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Profilaxia de Náuseas e Vômitos em Pacientes em Quimioterapia

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/08/2018

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As náuseas e os vômitos induzidos por quimioterapia (Qt) são efeitos secundários comuns relacionados ao tratamento e ocorrem em 80 a 85% dos casos, sendo bastante temidos pelos pacientes. Esses sintomas têm um efeito mental que prejudica a qualidade de vida de doentes com neoplasia maligna e pode levar a reduções da dose e, em alguns casos, até mesmo à suspensão do tratamento.

Na década de 1970, hospitalizações prolongadas devido à náusea após a Qt foram comuns. Entretanto, desde o advento das medicações antagonistas 5-HT3, esse problema tem sido melhor contornado. Atualmente, com os antieméticos disponíveis, as náuseas e os vômitos têm ocorrido em 35% dos indivíduos em esquemas de Qt altamente emetogênicos e em 13% daqueles em esquemas moderadamente emetogênicos.

As náuseas e os vômitos induzidos pela Qt podem ser considerados agudos quando iniciam de 1 a 2 horas após o início do tratamento, com pico da sensação da êmese em 4 a 6 horas - considerada aguda até 24 horas do início da Qt, e tardia se 24 horas depois do início da Qt, e ocorrendo, ainda, náuseas e vômitos antecipatórios - se antes da Qt, em pacientes que apresentaram náuseas e vômitos em ciclos quimioterápicos prévios. Há também a ocorrência de vômitos apesar da terapia profilática e dos refratários, isto é, os sintomas permanecem apesar de terapia profilática adequada.

Diversos neurotransmissores, incluindo a dopamina, a serotonina e a substância P, foram identificados como importantes mediadores de êmese. Os receptores para esses neurotransmissores, entre outros receptores ainda não reconhecidos, estão envolvidos nos mecanismos fisiopatológicos da êmese induzida pela Qt.

Os fármacos quimioterápicos podem causar náuseas e vômitos através da ativação de neurotransmissores que estão presentes na região postrema do cérebro. Os receptores são também encontrados nas extremidades terminais dos aferentes vagais perto dos núcleos enterocromarfins. As fibras aferentes transmitem os estímulos para o tronco cerebral, que processa o reflexo emético e envia sinais eferentes de órgãos e tecidos para induzir vômito. A resposta emética à Qt pode ocorrer através de uma via periférica e de uma via central.

A via periférica, ativada em até 24 horas do início da Qt, está associada sobretudo à êmese provocada por Qt aguda ao induzir as células enterocromarfins a liberar a serotonina, que, então, ativa o tipo 5-hidroxitriptamina de receptores aferentes vagais que transmitem o estímulo ao cérebro. A via central, localizada principalmente no cérebro, é ativada após as primeiras 24 horas do início da Qt e está associada à êmese tardia induzida por Qt (ocorrendo 25 a 120 horas após o tratamento).

Vários agentes quimioterápicos, tais como a cisplatina, carboplatina, ciclofosfamida, doxorrubicina, podem induzir tanto a forma aguda, quanto a tardia de êmese induzida por Qt - como, por exemplo, a cisplatina, que tem atividade bifásica, provocando um pico inicial emético dentro das primeiras 24 horas, seguido por um pico retardado emético de 48 a 72 horas após a administração.

As náuseas e os vômitos induzidos por Qt também estão relacionados com o condicionamento do paciente que já recebeu ciclo quimioterápico prévio, de modo que, ao sentir certos odores, bem como ao fazer um trajeto similar ao da clínica onde fazia a Qt ou encontrar a enfermaria responsável pela Qt, por exemplo, o paciente pode apresentar êmese até mesmo anos depois do tratamento. O mecanismo desse condicionamento não tem sido bem estudado.

O potencial emetogênico de cada agente terapêutico quimioterápico é o principal determinante do risco de vômitos induzidos por Qt. Uma classificação de quatro níveis de emetogênese com base na porcentagem de pacientes que apresentam êmese aguda secundária ao uso de agentes quimioterápicos individuais na ausência de profilaxia inclui tanto agentes quimioterápicos endovenosos quanto orais. Esse sistema permite planejar regimes antieméticos adaptados para cada esquema quimioterápico.

