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Intoxicação por metanol

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 13/06/2013

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Introdução

O metanol (álcool metílico, hidrato de metilo, álcool metílico, hidróxido de metilo), o mais simples álcool existente, foi primeiramente isolado por Robert Boyle em 1661, mas só em 1834 é que dois químicos franceses determinaram a composição desta substância, cuja fórmula química é CH3OH. Trata-se de um líquido volátil, incolor, altamente polar, inflamável e tóxico, com um odor característico que é mais leve e adocicado que o odor do álcool etílico (etanol). Tem as seguintes características físicas: é encontrado em fase líquida; é completamente miscível em água; tem ponto de fusão a -97 °C (nível do mar); ponto de ebulição a 64,7 °C (nível do mar); densidade de 0,7918 g/cm3 e pKa de aproximadamente 15,5.

 

Fontes

Obtido inicialmente a partir da destilação da madeira, a principal fonte natural de metanol é a decomposição de plantas, como emissão volátil. Também é produzido naturalmente no metabolismo anaeróbico de diversas bactérias, formado durante a decomposição de restos biológicos, lodo e água de esgoto. O resultado é a presença de pequena quantidade de vapor de metanol na atmosfera, que após poucos dias é oxidado a gás carbônico e água.

Nas indústrias, é sintetizado artificialmente em um processo de várias etapas, sendo o gás natural a matéria-prima mais largamente utilizada. Outras fontes viáveis como matéria-prima são alguns produtos leves do petróleo e gás sintético de carvão.

 

Usos

Atualmente, o metanol é largamente usado como solvente industrial na produção de outros produtos químicos. Por exemplo, produz removedores de tintas e verniz e está presente em soluções automotivas anticongelantes e degelantes, bem como em líquidos limpadores de parabrisas. Muitos outros produtos como plásticos, tintas e explosivos são derivados do principal produto do metanol, o formaldeído.

O uso do metanol como combustível para motores recebeu atenção durante a Crise do Petróleo na década de 1970 em virtude de sua disponibilidade e baixo custo, em um processo de transformação de metanol em gasolina desenvolvido por Mobil. Porém, seu uso é limitado nesse sentido pelo fato de não ser tão inflamável quanto a gasolina. Atualmente, é utilizado como combustível em carros de corrida (o fato do fogo gerado pelo metanol poder ser apagado com água e sua fumaça não ser negra, o que atrapalharia equipes de salvamento em acidentes, acabou levando à essa opção) e em misturas com gasolina para outros veículos, como ônibus. Durante a Segunda Guerra Mundial, chegou a ser usado como combustível para foguetes nazistas. Hoje em dia, há consenso de que o uso do metanol em combustíveis oxigenados irá crescer (aumentando também o risco de exposição), como alternativa renovável aos hidrocarbonetos baseados em petróleo. Contudo, o atualmente chamado “bioálcool” ainda não é capaz de ser usado puro (100%) em motores de carros que utilizam derivados de petróleo.

É usado na produção de formaldeído, ácido acético, derivados metílicos e ácidos inorgânicos. É também ingrediente tradicional de bebidas alcoólicas metiladas (ponto importante a se destacar em relação à exposição humana) e usa-se na desnaturação do álcool etílico. Na indústria farmacêutica, é usado como solvente na produção de hormônios, vitaminas, colesterol e estreptomicina, entre outros.

Na décade de 1990, em algumas cidades dos EUA, o aditivo para gasolina MTBE (metil-terbutil-éter), um derivado de metanol, foi utilizado para diminuir o “smog” fotoquímico presente nesses locais. No entanto, vazamentos de tanques de armazenamento de gasolina contaminaram mananciais subterrâneos, e a suspeita de contaminação da água potável usada no abastecimento dessas cidades acabou por levar a um uso mais cuidadoso da substância.

Um derivado importante do metanol nos dias atuais é o dimetil-éter, que está sendo usado como substituto aos clorofluorcarbonos (CFC) nos sprays aerossois.

Está se iniciando também uma fase importante no uso do metanol em células de combustível que podem ser miniaturizadas em um processo sem precedentes devido às suas características de temperatura e pressão. Tais células podem ser estocadas com segurança e facilidade. Elas já são utilizadas como fonte de energia “ecologicamente correta” em laptops e há previsão de serem usadas em outros eletrônicos.

