 

A fibromialgia está associada a uma série de comorbidades. É frequente a associação com depressão, ansiedade e distúrbios do sono. As cefaleias, inclusive a enxaqueca, estão presentes em mais da metade dos pacientes com fibromialgia. Síndrome do cólon irritável muitas vezes também está associada. Outros distúrbios frequentemente associados incluem dispepsia funcional, dor torácica não cardíaca, síndrome da bexiga irritável (disúria funcional), dismenorreia, síndrome pré-menstrual e disfunção de articulação temporomandibular.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

As principais afecções que devem ser distinguidas da fibromialgia por apresentarem abordagem terapêutica distinta são o hipotiroidismo, a síndrome miofascial, a síndrome da fadiga crônica, o hiperparatiroidismo, a polimialgia reumática, a dermato/polimiosite, o parkinsonismo inicial, distúrbios de eletrólitos como cálcio e potássio, bem como o uso de determinadas drogas lícitas (estatinas, bloqueadores H2, corticosteroides) ou ilícitas (cocaína e canabis).

 

EXAMES LABORATORIAIS

Devem ser solicitados para a exclusão de outras afecções. Na fibromialgia, os exames laboratoriais são normais. Na abordagem do quadro temos recomendado a solicitação dos seguintes exames:

 

      provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação – VHS e proteína C reativa – PCR);

      hormônios tiroidianos (TSH e T4 livre);

      avaliação do metabolismo ósseo com dosagem de cálcio e paratormônio;

      potássio sérico (principalmente quando o paciente faz uso de diuréticos);

      creatinofosfoquinase (CPK) e aldolase (caso seja detectado patente fraqueza muscular);

      radiografia simples de bacia, caso haja suspeita de espondiloartropatias (lombalgia com irradiação para nádegas).

 

TRATAMENTO

Diferentes abordagens podem ser utilizadas, tanto no que diz respeito ao arsenal medicamentoso quanto aos recursos não medicamentosos. O principal objetivo do tratamento é a minimização da dor, bem como a restauração da amplitude de movimento e a flexibilidade muscular. O paciente deve ser instruído a estabelecer uma atitude ativa em relação ao tratamento, procurando o reconhecimento de fatores precipitantes ou perpetuantes de suas crises álgicas. De qualquer forma, a adoção de medidas que considerem as peculiaridades de cada paciente é que determinará a eficácia do tratamento.

 

Tratamento Farmacológico

Analgésicos comuns como o paracetamol ou anti-inflamatórios não hormonais não são efetivos no tratamento da fibromialgia, devendo ser reservados a situações de dor muito intensa.

Drogas antidepressivas são largamente prescritas para o controle da dor e da fadiga, sendo as drogas mais bem estudadas para o tratamento da fibromialgia os antidepressivos tricíclicos. Habitualmente se usa amitriptilina (25 a 50 mg à noite). Outros antidepressivos que também foram estudados demonstrando benefício em alguns estudos foram fluoxetina, isoladamente ou em associação com a amitriptilina (p. ex.: fluoxetina 20 mg pela manhã e de amitriptilina 25 mg à noite), citalopram, paroxetina (agem na recaptação de serotonina); milnacepram e duloxetina (drogas recaptadoras de serotonina e norepinefrina).

Os relaxantes musculares como ciclobenzaprina (5 a 40 mg/dia), tizanidina e carisoprodol podem aliviar a tensão muscular; dentre estes, a ciclobenzaprina é a droga mais bem estudada para este fim.

Medicamentos hipnóticos como os benzodiazepínicos atuam como sedativos, ansiolíticos e possuem potente ação miorrelaxante. O alprazolam é uma das drogas que pode ser utilizada nas fases iniciais do tratamento da fibromialgia, por seu importante efeito ansiolítico. No entanto, deve-se salientar que os benzodiazepínicos podem acarretar dependência química, tornando seu uso restrito a curtos intervalos.

 

Tratamento Não Farmacológico

Exercícios Físicos

Programas de exercícios físicos para pacientes com fibromialgia têm incluído atividades aeróbias, de alongamento e fortalecimento muscular. Exercícios utilizados para condicionamento cardiovascular também induzem melhora significativa da dor.

 

Acupuntura

O uso de acupuntura na fibromialgia demonstra resultados conflitantes; alguns pacientes relatam melhora dos sintomas, enquanto outros referem piora. Ainda não há estudos clínicos controlados mostrando seu efeito no quadro.

 

Massoterapia

É considerado um recurso eficaz com redução significativa da dor, porém seu efeito é transitório, podendo estar indicada nas crises álgicas maiores.

Diversos outros recursos alternativos como yoga, balnearioterapia e musicoterapia podem ser utilizados na busca de alívio dos sintomas e melhora da qualidade de vida dos pacientes com fibromialgia.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      A fibromialgia é uma condição caracterizada por dor difusa e crônica, frequentemente associada à fadiga e sono não restaurador, além de outras queixas pouco específicas.

      Na fibromialgia não existem anormalidades óbvias ao exame físico, assim como exames laboratoriais e radiológicos são normais.

      É frequente a associação com depressão, ansiedade, distúrbios do sono, cefaleias e outras síndromes funcionais.

      Exames devem ser solicitados para afastar outras causas, sendo os principais VHS, PCR, TSH, T4 livre, cálcio, paratormônio, potássio, CPK, aldolase e radiografia simples de bacia.

      As medicações mais utilizadas no tratamento da fibromialgia incluem os antidepressivos tricíclicos. Entre as medidas não farmacológicas, um programa de atividade física que inclua exercícios aeróbicos, alongamento e fortalecimento muscular global é que proporciona os resultados mais consistentes.

 

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