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Alterações Dermatológicas e Síndromes Paraneoplásicas

Autores:

Luna Azulay-Abulafia

Médica dermatologista. Professora adjunta de Dermatologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Gama Filho. Mestre e Doutora em Dermatologia pela
UFRJ. Título de Especialista pela SBD.

Larissa Hanauer de Moura

Médica dermatologista. Título de Especialista pela SBD.

Última revisão: 12/03/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 24 anos, pardo, estudante, relatou aumento de gânglios, dolorosos à palpação, na região inguinal esquerda. Também observou vermelhidão nos olhos e lesões na boca, que, em aproximadamente um mês, acometeram toda a cavidade oral e os lábios. Alguns dias depois, notou feridas indolores na glande que, gradativamente, aumentaram de tamanho.

Ao realizar exame físico, observou-se que o paciente está emagrecido e o seu estado geral é regular.

Em relação ao exame dermatológico, foi possível constatar presença de eritema conjuntival bilateralmente, lesões erosadas na mucosa bucal, no dorso da língua, nos lábios, na glande, no ânus, além de lesões tipo eritema multiforme na região palmar (Figs. 19.1 e 19.2).

O paciente foi internado para investigação diagnóstica. Foram realizados radiografia de tórax, biópsia de duas lesões: uma da pele e outra da mucosa bucal e imunofluorescência indireta.

 

 

Figura 19.1

Lesões exulceradas nos lábios e no dorso da língua.

 

 

Figura 19.2

Lesões tipo eritema multiforme na região palmar.

 

Definição

As dermatoses paraneoplásicas constituem um grande e diversificado grupo de manifestações mucocutâneas associadas à malignidade interna. Estas podem preceder, ser concomitantes ou suceder o diagnóstico da neoplasia.

O diagnóstico das dermatoses paraneoplásicas é bastante significativo, uma vez que podem representar manifestação inicial, sugerindo a presença de tumor e, com isso, permitindo diagnóstico precoce e tratamento mais efetivo. Além disso, elas desenvolvem-se paralelamente ao tumor subjacente, isto é, o tratamento eficaz da malignidade é, em geral, acompanhado de melhora ou de regressão das manifestações paraneoplásicas. Ao contrário, a recidiva do tumor pode ser diagnosticada pelo recrudescimento das dermatoses paraneoplásicas.

A etiologia da maioria dessas síndromes permanece desconhecida. Embora pouco compreendida, sua patogênese inclui a produção de proteínas, anticorpos ou hormônios que interagem com mediadores próprios do hospedeiro.

 

Síndrome paraneoplásica

Termo que designa efeitos remotos de uma neoplasia que não podem ser explicados pela invasão direta do tumor (efeito local de crescimento) ou pela existência de metástases. Os achados clínicos e/ou laboratoriais resultam de alterações endócrinas, hematógicas, neuromusculares, dermatológicas, entre outras. As manifestações inespecíficas, como perda de peso, febre e caquexia, podem ser consideradas paraneoplásicas, uma vez que decorrem da produção de fatores específicos tumorais (p. ex., fator de necrose tumoral [TNF ou caquexina]).

 

Para ser considerada uma síndrome paraneoplásica, os seguintes critérios devem ser preenchidos:

1. Proximidade temporal entre o surgimento da dermatose e o da neoplasia.

2. Evolução paralela das duas condições (neoplasia e paraneoplasia).

 

Epidemiologia

Cerca de 7 a 15% dos pacientes oncológicos apresentarão dermatoses paraneoplásicas no curso de sua doença. Algumas dermatoses estão quase sempre associadas a neoplasias específicas, como, por exemplo, a doença de Bazex ou oerythema gyratum repens. No entanto, outras são mais comumente relacionadas a condições benignas, o que torna difícil estabelecer a relação entre a dermatose e a malignidade. Um exemplo disso é a acantose nigricante, observada em associação a condições benignas, como obesidade ou diabetes melito, em até 80% dos casos e, apenas em uma minoria das vezes, está associada principalmente a tumores do trato gastrintestinal.

 

Sinais e Sintomas

As neoplasias internas podem estar associadas a inúmeras dermatoses. As manifestações cutâneas podem levar a um alto grau de suspeição de malignidade. Dessa maneira, tem-se o grupo considerado das dermatoses essencialmente paraneoplásicas (Quadro 19.1), que incluem acroceratose paraneoplásica (doença de Bazex), eritema necrolítico migratório,erythema gyratum repens, hipertricose lanuginosa adquirida, ictiose adquirida, palma em tripa (acantose palmar), paquidermoperiostose, pênfigo paraneoplásico, sinal de Leser-Trélat, síndrome de Howel-Evans-Clarke tromboflebite migratória superficial (sinaldeTrousseau).

