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Pâncreas pancreatite aguda e crônica

Autores:

Renata Heck

Médica residente do Serviço de Dermatologia do HCPA.

Raquel Scherer de Fraga

Coordenadora do Programa de Residência Médica em Gastrenterologia do Hospital da Cidade de Passo Fundo. Doutora em Gastrenterologia pela UFRGS.

Última revisão: 09/12/2013

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 54 anos, branca, procura auxílio médico no serviço de emergência com história de dor abdominal de forte intensidade há um dia, localizada no quadrante superior ao abdome, com irradiação para o dorso. Ela teve três episódios de vômitos nas últimas seis horas e afirma não apresentar diarreia ou febre. Relata já ter sentido crises de dor semelhante anteriormente, porém menos intensas e com alívio espontâneo. Ela também nega a existência de comorbidades. Ao realizar exame, verificam-se índice de massa corporal (IMC) de 31 kg/m², sudorese, taquicardia e se apresenta anictérica, afebril, eupneica, com pressão arterial de 100/74 mmHg; aparelho respiratório: murmúrio vesicular uniformemente distribuído, sem ruídos adventícios; aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular, 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros; abdome com ruídos hidroaéreos diminuídos, depressível, com dor difusa à palpação, fígado palpável no rebordo costal com consistência normal, baço não palpável. Em relação aos exames complementares, obtiveram-se os seguintes resultados: glicose de 250 mg/dL; hemograma com 13.000 leucócitos (3.400-10.000); amilase de 700 U/L (até 220 U/L); lipase de 550 U/L (até 190 U/L); aspartato-aminotransferase (AST) de 100 U/L (11-36 U/L); desidrogenase lática (LDH): 267 U/L (210-425 U/L). Indica-se internação hospitalar da paciente.

 

Pancreatite Aguda

Definição

A pancreatite aguda é uma doença inflamatória aguda do pâncreas. O quadro clínico varia de formas leves, com acometimento apenas local do órgão, até um bastante grave com disfunção multissistêmica. Enquanto as formas mais leves em geral são processos autolimitados e resolvidos com medidas clínicas, os quadros sistêmicos necessitam de monitoração contínua e apresentam muitas vezes prognósticos reservados e com altos índices de letalidade.

 

Epidemiologia

A incidência varia nos diversos países, estando estimada em cerca de 5,4/100.000 casos por ano na Inglaterra e em 79,8/100.000 por ano nos EUA, tendo como base dados hospitalares. Entretanto, as estimativas de incidência não são exatas, uma vez que o diagnóstico de doença leve pode não ser realizado, e pode ocorrer morte em até 10% dos pacientes com pancreatite grave antes do diagnóstico.

 

Etiologia

As duas principais causas de pancreatite aguda no adulto são a ocorrência de litíase biliar (passagem de cálculos pelo colédoco) e o consumo de álcool. Juntas, essas duas etiologias correspondem a quase 80% dos casos. É importante ressaltar que, pelo conhecimento clássico, o álcool ocasiona pancreatite crônica, sendo que pacientes alcoolistas com quadro clínico de pancreatite aguda já apresentam uma doença crônica de base.

Outras causas conhecidas, porém mais raras, são hipertrigliceridemia, hipercalcemia, fármacos (antirretrovirais para Aids, azatioprina, sulfonamidas, estrógenos, AINEs, inibidores da ECA, etc.), trauma abdominal, infecções virais, fibrose cística, entre outras.

