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Perfuração Esofágica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 10/07/2018

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A perfuração esofágica é uma complicação que pode ser causada por múltiplas etiologias como trauma, lesões ulceradas progressivas ou pelo aumento rápido da pressão intraesofágica relacionada aos vômitos incoercíveis ou a manobra de Valsalva, incluindo parto, tosse e levantamento de peso.

A perfuração esofágica iatrogênica pode ocorrer durante a manipulação do esôfago, como a endoscopia, a colocação do tubo nasogástrico ou a intubação endotraqueal. Outras causas de perfuração incluem ingestão de corpo estranho, ingestão de substância cáustica, esofagite grave, carcinoma e lesão direta relacionada a traumatismo contuso ou penetrante. A ruptura espontânea ocorre por causa de um aumento rápido da pressão esofágica intraluminal.

 

Anatomia e Fisiologia

 

O esôfago se estende desde a região cervical e faz seu trajeto descendente até o estômago na junção gastroesofágica em trajeto adjacente à aorta. Mais de 90% das rupturas espontâneas do esôfago ocorrem no esôfago distal. As lesões por corpo estranho no esôfago ocorrem em áreas de estreitamento do esôfago como músculo cricofaríngeo, arco aórtico, brônquio fonte esquerdo ou esfíncter esofágico inferior.

A ruptura de esôfago por trauma contuso no pescoço ou tórax, por sua vez, geralmente ocorre nos terços proximal e médio do esôfago. A maioria das lesões iatrogênicas ocorre na junção faringoesofágica porque a parede nessa área é fina, não há camada serosa local. Outro local de lesão iatrogênica frequente é a junção esôfago-gástrica. Nessa área, o esôfago se curva para a frente e para a esquerda quando entra no abdome, e um endoscópio tem maior probabilidade de perfurar a parede posterior. Isso geralmente ocorre durante a dilatação terapêutica para estenoses ou acalasia.

 

Características Clínicas

 

As apresentações clínicas de perfuração esofágica variam e dependem da causa, da localização, do tamanho e do grau de contaminação. Sintomas relacionados à perfuração iatrogênica podem não aparecer até várias horas após o procedimento. Os pacientes, na grande maioria dos casos, apresentam quadro de dor dependendo do local da perfuração, em região cervical ou torácica.

As perfurações da porção superior do esôfago, além de dor cervical ou torácica, podem cursar com disfagia, afonia, dificuldade respiratória, náuseas, vômitos e febre. A tríade de Mackler de enfisema subcutâneo, dor torácica e vômito é muito específica para o diagnóstico de ruptura esofágica espontânea. No entanto, a tríade completa é vista em menos de 50% dos casos.

Pacientes com perfuração do esôfago inferior podem ter dor abdominal, pneumotórax ou hidropneumotórax e enfisema subcutâneo em região mamária. A dor pode irradiar para o dorso, o hemitórax esquerdo e para ambos os ombros. Os achados físicos incluem hipersensibilidade abdominal ou generalizada, muitas vezes com proteção involuntária e rigidez.

Até 30% dos pacientes desenvolvem enfisema do mediastino ou cervical, que pode ser notado por crepitação na palpação ou pelo sinal patognomônico de Hamman, com um sopro sistólico característico durante a ausculta, que representa ar no mediastino. Pacientes com mediastinite grave podem apresentar-se com choque fulminante. Os pacientes com ruptura esofágica superior por trauma podem ainda ter edema facial significativo.

 

Diagnóstico Diferencial

 

O diagnóstico incorreto ocorre em mais de 50% dos pacientes com perfuração esofágica ou ruptura devido ao amplo diagnóstico diferencial de dor torácica e abdominal. Isso inclui embolia pulmonar, infarto agudo do miocárdio, dissecção aórtica, úlcera percutânea, pneumotórax, abscesso pulmonar, pericardite e pancreatite. As perfurações esofágicas devem ser diagnosticadas logo que possível porque a morbidade e a mortalidade associadas a perfurações não reconhecidas aumentam drasticamente com o tempo.

 

Exames Complementares

 

A radiografia de tórax e abdome é, geralmente, o primeiro estudo de diagnóstico realizado em pacientes com suspeita de perfuração esofágica. Anormalidades radiográficas podem ser detectadas em até 90% dos pacientes com perfuração esofágica. Pacientes com lesões do esôfago superior geralmente apresentam radiografias de tórax que apresentam pneumomediastino isoladamente ou derrame pleural direito, enquanto pacientes com perfurações esofágicas distal, tipicamente, têm um derrame pleural no lado esquerdo.