Outras alterações cutâneas podem ocasionalmente estar relacionadas a neoplasias internas, como, por exemplo, acantose nigricante, baqueteamento digital, dermatomiosite, eritema anular centrífugo, eritrodermia, pioderma gangrenoso, pitiríase rotunda, prurido e síndrome de Sweet. Nesses casos, as alterações cutâneas devem ser analisadas no contexto do quadro clínico do paciente (idade, comorbidades, perda de peso, caquexia, sinais e sintomas em outros órgaos) e dos exames complementares (anemia, alterações hepática e renal, raio X de tórax, ultrassonografia de abdome e exames específicos).

A Tabela 19.1 aborda, por ordem alfabética, as principais dermatoses associadas a neoplasias.

 

Diagnóstico

Em casos de manifestações sugestivas de dermatose paraneoplásica, a avaliação e o rastreamento do paciente devem ser direcionados aos tumores mais comumente associados. É importante lembrar que as paraneoplasias podem preceder em anos o diagnóstico de malignidade, sendo aconselhável o acompanhamento periódico desses pacientes.

A investigação deve incluir exame físico minucioso, com avaliação de cadeias ganglionares, palpação das mamas, exame ginecológico e de próstata. Além disso, devem ser solicitados exames laboratoriais pertinentes e, se necessário, exames de imagem. Quando possível, a biópsia de pele deve ser realizada.

 

 

 

 

 

 

Figura 19.3

Acantose nigricante. Aspecto aveludado e hiperpigmentado das flexuras.

 

 

Figura 19.4

Erythema gyratum repens. Lesões eritematosas migratórias com descamação periférica, produzindo aspecto de veios de madeira.

 

 

Figura 19.5

Ictiose adquirida. Escamas poligonais localizadas nas pernas.

 

 

Figura 19.6

Palma em tripa. Espessamento aveludado da região palmar e aumento pronunciado das linhas e dos sulcos palmoplantares.

 

 

Figura 19.7

Sinal de Leser-Trélat. Surgimento abrupto de múltiplas ceratoses seborreicas.

 

 

Figura 19.8

Síndrome de Sweet. Placas eritematoedematosas com aspecto de pseudovesiculação e vesículas verdadeiras.

 

Tratamento

O tratamento das síndromes paraneoplásicas depende do manejo da neoplasia subjacente. Isso porque, por definição, as duas entidades seguem cursos paralelos e, em muitos casos, a melhora ou a cura do tumor ocasiona regressão da dermatose associada. Assim, faz-se necessário o encaminhamento do paciente ao oncologista clínico para tratamento do tumor.

No entanto, quando apenas o tratamento paliativo do tumor é possível ou quando a síndrome paraneoplásica não regride, podem-se tentar abordagem terapêutica sintomática para as dermatoses. Nos quadros ictiosiformes e de espessamento cutâneo (palma em tripa e acantose nigricante), podem-se usar emolientes (ureia, lactato de amônio) e ceratolíticos (ácido salicílico) para proporcionar conforto ao paciente. O prurido paraneoplásico responde pobremente aos anti-histamínicos sedativos (hidroxizina, dexclorfeniramina), por isso, além de medicamentos tópicos, como calamina, pode-se incluir, no tratamento, antagonistas opioides (naltrexona), colestiramina, ondansetron ou corticosteroide. Nos casos deerythema gyratum repens e nos de eritema anular centrífugo, podem ser usados corticosteroides tópicos com resposta variável.

 

 

Figura 19.9

Tromboflebite migratória superficial. Sinal de Trousseau.

 

Caso Clínico Comentado

A radiografia de tórax evidenciou massa mediastinal esquerda; o exame histopatológico da lesão exulcerada da mucosa bucal, necrose da epiderme e infiltrado inflamatório misto na derme; enquanto a análise de lesão na face volar do quirodáctilo esquerdo, acantólise suprabrasal. A imunofluorescência indireta do soro do paciente realizada em bexiga de rato foi positiva para IgG. O paciente foi encaminhado ao serviço de oncologia, sendo submetido à cirurgia torácica com exérese completa da massa, cujo exame histopatológico foi de timoma benigno.

