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Transtorno do pânico

Autores:

Lucas Lovato

Médico psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS.

Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima

Médico psiquiatra. Mestre em Farmacologia pela UFCSPA. Doutor em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Última revisão: 31/03/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 42 anos, compareceu à emergência médica relatando falta de ar, taquicardia, sudorese intensa, tremores e forte medo de morrer. Desde os 20 anos, apresentava crises como essa, que, inclusive, a impediam de ir a determinados lugares sozinha, como supermercados, ou utilizar transporte coletivo, pois tinha medo de que elas se manifestassem novamente. Mesmo com esse comportamento, denominado por ela de restritivo, não vinha apresentando os ataques há alguns anos. No último mês, contudo, realizou tratamento para uma infecção urinária grave, em que foi necessária a administração durante vários dias de antibiótico, e ainda estava em acompanhamento. Nos primeiros dias de apresentação dos sintomas urinários, a paciente sentiu-se ansiosa em determinado dia, mas verificou que estava com febre alta e procurou auxílio médico. Ao iniciar o tratamento, também apresentou medo de tomar o medicamento e passar mal e relata que o médico ficou um pouco irritado com suas perguntas. Sempre que tomava o antibiótico, apresentava uma sensação de desconforto e prestava atenção para verificar se não manifestava alguma reação. Na emergência, o médico solicitou hemograma, exame qualitativo de urina, eletrólitos e realizou um exame físico completo.

 

Definição

O transtorno do pânico (TP) é uma doença prevalente que envolve a avaliação de sintomas físicos e emocionais. Seus portadores sofrem com prejuízo no ambiente social e de trabalho, assim como na qualidade de vida. O TP é uma condição que se apresenta no consultório do psiquiatra, do clínico e em emergências médicas, por vezes tornando-se um desafio devido à necessidade de diagnósticos diferenciais. Para o entendimento do TP, são importantes três definições: ataque de pânico, transtorno do pânico e agorafobia (Quadro 117.1).

 

Epidemiologia

Um estudo americano1 verificou prevalência ao longo da vida de 22,7% para, ao menos, um ataque de pânico isolado, 3,7% para transtorno do pânico sem agorafobia, 1,1% para transtorno do pânico com agorafobia e 0,8% para agorafobia sem transtorno do pânico (situação em que ocorreram ataques de pânico isolados o suficiente para que o indivíduo desenvolvesse agorafobia em relação à determinada situação). A ocorrência de agorafobia foi associada à maior gravidade do transtorno, prejuízo e comorbidades. A idade de apresentação inicial dos sintomas é em geral antes de 25 anos, e essa condição é mais frequente em mulheres. Comumente o TP é associado a outros transtornos psiquiátricos (p. ex., transtornos de ansiedade, depressão, transtorno de humor bipolar e abuso de substâncias), mas também tem sido associado a doenças clínicas (p. ex., cardiovasculares, respiratórias, cefaleias, síndrome do intestino irritável, anormalidades do vestíbulo). O risco de suicídio é maior em casos de associação entre TP e depressão.

 

 

 

Hereditariedade

Entre os transtornos de ansiedade, o TP é considerado o de maior probabilidade de herança genética. Os parentes de primeiro grau de um paciente com essa condição apresentam risco até sete vezes maior de desenvolver os sintomas. Estudos em gêmeos2 sugerem que entre 30 a 40% da vulnerabilidade para o TP pode ser decorrente de fatores genéticos. Há diferentes genes associados ao TP, possivelmente em uma combinação de polimorfismos.

 

Sinais e Sintomas

Além dos sintomas já citados, existe um modelo cognitivo-comportamental por meio do qual se pode entender o caso do paciente. De acordo com essa teoria, os ataques de pânico são originados por interpretações distorcidas e catastróficas a respeito de determinadas sensações corporais. A taquicardia normal de quem sobe uma escada ou a sudorese de um dia quente podem ser interpretadas como sinal de alerta de que há algum perigo – um infarto, por exemplo. As interpretações e reações podem intensificar ainda mais a ansiedade e a sensação de desconforto. A hiperventilação (frequente nos ataques de pânico) pode causar alcalose metabólica, piorando o desconforto físico e gerando outras interpretações catastróficas. O indivíduo vulnerável fica apreensivo à possibilidade de novos ataques após um primeiro, pois cada crise intensifica o medo e a rede de interpretações do que a causou e de suas consequências. O medo antecipatório faz com que o paciente evite situações que causem os sintomas físicos (p. ex., exercícios) e situações e locais que ele associe como desencadeadores da crise (p. ex., se ocorreram sintomas dentro de um supermercado, ele passa a evitar esse lugar) (Fig. 117.1).

 

Diagnóstico

O diagnóstico de pacientes com TP é eminentemente clínico, conforme o quadro de sintomas anteriormente descrito. É importante que se realize o diagnóstico diferencial com uma séria de doenças clínicas que podem cursar com sintomas semelhantes ou mesmo sintomas de pânico. Além disso, deve-se considerar que a presença do diagnóstico do transtorno do pânico não exclui a presença de uma doença clínica (Quadro 117.3).

O fato de o paciente apresentar TP não significa que não tenha uma doença clínica.

•O TP é uma doença, e o sofrimento causado é real e muito intenso.

•Não se deve menosprezar as sensações relatadas.

•A aliança terapêutica é importante no tratamento.

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Figura 117.1

Modelo cognitivo-comportamental de paciente vulnerável ao transtorno do pânico.

