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Insônia

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/05/2016

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A insatisfação com o sono, devido à dificuldade em adormecer ou manter o sono, ou acordar muito cedo, ocorre em torno de um terço dos adultos semanalmente. Para a maioria desses pacientes, essas dificuldades do sono são em geral transitórias e de menor importância. No entanto, insônia prolongada está associada a alterações de qualidade de vida,  sofrimento e prejuízo no funcionamento diurno. Em tais casos, um diagnóstico de transtorno de insônia é apropriado. Complicações associadas incluem piora da saúde e qualidade de vida, aumento de acidentes de trabalho e absenteísmo.

Pacientes com sintomas de insônia apresentam aumento de risco para tentativas e mortes por suicídio e depressão.

 

Definição

Um diagnóstico de insônia pode ser realizado se os seguintes critérios estão presentes: queixa de dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou despertar precoce. Essa dificuldade ocorre apesar de tentativas e oportunidades para o sono.

A perda de sono causa déficits produtivos na função diária. A insônia classicamente era dividida em insônia primária, ou secundária, quando outras condições clínicas podem causar insônia como um de seus sintomas. Porém a relação entre diferentes patologias e a insônia não é clara e a insônia pode piorar essas condições, de forma que é complicado estabelecer uma relação de causa e efeito.

 

Epidemiologia

A insônia é uma das queixas médicas mais comuns com cerca de 5 milhões de consultas médicas ao ano nos EUA. Cerca de 1/3 da população relata ter tido insônia no último ano com pelo menos metade desses casos relatados como significativos. A insônia é mais comum em mulheres do que em homens e é aumentada em pessoas com turnos de trabalho irregulares e em pessoas com disabilidades. Idosos apresentam insônia com muito maior frequência do que adultos jovens, com 57% dos adultos com mais de 60 anos relatando  queixa em comparação com  12% da população com menos de 60 anos de idade em  um estudo. Apesar do relato aumentando na população idosa, quando se aplicam os critérios diagnósticos para insônia, com a necessidade para o diagnóstico de alteração no funcionamento diário, não se encontra na população idosa uma proporção maior de diagnósticos de insônia  em comparação com os adultos jovens.

Cerca de 50% das pessoas com insônia têm um distúrbio psiquiátrico, mais frequentemente um transtorno de humor (por exemplo, depressão maior) ou um transtorno de ansiedade (por exemplo, transtorno de ansiedade generalizado ou distúrbio de estresse pós-traumático). Várias condições médicas estão associadas à insônia, particularmente aquelas que provocam falta de ar, dor, noctúria, perturbação gastrintestinal, ou limitações na mobilidade.

Embora cerca de 80% das pessoas com transtorno depressivo relatem  insônia, em quase metade dos casos a insônia é anterior ao aparecimento da depressão. Uma meta-análise de mais de 20 estudos concluiu que a insônia persistente é associada com o dobro do risco de depressão maior. A insônia tem sido associada a um aumento do risco de infarto agudo do miocárdio e doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, diabetes e morte, particularmente quando a insônia é  acompanhada de períodos de sono de duração total curta, ou seja, <6 horas por noite).

Em diferentes populações se estima uma prevalência de 10 a 15% de insônia, dependendo dos critérios diagnósticos usados. Sintomas de insônia aumentam e diminuem ao longo do tempo. A incidência de insônia de um ano de duração é de aproximadamente 5%. Dificuldade no trabalho e perda de atenção pelo sono é o sintoma mais comum (61% das pessoas com insônia), seguido pelo despertar precoce de manhã (52%) e dificuldade em adormecer (38%). Quase metade das pessoas com insônia tem  dois ou mais desses sintomas. O padrão de insônia muitas vezes muda ao longo do tempo; por exemplo, uma pessoa pode ter  dificuldade em adormecer inicialmente, posteriormente passa a ter dificuldade em se manter dormindo, ou vice-versa.

 

Fisiopatologia

A insônia é considerada como um distúrbio caractetizado por um estado def hiperalerta noturno e diurno. Pessoas com insônia descrevem preocupação excessiva, pensamentos e foco seletivo para despertar. Hipervigilância é fisiologicamente manifestada em pacientes com insônia por uma taxa metabólica corporal aumentada, por elevações no nível de cortisol e pelo aumento do consumo de glicose cerebral.

