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Artrite Gonocóccica e Infecção Gonocóccica Disseminada

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 03/09/2015

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A Neisseria Gonorrhoeae é um coco gram-negativo associado principalmente a uretrites e cervicites, sendo mais comum a manifestação clínica em homens, sua transmissão ocorre principalmente por meio do ato sexual e, excepcionalmente acidental, pode ainda ocorrer por sexo oral, quando se manifesta como a chamada faringite gonocóccica. A infecção gonocóccica disseminada é uma complicação desta infecção, sendo mais comum em centros urbanos e ocorrendo em 0,5 a 3% dos pacientes com a infecção pela neisseria, a maioria destes pacientes se apresenta com quadro de monoartrite, poliartrite ou artralgias. A doença gonocóccia disseminada resultam da disseminação bacterêmica.

A infecção gonocóccia localizada apresenta alguns fatores predisponentes para desenvolver infecção disseminada, o principal deles é o sexo feminino que tem risco três vezes maior de infecção em relação aos homens, apesar da infecção gonocóccica clínica ser mais comum em homens, em mulher ocorre com maior frequência a infecção disseminada. Um dos fatores que poderia explicar esta discrepância é o próprio fato desta infecção ser com frequência subclínica nas mulheres, o que impossibilita a indicação de tratamento, aumentando a chance de disseminação. Apenas 25% dos pacientes com infecção disseminada apresentam sintomas genitais que mostram como a infecção assintomática é um fator predisponente, outro fator de risco é menstruação recente, que facilita a disseminação por menstruação por alterações no pH da cérvice interna. Outros fatores incluem gestação ou pós-parto imediato, práticas sexuais de risco, esplenectomia, lúpus eritematoso sistêmico e deficiências congênitas ou adquiridas do complemento incluindo C5, C6, C7 e C8. Fatores microbianos como cepas com proteína A de baixo peso molecular e resistência aumentada à ação bactericida das defesas humanas facilitam a disseminação de infecção gonocóccica.

 

Manifestações Clínicas

Os pacientes com infecção gonocóccica disseminada se apresentam em duas formas principais:

 

-Tríade de tenossinovite, dermatite e poliartralgias, sem artrite purulenta;

-Artrite purulenta sem lesões cutâneas.

 

Em alguns pacientes é díficil realizar a diferenciação entre as duas formas de infecção gonocóccica disseminada, e em alguns pacientes que inicialmente apresentam quadro de tenossinovite podem evoluir com artrite purulenta, principalmente se ocorre atraso na antibióticoterapia. Um número significativo  de pacientes com artrite purulenta apresenta também tenossinovite e dermatite.

Apenas uma minoria dos pacientes apresenta concomitância de manifestações genitais ou de faringite associada à infecção disseminada.

Os sin­to­mas ar­ti­cu­la­res se de­sen­vol­vem de um dia a vá­rias se­ma­nas (em média de 10 a 20 dias) após o con­ta­to se­xual. A poliartralgia ou poliartrite é aditiva e migratória, sen­do os joe­lhos, tor­no­ze­los, pu­nhos e co­to­ve­los as ar­ti­cu­la­ções mais aco­me­ti­das. A tenossinovite ocorre em dois terços dos pacientes, por sua vez, sendo mais comum no dorso da mão, nos punhos, nos tornozelos e nos joelhos, em geral acomete múltiplos tendões, é um achado raro em outras artrites e, portanto específico para o diagnóstico de artrite gonocóccica.

A dermatite é mais frequentemente maculo-papular ou vesicular, também podem aparecer pústulas e bolhas hemorrágicas, eritema multiforme e vasculite. As lesões cutâneas são mais frequentes em extremidades e tronco, mas normalmente são assimétricas e requerem inspeção cuidadosa, algumas vezes novas lesões aparecem após iniciar antibióticoterapia, mas o curso mais comum é as lesões desaparecerem após alguns dias de tratamento. O número de lesões é usualmente pequeno variando na maioria dos casos entre 2 a 10 lesões, raramente ultrapassando 40 lesões e costumam poupar a face.

Febre é relatada principalmente em pacientes com a forma da doença com tenossinovite e poliartralgias, sendo rara nos pacientes com artrite purulenta. A sinovite purulenta ocorre em 25-50% dos pacientes. Os joelhos, tornozelos, pulsos e cotovelos são os mais infectados neste caso, e poliartrite associada não é incomum.

Os pacientes com artrite gonocóccica apresentam na maioria dos casos melhora significativa 24-48 horas após início da antibióticoterapia, dado que aumenta a probabilidade da artrite ser causado pela neisseria gonorrhae.

A artrite meningocóccica é similar à gonocóccica, sendo que 20-40% dos pacientes com meningococcemia têm sintomas articulares, que pode ser estéril ou séptica, acelular ou purulenta.

Outras complicações associadas à artrite gonocóccia são meningite, endocardite e miocardite gonocóccica, que são raras, mas potencialmente fatais.

 

Exames Laboratoriais

Os pacientes podem ter leucocitose periférica, aumento de VHS, aumento de PCR e aumento discreto de transaminases, estes achados embora comuns são inespecíficos.

