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Mononucleose infecciosa

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 17/03/2016

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A mononucleose infecciosa é uma síndrome clínica que é mais comumente associado com infecção primária pelo vírus Epstein-Barr (EBV) caracterizada pela tríade clínica de febre, faringite e linfadenopatia. O EBV é um herpes-vírus gama com genoma de DNA de cadeia dupla de cerca de 172 kb. A infecção pelo EBV ocorre apenas em seres humanos e ocorre uma infecção ao longo da vida. Embora a grande maioria dos casos de mononucleose infecciosa ocorra durante a infecção primária pelo EBV, síndromes de mononucleose infecciosa também foram relatados em pessoas cronicamente infectadas após a depleção de linfócitos T com anticorpos monoclonais contra CD3.

 

Epidemiologia

Levantamentos epidemiológicos e sorológicos indicam que entre 90-95% dos adultos no mundo já foram infectados pelo EBV. Nos países industrializados e nos grupos socioeconômicos mais elevados, metade da população tem uma infecção primária pelo EBV entre 1 e 5 anos de idade, com outra grande percentagem sendo infectada na segunda década. As infecções primárias pelo EBV são raras no primeiro ano de vida, presumivelmente por causa do efeito protetor de anticorpos maternos transferidos passivamente.

Nos países em desenvolvimento e grupos socioeconômicos mais baixos, a maioria das infecções por EBV ocorre na primeira infância. Infecções primárias em crianças pequenas são muitas vezes manifestadas com sintomas inespecíficos, com sintomas típicos sendo infrequentes.

A mononucleose infecciosa mais comumente afeta aqueles que têm EBV primário durante ou após a segunda década de vida. Porque as condições econômicas e sanitárias melhoraram nas últimas décadas, a infecção por EBV na primeira infância tem se tornado menos comum, e mais crianças são suscetíveis à medida que atingem a adolescência. A incidência global de mononucleose infecciosa nos Estados Unidos é cerca de 500 casos a cada 100.000 pessoas por ano, com maior incidência na faixa etária entre 15 a 24 anos. A cada ano, cerca de 10 a 20% dos soronegativos tornam-se infectados e a  mononucleose infeciosa clínica desenvolve-se em 30 a 50% dessas pessoas. Não há ciclos anuais e  óbvio mudanças sazonais na incidência, e não há nenhuma predisposição aparente com base no sexo.

 

Patogênese

A transmissão do EBV ocorre predominantemente através da exposição à saliva infectada, frequentemente como resultado de beijo e eventualmente por transmissão sexual. O período de incubação, a partir do tempo de exposição inicial para o início dos sintomas, é estimado entre 30 a 50 dias. O EBV quando em contato com as células epiteliais da orofaringe causa uma infecção com lise das células nas tonsilas e evolui com reprodução viral em grande quantidade e os vírus invadem os linfócitos B,  uma resposta vigorosa imune ao EBV é realizada pelos linfócitos T CD4 + e linfócitos T CD8 + que são expandidos em pacientes com mononucleose infecciosa, a evidência sugere que essas respostas imunes celulares limitam a infecção primária pelo EBV e controlam a infecção crônica, mas também podem contribuir para os sintomas de mononucleose infecciosa.

Os linfócitos infectados migram para o fígado, onde um processo inflamatório pode causar inflamação e aumento de transaminases. Ocorre também linfadenomegalia (principalmente cervical) e esplenomegalia. A mononucleose infecciosa é autolimi­ta­da, pois os linfócitos T destroem as células B infectadas (ou a maioria delas). O EBV fica em latência dentro de linfócitos B, e pode sofrer reativação, de forma que o vírus é eliminado pela orofaringe durante muito tempo (pode ser mais de um ano). Em pacientes imunodeprimidos, os linfócitos B infectados perdem o controle dos linfócitos T, ocorrendo proliferação do vírus, que podem causar as síndromes linfoproliferativas observadas em pacientes transplantados e HIV. Há uma infiltração maciça do fígado e medula óssea levando ao óbito por insuficiência hepática ou aplasia de medula.

 

Manifestações Clínicas

Os achados clínicos mais comuns são febre, dor de garganta e mal-estar ou fadiga, adenopatia acompanhados do achado laboratorial de linfocitose atípica, todos estes achados ocorrendo em mais de 80% dos pacientes. A faringite geralmente é subaguda e juntamente com a febre e linfadenopatia constituem a tríade clássica de apresentação. Achados a oroscopia incluem petéquias no palato e exsudatos orofaríngeos esbranquiçados ou acizentados.