 

Manifestações Clínicas

A avaliação da insônia requer verificar a presença de sintomas diurnos e noturnos relacionados ao sono, sua duração e sua associação temporal com fatores estressores psicológicos ou fisiológicos. Uma avaliação completa inclui um histórico médico completo e psiquiátrico e presença dos critérios diagnósticos de insônia, que são os seguintes:

 

1-Insatisfação com a quantidade ou qualidade de sono, com um ou mais dos seguintes sintomas:

-Dificuldade em iniciar o sono;

-Dificuldade para manter o sono, despertares frequentes, dificuldade de voltar a dormir após despertar cedo na manhã.

 

2-O distúrbio do sono causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento diurno, como evidenciado por um dos seguintes:

-Fadiga ou baixa energia;

-Sonolência diurna;

-Prejuízo na atenção, concentração, memória ou perturbação do humor;

-Dificuldades comportamentais;

-Função profissional ou acadêmica prejudicada;

-Função social interpessoal prejudicada ou efeito negativo no cuidador ou familiar;

-A dificuldade de sono ocorre pelo menos três noites por semana, está presente por pelo menos três meses.

 

Deve-se questionar os pensamentos e comportamentos do paciente. Em relação às horas antes de deitar, enquanto na cama tentando dormir e circunstâncias do despertar noturno. Enfim, uma avaliação completa que pode levar a identificar as pistas sobre os processos que podem estar interferindo no sono. Realizar um diário do sono, documentando o ato de deitar diário, número de despertares durante a noite e vigília é uma estratégia recomendada. Durante um período de 2 a 4 semanas pode-se identificar se o paciente passa um tempo excessivo na cama, se esse período é irregular e os padrões de sono.

Há uma discrepância frequente entre o autorrelato e os achados de polissonografia em pacientes com história de insônia. O tempo para o sono costuma ser sobrestimado, pois  a polissonografia não pode  distinguir aqueles com insônia daqueles sem esta, o diagnóstico da insônia é feito clinicamente. A polissonografia não é indicada na avaliação de rotina da insônia, exceto na suspeita de apneia do sono, de distúrbio de movimentos periódicos dos membros, ou de parassonias prejudiciais. Em pacientes em quem as abordagens habituais para manejo e controle da insônia não tiverem sucesso pode-se considerar a realização de polissonografia.

 

Manejo

A escolha do tratamento da insônia depende dos sintomas específicos  tais como, gravidade e duração, distúrbios coexistentes,disposição do paciente em  participar de terapias comportamentais e a vulnerabilidade do paciente aos efeitos adversos dos medicamentos.

Pacientes com início agudo de uma insônia de curta duração com um precipitante identificável (por exemplo, doença, medicação ou perda de um ente querido ou outro fator estressor). Em tais casos, FDA aprova agentes farmacológicos para uso em curto prazo. Em pacientes com insônia crônica, o tratamento adequado de doenças coexistentes psiquiátricas ou clínicas são essenciais. Condições como o hipertireoidismo quando tratadas podem levar a uma melhora dos sintomas, no entanto, a insônia persistente ocorre muitas vezes mesmo com o tratamento adequado desses distúrbios, nesse caso o tratamento específico para insônia é indicado.

O tratamento para a insônia crônica inclui duas abordagens complementares:  terapia cognitivo-comportamental e tratamentos farmacológicos.

As estratégias comportamentais tentam abordar os comportamentos do paciente que pode prejudicar o seu sono, tais estratégias são consideradas como  terapia de primeira linha para todos os pacientes com insônia, incluindo aqueles com condições coexistentes. Essas terapias incluem  educação do paciente, higiene do sono, relaxamento e controle de estímulos externos, além da terapia cognitivo-comportamental. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) inclui abordagens de todas as medidas comportamentais já citadas iniciando classicamente com uma sessão de educação do sono, seguida por duas sessões que focam em controle de estímulos e restrição do sono, seguida de mais duas sessões com foco em terapia cognitiva e uma em higiene do sono.

Desta forma, a TCC é realizada em qualquer indivíduo em seis a oito sessões. Em uma meta-análise de estudos randomizados e controlados de pessoas com insônia sem doenças coexistentes, a TCC teve efeito significativo sobre o tempo para início do sono e tempo de manutenção, embora benefícios, no que diz respeito ao tempo total de sono, fossem pequenos (diferença média de 8 minutos), um achado consistente com as restrições ao tempo total gasto na cama. Os benefícios eram geralmente mantidos em estudos com duração de 6 a 12 meses. Em estudos randomizados de curto prazo, comparando tratamentos comportamentais com benzodiazepínicos em pessoas com insônia, sem outras condições coexistentes, não houve diferença  significativa no tempo para início do sono, tempo total de sono em 4 a 8 semanas, e a TCC foi superior quando foi avaliada de 6 a 12 meses pós descontinuação do tratamento. Uma barreira à implementações da TCC é a falta de prestadores de saúde com experiência na técnica. Essa limitação já começou a ser abordada pelo uso de terapias a distância, baseada na internet, que mostrou eficácia semelhante à terapia presencial. São componentes fundamentais da TCC:

 

-Reduzir tempo na cama para tempo de sono total (pelo menos 5-6 horas). Orientar que o paciente durma o suficiente para se sentir descansado e se acordado após esse período sair da cama.