Raramente a hemocultura é positiva, a cultura de líquido sinovial também é positiva em menos de 50% dos pacientes. Quando cultura é positiva, maior a chance de ficar o líquido purulento, o líquido sinovial e hemoculturas devem ser semeados em ágar chocolate. Apesar da baixa positividade da hemocultura, a maioria dos atores recomenda a coleta de dois pares de hemocultura rotineiramente nestes pacientes.

O número de leucócitos na sinovia fica na maioria dos casos entre 30.000-70.000 cels/mm3, mas casos com menos de 10.000 cels/mm3 são descritos, raramente com monoartrite crônica e indolente. Os pacientes com tenossinovite e dermatite usualmente apresentam número de leucócitos menores na sinovia.

Os pacientes com suspeita de artrite gonocóccica devem realizar culturas de sinovia, pele, uretra e cérvice no meio de Thayer-Martin, que é um meio com ágar chocolate  adicionado de antibióticos.Quando realizada a avaliação de todos estes sítios, a positividade da cultura se aproxima a 50%.

A biopsia da lesão revela inflamação perivascular com infiltrados neutrofílicos intraepidérmicos e microtrombos, raramente a neisseria é recuperada nestes sítios. O PCR do líquido sinovial pode auxiliar o diagnóstico, mas  no momento é pouco utilizado.

Os ní­veis de gli­co­se no líquido sinovial es­tão ge­ral­men­te di­mi­nuí­dos, em­bo­ra não sejam espe­cí­fi­cos de in­fec­ção, sen­do im­por­tan­te com­pa­rar com a glicemia.

 

Tra­ta­men­to

Na sus­pei­ta de ar­tri­te sép­ti­ca, após co­le­ta de he­mo­cul­tu­ras, de cul­tu­ra do lí­qui­do si­no­vial (e de ou­tros sí­tios, se hou­ver), deve-se ini­ciar an­ti­bió­ti­co­te­ra­pia pa­ren­te­ral de acor­do com a coloração de Gram e con­for­me os acha­dos clí­ni­cos. Em ge­ral, o tra­ta­men­to deve ser rea­li­za­do com o pa­cien­te hos­pi­ta­li­za­do; se for iso­la­do um ger­me, deve-se guiar pelo an­ti­bio­gra­ma e com o menor espec­tro pos­sí­vel. Caso quadro clínico sugestivo ou bacterioscopia com di­plo­co­cos Gram-ne­ga­ti­vos pode iniciar-se ceftriaxone em dose de 1 grama EV ou IM diária (esquema mais aceito pela literatura e recomendado pelo CDC-Center of Diseases Control nos Estados Unidos) ou a cada 12 horas usualmente por 7 a 10 dias; após três dias de tratamento muitos pacientes não  apresentam mais sintomas.

Outras opções antibióticas incluem azitromicina 1 grama oral e doxiciclina 100 mg a cada 12 horas por 7 dias.

O tempo recomendado de tratamento é de pelo menos 7 dias nos pacientes com a forma de doença disseminada com tenossinovite, mas em pacientes com artrite purulenta o tempo de antibióticoterapia em geral é maior de 7-14 dias e o grande marcador do tempo de antibióticos é a melhora clínica dos sintomas.

 

Drenagem da Articulaçâo

Prin­ci­pal­men­te indicada no caso das ar­tri­tes não go­no­có­cci­cas, mas quando artrite purulenta também deve ser realizada na artrite gonocóccica, pode se fazer a dre­na­gem da ar­ti­cu­la­ção diária (às ve­zes vá­rias ve­zes ao dia) atra­vés de ar­tro­cen­te­se com agu­lha. Para se ava­liar a efi­cá­cia do trata­men­to, o lí­qui­do si­no­vial deve ser en­via­do para con­ta­gem de leu­có­ci­tos, Gram e cul­tu­ras.

 

Medidas Adjuvantes

Uso de analgésicos e anti-inflamatórios indicado de forma semelhante à artrite séptica ano gonocóccica, já  comentada em outra ocasião. A imo­bi­li­za­ção e o repouso devem ser idealmente de cur­ta du­ra­ção, após o 2o dia po­dem-se ini­ciar exer­cí­cios pas­si­vos. A fi­sio­te­ra­pia é im­por­tan­te para a manu­ten­ção da am­pli­tu­de dos mo­vi­men­tos ar­ti­cu­la­res e para se evi­tar atro­fias mus­cu­la­res. É recomendada a concomitância do tratamento de chlamydia devido á frequência de coinfecção, assim, em geral, o regime antibiótico inicial será a combinação de ceftriaxona e azitromicina. O tratamento de parceiros sexuais também é recomendado.

Em pacientes com infecção gonocóccica de repetição é importante ainda se medir o nível sérico do complemento hemolítico total, outras indicações são artrite gonocóccica em pacientes com asplenia ou disfunção retículo-endotelial.

 

Referências

Rice PA. Gonococcal arthritis (disseminated gonococcal infection). Infect Dis Clin North Am 2005; 19:853.

 

http://www.cdc.gov/std/treatment/2010/default.htm

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