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Estrongiloidíase

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 26/01/2015

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O Strongyloides stercoralis é um helminto intestinal que infecta os seres humanos através do contato com o solo que contém  as larvas. O Strongyloides  stercoralis é endêmico em países tropicais e subtropicais, com prevalência nestes locais de até 20%. Aproximadamente entre 30 e 100 milhões de pessoas são infectadas em todo o mundo anualmente.

Nos Estados Unido, a estrongiloidíase ocorre predominantemente em emigrantes ou viajantes provenientes de áreas endêmicas. A doença  pode apresentar manifestações cutâneas ou sintomas gastrointestinais, mas é assintomática em mais de 60% dos casos. Geralmente, é apenas suspeitada, em grande parte dos casos, devido ao aparecimento de eosinofilia significativa.

O diagnóstico é importante, pois a infecção pode persistir por décadas, e pacientes imunodeprimidos com estrongiloidíase crônica apresentam alto risco de desenvolver quadros de hiperinfecção, uma complicação potencialmente fatal em que a proliferação larval leva à sepse e falência de múltiplos órgãos.

 

Epidemiologia e ciclo vital

As larvas de Strongyloides stercoralis têm maior probabilidade de estarem presentes em áreas rurais com más condições de saneamento, resultando na contaminação do solo fecal. A infecção começa através do contato da pele humana com larvas filariformes do Strongyloides stercoralis, ocorre muitas vezes quando o indivíduo caminha descalço sobre o solo contaminado e larvas filarioides infecciosas penetram na pele.

As larvas entram na circulação venosa e migram para os pulmões atingindo os sacos alveolares, posteriormente as larvas atingem a faringe e são deglutidas. No intestino delgado, as larvas se desenvolvem em fêmeas adultas, que se reproduzem assexuadamente e liberam ovos no trato gastrointestinal. Os ovos são excretados nas fezes. Fora do hospedeiro humano, larvas rabditiformes provenientes destes ovos se reproduzem sexualmente, ou transformam-se diretamente em larvas filarioides com capacidade de invadir outro hospedeiro.

Ao contrário de outros parasitas, o Strongyloides stercoralis pode infectar o hospedeiro através da parede do trato gastrointestinal e completar seu ciclo de vida inteiro no hospedeiro humano. Este fenômeno é chamado de autoinfecção e ocorre quando alguma das larvas rabditiformes nas fezes se transformam em larvas filariformes no trato gastrointestinal do hospedeiro. Estas larvas penetram no intestino e na circulação de volta para os pulmões para começar o ciclo novamente. Esta é a chave para a persistência da infecção por  Strongyloides e explica porque pode ser detectado após décadas da exposição inicial em alguns pacientes.

A estrongiloidíase é mais comumente encontrada na África Subsaariana, na América do Sul e no Sudeste Asiático, onde a prevalência pode exceder a 20%. Em países desenvolvidos é vista principalmente em imigrantes ou viajantes provenientes de áreas endêmicas. Estudos norte-americanos mostram sorologia positiva para Strongyloides stercoralis em 23-65% dos imigrantes da Áfricae sudeste asiático, moradores nos EUA.

A estrongiloidiase também pode ser transmitida sexualmente através do contato oro-anal. Esta forma de contágio é mais comumente vista em homens homossexuais, também ocorrem casos de estrongiloidíase em receptores de transplantes de órgãos sólidos. A transmissão pode ainda ocorrer por via fecal-oral por água contaminada.

 

Manifestações clínicas

A infecção pelo Strongyloides stercoralis é frequentemente leve ou assintomática. Duas séries de casos de 33 e 70 pacientes, respectivamente, com estrongiloidíase  apontam   em 51% e 64% dos pacientes, nos casos anteriormente citados,  não apresentavam nenhum sintoma.

A infecção aguda pode cursar com reação cutânea característica pela penetração da larva, sendo o pé o local mais afetado, apresentando lesões serpinginosas e urticariformes com prurido intenso e de duração de vários dias. A erupção pode ser confundida com a da larva migrans. As manifestações cutâneas do Strongyloides stercoralis raramente são causa de procura de atenção à saúde.