 

Patogênese

Ainda não se conhece o mecanismo patogênico exato da pancreatite aguda. Acredita-se que hidrolases lisossômicas, como a catepsina B, provoquem lesão das células acinares, ativando os zimogênios pancreáticos. O tripsinogênio transforma-se em tripsina, estimulando outras enzimas e desencadeando uma reação inflamatória local com liberação de mediadores inflamatórios (p. ex., calicreína, leucotrienos, prostaglandinas, etc.). Entretanto, os leucócitos atraídos para o local devido à ação quimiotáxica desses mediadores passam a liberar enzimas proteolíticas (p. ex., elastase, fosfolipase, etc.), radicais livres e citocinas (p. ex., fator de necrose tumoral, interleucinas, etc.), o que acarreta, em última instância, lesão e morte celulares. Além disso, há comprometimento da microcirculação, que ocasiona isquemia e edema glandular, estimulando ainda mais a reação inflamatória. É importante notar que esses eventos não se limitam apenas à região peripancreática, podendo, em quadros mais intensos, determinar lesão de múltiplos órgãos, em uma situação conhecida como síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS, do inglêssystemic inflammatory response syndrome) (Fig. 39.1).

 

Afinal, fisiopatologicamente, como as principais causas desencadeiam o mecanismo patológico da pancreatite aguda?

 

Cálculo biliar: A obstrução transitória da ampola de Vater pelo cálculo ocasiona um refluxo de bile para dentro do ducto pancreático com consequente elevação súbita da pressão dos canalículos intrapancreáticos, lesando, assim, as células acinares e desencadeando o processo patológico.

 

Álcool: Além de o etanol e seus metabólitos serem diretamente lesivos às células pancreáticas, o álcool ainda desencadeia a produção de cilindros proteináceos que obstruem os ductos do órgão, elevando a pressão e causando dano celular.

 

Sinais e sintomas

O principal sintoma da pancreatite aguda é a dor abdominal. Esta é localizada no andar superior do abdome, geralmente na região epigástrica e com irradiação para flancos e dorso, podendo ser disposta “em faixa”. Ela tem início repentino, atingindo seu ápice em cerca de 15 minutos, e mantém-se por dias continuamente. A dor pode aliviar parcialmente com o paciente sentado em posição de flexão anterior do tórax com as coxas flexionadas sobre o abdome. Junto com a dor podem ocorrer náuseas, vômitos e distensão abdominal. Eventualmente, a doença pode apresentar-se sem dor, caracterizando quadros mais graves, com extenso comprometimento sistêmico.

Os achados do exame físico variam conforme a gravidade da doença, sendo possível observar desde um paciente em bom estado geral e sem sinais de irritação peritoneal, até um quadro de hipotensão grave ou em coma. O paciente pode apresentar-se febril, desidratado, taquicárdico, taquipneico e hipotenso. Em alguns casos, há icterícia, principalmente nos de etiologia biliar, e ela é ocasionada devido à obstrução do colédoco por cálculo ou edema da cabeça do pâncreas.

À palpação, o abdome em geral apresenta hiper-sensibilidade e rigidez de graus variáveis. Massa abdominal pode ser palpável devido à formação de pseudocisto pancreático. Os sinais de irritação peritoneal não são comuns em apresentações leves da doença devido à localização retroperitoneal do pâncreas.

Podem ocorrer alterações pulmonares, como derrame pleural (principalmente à esquerda), atelectasias e estertores. Nos casos graves, o comprometimento pulmonar pode acarretar síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).

O choque pode decorrer tanto por hipovolemia (por perda sanguínea para o retroperitônio nos casos de pancreatite necro-hemorrágica) quanto por vasodilatação sistêmica devido à SIRS.

O sinal de Grey-Turner (equimose nos flancos) e o sinal de Culen (equimose periumbilical) podem surgir em casos de pancreatite aguda grave devido à extensão da hemorragia retroperitoneal aos tecidos subcutâneos. Ocasionalmente, ocorre também necrose do tecido adiposo subcutâneo, com formação de nódulos dolorosos e eritematosos nas extremidades. Entretanto, esses achados são de ocorrência rara e manifestam-se apenas tardiamente durante o desenvolvimento da doença.

 

 

Figura 39.1

Fisiopatogenia da pancreatite aguda.

 

Diagnóstico

Laboratorial

A dosagem das enzimas pancreáticas amilase e lipase (Tab. 39.1), quando três vezes acima dos valores de referência, apresenta alta especificidade para o diagnóstico de pancreatite aguda.