A fadiga pode ser persistente e severa e ocorre no início do quadro em cerca de 80% dos pacientes, chegando a durar seis meses em 13% dos casos. A linfadenopatia é usualmente simétrica e envolve tanto as cadeias cervicais anteriores como posteriores, com linfonodos moderadamente aumentados e sensíveis, o pico da linfadenopatia costuma ser com uma semana de sintomas, com melhora em 2 a 3 semanas. A febre, por sua vez, costuma durar até 7 dias.

Outros achados como edema periorbital, e erupção cutânea são menos comuns. A esplenomegalia é detectada em 15 a 60% dos casos ao exame físico, mas está presente na maioria dos caso na ultrassonografia. Úlceras vaginais podem estar presentes e a faringite pode representar até 6% de todos os casos ambulatoriais

A maioria dos pacientes com mononucleose infecciosa recuperara-se sem sequelas aparentes. Estudos históricos mostram que a maioria dos achados clínicos e laboratoriais se resolvem em um mês após o diagnóstico, mas a adenopatia cervical e a sensação de fadiga podem demorar mais tempo.

A mononucleose pode ser associada a várias complicações hematológicas, sendo em geral leves e transitórias e incluem anemia hemolítica, trombocitopenia, anemia aplástica, púrpura trombocitopênica trombótica ou a síndrome hemolítico-urêmica e coagulação intravascular disseminada. Complicações neurológicas ocorrem em 1 a 5% dos casos, e incluem a síndrome de Guillain-Barré, paralisia de nervo facial, meningoencefalite, meningite asséptica, mielite transversa, neurite periférica, cerebelite, e neurite óptica. Outras complicações raras mas potencialmente fatais incluem ruptura do baço (em 0,5 a 3% dos casos) e obstrução das vias respiratórias (em 1% dos casos), devido à hiperplasia linfoide e edema da mucosa. Embora a infecção por EBV primária raramente seja fatal, pode ocorrer infecção fulminante. EBV é um comum fator precipitante infeccioso da síndrome hemofagocítica, que é caracterizada clinicamente por prolongada febre, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, erupção cutânea, disfunção hepática e citopenias. A síndrome hemofagocítica ocorre aproximadamente em 1 caso a cada 800.000 pessoas no Japão; metade de todos os casos foram associados com o EBV, com 80% dos casos ocorrendo em crianças de 1 aos 14 anos de idade.

 

Diagnóstico Diferencial

A infecção com estreptococos do grupo A é a  causa bacteriana mais comum de faringite, representando 15 a 30% dos casos em crianças e 10% dos casos em adultos. Distinguir a infecção com estreptococos do grupo A da mononucleose infecciosa é importante, pois a terapia antimicrobiana justifica-se em casos de faringite estreptocóccica para prevenir a febre reumática aguda, diminuir complicações supurativas e reduzir a infectividade. A utilização de testes rápidos com pesquisa de antígeno ou cultura de swab da garganta.

Algumas doenças como toxoplasmose e citomegalovírus causam sintomas muito semelhantes a mononucleose infecciosa e são denominadas de síndromes mono-like, sendo caracterizadas por faringite, linfadenopatia e mal-estar,  e representam um importante diagnóstico diferencial da mononucleose infecciosa.

 

Exames Complementares

O achado laboratorial mais comum em pacientes com mononucleose infecciosa incluem marcante linfocitose (> 50% leucócitos) com linfócitos atípicos, em geral com número de linfócitos acima de 5000 cels/mm3. A detecção de, pelo menos, 10% de linfócitos atípicos em um esfregaço de sangue periférico num doente com mononucleose tem uma sensibilidade de 75% e uma especificidade de 92% para o diagnóstico. Achados compatíveis com anemia hemolítica, trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada podem ocorrer.

O aumento de transaminases ocorre na maioria dos pacientes, mas em geral é auto-limitado e inferior a cinco vezes o limite superior da normalidade em quase todos os casos, já hiperbilirrubinemia e icterícia são incomuns.

A infecção primária pelo EBV induz a produção de um grupo heterogêneo de anticorpos heterofilos circulantes. Estes anticorpos IgM são dirigidos contra antígenos virais, que reagem de forma cruzada com os antígenos encontrados em ovinos e células vermelhas de cavalo. Os testes rápidos (Monospot) para esses anticorpos heterófilos são usados para triagem de pacientes com mononucleose. Esses testes são negativos em 25% dos pacientes durante a primeira semana de infecção e em 5 a 10% durante ou após a segunda semana; uma vez que os anticorpos estão presentes, eles podem persistir durante um ano ou mais.

