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Avaliação dos pacientes com trombocitose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 19/02/2015

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        A trombocitose é definida por um achado de aumento do número de plaquetas em relação aos padrões considerados normais, o limite superior da normalidade é definido por 350.000 a 450.000 plaquetas/mm3. Usualmente, a trombocitose é descoberta como achado acidental em exames de rotina.

        A trombocitose pode ocorrer devido a um processo primário, que é a chamada trombocitemia essencial e pode ser um processo reativo a outras patologias, o número de plaquetas não é um marcador fidedigno para diferenciar processos primários e secundários.

        A trombocitose secundária é muito mais frequente que a trombocitemia essencial, ela ocorre principalmente devido ao aumento de trombopoetina, IL-6 e catecolaminas em doenças inflamatórias, neoplásicas e infecciosas. As trombocitoses podem ser divididas em:

 

1-Clonais

2-Familiares

3-Reacionais

 

         Entre as trombocitoses clonais, a principal causa é a trombocitemia essencial (TE), que é uma desordem clonal que ocorre devido à inativação do cromossomo X, ao contrário da policitemia vera, que apresenta eritropoetina diminuída a TE cursa com trombopoetina normal ou aumentada. Outras doenças mieloproliferativas que podem cursar com trombocitose incluem principalmente a policitemia vera e, em menor grau, a leucemia mieloide crônica, metaplasia mieloide e a mielofibrose.

         Ainda é descrita a chamada trombocitose familiar que apesar de ser associada a complicações vasculares não é uma doença clonal.

         Entre as causas secundárias de trombocitose temos principalmente processos transitórios, que incluem perda de sangue, recuperação de trombocitopenia, pós-esplenectomia, infecção aguda ou processos inflamatórios e resposta ao exercício.

          A trombocitose clonal tem como principal causa a TE, mas pode ocorrer em outras doenças mieloproliferativas. Processos crônicos também podem cursar com trombocitose e incluem deficiência de ferro, anemia hemolítica, asplenia, neoplasias malignas e doenças inflamatórias crônicas como doenças do tecido conectivo, arterite temporal, tuberculose, doença inflamatória intestinal e pneumonite crônica.

          Reações medicamentosas também podem cursar com trombocitose, entre as medicações que cursam com trombocitose incluem vincristina, ácido retinoico, citocinas, como a epinefrina e fatores de crescimento. O uso de álcool também pode ser associado com supressão medular ocorrendo principalmente plaquetopenia.

 

Manifestações clínicas

         A trombocitose secundária tem como manifestações clínicas principalmente as doenças de base, raramente apresentando outras manifestações associadas e por este motivo é que o diagnóstico usualmente é através de exame de rotina ou por outro motivo que detecta aumento de plaquetas.

         A TE é um diagnóstico de exclusão, achados clínicos incluem esplenomegalia leve (40% dos casos), que é rara na trombocitose secundária.Podem ocorrer complicações tanto em relação a sangramentos como tromboses, que não ocorrem nas trombocitoses secundárias.

        Na TE os sangramentos que ocorrem são similares aos que ocorrem em desordens plaquetárias ou vasculites, podendo ocorrer a traumas mínimos. Os pacientes com TE quando em uso de AAS apresentam aumento do tempo de sangramento e apresentam aumento do risco de complicações hemorrágicas. 

        Quanto a eventos trombóticos, em 50% dos pacientes ocorrem pelo menos um evento após nove anos de diagnóstico. Alguns achados são típicos e incluem eritromelalgia e isquemia digital, também pode ocorrer o envolvimento de pequenos vasos, principalmente de dedos, ocorrendo edema endotelial e hiperplasia fibromuscular. Estes pacientes podem ter pulso palpável, caso a patologia não seja tratada pode ocorrer evolução para gangrena. 

        A eritromelalgia é associada com dor intensa em queimação na região de extremidades, principalmente em pés e é exacerbada por exercício e calor, sendo aliviada pelo frio e pela elevação de extremidades.

       Os eventos de trombose arterial são mais frequentes que os eventos venosos, sendo a trombose venosa de membros inferiores responsável por 25% dos eventos.

       As formas mais comuns  de tromboembolismo venoso são trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, eventualmente pode ocorrer trombose de vasos hepáticos e portais com síndrome de Budd-Chiari como consequência. Achados neurológicos secundários a isquemia podem ocorrer e incluem cefaleia e tonturas e melhoram com AAS.

      Outra complicação descrita são abortos recorrentes e retardo do crescimento fetal, que ocorre por múltiplos infartos placentários secundários a trombos intraplacentários, com o uso de AAS pode diminuir os eventos mas é recomendado retirá-los uma semana antes do parto, pois aumenta o risco de sangramento, já a gestação por si só não parece alterar a história natural da TE.

 

Exames complementares

       Os pacientes com TE não tratados podem ter contagens plaquetárias desde levemente aumentadas até vários milhões/mm3, alguns pacientes apresentam leucocitose e leve anemia. Pode ocorrer achado de plaquetas jovens e reticuladas que são indicativo de alto turn-over plaquetário. A trombopetina, por sua vez, se encontra normal ou elevada.