A avaliação precoce com estratificação de risco é essencial para realizar diferenciação entre quadros leves e graves. Existem diversos escores utilizados para predizer a gravidade da pancreatite, destacando-se os critérios de Ranson, o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II), o índice de gravidade tomográfica e os marcadores séricos (p. ex., proteína C-reativa). Ranson identificou 11 critérios que apresentam significado prognóstico para pancreatite aguda nas primeiras 48 horas (Tab. 39.2). O APACHE II, apesar de mais complexo, está substituindo os critérios de Ranson na avaliação da pancreatite grave devido à vantagem de sua melhor acurácia, além de poder ser utilizado para avaliar a condição diária do paciente. ¹

 

 

 

 

 

Imagem

A tomografia computadorizada (TC) contrastada é atualmente o melhor exame de imagem para casos de doença moderada ou grave (Figs. 39.2 e 39.3). Ela apresenta alta sensibilidade e especificidade, sendo de especial importância para avaliação de prognóstico pela extensão do acometimento abdominal. Na Figura 39.2, tem-se uma imagem tomográfica de pancreatite edematosa leve.

 

 

Figura 39.2

Tomografia computadorizada (TC) de abdome com leve edema pancreático.

 

 

Figura 39.3

Tomografia computadorizada evidenciando pseudocisto pancreático.

 

A ultrassonografia (US) é útil para o diagnóstico de lítiase biliar, porém apresenta baixa sensibilidade para avaliar presença de necrose pancreática.

 

Complicações

Infecção

A infecção é uma complicação rara em caso de pancreatite edematosa, mas pode ocorrer em 20 a 50% dos pacientes com pancreatite necrotizante. Geralmente, manifesta-se nas primeiras duas semanas da doença e requer tratamento cirúrgico imediato.

 

Pseudocisto

Se o pseudocisto for assintomático, independentemente do tamanho, não necessita de tratamento. É indicada a monitoração ecográfica a cada três a seis meses. Sintomas novos, como dor abdominal, calafrios ou febre, indicam necessidade de drenagem, que pode ser realizada por método radiológico, endoscópico ou cirúrgico.

 

Abscessos

O aparecimento de abscessos é mais tardio que o da necrose infectada, ocorrendo pelo menos quatro semanas após o início da pancreatite aguda. Drenagem por cateter transcutâneo ou cirúrgica geralmente são tratamentos efetivos.

 

Tratamento

Os objetivos principais do tratamento para pancreatite aguda consistem em reduzir a morbimortalidade, prevenir necrose pancreática e infecções, tratar a inflamação pancreática e corrigir os fatores predisponentes.

O tratamento é de suporte, incluindo reposição hídrica, controle da dor e abstenção de dieta enteral para o paciente até a melhora clínica (desaparecimento da dor e restauração da peristalse normal). A administração de analgésicos é essencial, preferencialmente de opioides. Entre eles, a meperidina é a mais utilizada por ocasionar menos ação espasmódica sobre o esfincter de Oddi quando comparada à morfina.

As formas graves da doença requerem internação em centro de terapia intensiva para monitoração contínua dos sinais vitais e restabelecimento do equilíbrio hidreletrolítico e acidobásico. Muitas vezes, pode ser necessária a instituição de ventilação mecânica e hemodiálise.

A antibioticoterapia é indicada tanto nos casos de pancreatite necrosante infectada quanto nos de pancreatite necrosante estéril, reduzindo a incidência de sepse. Os antibióticos recomendados são ciprofloxacino e metronidazol ou imipenem.

O tratamento cirúrgico é indicado para os quadros que desenvolvem complicações peripancreáticas, como pseudocistos, abscessos e hemorragia. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) deve ser indicada nas primeiras 72 horas para pacientes com pancreatite grave de origem biliar e em casos de suspeita de colangite associada. Após a recuperação clínica do paciente, deve-se realizar colecistectomia com o intuito de prevenir a reincidência de pancreatite biliar.