 

Fisiopatologia da intoxicação

O metanol é um agente tóxico, mas os danos à saúde humana decorrem da formação de seus produtos durante sua metabolização no organismo humano. Pode ser absorvido por ingestão, por via inalatória e por via transdérmica. Independentemente do mecanismo de absorção, os sintomas são semelhantes, desde que os níveis tóxicos tenham sido atingidos.

À exceção da via oral (o metanol é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal, atingindo pico sérico em 30 a 90 minutos), a absorção do metanol por exposição não é exatamente um processo ágil. Entretanto, sua distribuição nos tecidos se dá de forma rápida e uniforme, relacionada ao conteúdo de água livre em cada órgão, na ordem de 0,6 L/kg. Agudamente, o metanol causa sintomas semelhantes a uma intoxicação por etanol, com depressão da atividade do sistema nervoso central, alterações motoras e cognitivas. Segue-se um período em geral assintomático que pode levar de 18 a 24 horas, durante o qual ocorre a metabolização do metanol, e, a seguir, os sintomas graves se desenvolvem, com alterações visuais, acidose metabólica grave e nova piora da função de sistema nervoso central, podendo levar a estado comatoso e morte.

Uma pequena parte do metanol é eliminada pelos pulmões e pelos rins (cerca de 12% e 3%, respectivamente). O restante é eliminado por via hepática, só que de forma 10 vezes mais lenta que o etanol. Em primatas, o metanol é metabolizado a formaldeído pela enzima álcool-desidrogenase, em um processo que leva várias horas. A meia-vida do formaldeído, entretanto, é muito curta, cerca de 1 minuto, pois é rapidamente metabolizado pela enzima formaldeído-desidrogenase em ácido fórmico (formato), que é extremamente tóxico, sendo responsável pelos efeitos graves da intoxicação: cegueira, acidose metabólica e morte. Infelizmente, no ser humano, a metabolização do formato é lenta, dependente de uma via química baseada em ácido fólico, que converte o agente tóxico em gás carbônico, que é facilmente eliminado pelo organismo.

Como a toxicidade grave depende da formação de ácido fórmico, exposições a pequenas quantidades de metanol não são prejudiciais, pois o organismo leva em média 3 horas para eliminar o agente, conforme demonstrado em estudos em animais e voluntários sadios. Já com exposições a grandes quantidades, há maior demora por parte do organismo em eliminar o metanol, dando margem à formação de formato, cuja eliminação é dose-dependente e cuja toxicidade é diretamente proporcional aos níveis séricos atingidos. Casos de intoxicação leve mostram meia-vida de eliminação de 14 a 20 horas; já em intoxicações graves, a meia-vida de eliminação é de 24 a 30 horas.

Importante lembrar que o metanol também é responsável por sequelas crônicas, como neuropatia óptica, cegueira, parkinsonismo, polineuropatia e encefalopatia tóxica, a maior parte destas ocorrendo em casos após intoxicação aguda e tendo como fatores de risco para sua ocorrência a ingestão de grandes quantidades da substância, o longo tempo até a procura de um serviço médico e a gravidade da acidose metabólica relatada no caso.

 

Discussão sobre os riscos envolvendo o metanol

A importância de se discutir os aspectos toxicológicos do metanol reside no fato de ser uma substância com as seguintes características:

 

      alto potencial de exposição ao ser humano devido à sua larga utilização;

      alta produção;

      literatura científica consistente apontando para os riscos tóxicos do metanol.

 

Qual a forma de exposição do ser humano ao metanol?

O metanol está presente no ar, produto da degradação biológica de vegetais e do metabolismo de bactérias, como já citado anteriormente, mas a fonte primária de exposição humana está na alimentação. O metanol está presente em leguminosas e vegetais de consumo frequente como cenoura, batata e cebola (cerca de 1,5 a 7,9 mg/kg). Frutas frescas e sucos naturais também contêm alguma quantidade do álcool (cerca de 140 mg/L). Aditivos como o aspartame são metabolizados e produzem metanol no organismo. Outro exemplo é o DMDC (dimetil-dicarbonato), que é adicionado a bebidas alcoólicas como inibidor de leveduras, que também é metabolizado, formando metanol. Bebidas alcoólicas podem ter parcelas do álcool (6 a 27mg/dL na cerveja, 96 a 329 mg/dL no vinho, cerca de 1.500 mg/dL em alguns destilados), bem como a fumaça de cigarros e de escapamentos de carros. Importante ressaltar que o metanol é produzido em pequenas quantidades de forma endógena no próprio metabolismo humano.

