Autor:
Carlos Henrique Sartorato Pedrotti
Médico do Pronto Socorro do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 07/03/2010
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Fadiga é um sintoma extremamente comum na prática clínica, com uma prevalência de até 7,5% na população geral. Estima-se que até 30% dos pacientes que procuram serviços de saúde apresentem fadiga significativa.
Entende-se como fadiga a sensação de exaustão durante ou após as atividades cotidianas, com sensação de falta de energia, aliando sintomas físicos e psíquicos pouco específicos, comumente relatados pelo paciente como “cansaço” exagerado. Usa-se o termo “fadiga crônica” para sintomas que persistem por mais de 6 meses. Em grande parte das situações, a fadiga não é queixa isolada nem prioritária, casos nos quais devem-se seguir os algoritmos específicos.
O paciente portador de fadiga crônica com frequência já visitou vários médicos, sendo importante valorizar os seus sintomas, demonstrar empatia e respeito por sua queixa e extrair uma história correta e abrangente, além de realizar um exame físico completo solicitando exames complementares adequados.
Aqui será abordada a fadiga com mais de 6 meses de duração como sintoma principal do paciente, na qual a exclusão de diagnósticos alternativos é meta prioritária no atendimento. Será dada atenção especial à síndrome da fadiga crônica (SFC) e à fadiga crônica idiopática (FCI), entidades nosológicas com critérios diagnósticos específicos e cujo diferencial envolve a abordagem da fadiga crônica lato sensu.
A história clínica é a parte mais importante do atendimento ao paciente com fadiga crônica. Inicia-se com a abordagem correta dos sintomas, passando pela caracterização precisa da fadiga em si, exclusão de outros sintomas não inicialmente apresentados e pesquisa de doenças psiquiátricas concomitantes.
É de extrema importância formar uma relação positiva na aliança terapêutica com o paciente, que comumente já visitou diversos médicos e dificilmente recebeu atenção adequada aos seus sintomas. Reassegurar o paciente de que o que ele sente é verdadeiro e debilitante é extensamente apoiado pela literatura como um fator que aumenta a adesão do paciente ao tratamento, levando consequentemente a melhores resultados. Um rótulo psiquiátrico costuma significar não apenas que os sintomas não são reais, mas também que o paciente é o culpado por eles. Muitas vezes, a simples sugestão de que os sintomas são psiquiátricos é percebida como uma agressão e pode destruir a relação médico-paciente. Demonstrar compreensão com as dificuldades do paciente, com o fato de ele já ter recebido muitas opiniões conflitantes e explicações vagas sobre as possíveis causas de seus sintomas, é de grande valia.
Nesse momento, é prioritário diferenciar “fadiga” de sintomas como dispneia, sonolência e fraqueza muscular, a fim de evitar confusões em relação aos sintomas e erros ao direcionar incorretamente a abordagem. Deve-se, de início, adotar uma postura aberta em relação aos sintomas do paciente, deixando-o relatá-los com suas próprias palavras, de forma a evitar sugestioná-lo. Questionamentos amplos como “o que você quer dizer com ‘fadiga’?” e “por favor, descreva o que você sente” são muito úteis. Uma descrição clara do que o paciente refere como “fadiga” ou “cansaço” é fundamental.
Pacientes com doença orgânica geralmente associam seus sintomas a atividades que não conseguem completar, enquanto pacientes com fadiga geralmente estão cansados o tempo todo. A fadiga não está necessariamente relacionada ao esforço, nem costuma melhorar com repouso.
Deve-se caracterizar o tempo da fadiga (os consensos consideram crônica a fadiga presente por 6 meses ou mais), o momento de início (súbito ou insidioso), o curso da doença (progressivo ou estável) e o quanto ela influencia nas atividades cotidianas do paciente. Para tanto, é necessária também uma história da vida pré-mórbida do indivíduo. É importante ainda saber sobre métodos de que o paciente se utiliza para lidar com a fadiga (‘coping strategies’), como evitar constantemente qualquer tipo de esforços, o que pode trazer um grave descondicionamento físico. Sugere-se pesquisar também os tratamentos prévios, a fim de evitar novos insucessos terapêuticos.
Embora este não seja o objetivo deste texto, vale mencionar que existem diversas escalas e questionários para averiguar e acompanhar a evolução e a intensidade da fadiga.
Alterações do sono são extremamente comuns em pacientes com fadiga crônica. É importante saber quão restaurador é o sono, pesquisar a presença de sonolência diurna excessiva e alterações sugestivas de apneia obstrutiva. A adequada caracterização dessas alterações ajuda na escolha da opção terapêutica e no diagnóstico diferencial.
O interrogatório deve ser abrangente e detalhado, abordando tegumento, pares cranianos, aparelho cardiovascular, trato gastrintestinal, trato geniturinário, membros, funções motora e sensitiva de forma sistemática, a fim de abordar todos os sintomas possivelmente desconsiderados pelo paciente, porém de potencial importância para um diagnóstico alternativo.