 

Quadro 1

 

CLASSIFICAÇÃO DA EMETOGÊNESE

Níveis

Risco de êmese (%)

Alta emetogênese

>90

Moderada emetogênese

30–90

Baixa emetogênese

10–30

Mínima emetogênese

<10

 

Existem diretrizes, como as da American Society of Clinical Oncology (Asco), que referem o potencial emetogênico de cada regime quimioterápico ? o esquema AC (adriamicina/ciclofosfamida) utilizado para carcinoma de mama, por exemplo, é considerado altamente emetogênico.

Historicamente, até o final da década de 1970, os antagonistas de receptores de dopamina como a metoclopramida, a proclorperazina e o haloperidol formavam a base da terapia antiemetogênica. Na década de 1980, a metoclopramida em doses elevadas provou ser um meio eficaz na redução da frequência de vômitos entre os pacientes tratados com cisplatina, que é um quimioterápico de importante potencial emetogênico.

Na década de 1980, a combinação de metoclopramida, em dose elevada, e glicocorticoides, como a dexametasona, era o esquema preferencial para a prevenção da êmese induzida por Qt. Em 1991, o primeiro antagonista do receptor de 5-HT3, ondansetrona, foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de êmese induzida por Qt, sendo incorporado de imediato na prática oncológica de rotina.

A combinação ondansetrona com dexametasona foi superior à combinação de altas doses de metoclopramida com dexametasona para a profilaxia de vômitos induzidos pela Qt com um melhor perfil de efeitos colaterais. Em 1997, dois outros receptores de 5-HT3, granisetrona e dolasetrona, receberam aprovação como profilaxia para êmese induzida por Qt.

Em 2003, surgiu o palonosetrona, um antagonista do receptor de 5-HT3 de segunda geração, com meia-vida prolongada e afinidade de ligação com o receptor mais elevada do que outros agentes antieméticos, com eficácia maior do que outros antagonistas 5-HT3. Nesse mesmo ano, foram aprovados os antagonistas 5-NK1: aprepitanto, sendo o primeiro deles, cujo efeito central sobre a êmese foi altamente eficaz em estudos em pacientes recebendo Qt altamente emetogênica; fosaprepitant, cuja eficácia é semelhante ao anterior; rolapitant e, principalmente, netupitant, cuja eficácia é superior ao aprepitanto.

Atualmente, há três classes de medicações antieméticas que podem ser utilizadas:

               os antagonistas dos receptores 5-HT3, como o ondasentrona e o palonosentrona;

               os antagonistas dos receptores 5-NK1;

               os glicocorticoides.

Recentemente, estão aparecendo evidências de benefícios com o uso do agente neuroléptico olanzapina. Um estudo mostrou que essa medicação, associada com outras, em pacientes com carcinoma de mama em esquema altamente emetogênico teve sucesso de controle total dos sintomas em 75% dos casos. Medicações antigas para o controle de náuseas e vômitos, como metoclopramida e domperidona, são usadas apenas em situações de baixo risco emetogênico.

Ao ser iniciada a Qt alta ou moderadamente emetogênica, é recomendada a profilaxia com medicações antagonistas do receptor 5-HT3 associadas a glicocorticoides, sendo classicamente utilizada a dexametasona para esse propósito. Em pacientes que receberão Qt de baixo potencial emetogênico, a utilização de agonistas da dopamina como metoclopramida ou domperidona é uma boa indicação, sendo que, em alguns casos, é possível não realizar profilaxia, embora a maioria dos pacientes ainda utiliza antagonistas dos receptores 5-HT3.