-Reduzir estímulos e excitação no ambiente de sono para promover a combinação de cama e dormir.

-Não tentar forçar o sono.

-Reduzir comportamentos que interferem com excitação no sono. Diminuir cafeína, nicotina e álcool, manter quarto escuro e silencioso.

-Evitar o uso prolongado de laptops ou outros dispositivos que emitem luz pela tela, antes de dormir.

-Escolher horários específicos com base na preferência pessoal e de temporização circadiana.

-Aumentar o tempo na cama gradualmente à medida que melhora a eficiência do sono, não passar tempo na cama se estiver sem sono.

-Tentar dormir quando sonolento.

-Sair da cama quando desperto e ansioso à noite, usar a cama apenas para dormir ou para atividade sexual (por exemplo, não assistindo TV na cama).

-Aumentar a atividade física, mas tentando fazer esta pelo menos 4 a 5 horas antes de dormir.

-Retirar relógios do campo de visão no quarto.

-Evitar períodos de sono durante o dia, caso realizar esses períodos, que não passem de 20 a 30 minutos.

-Manter expectativas razoáveis sobre o sono; avaliar experiências anteriores de insônia.

-Terapia de relaxamento:  prática de relaxamento muscular progressivo físico e psicológica, ou meditação.

 

A terapia farmacológica é uma segunda opção para o tratamento e vários medicamentos, com diferentes mecanismos de ação, são usados para tratar a insônia, refletindo os múltiplos sistemas neurais que regulam o sono. Cerca de 20% dos adultos americanos usam uma medicação para insônia e muitos outros usam álcool para essa finalidade. Cerca de 60% do uso de medicamentos é com medicações sem receita de prescrição médica, com anti-histamínicos, principalmente. Em estudo controlados poucos dados existem sobre a eficiência da difenidramina ou outros anti-histamínicos, que na melhor das hipóteses têm modesto benefício para insônia intermitente. A medicação leva à sedação diurna, insônia em idosos e causa  efeitos colaterais colinérgicos (por exemplo, constipação e boca seca) que são particularmente problemáticos em pessoas mais velhas.

A principal classe de medicações para o tratamento da insônia são o dos agonistas dos receptores benzodiazepínicos, que incluem agentes com estrutura química com benzodiazepínicos e não benzodiazepínicos, que apesar de terem ação nos receptores não têm a estrutura benzodiazepínica. Há pouca evidência convincente de ensaios comparativos que mostrem que esses dois subtipos diferem uns dos outros em termos de eficácia ou efeitos colaterais clínicos. Estas medicações variam em sua meia-vida e a escolha específica de droga a partir desta classe é geralmente com base no sintoma de insônia (por exemplo, dificuldade para iniciar o sono vs dificuldade em manter sono). Em pacientes com insônia no início do sono, com dificuldade para dormir nessa fase inicial, o uso de uma medicação de curta ação como o lorazepam e o zolpidem tem uma indicação melhor, enquanto pacientes com dificuldade de manter o sono podem necessitar de medicações com maior duração, como otemazepam. Em pacientes que costumam acordar no meio da noite uma opção interessante é o zaleplon.

Agentes de ação curta, como comentado, podem ser usados para promover um retorno do sono até 4 horas antes do usuário ter de se levantar de manhã. O uso de benzodiazepínicos de muito longa duração (por exemplo, clonazepam, que tem uma meia-vida de 40 horas) para a insônia simples (isto é, na ausência de um transtorno de ansiedade diurna) não é recomendado, devido ao risco de efeitos secundários diurnos.

