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Infecção por Clostridium difficile em adultos

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 29/01/2013

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Especialidades: Medicina de Emergência / Medicina Hospitalar / Infectologia / Gastrenterologia

 

Introdução

         A bactéria Clostridium difficile é capaz de colonizar o trato digestivo do ser humano em situações em que a flora normal tenha sido alterada pelo uso de antibióticos. A consequência clínica direta é a possibilidade de o paciente cursar com colite pseudomembranosa pelo C. difficile, uma das infecções mais comuns. Sua importância se deve à alta morbimortalidade, sobretudo em pacientes idosos.

 

Quadro clínico

Doença típica

         A principal manifestação clínica das infecções por C. difficile é a diarreia aquosa. Entretanto, existe uma grande variedade de quadros clínicos associados com esta bactéria, como mostra a Tabela 1.

 

Tabela 1. Quadros clínicos associados ao C. difficile

Tipo

Diarreia

Outros sinais e sintomas

Sigmoidoscopia

Portador assintomático

Ausente

Ausente

Normal

Diarreia e colite associadas a C. difficile

Várias evacuações/dia

Presença de leucócitos e sangue oculto nas fezes

Hematoquezia: rara

Náusea, anorexia, febre, mal-estar, desidratação, leucocitose com desvio à esquerda, distensão abdominal

Colite difusa não específica

Colite pseudomembranosa

Diarreia mais intensa que na colite simples

Presença de leucócitos e sangue oculto nas fezes

Hematoquezia: rara

Náusea, anorexia, febre, mal-estar, desidratação, leucocitose com desvio à esquerda, distensão abdominal (sintomas mais severos que na colite simples)

Pseudomembranas: placas amarelas, elevadas, aderentes, com até 2 cm; 10% dos casos não têm lesão em retossigmoide sendo necessária colonoscopia

Colite fulminante

Diarreia severa ou presença de íleo paralítico com dilatação colônica

Letargia, sepse, dor abdominal, radiografia de abdome compatível com distensão de cólon, pode ter sinais de peritonite por perfuração

Sigmoidoscopia e colonoscopia contraindicadas

 

         Algumas estimativas apontam que 20% dos pacientes hospitalizados são portadores assintomáticos de C. difficile. Esta taxa pode chegar a 50% em instituições de longa permanência.

         Quando ocorre a colite simples, o volume de evacuações pode chegar a 15/dia, sendo que febre chega a ocorrer em 15% dos casos, sendo a leucocitose um achado mais comum. Leucocitose sem quadro clínico em pacientes hospitalizados pode ser o achado inicial da colite, precedendo em 1 a 2 dias a diarreia. É mais frequente que os sintomas se iniciem durante o uso de antibióticos ou até 10 dias após o término. Em raros casos, a manifestação pode ocorrer semanas após o término dos antibióticos, com casos se manifestando 10 semanas após. Os antibióticos mais relacionados com as manifestações clínicas causadas pelo C. difficile estão na Tabela 2.

 

Tabela 2. Antibióticos que podem induzir colite e diarreia por C. difficile

Associação frequente

Fluoroquinolonas

Clindamicina

Penicilinas de amplo espectro

Cefalosporinas de amplo espectro

Associação ocasional

Macrolídeos

Trimetoprim

Sulfonamidas

Associação rara

Aminoglicosídeos

Tetraciclinas

Cloranfenicol

Metronidazol

Vancomicina

 

         Na colite pseudomembranosa, os sintomas tendem a ser mais importantes que na colite simples, e se adiciona o achado praticamente patognomônico na retossigmoidoscopia, que são as pseudomembranas (vide características mostradas na Tabela 1).

         A colite fulminante é a pior apresentação possível, normalmente se manifestando como uma sepse grave, com acidose lática e muita dor abdominal. Em alguns casos, há diminuição das evacuações à custa da evolução para íleo paralítico. Algumas complicações frequentes são o megacólon tóxico e a perfuração de alça levando a um quadro de abdome agudo. A radiografia de abdome pode mostrar dilatação de alças, níveis hidroaéreos e espessamento de parede. Há alto risco de perfuração com retossigmoidoscopia ou colonoscopia, sendo altamente recomendável que seja feita uma avaliação cirúrgica de urgência.

 

Doença recorrente

         Em média, 10 a 25% dos pacientes tratados adequadamente terão recorrência dos sintomas. Isso se deve à recidiva da doença ou à reinfecção. A recorrência pode ocorrer dias ou semanas após o término do tratamento e é atribuída a aspectos intrínsecos de imunidade do indivíduo.