       Outro achado laboratorial relativamente comum na TE é a pseudo-hipercalemia secundária à plaquetose.

       Testes clínicos para avaliar hemostasia em pacientes com TE mostram que 20% dos pacientes apresentam tempo de sangramento aumentado. As respostas aos testes de agregação plaquetárias, por sua vez, são variáveis, costumando ocorrer perda da resposta à epinefrina.

       A biópsia de medula óssea e o mielograma revelam aumento da celularidade da série megacariocítica, o que pode ocorrer também em trombocitoses secundárias. A TE e outras causas de trombocitose clonal podem ou não ter displasia da série megacariocítica, mas quando presente os megacariócitos são gigantes e displásicos, o que ajuda a diferenciar da trombocitose secundária. Alguns pacientes cujo diagnóstico inicial é de TE apresentam cromossomo philadelphia positivo e evoluem como leucemia mieloide crônica (LMC) e neste caso devem ser considerados como LMC.

 

Diagnóstico diferencial

        A tabela 1 mostra a diferença entre as duas formas principais de trombocitose, existem critérios diagnósticos que ajudam a definir o diagnóstico de TE, estes incluem:

1-Plaquetas acima de 600.000 cels/mm3.

2-Hb <13 g/dl, ou massa vermelha normal, o que significa em homens abaixo de 36 ml/kg e mulheres 32 ml/kg.

3-Presença de ferro na medula óssea ou falha na terapia com ferro (<1 g/dl de aumento na hemoglobina após um mês com ferro oral).

4-Ausência do cromossomo Philadelphia.

5-Fibrose do  colágeno na medula óssea ou ausente ou menor que 1/3 da área da biópsia, sem esplenomegalia ou reação leucoeritroblástica.

6-Sem causa conhecida de trombocitose reativa.

 

Tabela 1: diferenças entre trombose secundária e clonal

 

ACHADO

TROMBOCITOSE CLONAL

TROMBOCITOSE SECUNDÁRIA

Doença sistêmica associada

Não

Frequente

Isquemia cerebral ou digitais

Característica

Não

Trombose venosa arterial ou venosa de grandes vasos

Risco aumentado

Não

Sangramentos

Aumento do risco

Não

Esplenomegalia

40% dos casos

Não, exceto se doença secundária

Esfregaço de sangue periférico

Plaquetas gigantes

Plaquetas normais

Função plaquetária

Anormal

Normal

Megacariocitos na MO

Aumentados

Aumentados

Achados morfológicos

Plaquetas gigantes e displásicas

Normais

 

 

 

 

Tratamento

        Não existe necessidade de tratamento para a trombocitose secundária, sendo o manejo dependente da causa de base. Na trombocitose clonal deve-se considerar a realização de citoredução para diminuir as plaquetas, apesar da evidência de benefício ser duvidosa, com trabalhos apresentando benefício real em contagens plaquetárias acima de 600.000 céls/mm3.

        A principal indicação da terapia citoredutora é a presença de isquemia digital microvascular ou síndromes isquêmicas cérebro-vasculares. A hidroxiureia, para este propósito é altamente eficaz, com o uso de dose de 10-30 mg/Kg a maioria dos pacientes fica com contagem plaquetária abaixo de 500.000 céls/mm3, atualmente devido ao potencial leucemogênico a medicação é pouco utilizada para este propósito.

       O anagrelide, que é uma quinazolina, tem sua ação através da inibição da proliferação e da diferenciação de megacariócito, sendo considerado a primeira linha de tratamento.

        A dose inicial é de 2 mg ao dia, dividida em 0,5 mg em quatro doses ao dia, ou menos frequentemente 1 mg duas vezes ao dia. A dose é ajustada conforme contagem plaquetária, com aumentos de 0,5 mg por semana com dose máxima de 10 mg ao dia, embora a dose de 2 a 3 mg ao dia seja a usual. Cerca de 30% dos pacientes não toleram a medicação devido a vasodilatação e efeitos inotrópicos como arritmias, retenção liquida, IC e cefaleia. Outra opção descrita na literatura é o uso do interferon alfa recombinante em dose de 3.000 unidades ao dia, a medicação apesar de ser efetiva para citoredução apresenta muitos efeitos colaterais e é pouco tolerada.

        O uso de agentes anti-plaquetários, ao contrário da policitemia vera, em que não ocorre aumento significativo de sangramentos, pode aumentar tempo de sangramento, mas é efetiva para diminuir complicações trombóticas recorrentes. Um estudo com aspirina 100 mg ao dia, não encontrou complicações hemorrágicas e ocorreu diminuição dos episódios trombóticos.

 

Prognóstico

        O curso de sobrevida é similar ao da população geral adaptado para idade, com o tempo a TE pode evoluir como outra doença mieloproliferativa, neste caso o prognóstico será o da doença mieloproliferativa em questão.

 

Referencias

-Harrison CN. Current trends in essential thrombocythaemia. Br J Haematol 2002; 117:796.

 

Beer PA, Erber WN, Campbell PJ, Green AR. How I treat essential thrombocythemia. Blood 2011; 117:1472.

 

 

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