Além disso, a presença de outros sintomas somáticos aliados à fadiga é requerida em diversas definições e critérios diagnósticos, e incluem dor muscular, dor articular, linfonodos dolorosos, dor de garganta, cefaleia, entre outros.
Medicações como betabloqueadores, anti-histamínicos, benzodiazepínicos e muitas outras podem ser responsáveis pela fadiga apresentada pelo paciente. Uma lista detalhada das medicações em uso deve ser obtida, assim como as previamente utilizadas. O abuso de bebidas alcoólicas ou substâncias ilícitas deve ser obrigatoriamente pesquisado.
Essa fase da abordagem é destacada pela sua grande importância, já que a confusão e a superposição de diagnósticos psiquiátricos são tão frequentes quando desafiadoras. Doenças psiquiátricas ainda mais prevalentes na população que a própria fadiga, como depressão e ansiedade, são causa e consequência do sintoma abordado neste texto. Assim, o diagnóstico dessas doenças é de suma importância, já que a conduta tende a ser bastante diferenciada.
Transtornos depressivos devem ser sempre cogitados no diagnóstico do paciente com fadiga. Como muitos sintomas são superponíveis, devem-se ressaltar os mais relevantes na diferenciação de tais síndromes. Anedonia, ou seja, a perda do prazer em realizar atividades previamente prazerosas, costuma ser bastante específica para transtornos depressivos, assim como humor gravemente deprimido na maior parte do dia e pensamentos de morte ou tentativas de suicídio. Convém lembrar, entretanto, que não é incomum o paciente apresentar ambos os diagnósticos de depressão e síndrome da fadiga crônica, o que é de difícil abordagem.
Por outro lado, são sintomas específicos para transtornos ansiosos a descrição espontânea de preocupação excessiva, apreensão e tensão. Particularmente, é interessante procurar por transtornos fóbicos e pânico neste contexto. Ressalta-se também a elevada prevalência de transtornos somatoformes, que são bastante complexos, pois envolvem sintomas múltiplos em geral não explicados por nenhum diagnóstico médico.
O exame físico deve ser completo e detalhado. Apesar de dificilmente levar a um diagnóstico preciso, é de extrema importância na construção da relação médico-paciente, na segurança do paciente no médico e, consequentemente, na adesão ao tratamento. Alguns pontos especiais:
avaliação completa de linfadenopatias, considerando a hipótese de infecções crônicas ou neoplasias malignas;
palidez cutânea, taquicardia e sopro ejetivo sistólico pode sugerir anemia;
uma palpação cuidadosa da tireoide pode sugerir alterações endócrinas importantes;
procurar sinais de cardiopatia ou doença pulmonar crônica;
palpar os tender-points característicos de fibromialgia;
pesquisar déficits de força muscular e alterações neurológicas que podem simular fadiga.
Os principais diagnósticos diferenciais estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1: Diagnóstico diferencial da síndrome da fadiga crônica e fadiga crônica idiopática
Infecciosas |
Hematológicas |
Infecção crônica pelo vírus Epstein-Barr |
Anemia |
Influenza |
Linfoma |
Infecção pelo HIV |
Neoplasia oculta |
Outras doenças virais |
Reumatológicas |
Tuberculose |
Fibromialgia |
Doença de Lyme |
Síndrome de Sjögren |
Neuroendócrinas |
Polimialgia reumática |
Hipo/hipertireoidismo |
Arterite de células gigantes |
Doença de Addison |
Polimiosite/dermatomiosite |
Insuficiência adrenal |
Outras |
Doença de Cushing |
Obstrução nasal anatômica, alérgica ou por sinusite |
Diabetes |
Doença crônica |
Psiquiátricas |
Efeitos colaterais de medicações |
Transtorno afetivo bipolar |
Abuso de álcool ou drogas |
Esquizofrenia |
Exposição e toxicidade a metais pesados |
Demências |
Distúrbio importante do peso corpóreo |
Anorexia/bulimia |
|
Transtornos depressivos |
|
Transtornos ansiosos |
|
A SFC é uma doença clinicamente definida e caracterizada por fadiga crônica, intensa e debilitante, associada a diversos sintomas comuns a síndromes neuropsicológicas, como dor muscular, articular e alterações do sono. Não possui etiologia definida. Diversos critérios diagnósticos já foram elaborados, sendo a definição do Center for Diseases Control and Prevention (CDC) norte-americano revisada em
Tabela 2: Critérios diagnósticos de fadiga crônica segundo o CDC, revisados em 1994
Fadiga crônica persistente ou recorrente inexplicada, clinicamente avaliada, que: |
Possui início definido (não é pela vida toda) |
Não é o resultado de esforço em andamento | |
Não é substancialmente aliviada pelo repouso | |
Resulta em redução importante das atividades ocupacionais, educacionais, sociais ou pessoais em relação aos níveis anteriores à doença | |
A ocorrência concomitante de 4 ou mais dos seguintes sintomas, todos presentes por pelo menos 6 meses consecutivos, sendo que não devem anteceder a fadiga: |
Deterioração da memória de curto prazo ou da capacidade de concentração relatada pelo próprio paciente, intensa o suficiente para causar redução substancial das atividades ocupacionais, educacionais, sociais ou pessoais prévias |
