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Estados confusionais

Autores:

Francisco Tellechea Rotta

Médico neurologista. Coordenador do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Especialista em Neurologia e Doenças Neuromusculares pela University of Miami School of Medicine. Título de Especialista pela SBNC.

José Otávio Dworzecki Soares

Médico neurologista. Doutorando em Imunologia pela USP.

Última revisão: 13/01/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 73 anos, hipertenso, cardiopata isquêmico, parkinsoniano é internado na unidade de traumatologia no segundo dia após cirurgia para colocação de prótese de quadril. Ele apresenta quadro confusional agudo, desorientação no tempo e no espaço, agitação e ideação persecutória de que seus colegas de quarto querem lhe matar. Os profissionais do plantão neurológico realizam avaliação do paciente.

 

Definição

Os estados confusionais podem ser definidos por situações nas quais o indivíduo é afetado por uma síndrome neurocomportamental aguda ou crônica. As alterações agudas são denominadas estado confusional agudo (ECA). As alterações crônicas são secundárias a doenças neurológicas bem conhecidas, como os quadros demenciais. Neste capítulo, aborda-se o ECA, cuja definição é um distúrbio neurocomportamental adquirido, caracterizado por uma alteração aguda do status mental com comprometimento da atenção, desorientação e disfunção executiva. O ECA também é conhecido como delirium, síndrome cerebral orgânica ou encefalopatia aguda.

 

Epidemiologia

Não se sabe sobre a epidemiologia do ECA na população geral. A incidência não pode ser determinada. Entre os indivíduos hospitalizados, estima-se que a prevalência dessa condição seja de 40%, sendo os idosos e os pacientes em período pós-operatório os mais acometidos. Em indivíduos com mais de 65 anos de idade que estão hospitalizados, aproximadamente 10% são internados com essa condição associada, e 10 a 15% a desenvolvem durante o período que permanecem no hospital.

 

Etiologia

Sempre que forem avaliados casos de ECA, deve-se considerar quatro causas básicas: doença intracraniana primária, doenças sistêmicas que ocasionam alterações secundárias no sistema nervoso central (SNC), intoxicação por substâncias ou abstinência de drogas (Tab. 90.1). As cirurgias e as internações hospitalares prolongadas são situações iatrogênicas que devem ser consideradas como possíveis causas de ECA, principalmente em idosos.

Fisiologicamente, os quadros de ECA não são compreendidos por completo. Várias estruturas neurológicas estão envolvidas na manutenção do estado de vigília e consciência, tanto no tronco cerebral (sistema reticular ativador ascendente) como no córtex cerebral e diencéfalo. Portanto, alterações estruturais ou metabólicas que interfiram na homeostase cerebral podem desencadear estados confusionais.

 

Sinais e Sintomas

O quadro clínico de pacientes com ECA é bem característico. Os sintomas iniciam de forma rápida, em horas ou dias, podendo ocorrer flutuações durante o dia e com tendência a piorar no período da noite. O déficit de atenção é um dos indícios principais para o diagnóstico, havendo prejuízo de intensidade e seletividade. O pensamento fica desorganizado e incoerente, o nível de consciência pode variar de estupor à hipervigília, e o indivíduo não consegue realizar movimentos com objetivo definido. Podem ocorrer alucinações, déficits de memória, anomia ou disnomia, disgrafia, discalculia, ilusões e ideações persecutórias. O humor também pode variar de apatia e depressão para agitação e ansiedade. Em geral, não há sinais neurológicos focais. Entretanto, é possível verificar as seguintes alterações no exame neurológico: asterixe, tremores, mioclonias, dismetrias e apraxias.