         Os fatores de risco para recorrência incluem idade > 65 anos, doenças graves de base e necessidade de manter a antibioticoterapia causadora durante o tratamento do C. difficile. Pacientes com 1 recorrência têm 45 a 65% de chance de ter novos episódios.

 

Doença atípica

         Um dos quadros atípicos é a enteropatia perdedora de proteínas, que leva a hipoalbuminemia com ascite e edema em alguns casos. O quadro reverte com o tratamento adequado. Outra apresentação atípica é quando a infecção por C. difficile complica o curso de uma doença inflamatória intestinal, o que corresponde a 5% das causas de exacerbação dessas doenças. Nestes casos, o diagnóstico é mais difícil, pois os pacientes podem não cursar com pseudomembranas, e há também uma maior taxa de pacientes que evoluem com necessidade de colectomia.

 

Diagnóstico diferencial

         Outras bactérias que podem levar a diarreia associada com antibióticos: Staphylococcus aureus, Klebsiella oxytoca, Clostridium perfringens, Candida spp e Salmonella.

         Causas não infecciosas: diarreia osmótica induzida por antibióticos, síndrome do intestino irritável pós-infecciosa (ocorre em 10% dos pacientes que foram tratados adequadamente para infecções por C. difficile).

 

Diagnóstico

         A suspeita clínica deve ser feita na presença de 3 ou mais evacuações por pelo menos 2 dias para pacientes com uso atual ou recente de antibióticos relacionados. Essa suspeita é mais intensa se muitas evacuações ocorrem na vigência de febre ou durante a noite, porém não se deve esquecer que uma menor parte dos casos pode evoluir com um quadro de íleo paralítico.

 

Diagnóstico laboratorial

         Há 2 categorias de testes para C. difficile: detecção da toxina (a maior parte das cepas produzem toxinas A e B) ou detecção do organismo. Um problema com a detecção do organismo é que nem todas as cepas são toxigênicas e que até 30% dos pacientes hospitalizados podem ter colonização sem doença.

         O padrão-ouro para o diagnóstico é o teste de citotoxina feito em amostra de fezes, com sensibilidade de 94 a 100% e especificidade de 99%. Sua limitação é o custo e o tempo para o resultado (48 horas). O teste mais feito atualmente é o Elisa para toxinas A e B, devido ao baixo custo e ao fato do resultado sair em 24 horas. O Elisa tem sensibilidade variável entre 60 e 95% e especificidade de 99%. Nos EUA, já são utilizados testes com reação em cadeia de polimerase (polymerase chain reaction – PCR) para detecção da toxina B, apresentando altas sensibilidade e especificidade, porém também com alto custo.

         A detecção do organismo pode ser feita com teste para antígenos ou cultura anaeróbica. A detecção de antígeno é o teste da glutamato desidrogenase (GDH). Alguns laboratórios usam este teste como triagem: em caso positivo, fazem o teste para a toxina. A cultura anaeróbica é teoricamente o método mais sensível para detectar o C. difficile, porém leva pelo menos 3 dias e não consegue distinguir cepas produtoras de toxinas das não produtoras, sendo pouco indicada na prática, servindo mais a propósitos epidemiológicos.

 

Diagnóstico endoscópico

         As situações mais indicadas para realizar retossigmoidoscopia ou colonoscopia são as indicadas na Tabela 3.

 

Tabela 3. Indicações de exame endoscópico nas infecções por C. difficile

Alta suspeita clínica com testes laboratoriais negativos

Necessidade de diagnóstico rápido antes dos resultados laboratoriais

Falência terapêutica

Apresentação atípica incluindo situações de íleo ou de pouca diarreia

 

Tratamento

Condutas gerais

         Algumas condutas gerais devem ser seguidas. A primeira delas é cessar o uso do antibiótico envolvido assim que possível, pois isso pode impactar tanto com prolongamento do quadro quanto com recorrência da doença. O paciente deve ser colocado em isolamento de contato. A lavagem de mãos com água e sabão é preferível ao uso de formulações alcoólicas nestes casos. Correções de desidratação e distúrbios eletrolíticos devem fazer parte do tratamento.

         Para iniciar o tratamento antibiótico, basta ter um quadro clínico compatível com teste diagnóstico positivo. Se a suspeita clínica é grande, é possível iniciar o tratamento empiricamente após coleta de material para análise. Não se recomenda tratar pacientes assintomáticos mesmo com testes positivos.