Dor de garganta | |
Linfonodos axilares ou cervicais dolorosos | |
Dor muscular | |
Dor poliarticular sem edema ou eritema | |
Cefaleia de novo padrão, tipo ou gravidade | |
Sono não restaurador | |
Exaustão pós-exercício durando mais de 24 horas | |
Exclui-se o paciente com as seguintes situações, que explicam satisfatoriamente a fadiga crônica: |
Índice de massa corpórea maior ou igual a 45 |
Condição médica ativa que possa explicar a fadiga, como hipotireoidismo não tratado | |
Condições médicas prévias não resolvidas totalmente, como antecedentes de câncer ou hepatite B ou C crônicas | |
Qualquer transtorno psiquiátrico ou psicótico com elementos melancólicos, como transtornos bipolares ou afetivos, esquizofrenia, transtornos delirantes, assim como demências, anorexia e bulimia nervosa | |
Abuso de álcool ou outra substância nos últimos 2 anos antes do início da fadiga ou em qualquer tempo após | |
Não se excluem pacientes com as seguintes alterações, que, por sua vez, não explicam a fadiga crônica por completo: |
Qualquer condição definida primariamente por sintomas que não podem ser confirmados por exames complementares, como fibromialgia, transtornos depressivos, ansiosos, somatoformes etc. |
Qualquer condição cujo tratamento adequado é suficiente para aliviar todos os sintomas relativos a esta, como hipotireoidismo com níveis atuais normais de hormônio tireoestimulante ou asma com prova de função pulmonar normal. | |
Qualquer condição, como doença de Lyme ou sífilis, previamente tratada por completo antes do desenvolvimento de sequelas crônicas | |
Qualquer achado de exame físico, laboratorial ou de imagem inexplicável e isolado que é insuficiente para confirmar uma condição que explique a fadiga por si. |
A prevalência da SFC na população é de
Diversos consensos apontam diversos exames complementares como essenciais no diagnóstico diferencial da fadiga crônica. Deve-se ressaltar que, após uma história bem extraída e exame físico e psíquico detalhados, apenas cerca de 5% dos casos de fadiga crônica são esclarecidos por exames complementares. De todo modo, os exames funcionam também como grandes aliados na formação do elo entre o médico e o paciente. A seguir, são listados os exames indicados como ‘screening’ básico; testes adicionais podem ser indicados conforme suspeita clínica individual:
hemograma completo;
velocidade de hemossedimentação (VHS);
eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, fósforo e magnésio séricos);
glicemia;
ureia e creatinina séricas;
hormônio tireoestimulante (TSH);
proteínas totais e frações;
enzimas hepáticas e canaliculares;
urina I;
PPD.
O tratamento da SFC e da FCI é semelhante, igualmente prolongado e de pouca eficiência comprovada, sendo o prognóstico de ambas geralmente desfavorável. Não há tratamento farmacológico que traga benefício baseado em evidências clinicamente aprovadas por grandes estudos e meta-análises; assim, drogas devem ser usadas com base apenas nos sintomas alternativos apresentados pelos pacientes e nas doenças concomitantes (p.ex., fibromialgia). A terapêutica baseia-se na garantia de que o paciente não possui algo orgânico que possa levá-lo à morte, mas uma doença clinicamente definida, real e debilitante, associado a dois métodos não farmacológicos com boa evidência de trazer benefício significativo:
1. Terapia cognitivo-comportamental: consiste em sessões de 1 hora de duração designada para rever as crenças do paciente sobre a sua doença e ajustar as atividades ou comportamentos que podem agravar a enfermidade ou retardar a reabilitação. É um método formalmente elaborado e protocolado com obtenção excelentes resultados.
2. Exercício gradual: o descondicionamento físico inerente à fadiga crônica exacerba os sintomas e diversos métodos de exercícios de esforço gradualmente progressivo têm mostrado bons resultados.
Fadiga crônica é um sintoma extremamente comum, porém pouco valorizado pelos médicos.
A abordagem baseia-se em história, exame psíquico e exame físico detalhados com ênfase no diagnóstico diferencial, que, por sua vez, é extremamente amplo, com grande prevalência de doenças psiquiátricas.
A síndrome da fadiga crônica, cujo diagnóstico é baseado na exclusão de distúrbios orgânicos concomitantes, é a marca da fadiga crônica isolada.
Não possui etiologia definida.
O tratamento é prolongado e ineficaz, sendo o prognóstico, em geral, desalentador.
O Algoritmo 1, é baseado nas definições do CDC revisadas em 1994 para o diagnóstico de SFC e distúrbios correlatos.
Algoritmo 1: Abordagem da fadiga crônica.
HMG = hemograma completo; VHS = velocidade de hemossedimentação; ALT = alaninoamino-transferase; FFA = fosfatase alcalina; PTF = proteínas totais e frações; U/C = ureia e creatinina; TSH = hormônio tireoestimulante; UI = Urina I.
1. Site do CDC americano. http://www.cdc.gov/ncidod/diseases/cfs/
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