 

Pancreatite crônica

Definição

A pancreatite crônica é uma doença que se caracteriza por inflamação progressiva do parênquima pancreático com fibrose irreversível do órgão. Há deterioração tanto da função exócrina quanto da endócrina, bem como dor crônica acentuada, tornando-a uma doença debilitante.

 

Epidemiologia

A incidência da pancreatite aguda varia de 3,5 a 10/100.000 pessoas nos países industrializados. Os dados epidemiológicos são limitados, evidenciando significativa variação geográfica. Esta pode ser proveniente, em parte, dos diferentes padrões de consumo alcoólico nos grupos populacionais, mas pode também simplesmente refletir critérios diagnósticos distintos.

 

Etiologia

A causa mais comum de pancreatite crônica é o álcool, de forma a constituir 70 a 80% dos casos, sendo difícil definir uma margem segura de consumo alcoólico devido às diferenças existentes no metabolismo de cada indivíduo em relação aos efeitos tóxicos do etanol. Além disso, é provável que ocorra interação com outros fatores, como predisposição genética e qualidade do aporte nutricional.

A segunda causa principal de pancreatite crônica é a pancreatite idiopática, correspondendo a cerca de 10 a 30% dos casos. Apesar de sua origem ser desconhecida, acredita-se que alguns fatores possam contribuir para o seu estabelecimento, como hipersensibilidade à pouca quantidade de álcool, mutações no gene da fibrose cística ou do tripsinogênio e pequenos traumas pancreáticos.

A pancreatite crônica hereditária é uma doença autossômica dominante com penetrância incompleta, que se manifesta em indivíduos com menos de 20 anos de idade. Apesar de 80% dos pacientes com a mutação desenvolverem pancreatite, esta é uma causa rara, correspondendo a apenas 1% de todos os casos de pancreatite crônica.

A pancreatite crônica autoimune, também rara, em geral está associada a outras doenças autoimunes, como cirrose biliar primária, síndrome de Sjögren, doença inflamatória intestinal, entre outras. Os sintomas são mais leves, e os pacientes geralmente apresentam melhora com o uso de corticoides e/ou imunossupressores.

Outras causas de pancreatite crônica são obstruções dos canalículos pancreáticos (por cálculos ou estenose inflamatória), hiperparatireoidismo, trauma, fibrose cística, hipertrigliceridemia e vasculites sistêmicas.

 

Patogênese

A patogenia da pancreatite crônica ainda não é completamente conhecida. Acredita-se que diversos fatores possam contribuir para o desencadeamento e a perduração da doença (Fig. 39.4).

Primeiramente, o álcool ou outro estímulo nocivo induz a secreção de um suco pancreático com alto conteúdo proteico, sem aumento concomitante da secreção de bicarbonato, ocasionando a formação de plugs proteicos nos ductos pancreáticos. Esse fato, associado a uma redução de litostatina (proteína que previne a precipitação de sais de cálcio) no líquido pancreático, serve de base para a calcificação e a formação de cálculos. Estes provocam lesões no epitélio ductal e ocasionam obstrução e inflamação local.

Os pacientes com pancreatite crônica apresentam graus variáveis de desnutrição, o que os torna suscetíveis à ação dos radicais livres gerados pelo processo inflamatório local, uma vez que há deficiência de substâncias antioxidantes (p. ex., metionina, selênio, vitaminas E e C, etc.). Associada a isso, a deformidade dos ductos, secundária aos cálculos, ocasiona aumento progressivo da pressão intraductal, causando isquemia crônica do órgão, o que contribui ainda mais para a perduração da doença.

Além dos fatores citados, pode haver a ação de autoanticorpos sobre as células pancreáticas.

 

Sinais e sintomas

A dor é o sintoma mais comum da doença e manifesta-se em aproximadamente 80% dos pacientes. As características frequentes da dor são localização no epigastro ou nos quadrantes superiores do abdome, com irradiação para o dorso, de caráter intermitente e intensidade variável, podendo ser intensa o suficiente para justificar o uso de narcóticos. Em geral, essa dor é precipitada e agravada pela ingestão de álcool e de alimentos gordurosos.