À exceção da alimentação, a presença de metanol volatilizado no ar torna a via inalatória outra fonte de exposição constante ao ser humano. Contudo, a exposição estimada é de 0,0008 ppm no meio rural, 0,003 ppm no meio urbano e chega a 3 ppm em indústrias, dado norte-americano. Todos esses valores estão muito abaixo dos valores recomendados como seguros para exposição frequente pelos órgãos competentes dos EUA (Threshold Limit Value = 200 ppm).

No ambiente, não se esperam grandes concentrações, pois o metanol é biodegradável em condições aeróbicas e anaeróbicas. Em termos ecológicos, são esperadas: baixa persistência, baixa bioconcentração e baixa bioacumulação, devido às baixas propriedades adsortivas no solo e sua rápida degradação no ar (até 17 dias), água (até 7 dias) e solo (até 7 dias). Ressalta-se apenas a possibilidade de danos à vida aquática em água doce ou salgada.

A possibilidade de exposição continuada ao metanol por diferentes vias (ingestão, inalação) leva a dosagens médias na população de níveis séricos em torno de 3 mg/L de metanol. Nas condições extremas, ainda dentro de níveis seguros como os encontradas em indústrias, os níveis séricos relacionados a uma exposição a 200 ppm, em estudos, chegam a 10 mg/L. Sintomas de intoxicação são reportados na literatura a partir de níveis séricos de metanol em torno de 20 mg/dL, valor que é usado na maior parte das diretrizes de saúde como nível mínimo para desencadear medidas mais agressivas de tratamento médico.

 

De que formas ocorrem os casos de intoxicação?

A literatura é muita clara a esse respeito. A maior parte dos casos de intoxicação se dá por ingestão aguda de grande quantidade de metanol. Há relatos que datam de 1900 e, na sua maior parte, são casos de ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas ou ingestão acidental de produtos que contêm metanol. Há relatos anedóticos de epidemias de intoxicação devido a uísque adulterado. Na Romênia, há um destilado à base de frutas locais chamado “Tuica” (pronuncia-se Tsweeka), responsável por vários casos de toxicidade por metanol. Estudos com amostras dessa bebida mostram que ¾ contêm níveis detectáveis de metanol. Outro exemplo ocorre no Quênia: uma bebida de nome “Chang´aa” (traduz-se como “mate-me rápido”) é um fermentado responsável por centenas de mortes ao ano devido ao grande conteúdo de metanol.

Em 2000, nos EUA, foram relatados 2.474 casos de intoxicação por metanol; destes, 613 casos eram com crianças menores de 6 anos de idade. Quase todos os casos foram relacionados à ingestão acidental de metanol ou produtos que contêm metanol em sua composição. A maior parte dos casos se deu por tentativa de sifonagem de combustível para tanques de carros, com ingestão de gasolina e a parcela de metanol incluída na mistura. Outra grande parte dos casos decorreu da ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas por destilação ilícita ou por substituições ocultas ao etanol (com a desnaturação do etanol, o que torna as bebidas não seguras para consumo). Alguns exemplos podem ser citados. Em 1999, no sudoeste baiano, 35 pessoas consumiram aguardente de cana misturada clandestinamente com metanol, levando a mortes. A repercussão foi uma portaria da Anvisa determinando mudanças na forma de acondicionamento e transporte do metanol. Em 2004, no Quênia, 42 pessoas morreram e 8 ficaram cegas após o consumo de uma cerveja adulterada com metanol, conhecida localmente como “Power Alcohol”. Há notícia recente do ano de 2006 relatando a morte de 14 indivíduos no Paraguai após ingestão de licor adulterado com metanol. Ainda há uma parte dos casos relacionados a tentativas de suicídio com ingestão de produtos químicos que contêm metanol. Em 2003, no Botswana, uma série de casos comoveu a Faculdade de MASA, após a morte de vários estudantes que ingeriram metanol para cometer suicídio.

Há uma parcela de casos de intoxicação relacionados à via inalatória. Vem sendo observado, na última década, um crescimento dos casos que chegam a serviços de emergência por abuso de produtos que contêm metanol, como droga recreacional, por meio da inalação (p. ex., limpadores de carburador). Uma parcela mínima das intoxicações ocorre por exposição transdérmica, sendo raros os relatos.

 

Quais os riscos da exposição ao metanol?