Diferentes diretrizes fazem as seguintes recomendações com relação ao tratamento de náuseas e vômitos induzidos pela Qt:

               Esquema quimioterápico de alto potencial emetogênico: usar um antagonista 5-HT3 associado a pré-tratamento com dexametasona e um antagonista 5-NK1 (aprepitanto ou fosaprepitan e olanzapina no primeiro dia); na fase tardia (dias 2 a 4), manter a olanzapina e o antagonista 5-NK1;

               Esquema AC (adriamicina/ciclofosfamida): adriamicina e ciclofosfamida para câncer de mama; não é necessário o uso de dexametasona nos dias subsequentes, embora, em esquemas altamente emetogênicos, ele seja frequente;

               Esquema quimioterápico de moderado potencial emetogênico: na fase aguda, é recomendado o uso de palonosetrona e dexametasona; nos dias 2 a 4, o dexametasona costuma ser suficiente;

               Esquema quimioterápico de baixo potencial emetogênico: uso de dexametasona ou antagonistas da dopamina, como a metoclopramida.

 

Das novas medicações antagonistas do receptor 5-NK1, o netupitant tem a vantagem de ter meia-vida de 90 horas e elevada afinidade de ligação. O esquema netupitant-dexametasona foi superior à combinação palonosetrona-dexametasona para a prevenção da êmese induzida por Qt em pacientes recebendo medicações altamente emetizantes, sendo a eficácia clínica mantida ao longo de vários ciclos de Qt.

Em setembro de 2015, o FDA aprovou o tantrolapin para a prevenção da êmese induzida pela Qt. Em 2014, a olanzapina, um agente antipsicótico, foi incorporada às diretrizes antieméticas ? devido aos estudos que mostraram que a olanzapina, em combinação com um antagonista do receptor 5-HT3 e com dexametasona, foi eficaz no controle, agudo e tardio, da êmese induzida por Qt em pacientes tratados com medicações alta ou moderadamente emetizantes.

A olanzapina tem eficácia semelhante ao aprepitanto para o controle da êmese induzida pela Qt na fase aguda, sendo notavelmente mais eficaz para o controle de náuseas durante a fase tardia. Agentes com outros mecanismos de ação, como a gabapentina e os canabinoides sintéticos (dronabinol e nabilona), foram avaliados para a profilaxia da êmese induzida pela Qt. Estudos iniciais sugeriram um papel para a gabapentina para controle da êmese induzida por Qt, sobretudo durante a fase tardia.

No entanto, em um estudo recente, o dronabinol não foi eficaz. Esses agentes podem ter um papel no tratamento de pacientes selecionados que não têm uma resposta adequada para antagonistas do receptor 5-HT3 e antagonistas do receptor de 5-NK1 ou na prevenção de êmese induzida por Qt antecipatória.

A avaliação dos pacientes com náuseas e vômitos induzidos por Qt inclui a identificação de características relacionadas aos indivíduos que podem aumentar o risco dos sintomas induzidos pela Qt, as quais estão relacionadas no Quadro 2.

 

Quadro 2

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A OCORRÊNCIA DE NÁUSEAS E VÔMITOS INDUZIDOS PELA QUIMIOTERAPIA

               Idade (<55 anos)

               Sexo feminino

               História prévia de náuseas ou vômitos frequentes

               Ansiedade

               Fadiga ou doença de movimento

               Redução da qualidade de vida

               Abuso de álcool (pode levar a náuseas ou vômitos prolongados após o tratamento)

               Anormalidades metabólicas, irritação gastrintestinal, aumento da pressão intracraniana e tratamento com radioterapia*

*Não há consenso, no entanto, sobre esses fatores de risco, e eles não são utilizados para sugerir a combinação de medicações antieméticas.

 

Em caso de êmese induzida por Qt refratário, a adesão do paciente ao regime antiemético recomendado deve ser reavaliada, e uma mudança de regimes deve ser considerada ? o que envolve, com frequência, a adição de um agente a partir de uma classe de medicamento diferente, o ajuste da dose do antagonista 5-HT3, ou a substituição por um agente diferente dentro da mesma classe.

O esquema contendo olanzapina é recomendado para pacientes recebendo agentes altamente emetogênicos que têm êmese refratária induzida pela Qt, bem como para aqueles nos quais um alto nível de ansiedade é o principal gatilho para os vômitos induzidos pela Qt ? nesses casos, a adição de lorazepam ou alprazolam é recomendada.