Na infecção crônica, as larvas de Strongyloides stercoralis também podem apresentar migração intradérmica com rápida velocidade de migração, progredindo em cerca de 5-15 cm por hora. Desta forma, aparecem lesões com prurido intenso, geralmente na região perianal e na parte superior das coxas.

Como as larvas migram através dos pulmões, podem produzir sintomas respiratórios, como tosse ou chiado seco. A Síndrome de Loeffler's é caracterizada por febre, dispneia, sibilância, tosse seca, infiltrados pulmonares nas radiografias de tórax e eosinofilia, que é rara. Com o tratamento antiparasitário estes sintomas usualmente se resolvem, outra manifestação descrita é o desenvolvimento de sintomas asmatiformes que apresentam piora paradoxal com o uso de glicocorticoides.

A estrongiloidíase crônica pode levar a sintomas pulmonares de repetição, como pneumonia e até sintomas de restrição pulmonar em geral leves.

Uma vez que os vermes adultos atingem o intestino delgado, sintomas gastrointestinais vagos, como diarreia, anorexia e vômitos e dor epigástrica podem ocorrer. A dor abdominal, particularmente na região epigástrica e diarreia com muco são os sintomas mais característicos da estrongiloidíase não disseminada. Em uma recente série de 70 casos, sintomas gastrointestinais estavam presentes em 23% dos pacientes.

As indicações de investigação incluem sintomas sugestivos combinados a epidemiologia implicando em risco de desenvolvimento da infecção, pacientes imunossuprimidos ou que serão submetidos à imunossupressão, e viajantes para áreas endêmicas. A tabela 1 sugere de forma mais específica situações em que a estrongiloidíase deve ser investigada.

 

Tabela 1: Indicações de investigação de estrongiloidíase

Viajantes para áreas endêmicas com sintomas sugestivos

Eosinofilia inexplicada e persistente

Sintomas gastrointestinais sugestivos: náuseas, vômitos, dor abdominal, distensão abdominal

Sintomas pulmonares sugestivos: tosse persistente, sibilância acompanhada de febre

Sintomas cutâneos sugestivos: lesões urticariformes ou pústulas serpenginosas formando um trajeto

Em pacientes de risco que serão submetidos à imunossupressão

 

Diagnóstico

A estrongiloidíase é frequentemente assintomática e  se apresenta com sintomas vagos, sendo suspeitada principalmente em pacientes com eosinofilia. Um estudo, com cerca de 130 pacientes com eosinofilia, realizado em país tropical, revelou que em mais de 90% destes pacientes as infecções parasitárias eram a etiologia da eosinofilia.

Pacientes que se apresentam com eosinofilia, a nível ambulatorial têm indicação formal de investigação de parasitoses, em particular da estrongiloidíase. As causas mais comuns de eosinofilia são infecções parasitárias, atopia e drogas. Uma história cuidadosa deve, portanto, ser realizada, incluindo viagens recentes, presença de sintomas alérgicos e uso de medicações.

O número de eosinófilos é variável nestas diferentes etiologias e não pode ser usado para diferenciar entre estas etiologias, embora raramente atopia possa justificar nível de eosinófilos acima de 2000 cels/mm3.

A investigação da estrongiloidíase é através do exame protoparasitológico de fezes (PPF) com três amostras para microscopia (coletadas em dias separados), a detecção das larvas de estrongiloides infelizmente tem sensibilidade baixa. Deve-se acrescentar, entretanto, que a análise das fezes ou do suco duodenal pelo método de Boerman ou testes parasitológicos mais recentes,  como o método de placa de agar, ou a técnica de Harada-Mori de filtragem por papel, são a maneira mais fidedigna de realizar o diagnóstico. Apesar da incorporação destas técnicas no PPF serem o padrão-ouro para o diagnóstico, a sensibilidade por vezes é menor que 50% devido a excreção intermitente de larvas.