Diante das três vias de exposição ao metanol – digestiva, inalatória, transdérmica – é necessário caracterizar os verdadeiros riscos, tendo em conta o conceito intrínseco de possibilidade de intoxicação dados os conceitos já discutidos. Apenas relembrando, os efeitos graves da intoxicação por metanol se devem à ação tóxica dos produtos do seu metabolismo: o formaldeído e principalmente o ácido fórmico.

Em termos de exposição oral, o DL50 admitido pelo ACGIH (American Conference of Governametal Industrial Hygienists) e pelo OSHA (Occupational Safety and Health Administration) é de 5,6 g/kg via oral (ratos) e 7 g/kg via oral (primatas). Admite-se que a exposição letal mínima seja algo equivalente a 240 mL de metanol a 100% em um indivíduo de 70 kg, algo em torno de 0,25 mL/kg.

Em termos de níveis séricos atingidos, a literatura médica aponta o valor de 20 mg/dL como margem para se iniciar tratamento nas intoxicações. Porém, há evidências de que apenas valores mais altos, da ordem de 120 mg/dL, estariam relacionados a acidose metabólica e, portanto, com sintomas mais graves da intoxicação. Estudos em voluntários humanos que ingeriram quantidade de 1 a 5 mL de metanol tiveram pico sérico de 0,1 mg/mL, com meia-vida do metanol em torno de 3 horas. Não ocorreu qualquer sintoma de intoxicação nesses casos. Já casos de grande ingesta que levavam a uma concentração sérica inicial de 1 mg/mL (note-se: não é o valor de pico sérico), já levavam a sintomas visuais, com o metanol atingindo meia-vida de até 30 horas. Doses de 100 a 200 mg/kg chegam a causar pico sérico de 25 mg/L (ou 2,5 mg/dL) em 1 a 2 horas após a exposição, retorno ao normal em até 24 horas, sem se relacionar a aumento nos níveis de ácido fórmico e, por consequência, a sintomas de intoxicação. Entretanto, a via oral não é a que mais importa em termos de exposição, principalmente em locais de trabalho, pois é nítida a relação da via oral com acidentes de ingestão e tentativas de suicídio, como já discutido.

Sem sombra de dúvida, quando se fala em exposição, a via mais importante é a inalatória, sobretudo se levarmos em conta o conceito de toxicidade cumulativa com exposições repetidas, com a eliminação do agente ocorrendo de forma mais lenta, com a possibilidade de mais riscos à saúde.

Entre as décadas de 1950 e 1980, estudos com trabalhadores expostos a metanol em máquinas de reprodução de papel ou na produção de destilados mostravam valores de 362 a 3.052 ppm no ambiente de trabalho. Já indivíduos que abastecem ônibus estão expostos a uma concentração menor que 10 ppm. Valores a partir de 300 ppm já são relacionados a sintomas crônicos, como cefaleia, e valores entre 1.200 ppm e 8.300 ppm já são capazes de causar alterações visuais. Apenas valores altos de exposição, como 25.000 ppm, causam sensação irritante em mucosas, pela simples presença no ambiente. O valor de TCLo (inalação – humanos) admitido pelos órgãos competentes é de 300 ppm e o CL50 (inalação – ratos) é de 64.000 ppm.

Atualmente, temos os seguintes valores de tolerância estimados para vapores de metanol:

 

       exposição não repetida - > 1.000 ppm;

       1h – 1.000 ppm;

       8h – 500 ppm;

       24h – 200 ppm;

       8h (5x) – 200 ppm;

       30 dias – 10 ppm;

       60 dias – 4,5 ppm;

       90 dias – 3 ppm.

 

A maior parte das exposições ambientais em indústrias estão abaixo do valor permitido de 200 ppm (262 mg/m3) por 8 horas por dia, por 40 horas semanais (ACGIH TLV – Threshold Limit Value ou OSHA PEL – Permissible Exposure Limit). Podemos usar princípios de farmacocinética para avaliar se este valor é seguro quando consideramos a exposição crônica. Considerando este valor de 200 ppm (262 mg/m3) e a absorção de 100% em um volume respiratório de 10 m3 em 8 horas de trabalho, a carga acumulada no corpo seria 262 x 10 x 1,0 = 2.620 mg. O pico sérico seria de 2.620 mg/49 L (70% – peso em água de uma pessoa de 70 kg), resultando em 53 mg/L, ou 0,053 mg/mL, um valor muito abaixo daquele associado a lesões graves, isso em uma situação hipotética de 100% de absorção, valor acima do demonstrado na prática em estudos. É importante citar que o valor de 200 ppm é o limite estudado, onde não ocorre elevação dos níveis de ácido fórmico na corrente sanguínea. Além disso, na concentração citada, a meia-vida do metanol não passa de 3 horas, período suficiente para eliminar o agente antes de se iniciar um novo turno de trabalho.