 

 

Diagnóstico

O diagnóstico é realizado por meio da avaliação da anamnese do paciente, seguida do exame clínico. A avaliação dos fatores de risco para ECA é importante (Quadro 90.1). Ou seja, a verificação da história deve ser cuidadosa, com revisão de fármacos e do prontuário. Deve-se realizar exame físico completo, incluindo exame neurológico e do estado mental. É necessário observar se o paciente não apresenta hálito cetótico. A aparência geral, o afeto e o período de evolução do quadro devem ser registrados na ficha de avaliação do paciente. A avaliação bioquímica é obrigatória, e os demais exames complementares devem ser solicitados de acordo com a suspeita e a indicação clínica. Eletrocardiograma, eletrencefalograma, imagem do SNC e raio X de tórax podem ser realizados. Os casos de evolução crônica devem ser diferenciados da demência. A demência apresenta-se sempre de forma insidiosa, o nível de consciência, a atenção e a cognição só estão comprometidos nos estágios mais avançados da doença, e as alucinações são menos comuns. O diagnóstico de demência nunca pode ser estabelecido por uma única avaliação.

 

 

Tratamento

Após o diagnóstico acurado de ECA, o tratamento deve ser direcionado conforme as causas subjacentes. Deve-se considerar essa condição uma emergência médica, e o paciente deve ficar sob observação, em ambiente seguro, privado de fatores estressores e acompanhado de familiares. Também é necessário proporcionar medidas que ajudem esse paciente a estabelecer a orientação – óculos, órteses, aparelhos auditivos ou mesmo fotografias de familiares e animais de estimação. O manejo farmacológico deve ser evitado, com indicação em situações específicas (Tab. 90.2). O uso de antipsicóticos é recomendado em casos de agitação, delírios e alucinações, enquanto as causas básicas não tenham sido adequadamente corrigidas. Deve-se evitar a administração de benzodiazepínicos. O ciclo sono-vigília deve ser restabelecido, e é preciso orientar familiares e cuidadores quanto ao diagnóstico e às condutas.

 

Caso Clínico Comentado

O paciente foi avaliado pelo médico neurologista de plantão. Ele estava no segundo dia de pós-operatório traumatológico, mas já havia sido internado no hospital há três semanas, pois seu quadro clínico instável retardou a cirurgia (crises hipertensivas e arritmia cardíaca). O exame clínico evidenciou sopro cardíaco mitral de duas cruzes, eutrófico, sem outras alterações. Ao realizar exame neurológico, o paciente apresentou-se vígil, agitado, confuso, pouco colaborativo, desorientado, e existiam sinais de roda denteada no membro superior esquerdo, tremor de repouso também nesse membro e discreta rigidez articular. Reavaliando a prescrição, foi percebida a ausência do medicamento antiparkinsoniano que o paciente utilizava. A partir do exame de eletrocardiograma, foram verificadas extrassístoles supraventriculares, e a análise bioquímica não evidenciou alterações significativas. Portanto, foi realizado o diagnóstico de estado confusional agudo devido ao fato de o paciente ser idoso, com longo período de internação hospitalar, em pós-operatório traumatológico, apresentar arritmia cardíaca e talvez abstinência de fármaco antiparkinsoniano. Após a administração de um antipsicótico atípico, restabelecimento do medicamento antiparkinsoniano e medidas de conforto pelo serviço de enfermagem e familiares, o paciente retornou ao seu estado mental prévio. Foi solicitada, então, reavaliação cardiológica.

 

 

Leituras Recomendadas

BradleyW, Daroff RB, Marsden CD, Fenichel GM, editors. Neurol- ogy in clinical practice:

the neurological disorders. 3rd ed. Boston: Butterworth-Heinemann; 2000. p. 25-36.

Brown TM, Boyle MF. Delirium. BMJ. 2002;325(7365):644-7.

Diretriz de Atuação Médica. Alterações do nível e conteúdo da consciên- cia. Coma e

 estado confusional [Internet]. Uberlândia: Diretriz Médica; 2009 [capturado em 15 set.

2012]. Disponível em: http://diretrizes.webs. com/diretrizes2008/diretriz_coma_delirium_2009.pdf.

Salawu FK, Danburam A, Ogualili P. Delirium: issues in diagnosis and management. Ann Afr Med. 2009;8(3):139-46.

Stern TA, Celano CM, Gross AF, Huffman JC, Freudenreich O, Kontos N, et al. The assessment and management of agitation and delirium in the general hospital. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2010;12(1):PCC.09r00938.

World Health Organization. The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders: diagnostic criteria for research. Geneva: WHO; 1993.

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