 

 

Figura 39.4

Fatores envolvidos na patogênese da pancreatite crônica.

 

Afinal, qual a origem da dor na pancreatite crônica?

Os depósitos de proteína e cálcio no interior dos ductos pancreáticos causam um aumento da pressão no interior do órgão, intensificado pelo estímulo secretório, com consequente isquemia de áreas do parênquima.

Pode haver uma inflamação das terminações nervosas do órgão, lesando suas bainhas e permitindo a ação de mediadores locais que estimulam a dor.

 

A insuficiência pancreática exócrina manifesta-se principalmente com esteatorreia (fezes oleosas, mal cheirosas e acinzentadas). As deficiências vitamínicas são de ocorrência rara, mas pode haver má absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e de vitamina B12. Esses sintomas são clinicamente perceptíveis somente quando cerca de 90% do parênquima pancreático já está comprometido. Além da deficiência de enzimas lipossolúveis, há também comprometimento da digestão de proteínas e carboidratos.

Flatulência, distensão abdominal e emagrecimento podem ser relatados pelos pacientes. A perda de peso desses pacientes é influenciada por diversos fatores, como o medo de se alimentar, por ser a alimentação um desencadeante da dor abdominal, a má absorção de nutrientes e o diabetes melito.

A insuficiência pancreática endócrina é um sintoma que se manifesta de forma tardia, apresentando-se, na maioria das vezes, posteriormente aos sinais de deficiência das enzimas digestivas. Há diminuição da produção de insulina pelo dano às ilhotas de Langerhans, sendo o tratamento realizado por meio de administração do hormônio, em geral, em pequena quantidade, devido à ausência de resistência periférica à insulina. As células pancreáticas também são danificadas em casos de pancreatite crônica, elevando o risco de hipoglicemia após a administração de insulina. Cetoacidose e nefropatia são complicações que raramente ocorrem, sendo mais comuns a retinopatia e a neuropatia periférica.

A tríade clássica de complicações da pancreatite crônica – calcificações pancreáticas, esteatorreia e diabetes melito – apresenta-se em menos de um terço dos pacientes com a doença.

 

Diagnóstico

Laboratorial

A dosagem das enzimas pancreáticas (amilase e lipase) é, na maioria dos casos, normal. Ela pode estar elevada nas fases iniciais da doença ou nos períodos de agravamento. Com a fibrose e a perda progressiva do parênquima pancreático, os níveis tendem a normalizar.

Eletrólitos e testes hepáticos geralmente estão dentro dos valores normais. Pode haver elevação da dosagem de bilirrubinas e fosfatase alcalina, indicando colestase secundária à compressão intrapancreática do ducto biliar.

A existência de gordura fecal em excesso pode ser confirmada por dois tipos de exames laboratoriais:

 

Sudam n pesquisa qualitativa.

 

Método de van de Kamer n pesquisa quantitativa. Institui-se uma dieta rica em gordura (100 g/dia) e coleta-se fezes por 72 horas para análise. Excreção de mais de 7 g/ dia de gordura caracteriza distúrbio de absorção.

 

Imagem

 

Radiografia n O achado de calcificações intraductais no exame radiológico confirma pancreatite crônica, apesar da sensibilidade baixa (30%). As calcificações evidenciam um estágio avançado da doença e quase sempre estão associadas a sinais de insuficiência pancreática. Muitas vezes, elas localizam-se anteriormente à coluna vertebral, tornando difícil o diagnóstico na radiografia.

 

Tomografia computadorizada (TC) n Por meio da TC com contraste, podem-se verificar, além de calcificações pancreáticas, também atrofia do parênquima, dilatações ductais e complicações, como pseudocistos. Ela apresenta sensibilidade de 75 a 90% e especificidade de 85%.