Outro exame importante é a sorologia para Strongyloides stercoralis, que apresenta em ensaios ELISA sensibilidade entre 83% e 89% e especificidade de 97%. Outra técnica que pode ser utilizada é a imunofluorescência indireta .Na presença de outros infecções helmínticas há o risco de um resultado falso-positivo particularmente em pacientes com filariose, onde até 60% dos pacientes podem apresentar resultado falso-positivo.

A endoscopia digestiva alta usualmente não é necessária para realizar diagnóstico de estrongiloidíase, mas eventualmente pode auxiliar no diagnóstico. Achados incluem no duodeno a presença de edema e descoloração da mucosa, além de hemorragias subepiteliais e dilatação denominada de megaduodeno. Achados colonoscópicos, por sua vez, mostram perda do padrão vascular, edema, úlceras aftosas e lesões similares a xantomas. As larvas podem eventualmente serem detectadas por biópsia da mucosa duodenal ou colonica.

 

Estrongiloidíase disseminada ou hiperinfecção

A hiperinfecção por estrongiloides ou estrongiloidíase disseminada, ocorre particularmente quando os pacientes cronicamente infectados pelo Strongyloides stercoralis usam medicações imunossupressoras, como glicocorticoides, ou iniciam quimioterapia por malignidade. Pode ainda ocorrer em imunossuprimidos no contexto de uma infecção aguda pelo Strongyloides stercoralis. Em contraste, a infecção pelo HIV não parece ser associada com risco aumentado do desenvolvimento de estrongiloidíase disseminada.

Estes pacientes apresentam proliferação descontrolada de larvas com disseminação para órgãos terminais, incluindo os pulmões, fígado e cérebro. A disseminação dos parasitas pode resultar em processo inflamatório significativo e disfunção de órgãos, que podem por si só desenvolver choque séptico. Os pacientes podem ainda apresentar translocação de enterobactérias que contribuem para desenvolvimento de sepse grave, pode ainda ocorrer invasão bacteriana do líquido cefalorraquidiano e meningite.

Os sintomas iniciais incluem febre, náusea e vômitos, diarreia, dor abdominal, tosse, hemoptise e sibilância. A radiografia de tórax pode revelar infiltrados pulmonares, o que pode representar uma combinação de edema, hemorragia e pneumonite. Quadros de broncoespasmo são comuns em pacientes com estrongiloidíase disseminada. Distúrbios gastrointestinais, por sua vez, são comuns e podem progredir para íleo paralítico ou hemorragia franca.

A hiponatremia, como resultado de síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético (SIADH), também foi relatada nestas circunstâncias, mas é menos frequente.

Na estrongiloidíase disseminada, as larvas filariformes podem ser encontradas em fluidos corporais, como líquido pleural. Devido à imunossupressão concomitante, com alguma frequência eosinofilia não aparece nestes pacientes, principalmente se bacteremia por gram-negativos acompanha o quadro. A tabela 2 se refere aos fatores de risco para desenvolvimento da estrongiloidíase disseminada. Em particular, as alterações de imunidade celular são particularmente suscetíveis ao desenvolvimento de estrongiloidíase disseminada, entre as drogas imunossupressoras a ciclosporina, por apresentar atividade contra o Strongyloides Stercoralis parece apresentar menor risco de desenvolvimento de estrongiloidíase disseminada.

 

Tabela 2: Fatores de risco para desenvolvimento de estrongiloidíase disseminada

Uso de imunossupressores (principalmente glicocorticoides)

Transplante de medula óssea

Transplante de órgãos sólidos

Infecção pelo HTLV-1

Hipogamaglobulinemia

 

Tratamento

A medicação tradicionalmente utilizada para o tratamento é o tiabendazol, porém recentemente este vem sendo  substituído por outras medicações mais eficientes, principalmente fora de nosso país.