Os pacientes podem apresentar pneumomediastino, o chamado “sinal do V” em que o ar livre delineia o diafragma, o que ocorre em 20% dos casos, pode ainda ser verificado em redor de artérias no tórax. Outras anormalidades radiográficas incluem enfisema subcutâneo, aumento de mediastino e infiltrado pulmonar. Essas alterações radiográficas geralmente não estão presentes nas primeiras horas após a perfuração, de modo que uma radiografia precoce normal não deve ser usada para excluir a possibilidade de perfuração esofágica. Uma desvantagem da radiografia simples é que não pode estabelecer o local da perfuração.

Pacientes com possível perfuração devem ser submetidos a estudos radiográficos de contraste. O sulfato de bário é superior para identificar pequenas perfurações, mas pode incitar uma resposta inflamatória nos tecidos com formação de granulomas e assim deve ser evitado. Os agentes solúveis em água (por exemplo, Gastrografin) podem ser mais seguros, mas são menos densos e podem não demonstrar a anormalidade.

Além disso, a pneumonite pode resultar se esses agentes forem aspirados devido à sua hipertonicidade. Recomenda-se uma tentativa inicial com um agente solúvel em água para pacientes que não estão em risco de aspiração. Se uma perfuração não for identificada e a suspeita for alta, recomenda-se um segundo estudo com bário.

A tomografia computadorizada (TC) de tórax pode ser considerada se um estudo de contraste não demonstrar uma perfuração clinicamente suspeita. Também pode ser usado em pacientes que estão com sonda nasogástrica ou que não conseguem completar o exame de esofagograma.

Achados como o ar mediastinal, material de contraste extraluminal, ou coleções de fluidos ou abscessos adjacentes ao esôfago confirmam uma perfuração. A TC também permite a avaliação de outras áreas adjacentes que sugerem um diagnóstico alternativo. A endoscopia esofágica flexível é útil na visualização direta da perfuração, especialmente em casos de trauma externo penetrante, com sensibilidade de 100% e especificidade de 83%, mas normalmente é realizada apenas após a TC.

Essa técnica não é recomendada para outras situações porque a insuflação pode aumentar potencialmente uma abertura transmural mínima. Os estudos de laboratório geralmente não são úteis, logo após uma perfuração, embora a leucocitose possa ser observada além de aumento de provas inflamatórias.

 

Manejo

 

Os pacientes que têm depleção severa de volume devem ser inicialmente estabilizados clinicamente com hidratação parenteral agressiva com soluções fisiológicas, dieta zero e, em caso de hipotensão, é indicado iniciar precocemente a antibioticoterapia. Os antibióticos IV de amplo espectro podem incluir piperacilina-tazobactam, 4,5g, EV, a cada 8 horas; a literatura americana considera associar o uso de vancomicina, mas essa não é uma recomendação universal, sendo desnecessária a associação na maioria dos casos em nosso país.

Outras opções incluem carbapenêmicos, ciprofloxacina associada a clindamicina ou metronidazol, ampicilina/sulbactam, entre outras opções. Os pacientes não devem receber nada por via oral e a consulta cirúrgica precoce é indicada. O tratamento agressivo nas primeiras 24 horas é associado com melhora à sobrevida quando comparado ao tratamento tardio.

Há evidências de que algumas perfurações iatrogênicas em pacientes selecionados com baixo risco podem ser administradas de forma conservadora. Esses pacientes devem ser clinicamente estáveis, apresentar sintomas mínimos e não apresentar sinais de sepse. Além disso, eles devem ter uma perfuração contida no pescoço, e um cirurgião deve estar disponível em caso de piora clínica.

O manejo cirúrgico precoce nesses pacientes parece apresentar piores desfechos que o manejo não cirúrgico (por exemplo, monitoramento próximo, dieta zero, antibióticos de amplo espectro e nutrição parenteral). Outras intervenções paliativas como a colocação endoscópica do stent, gastrostomia de drenagem, jejunostomia de alimentação e toracostomia no tubo tornaram-se mais comuns. Pacientes com perfuração esofágica correm o risco de uma rápida deterioração e requerem um monitoramento próximo em um ambiente hospitalar.

 

Referências

 

1-Mendelson M. Esophageal emergencies in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2-Wu JT, Mattox KL, Wall MJ Jr. Esophageal perforations: new perspectives and treatment paradigms. J Trauma 2007; 63:1173.

3-Raja AS. Thoracic trauma in Rosen’s Emergency Medicine 2018.

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