 

Ultrassonografia (US) n A US transabdominal é um exame simples e pode também evidenciar calcificações, dilatações dos ductos e alterações no tamanho da glândula. Ela apresenta sensibilidade e especificidade de 60 a 70% e 80 a 90%, respectivamente. O exame pode ser prejudicado pela interposição de alças intestinais com conteúdo gasoso e é examinador-dependente.

A US endoscópica requer um médico especializado e é considerada superior à abdominal no que se refere à acurácia, sendo o exame mais sensível na detecção da doença (97% de sensibilidade e 60% de especificidade). Ela é muito útil na avaliação do parênquima pancreático.

 

Outros tipos de exames

 

Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) n É um método diagnóstico invasivo, em que há a cateterização da papila de Vater e a injeção de contraste para estudo dos ductos biliopancreáticos e de alterações características da pancreatite crônica, como estenoses, dilatações e cálculos. Apresenta sensibilidade de 75 a 95% e especificidade de 90%. Esse exame é de grande importância para a realização de diagnóstico diferencial de câncer pancreático.

 

Teste da secretina n Esse teste é restrito a grandes centros e é considerado o padrão-ouro para a detecção de insuficiência pancreática exócrina. É realizada infusão venosa de secretina-colecistoquinina e, em seguida, a coleta da secreção pancreática por meio de um cateter duodenal. Em caso de insuficiência pancreática exócrina, há redução na secreção de enzimas e de bicarbonato. O teste apresenta sensibilidade de 85% e especificidade de 90%.

 

Complicações

Pseudocistos

Os pseudocistos desenvolvem-se em aproximadamente 10% dos pacientes com pancreatite crônica. Eles ocorrem com mais frequência devido a rupturas ductais do que por acúmulo de líquido peripancreático, como na pancreatite aguda.

A maioria dos pacientes com pseudocistos é assintomática, mas eles podem ocasionar diversos problemas clínicos conforme a localização em que se encontram. O crescimento de pseudocistos pode causar dor abdominal, obstrução biliar ou duodenal, oclusão vascular, formação de fístula para uma víscera adjacente, espaço pleural ou pericárdio, infecção espontânea com formação de abscesso e pseudoaneurisma por “digestão” de um vaso adjacente.

 

Obstrução duodenal ou de ducto biliar

A obstrução duodenal ou de ducto biliar afeta 5 a 10% dos pacientes com pancreatite crônica. Dor pós-prandiale saciedade precoce são sintomas característicos de obstrução duodenal, enquanto dor e alteração nas provas hepáticas sugerem estreitamento biliar.

 

Ascite pancreática e derrame pleural

Essas duas complicações ocorrem devido à ruptura de um ducto pancreático ou de um pseudocisto.

 

Trombose de veia esplênica

Os pacientes acometidos podem desenvolver varizes gástricas, sendo a esplenectomia curativa.

 

Pseudoaneurismas

Os pseudoaneurismas são raros e podem afetar as artérias próximas ao pâncreas, incluindo as artérias esplênica, hepática, gastroduodenal e pancreaticoduodenal. A confirmação diagnóstica é realizada por meio de angiografia mesentérica, que também pode ser terapêutica ao possi- bilitar embolização do vaso afetado.

 

Tratamento

Os principais objetivos do tratamento da pancreatite crônica consistem em aliviar a dor, corrigir as deficiências exócrinas e endócrinas e manejar as complicações da doença.

Para alívio clínico da dor, inicia-se o tratamento com medidas gerais, como mudança de hábitos, e, em seguida, realiza-se suplementação enzimática e administração de analgésicos. Deve-se orientar abstinência alcoólica, principalmente para pacientes cuja etiologia da doença é justamente o consumo de álcool, devido ao aumento da mortalidade com o uso continuado. As refeições devem ser fracionadas e pobres em gordura. Triglicerídeos de cadeia longa devem ser substituídos pelos de cadeia média, que não necessitam da lipase pancreática para serem digeridos.