A ivermectina apresentou resultados consistentes em estudos, e atualmente é  a droga de escolha para atingir a cura parasitológica. A droga funciona ligando-se a canais de íons cloreto glutamato, resultando em hiperpolarização das células neuronais e morte do parasita devido à paralisia. Este efeito não é encontrado em seres humanos, pois a medicação não atravessa a barreira hematoencefálica.

Quatro estudos compararam a eficácia de uma dose oral única de 200 ug/kg de ivermectina com duas doses orais de 200 ug/kg em dias consecutivos ou com duas semanas de intervalo. Um estudo mostrou uma maior eficácia de duas doses ao longo de um único período (100% x 77% de cura), enquanto que os outros três estudos mostraram eficácia comparável com mais de 93% de cura com ambos os regimes. Devido ao ciclo do parasita, a maioria dos autores prefere fazer o ciclo com intervalo de duas semanas.

A ivermectina é geralmente bem tolerada com poucos efeitos colaterais, pode ocorrer aumento transitório de enzimas hepáticas em pacientes com quadro de síndrome de Loefler´s, a ação da droga em outros parasitas pode ser útil.

Em pacientes que não conseguem tolerar a ivermectina, o albendazol é uma alternativa razoável, embora as taxas de cura em ensaios clínicos tenham sido inferiores aos obtidos com a ivermectina. Em um estudo recente, um curso de 400 mg de albendazol duas vezes por dia, durante sete dias, produziu uma taxa de cura de 63,3%, comparativamente a eficácia da ivermectina neste estudo foi de 92%. Outras opções que são particularmente utilizados com sucesso, para resolução de sintomas em nosso país são o Tiabendazol, dose única ou 25mg/kg, duas vezes ao dia, durante dois dias, dose máxima de 3g; devendo ser repetido em 10 a 15 dias e o cambendazol, medicação utilizada em dose única de 5mg/kg.

A estrongiloidíase disseminada é uma situação de maior risco e o tratamento envolve uma combinação de antibiótico para o tratamento sistêmico de sepse bacteriana, o tratamento anti-helmíntico do Strongyloides stercoralis, medidas de suporte devido ao acometimento crítico de múltiplos órgãos e correção da imunossupressão, se possível.

A ivermectina é a droga de escolha, sendo utilizada em administração diária que deve continuar até duas semanas após a última amostra de fezes positiva. O uso parenteral de ivermectina tem demonstrado eficácia em casos complicados por íleo paralítico ou hemorragia gastrointestinal. Deve notar-se,  no entanto, que a ivermectina parenteral está disponível apenas como uma preparação para uso veterinário e, portanto, não está licenciada para uso em seres humanos.

A confirmação da cura pode ser obtida por queda maior que 50% dos títulos de anticorpos em seis meses, o desaparecimento da eosinofilia também é um achado que sugere cura.

 

Prognóstico

Os pacientes apresentam prognóstico bom, exceto no contexto da estrongiloidíase disseminada, que tem taxas de mortalidade que variam de 10% até mais de 80% em algumas séries. Nestes casos, o grau de imunossupressão e infecção concomitante por HTLV são fatores prognósticos importantes.

 

Prevenção

A medida preventiva principal é evitar  andar descalço em locais endêmicos, em  solo com possibilidade contaminação.

 

Referências

1-Greaves D et al. Strongyloides stercoralis infection. BMJ 2013; 347: f4610.

2- Roxby AC, Gottlieb GS, Limaye AP. Strongyloidiasis in transplant patients. Clin Infect Dis 2009; 49:1411.

3- Muennig P, Pallin D, Challah C, Khan K. The cost-effectiveness of ivermectin vs. albendazole in the presumptive treatment of strongyloidiasis in immigrants to the United States. Epidemiol Infect 2004; 132:1055.

4- Posey DL, Blackburn BG, Weinberg M, et al. High prevalence and presumptive treatment of schistosomiasis and strongyloidiasis among African refugees. Clin Infect Dis 2007; 45:1310.

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