 

Doença leve

         As opções de tratamento incluem metronidazol e vancomicina, ambos por via oral. Para doença leve, ambos têm uma taxa similar de cura. Em razão do custo e da facilidade de uso, a primeira opção é o metronidazol, sendo seus limitantes a neuropatia periférica dose-dependente e os efeitos colaterais comuns, como náusea e gosto metálico na boca.

         Pacientes que precisem manter antibioticoterapia prévia devem ser tratados para o C. difficile pelo tempo total do antibiótico em uso e mais 1 semana após seu término. Não se recomenda fazer exames de controle ao final do tratamento para C. difficile.

 

Regimes

     1ª opção: metronidazol 500 mg a cada 8 horas ou 250 mg a cada 6 horas por 10 a 14 dias;

     2ª opção: vancomicina 125 mg a cada 6 horas por 10 a 14 dias (vide Tabela 4 para uso).

 

Tabela 4. Preparo oral da vancomicina a partir do pó para injeção

Reconstituir um frasco de 500 mg de pó com 10 mL de água estéril para injeção.

Cada 2,5 mL dessa solução contém 125 mg de vancomicina.

O produto é estável em temperatura ambiente por 24 horas.

Cada dose a ser utilizada (125 mg) é retirada do frasco e acrescida de 30 mL de água potável e dada por via oral.

 

Doença recorrente

         No caso da primeira recorrência, pode-se fazer o mesmo esquema antibiótico dado no primeiro episódio. Em uma segunda recorrência, o esquema de tratamento proposto é um pulso decrescente de vancomicina, como se segue:

 

     vancomicina 125 mg a cada 6 horas por 7 a 14 dias;

     vancomicina 125 mg a cada 12 horas por 7 dias;

     vancomicina 125 mg 1 vez/dia por 7 dias;

     vancomicina 125 mg em dias alternados por 7 dias;

     vancomicina 125 mg a cada 3 dias por 14 dias.

 

         Algumas drogas, como a rifaximina e a fidaxomicina ainda não são disponíveis no Brasil, a despeito de já terem seu uso validado em estudos.

 

Doença grave

         Existem diferentes definições para infecção grave por C. difficile conforme a fonte consultada. Sugerimos ter todas em mente no momento de definir clinicamente quem é o paciente grave. As definições são as que se seguem:

 

     leucócitos > 15.000 com aumento = 1,5 vez da creatinina de base;

     leucócitos > 20.000 com piora da função renal;

     escore com 1 ponto para cada um dos seguintes: idade > 60 anos, temperatura > 38,3 °C, albumina sérica < 2,5 mg/dL, leucócitos > 15.000 em 48 horas de evolução; e 2 pontos para evidência endoscópica de pseudomembrana ou necessidade de UTI. Pacientes com 2 ou mais pontos são considerados graves;

     = 10 evacuações/dia, leucócitos = 20.000, dor abdominal intensa.

 

         A base do tratamento continua sendo com antibioticoterapia, porém é indicada a vancomicina como 1ª escolha nestes casos graves, pois apresenta melhores taxas de cura do que o metronidazol em estudos comparados para casos graves. O tempo também é de 10 a 14 dias de tratamento. Pacientes que precisem manter antibioticoterapia prévia devem ser tratados para o C. difficile pelo tempo total do antibiótico em uso mais 1 semana após seu término.

         Pacientes com íleo podem se beneficiar da associação de metronidazol endovenoso (500 mg a cada 8 horas) ao esquema com vancomicina oral.

         É possível também realizar enemas de vancomicina em pacientes que não tolerem tratamento por via oral, mas levando em conta que esta opção aumenta os riscos de perfuração colônica. O esquema sugerido é de 500 mg de vancomicina em 100 mL de soro fisiológico a cada 6 horas, por enema de retenção.

         Em pacientes que não estiverem melhorando com a dose inicial de vancomicina de 125 mg 4 vezes/dia, pode-se ampliar a dose para 500 mg 4 vezes/dia.

         Cirurgia pode ser indicada em casos de megacólon tóxico, abdome agudo perfurativo, colite necrotizante ou doença refratária associada a falência múltipla de órgãos. O momento de operar é uma grande dúvida prática. O que se recomenda é operar pacientes com doença severa que estejam sem melhora após 48 horas, em casos de perfuração e em falência orgânica múltipla. A abordagem com cirurgia precoce pode ser justificada para pacientes com pelo menos 65 anos de idade, com leucócitos = 20.000 e lactato de 20 mg/dL (2,2 mEq/L) ou mais. Os procedimentos viáveis são: colectomia subtotal (remoção de todo o cólon com ileostomia e sem remoção do reto) e derivação com ileostomia em alça com lavagem colônica.

 

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