A esteatorreia é tratada com a administração de enzimas pancreáticas. Como essas enzimas são inativadas em pH abaixo de 4, devem ser utilizadas preferencialmente cápsulas com revestimento entérico, que resistem à acidez gástrica. Caso estas não estejam disponíveis, administram-se inibidores da produção ácida do estômago (bloqueadores H2 ou inibidores da bomba de prótons). As cápsulas devem ser ingeridas durante as refeições. A dose recomendada é de 25.000 a 50.000 U de lipase por refeição.

O tratamento medicamentoso inicial deve ser realizado com paracetamol e anti-inflamatórios não esteroides, deixando os antidepressivos tricíclicos para um segundo momento e utilizando opioides somente se as outras alternativas não forem suficientes para o alívio da dor, devido aos seus efeitos adversos deletérios e ao risco de dependência.

A abordagem cirúrgica pode ser necessária em casos refratários aos tratamentos clínicos. Os procedimentos mais realizados são descompressão ductal e ressecção parcial pancreática.

O tratamento do diabetes deve ser feito com administração de insulina em geral em doses pequenas e com monitoração rigorosa devido ao risco de hipoglicemia.

 

Caso Clínico Comentado

Com esse quadro clínico e os exames laboratoriais (amilase, lipase e AST três vezes acima do valor de referência), é possível realizar o diagnóstico de pancreatite aguda. É importante ressaltar que a paciente apresentava crises de dor abdominal de repetição, compatível com cólica biliar, o que a análise direciona para litíase biliar como o fator etiológico da pancreatite.

O médico plantonista solicitou inicialmente os exames laboratoriais necessários para avaliar os critérios de Ranson e o APACHE II, além de um raio X de abdome agudo. O raio X descartou a possibilidade de pneumoperitônio e evidenciou dois critérios de gravidade no escore de Ranson nas primeiras 48 horas, configurando um quadro de pancreatite aguda leve. A ultrassonografia abdominal confirmou a existência de cálculos no interior da vesícula biliar.

Em relação ao tratamento, foi administrado analgesia com meperidina, reposição volêmica com cristaloides, bem como jejum absoluto nas primeiras 48 horas. Estabeleceu-se abstenção de dieta enteral nas primeiras 48 horas de internação. A paciente apresentou melhora da condição clínica, não sendo necessário o estadiamento tomográfico. Após seis dias, ela foi submetida à CPRE, com realização de papilotomia, mas sem identificação de cálculos no colédoco. Clinicamente bem, teve alta com orientação de realizar colecistectomia.

A paciente apresentou a forma mais comum de pancreatite aguda, causada por cálculo biliar, e de boa evolução. Considerando o grande espectro clínico dessa doença, os pacientes devem ser monitorados devido à chance de desenvolvimento sistêmico da doença. Devido ao risco de recorrência, a realização de colecistectomia é indicada logo que haja recuperação clínica.

 

Referência

1. Chatzicostas C, Roussomoustakaki M, Vlachonikolis IG, Notas G, Mouzas I, Samonakis D, et al. Comparison of Ranson, APACHE II and APACHE III scoring systems in acute pancreatitis. Pancreas. 2002Nov; 25(4):331-5.

 

Leituras Recomendadas

Braganza JM, Lee SH, McCloy RF, McMahon MJ. Chronic pancreatitis. Lancet. 2011;377(9772):1184-97.

Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ, editors. Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2010.

Harper SJ, Cheslyn-Curtis S. Acute pancreatitis. Ann Clin Biochem. 2011;48(Pt 1):23-37.

Kasper D, Fauci A, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, et al., editors. Harrison´s principles of internal medicine. 17th ed. New York:McGraw-Hill; 2008.

Soares JLMF, Pasqualotto AC, Rosa DD, Leite VRS, organizadores. Métodos diagnósticos: consulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 2002.

Wu BU, Conwell DL. Update in acute pancreatitis. Curr Gastroenterol Rep.2010;12(2):83-90.

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