Com o diagnóstico de timoma benigno, associado a quadro clínico, histopatológico e positividade da imunofluorescência indireta na bexiga do rato, o diagnóstico conclusivo foi de pênfigo paraneoplásico associado a timoma. O caso clínico descrito correspondeu aos critérios 1, 2, 3 e 6 descritos por Joly e colaboradores¹ (ver Quadro 19.2).

 

 

Mesmo após a cirurgia com exérese total da massa torácica, o paciente permaneceu com lesões cutaneomucosas, sendo necessária a corticoterapia oral com prednisona, 1 mg/kg/dia, com melhora progressiva das lesões.

O pênfigo paraneoplásico (PNP) é uma bulose caracterizada pelo polimorfismo de lesões. A manifestação mais frequente é a estomatite erosiva, na qual erosões e ulcerações dolorosas são recobertas por crostas hemáticas nos lábios, na gengiva e na língua, estendendo-se para a faringe. Outras mucosas também podem estar envolvidas, como, por exemplo, a conjuntiva e a região anogenital. As manifestações cutâneas podem apresentar-se como lesões semelhantes ao pênfigo vulgar, eritema multiforme, líquen plano, síndrome de Stevens-Johnson e necrose epidérmica tóxica. O envolvimento das extremidades, incluindo paroníquia, é um achado frequente.

O quadro inicia-se geralmente após os 60 anos de idade, sem predisposição por sexo. As neoplasias mais comumente associadas são doença de Hodgkin, leuceumia linfocítica crônica e doença de Castleman. Menos frequentemente são observados timoma, sarcoma retroperitoneal e doença de Waldenström. Em dois terços dos pacientes, a neoplasia é reconhecida antes do desenvolvimento do pênfigo e, em um terço dos casos, a bulose precede a existência da malignidade.

A etiopatogenia do PNP é incerta. No entanto, existem diversas hipóteses: autoanticorpos produzidos contra antígenos do tumor apresentariam reação cruzada contra antígenos epiteliais; produção de anticorpos pelo tumor que reagiriam contra os antígenos epiteliais; e produção de citocinas pelo tumor que levariam à desregulação imune.

O diagnóstico é feito por meio do exame histopatológico e da imunofluorescência direta e indireta. Os antígenos do PNP são proteínas citoplasmáticas da família das plaquinas, principalmente periplaquina e envoplaquina. O diagnóstico diferencial é feito com pênfigo vulgar, penfigoide bolhoso, penfigoide de mucosas, líquen plano e eritema multiforme.

O prognóstico do PNP está relacionado à neoplasia associada, tendo como estimativa um índice de 90% de morte dos pacientes entre um mês e dois anos após o diagnóstico, sendo a insuficiência respiratória um evento terminal comum.

O PNP responde pouco ao tratamento, podendo ser utilizados corticosteroides, azatioprina, ciclofosfamida e plasmaférese.

 

Referência

1. Joly P, Richard C, Gilbert D, Courville P, Chosidow O, Roujeau JC, et al. Sensitivity and specificity of clinical, histologic, and immunologic features in the diagnosis of paraneoplastic pemphigus. J Am Acad Dermatol.2000;43(4):619-26.

 

Leituras recomendadas

Azulay DR, Azulay RD, Azulay-Abulafia L. Sinais malignos na pele versus síndromes paraneoplásicas cutâneas: revisão. An Bras Dermatol.2000;75(5):621-30.

Azulay L, Azulay MM, Azulay DR. Manifestações cutâneas reveladoras de neoplasia. In: Azulay RD, Azulay DR, Abulafia-Azulay L. Dermatolo- gia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 575-80.

Azulay L, Minelli L, Moura LH. Dermatoses paraneoplásicas e outros sinais cutâneos indicadores de malignidade. In: Azulay L, Bonalumi A, Leal F. Atlas de dermatologia: da semiologia ao diagnóstico. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 261-4.

Criado PR. Manifestações cutâneas paraneoplásicas e metástases cutâneas. In: Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas; 2008. p. 1291-1300.

Graham RM, Cox NH. Systemic disease and the skin. In: Burns T, Breathnach S, Cox N, Griffiths C, editors. Rook’s textbook of dermatology. 4th ed. Malden: Blackwell; 2004. v. 3, chapter 59.

Kleyn CE, Lai-Cheong JE, Bell HK. Cutaneous manifestations of internal malignancy: diagnosis and management. Am J Clin Dermatol.2006;7(2):71-84.

Pipkin CA, Lio PA. Cutaneous manisfestions of internal malignancies: an overview. Dermatol Clin. 2008;26(1):1-15.

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