Uma vez que muitos indivíduos tiveram experiências negativas anteriores envolvendo a êmese induzida por Qt, as recomendações para o tratamento de êmese induzida por Qt preventiva baseiam-se em proporcionar aos doentes informações adequadas, assim como proceder à utilização do regime de antiemético mais adequado.

Em indivíduos que apresentam quadro emético antecipatório em relação ao esquema quimioterápico, a utilização de agentes ansiolíticos na noite anterior à realização da Qt, como o lorazepam, pode ser útil.

Eventos adversos associados com os agentes antieméticos não são comuns. A cefaleia e a obstipação são os mais recorrentes entre os pacientes que recebem antagonistas dos receptores 5-HT3. O potencial de prolongar o intervalo QT corrigido (QTc) com os antagonistas dos receptores 5-HT3 são uma preocupação. Astenia, fadiga e soluços têm sido associados com o uso de antagonistas dos receptores 5-NK1; já em relação ao uso de olanzapina, os eventos adversos mais comuns são sonolência, hipotensão postural e constipação.

A administração de antagonistas de receptores 5-HT3 de forma isolada reduz ou impede a êmese em 50% dos pacientes. Essa redução aumenta para 70% quando o agente é administrado em combinação com dexametasona e para 84% em caso de um antagonista de receptor de NK1 ser adicionado.

No entanto, o objetivo é evitar os sintomas de náuseas e vômitos associados com o tratamento do câncer. Embora os médicos tratem náuseas e vômitos como um sintoma único, as náuseas têm uma incidência maior e são de mais difícil controle, tendo, por sua vez, maior efeito sobre a qualidade de vida do paciente.

Algumas considerações devem ser feitas em relação ao uso de ondansetrona: não utilizar doses únicas maiores que 16mg, sendo que as doses seguintes não devem exceder 8mg, e, em pacientes com QTc longo, a dose de 16mg é a máxima recomendada. Pacientes em uso de dolasentron, por via oral (VO), devem realizar eletrocardiograma e checar níveis de potássio e magnésio antes da sua utilização.

A dose única de palonosetrona é de 0,25 a 0,75mg. Em geral, para a profilaxia de êmese associada à Qt, uma única dose de agentes antagonistas dos receptores 5-HT3 são tão eficazes quanto os esquemas com múltiplas doses. A dose inicial do aprepitanto recomendada é de 125mg, VO, antes da Qt e de 80mg, VO, por 3 dias subsequentes. A dose inicial recomendada do netupitant é de 300mg, VO.

Alguns estudos tentaram avaliar as doses recomendadas de dexametasona para a profilaxia de náuseas e vômitos associados com a Qt, mas uma dose de 8mg endovenosa, 1 hora antes da Qt, parece ser eficaz, sendo que a medicação pode ser mantida em doses de 2 a 4mg, a cada 6 horas, por até 4 dias.

 

Referências

 

1-            Roila F, Hesketh PJ, Herrstedt J, Antiemetic Subcommitte of the Multinational Association of Supportive Care in Cancer. Prevention of chemotherapy- and radiotherapy-induced emesis: results of the 2004 Perugia International Antiemetic Consensus Conference. Ann Oncol 2006; 17:20.

2-            Hesketh PJ, Bohlke K, Lyman GH, et al. Antiemetics: American Society of Clinical Oncology Focused Guideline Update. J Clin Oncol 2016; 34:381.

3-            Roila F, Molassiotis A, Herrstedt J, et al. 2016 MASCC and ESMO guideline update for the prevention of chemotherapy- and radiotherapy-induced nausea and vomiting and of nausea and vomiting in advanced cancer patients. Ann Oncol 2016; 27:v119.

4-            Navari RM, Qin R, Ruddy KJ, et al. Olanzapine for the Prevention of Chemotherapy-Induced Nausea and Vomiting. N Engl J Med 2016; 375:134.

5-            Wilber MAB et al. Chemotherapy-induced nausea and vomiting. N Eng J Med 2016; 375: 177-179.

6-            Navari RM, Aapro M. Antiemetic Phrophylaxis for Chemotherapy-induced náusea and vomiting. N Eng J Med 2016; 374: 1356-1367.

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