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Sepse e Choque Séptico

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/09/2018

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A sepse é um distúrbio complexo que se desenvolve como uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção e está associada à disfunção orgânica aguda e a alto risco de morte. A incidência de sepse é alta e a condição continua sendo uma das principais causas de morte no mundo. Em 2016, uma nova definição foi desenvolvida para sepse e choque séptico; em 2017, a Assembleia Mundial da Saúde e a OMS tornaram a sepse uma prioridade de saúde global e adotaram uma resolução para melhorar a prevenção, o diagnóstico e o manejo da doença.

Em 2016, o Terceiro consenso do Survival Sepsis Campaign (Sepsis-3 ou SSC) definiu a sepse como disfunção de órgãos com risco de vida resultante de respostas desreguladas do hospedeiro à infecção e definiu choque séptico como um subconjunto da sepse em que ocorrem anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas profundas o suficiente para aumentar substancialmente o risco de mortalidade. O escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) é usado para codificar o grau de disfunção orgânica e é especificado no Quadro 1.

 

Quadro 1

 

ESCORE SEQUENTIAL ORGAN FAILURE ASSESSMENT

Sistema

Escore

0

1

2

3

4

Respiratório

PaO2/FiO2 mmHg

 

>400

 

<400

 

<300

 

<200

 

<100

Hematológico

Plaquetas/ul

 

>150.000

 

<150.000

 

<100.000

 

<50.000

 

<20.000

Hepático

Bilirrubinas mg/dL

 

<1,2

 

1,2?1,9

 

2,0?5,9

 

6,0?11,9

 

>12

Cardiovascular

ug/kg/min

PAM >70

PAM <70

Dopamina <5 ou Dobutamina

Dopamina 5,1?15 ou Noradrenalina ou Adrenalina <0,1

Dopamina >15 ou Noradrenalina ou Adrenalina >0,1

SNC

ECG

 

15

 

13?14

 

10?12

 

6?9

 

<6

Renal

Creatinina mg/dL

Débito urinário mL/dia

 

<1,2

 

1,2?1,9

 

2,0?3,4

 

3,5?4,9

<500

 

>5,0

<200

ECG: Escala de Coma de Glasgow; SNC: sistema nervoso central.

 

A sepse pode surgir devido a muitos insultos infecciosos diferentes. Uma diretriz de 1992 propôs o termo sepse grave para se referir à sepse complicada por disfunção aguda de órgãos, e o termo choque séptico para sepse associado à hiperlactatemia ou hipotensão refratária à ressuscitação volêmica.

Os novos critérios de definição da sepse objetivam identificar disfunções orgânicas mais do que a identificação de sinais de inflamação. Embora os processos pró-inflamatórios e anti-inflamatórios estejam envolvidos na resposta desregulada, a sepse não é mais considerada apenas um distúrbio inflamatório. A classificação anterior foi simplificada, removendo qualquer referência à sepse grave.

De acordo com o uso comum dos termos, as categorias anteriores de sepse, sepse grave e choque séptico foram alteradas para infecção, sepse e choque séptico. As ferramentas objetivas de estratificação de risco têm sido usadas para definir a disfunção orgânica. Ferramentas objetivas são utilizadas para definir a sepse como o escore SOFA, com a sepse sendo definida clinicamente pela presença de uma infecção combinada com uma alteração aguda no escore SOFA de 2 pontos ou mais (assumindo um escore 0 em pacientes sem qualquer disfunção orgânica pré-existente conhecida).

Outros critérios preditores de desfechos nesses pacientes foram descritos na literatura. O escore quick SOFA, por exemplo, pode ser utilizado para identificar disfunções orgânicas em pacientes com suspeita de infecção, conforme o Quadro 2. A presença de dois dos critérios qSOFA indica maior risco de desfechos ruins.

 

Quadro 2

 

Escore Quick Sofa

Sistema

Escore

Frequência respiratória =22/min

1

Alteração do nível de consciência

1

PAS =100mmHg

1

PAS: pressão arterial sistólica.

 

Outros instrumentos para rastreio de sepse em pacientes com suspeita de infecção são os critérios de Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS) com pontuação >2, conforme o Quadro 3.

 

Quadro 3

 

Critérios de Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica

Temperatura

<36ºC ou >38ºC

FR

>20/min ou PaCO <32mmHg

FC

>90bpm

Leucócitos

<4.000 ou >12.000 ou >10% bastões

FC: frequência cardíaca; FR: frequência cardíaca.