Estudos mostraram eficácia para a insônia persistente com o uso noturno do eszopiclone em seis meses e para o uso intermitente de formulações de liberação prolongada do zolpidem durante o mesmo período. Um estudo randomizado, envolvendo pacientes com insônia crônica mostraram que, comparado com a TCC isoladamente, a combinação TCC e uso de medicações agonistas do receptor benzodiazepínico foi associada a um aumento no tempo total de sono em seis semanas, bem como uma taxa de remissão superior a seis meses. Os agonistas de receptores da benzodiazepina têm um número de potenciais efeitos adversos agudos, incluindo sedação diurna, delírio, ataxia, distúrbios de memória anterógrada e comportamentos relacionados ao sono complexos (por exemplo, sonambulismo e alimentação relacionada ao sono, mais comuns com o uso de agentes de curta ação). Como resultado, pode ocorrer um aumento no número de acidentes de automóvel e, em idosos, quedas e fraturas. Essas medicações são também associadas com aumento do risco de desenvolvimento de demência. O abuso desses agentes é comum entre as pessoas com insônia e não devem ser prescritos para pessoas com um histórico de abuso de drogas ou dependência de álcool.

Quando essas medicações são indicadas é necessário reavaliar regularmente os pacientes quanto ao risco e benefício do uso dessas medicações. Se a interrupção for indicada, deve ser realizada gradualmente e de forma supervisionada (por exemplo, diminuição de 25% da dose original a cada duas semanas), em combinação com a TCC para a insônia. Infelizmente, cerca de um terço dos pacientes que interromperam a medicação haviam retornado com o uso de benzodiazepínicos após dois anos de seguimento.

Outra possibilidade terapêutica é o uso de antidepressivos tricíclicos que podem ser usados em doses baixas com pouco efeito antidepressivo ou efeito ansiolítico. A trazodona é usada como um agente hipnótico em cerca de 1% dos adultos norte-americanos, geralmente em doses de 25 a 100 mg. Seus efeitos colaterais incluem sedação diurna, hipotensão ortostática e raramente priapismo. A doxepina é uma medicação mais frequentemente utilizada para insônia em doses de 3 a 6 mg, que tem mostrado efeitos significativos para manter o sono, mas efeitos menores para iniciar o sono. A mirtazapina é uma opção de antidepressivo não tríciclico razoável, mas pode causar ganho substancial de peso.

Outros agentes incluem o suvorexant, que é um antagonista da orexina, que tem uma meia-vida de 12 horas e mostrou sua eficácia em um estudo com cerca de 800 pacientes com aumento de tempo de sono de aproximadamente 20 minutos. A dose em pacientes com menos de 65 anos é de 40 mg e para pacientes com mais de 65 anos de idade doses de 30 mg foram as utilizadas no estudo, mas são associadas com taxa de 10% de sedação diurna.

Ramelteon é um agonista da melatonina. Estudos de curto prazo, bem como um estudo controlado de seis meses, revelaram pequenos a moderados benefícios para diminuição do tempo para início do sono, com diminuição de cerca de 4-6 minutos para início do sono, mas sem melhora significativa no tempo total de sono. Efeitos secundários são raros e foram limitados à sedação diurna.

Embora ensaios clínicos controlados não existam, a gabapentina é usada ocasionalmente para insônia, predominantemente em pacientes que tinham uma inadequada resposta a outros agentes. Os potenciais efeitos colaterais incluem sedação diurna, ganho de peso e tonturas.

Deve-se lembrar de que terapia a longo prazo com medicamentos para o tratamento da insônia não é uma abordagem ideal e deve ser evitada, em curto prazo pode ser utilizada, mas sempre deve ser tentada a retirada, após um ano de uso a taxa de recorrência do uso após a descontinuação é elevada.

 

Referências

1-Winkelman JW. Imsonia disorder. New Engl J Med 2015; 373: 1437-1444.

 

2-National Institutes of Health. National Institutes of Health State of the Science Conference statement on Manifestations and Management of Chronic Insomnia in Adults, June 13-15, 2005. Sleep 2005; 28:1049.

 

3-Spielman AJ, Yang C, Glovinsky PB. Insomnia: Sleep restriction therapy. In: Insomnia Diagnosis and Treatment, Sateia MJ, Buysse DJ (Eds), Informa UK Ltd, London 2010. p.277.

Comentários

Por: Atendimento MedicinaNET em 24/01/2017 às 09:21:36

"Olá, Dr. Robson. É uma boa sugestão, iremos complementar e revisar este tópico em breve. Atenciosamente, os Editores."

Por: Robson dos Santos Lázaro em 31/12/2016 às 12:19:32

"Seria interessante acrescentar ao artigo o contexto do paciente com uso crônico e prolongado de benzodiazepínicos. As abordagens em relação à sua substituição e/ou retirada."

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