 

 

Tratamento

Fármacos

Os principais fármacos utilizados no tratamento de pacientes com TP estão listados na Tabela 117.1.

 

Psicoeducação

Esclarecer que não é uma doença clínica.

Explicar sobre a possibilidade de tratamento.

Orientar sobre como lidar com os sintomas.

Orientar sobre leituras e busca de informações.

Responder questões trazidas pelo paciente.

 

Terapia cognitivo-comportamental(TCC)

Resultados agudos eficazes e ganhos duradouros em casos de TP (estudos evidenciam manutenção dos benefícios após dois anos do tratamento e menor índice de recaídas).

Boa relação entre custo e benefício, duração de cerca de 12 sessões.

Pode ser realizada individualmente ou em grupos.

A falta de profissionais realmente treinados e a dificuldade de acesso a eles pode ser um problema.

 

Técnicas da TCC

Enfrentamento da ansiedade (técnicas de respiração abdominal e relaxamento muscular utilizadas para controlar sintomas físicos das crises de pânico).

Técnicas cognitivas que trabalham as interpretações catastróficas e distorcidas.

Técnicas de exposição (p. ex., exposição às sensações físicas, às situações e aos locais evitados) utilizadas para dessensibilização de medos adquiridos (sempre inicia das tarefas mais fáceis para as mais difíceis).

 

Escolhendo o tratamento

Atualmente, não há uma evidência exata da superioridade de uma modalidade terapêutica (farmacológica ou psicoterápica) sobre a outra. Cada uma apresenta vantagens ou desvantagens. Dessa forma, a escolha do tratamento pode ser realizada levando-se em conta fatores individuais: preferência do paciente, riscos e vantagens de cada modalidade, tratamentos prévios, existência de co morbidade, custo, acesso ao tratamento. Evidências atuas apontam a combinação como superior aos resultados dos tratamentos isolados.

 

 

Caso Clínico Comentado

O caso em questão era de uma paciente com quadro típico de TP. Apresentou início da condição quando jovem, com crises de ansiedade significativas que, embora não estivessem mais ocorrendo de forma espontânea, deixaram uma sequela: a paciente permanecia com medo antecipatório de ir a certos lugares (supermercado, transporte coletivo).

No momento da consulta, manifestou sintomas que podem ser exatamente os de ansiedade ou podem estar relacionados à doença física que a afetou anteriormente (tremores, falta de ar ou dispneia poderiam ser sintomas de uma bacteriemia ou sepse).

O médico tomou a atitude adequada; embora tenha pensado em sintomas de ansiedade, fez um detalhado exame físico e solicitou exames a fim de descartar a causa clínica. Tendo sido esta descartada, voltou-se para os sintomas de ansiedade. A paciente passou por uma situação em que sintomas físicos novamente chamaram sua atenção: a postura autovigilante tornou-se mais intensa (medo de usar os medicamentos, medo da doença) e novos pensamentos catastróficos surgiram (somando-se aos prévios). Todos esses fatores tornaram o TP agudo novamente.

Uma boa conduta poderia ser, nesse momento, administrar um benzodiazepínico e realizar orientações de psicoeducação (explicar que são novamente sintomas de pânico, que não há doença física e que existem tratamentos para o sofrimento); um ISRS (p. ex., paroxetina) poderia ser iniciado o mais breve possível.

A realização de TCC beneficiaria a paciente em relação às crises de pânico, à agorafobia e aos sintomas que permaneceram devido ao seu episódio anterior.

 

Referências

1.Kessler RC, Chiu WT, Jin R, Ruscio AM, Shear K, Walters EE. The epidemiology of panic attacks, panic disorder, and agoraphobia in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry.2006;63(4):415-24.

2.Martin EI, Ressler KJ, Binder E, Nemeroff CB. The neurobiology of anxiety disorders: brain imaging, genetics, and psychoneuroendocrinology. Psychiatr Clin North Am. 2009;32(3):549-75.

 

Leituras Recomendadas

American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-IV. 4th ed. rev. Washington: APA; 2000.

Canadian Psychiatric Association. Clinical practice guidelines. Manage- ment of anxiety disorders. Can J Psychiatry. 2006;51(8 Suppl 2):9S-91S.

Goodwin RD, Faravelli C, Rosi S, Cosci F, Truglia E, de Graaf R, et al. The epidemiology of panic disorder and agoraphobia in Europe. Eur Neuropsychopharmacol. 2005;15(4):435-43.

Hales RE, Yudofsky SC, editores. Tratado de psiquiatria clínica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

Hugh RK, Smits JA, Otto MW. Empirically supported treatments for panic disorder. Psychiatr Clin North Am. 2009;32(3):593-610.

Manfro GG, Heldt E, Cordioli AV, Otto MW. Terapia cognitivo-comportamental no transtorno de pânico. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(Supl 2):S81-7.

Pull CB, Damsa C. Pharmacotherapy of panic disorder. Neuropsychiatr Dis Treat. 2008;4(4):779-95.

Ravindran LN, Stein MB. The pharmacologic treatment of anxiety disorders: a review of progress. J Clin Psychiatry. 2010;71(7):839- 54.

Taylor CB. Panic disorder. BMJ. 2006;332(7547):951-5.

Zohar J, Hollander E, Kasper S, Möller HJ, Bandelow B, Allgulander C, et al. World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for the pharmacological treatment of anxiety, obsessive- compulsive and post-traumatic stress disorders - first revision. World J Biol Psychiatry. 2008;9(4):248-312.

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