Os testes de anticorpos heterófilos são positivos em apenas 25-50% das crianças com menos de 12 anos de idade. Na presença de sintomas de mononucleose, um teste positivo de anticorpos heterófilos tem uma sensibilidade de aproximadamente 85% e uma especificidade de, aproximadamente, 94% para o diagnóstico de mononucleose infecciosa, principalmente usando os testes ELISA de última geração. Os testes para anticorpos heterófilos são geralmente negativos em pacientes que têm síndromes mono-like associadas como a infecção primária por citomegalovírus (CMV) ou Toxoplasma gondii. Os anticorpos anti-heterófilos são positivos apenas raramente em  pacientes com infecção pelo HIV.

O diagnóstico de mononucleose infecciosa pode ser estabelecido na maioria dos adolescentes com base na apresentação clínica, na presença de linfócitos atípicos e em um teste de anticorpos heterófilos positivo. Contudo, pacientes com fatores de risco para infecção aguda pelo HIV devem ser rastreados com o uso de pesquisa de anticorpos específicos.

Um diagnóstico definitivo da infecção pelo EBV podem ser feito por meio de testes de anticorpos IgM e IgG específicos contra antígenos virais, entre eles os Ac anti-capsídeos virais, Ac antiantígeno nuclear. Os Ac IgM contra antígenos virais são comumente detectados na apresentação com sintomas, e evidência de tais respostas desaparece no prazo de 6 a 12 semanas; Anticorpos IgM não são detectados em associação com infecção crônica, assim sua presença é praticamente diagnóstica de infecção primária pelo EBV. Os títulos de anticorpo IgG contra antígenos capsídeos-virais são detectáveis no momento de, ou logo após, apresentação com mononucleose infecciosa e persistem em níveis reduzidos durante toda a  vida.

Os anticorpos contra antígenos nucleares IgM sugerem que é provável o diagnóstico de infecção por EBV. Os Acs IgG ciclo tendem a aparecer em associação com o pico de resposta de IgM, por volta de 6 a 12 semanas, sua presença precoce excluí o diagnóstico de mononucleose infecciosa.

 

Tratamento

O tratamento usualmente é apenas de suporte com uso de paracetamol e anti-inflamatórios não hormonais, para controle de febre, dor e mal-estar. Ingestão adequada de líquidos e nutrição devem ser realizadas. Embora o repouso relativo seja recomendável, o descanso na cama é desnecessário. Os pacientes podem excretar altos níveis de EBV em sua saliva até um ano após o início da mononucleose infecciosa, mas precauções especiais contra a transmissão de EBV não são necessárias. Erupções morbilliformes são comuns em pacientes com mononucleose infecciosa tratada com ampicilina ou amoxicilina (ocorrendo em até 95% dos pacientes com exposição à droga) em um efeito semelhante ao visto na sífilis tratadas com penicilinas, portanto deve-se tomar cuidado ao introduzir antibiótico em pacientes em que mononucleose infecciosa é uma hipótese diagnóstica.

A rupturas esplênica é uma complicação muito temida da mononucleose infecciosa, e ocorrem normalmente até três semanas após o diagnóstico, mas ruptura foi relatada até sete semanas após diagnóstico. Atividade física extenuante deve ser evitada por pelo menos três semanas.

O uso de aciclovir não reduziu significativamente níveis de EBV no sangue periférico ou a duração ou gravidade dos sintomas clínicos.  Alguns autores têm defendido o uso de corticoide para tratamento de mononucleose infecciosa, mas a evidência é ruim e os corticoesteroides não podem ser recomendados neste momento.

Complicações associadas à infecção primária pelo EBV incluem a síndrome hemofagocítica e o tratamento com etoposide foi associado com diminuição de mortalidade, casos refratários podem ser submetidos a transplante. A doença linfoproliferativa ligada ao X pode ser diagnosticada no exame pré-natal, e transplante de medula óssea precoce é recomendado para corrigir esse distúrbio. A infecção pelo EBV e doenças autoimunes ou neoplasias têm sido reconhecidas incluindo linfoma de Burkitt ou carcinoma nasofaríngeo. A história da  mononucleose também tem sido associada com um aumento no risco de esclerose múltipla em duas vezes e para linfoma de Hodgkin em quatro vezes.

 

Referências

Luzuriaga K, Sullivan JL. Infectious mononucleosis. N Engl J Med 2010; 362:1993.

 

Okano M, Kawa K, Kimura H, et al. Proposed guidelines for diagnosing chronic active Epstein-Barr virus infection. Am J Hematol 2005; 80:64.

 

Candy B, Hotopf M. Steroids for symptom control in infectious mononucleosis. Cochrane Database Syst Rev 2006; :CD004402.

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