Importante lembrar que, atualmente, os casos de intoxicação por via inalatória, como já citado, têm ocorrido muito mais por abuso como droga recreacional de forma aguda do que em exposições crônicas (provavelmente por se seguirem normas de segurança em áreas de risco ocupacional). Contudo, os níveis séricos de metanol e ácido fórmico atingidos são menores do que aqueles atingidos após ingestão de metanol, relacionando-se também com menores níveis de acidose e de complicações visuais.

A exposição transdérmica é menos importante em termos de incidência, porém há alguns dados a se ressaltar. A simples aplicação de metanol sobre uma pequena área do antebraço, com exposição de 2 minutos, gera níveis séricos equivalentes a uma exposição inalatória de 40 ppm por 8 horas. Em um trabalho com pessoas sadias, a mão de voluntários (cerca de 3% da área corpórea) foi colocada em uma solução a 100% de metanol por cerca de 15 minutos, resultando em uma concentração sérica equivalente a uma exposição inalatória a 400 ppm por 8 horas. Ou seja, apesar de infrequentes, exposições cutâneas a metanol devem ser encaradas como de risco para intoxicação devido à facilidade de absorção transdérmica demonstrada em estudos.

Em relação à reprodução e ao desenvolvimento, estudos em primatas parecem não mostrar diferenças toxicológicas durante a gestação. Estudos de neurodesenvolvimento após exposição ocupacional materna ainda são inconclusivos. Parece não haver problemas no desenvolvimento fetal se a exposição leva a concentrações menores que 10 mg/L no sangue. Órgãos como ACGIH, OSHA, NTP e IARC consideram o metanol não carcinogênico, não teratogênico, inconclusivo sobre mutagenicidade e com toxicidade reprodutiva demonstrada em ratos com defeitos de nascença com exposições a 20.000 ppm.

 

Há chance de tratamento para a intoxicação?

As fatalidades relacionadas ao metanol são diretamente relacionadas ao montante de metanol ao qual o indivíduo foi exposto e à demora na procura de auxílio médico. A disponibilidade de antídotos como o etanol e o fomepizol, e de métodos mais agressivos como a hemodiálise, possibilita salvar indivíduos mesmo que em situações muito graves. Há relato de casos que chegam a parecer impossíveis, mas que foram salvos mesmo com níveis séricos atingidos de 980 mg/dL.

 

Conclusões

O metanol é uma substância de largo uso na atualidade e que vem despontando como uma fonte de energia alternativa para diversos usos. Isso significa que a população estará cada vez mais exposta a esta substância, bem como trabalhadores de diversos setores. Isso causa receio na medida em que há maior possibilidade de exposição e, por conseguinte, de intoxicação.

Por todos os dados aqui apresentados, fica claro que os maiores cuidados deveriam estar sendo mobilizados ao foco das causas de intoxicação por metanol, que são por via oral. Isso implicaria, principalmente, fiscalização da produção de bebidas alcoólicas, grande fonte de casos de intoxicação e conscientização populacional para os riscos de exposição oral acidental. Como bem vimos, a exposição inalatória é mais preocupante em casos agudos, e ainda assim, as evidências da literatura sugerem que há menores riscos de casos graves nessas situações. As exposições por pele são menos frequentes, porém não devem ser esquecidos os fatos que apontam os grandes riscos decorrentes do contato com o metanol.

Não há dados consistentes na literatura quanto à morbimortalidade relacionada ao metanol, porém ela é certamente relacionada à demora na procura de atendimento médico, tendo em vista que há antídotos a serem usados bem como tratamentos de descontaminação por meio de diálise, métodos que se mostram eficientes no tratamento das intoxicações.

Sendo assim, mantidas as medidas de saúde ocupacional já vigentes e havendo o cuidado em se identificar os possíveis focos de causas de intoxicação em nosso meio, o metanol, apesar de se tornar cada vez mais presente devido ao crescimento do seu uso, deverá manter um caráter seguro e com possibilidade de expansão no dia-a-dia dos consumidores.

 

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