 

Em uma metanálise de 2017, o escore qSOFA foi considerado marginalmente superior aos critérios originais da SRIS na previsão de pacientes de alto risco. O sistema qSOFA é uma ferramenta de estratificação de risco simples que pode ser usada para identificar pacientes com risco de sepse. No entanto, esse sistema não deve ser usado para descartar pacientes como sendo de alto risco, já que é provável que seja mais específico, mas não mais sensível, do que os critérios SRIS.

O choque séptico é descrito como um subconjunto clinicamente definido de casos de sepse, em que, apesar da ressuscitação adequada, os pacientes têm hipotensão que requer vasopressores para manter uma pressão arterial média (PAM) acima de 65mmHg e uma concentração sérica elevada de lactato maior que 2mmol/L.

A verdadeira incidência de sepse é desconhecida. Em 2001, Angus e colaboradores relataram que, nos EUA, a incidência de sepse grave era superior a 750 mil casos por ano (300 casos por 100 mil habitantes), equivalente a 26,6 casos por 100 altas hospitalares. No Reino Unido, a prevalência relatada de sepse em coortes derivadas de UTI é de 27% de todas as internações em UTI, enquanto a prevalência é de 12% nos EUA. No Brasil, estima-se que mais de 50% das internações em UTI sejam relacionadas à sepse.

A sepse pode ser um evento terminal em pacientes que já estão morrendo por outras causas (por exemplo, câncer terminal). Esse fato é bastante significativo no contexto de um aumento do número de internações de pacientes idosos e frágeis em enfermarias e UTIs hospitalares, bem como para a avaliação das expectativas de redução das taxas de mortalidade por sepse.

 

Etiologia

 

Qualquer micro-organismo pode causar sepse. Portanto, a gama de apresentações da síndrome é muito ampla e varia consideravelmente entre regiões geográficas; porém, entre as infecções identificadas, a pneumonia, as infecções gastrintestinais, a infecção de corrente sanguínea e a infecção do trato urinário são as mais frequentes.

A sepse pode ter origem na comunidade ou ser nosocomial ou associada a cuidados de saúde. Cerca de 80% dos casos de sepse tratados no hospital surgem na comunidade. Um grande estudo retrospectivo mostrou que o sítio de infecção mais comum na sepse é o pulmão (64% dos casos), seguido pelo abdome (20%), corrente sanguínea (15%) e tratos renais e geniturinários (14%).

O estudo SOAP relatou uma prevalência quase igual de infecções bacterianas Gram-positivas e Gram-negativas entre pacientes com sepse, embora infecções bacterianas gram-positivas possam ser mais comuns que Gram-negativas, com Staphylococcus aureus (Gram-positivo) e espécies de Pseudomonas e Escherichia coli (Gram-negativas) sendo os organismos mais frequentemente identificados. O estudo Intensive Care Over Nations, no entanto, mostrou que infecções bacterianas Gram-negativas eram mais comuns do que Gram-negativos.

 

Fisiopatologia

 

A sepse é caracterizada por uma resposta sistêmica desregulada do hospedeiro à infecção. A resposta do hospedeiro à infecção é iniciada a partir das células imunes inatas, particularmente os macrófagos que reconhecem e se ligam aos componentes microbianos com a participação de vários receptores e, principalmente, os receptores Toll-Like, iniciando uma série de etapas que resultam na fagocitose e na morte do invasor e na fagocitose de detritos do tecido lesionado.

Entre os mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios ativados, ocorre sobretudo a ativação do fator nuclear kB e neutrófilos. Citocinas, como fator de necrose tumoral a, interleucina 1, interleucina 2, interleucina 6, interleucina 8 e outras causam células endoteliais neutrofílicas de adesão, ativam o complemento e as cascatas de coagulação, o que pode levar à geração de microtrombos.

Tradicionalmente, a sepse era considerada uma resposta pró-inflamatória sistêmica avassaladora à infecção, seguida por uma fase de imunossupressão caracterizada por anergia, linfopenia e infecções secundárias. De fato, pacientes que sobrevivem à sepse frequentemente desenvolvem infecções nosocomiais com organismos que não são tipicamente patogênicos em hospedeiros imunocompetentes e têm reativação de vírus latentes.

Acredita-se que pode ocorrer posteriormente um estado de diminuição de resposta inflamatória com imunossupressão substancial. Novos paradigmas sugerem que as fases pró-inflamatória e imunossupressora podem ocorrer simultaneamente, com a intensidade de ambas as respostas dependendo de múltiplos fatores tanto do hospedeiro, como fatores genéticos e comorbidades, quanto de fatores relacionados ao patógeno como o tipo de patógeno, virulência, entre outros.

A sepse interfere na distribuição de fluxo sanguíneo sistêmico para os sistemas orgânicos via vasodilatação e distúrbios na microcirculação. A disfunção microcirculatória tem sido consistentemente associada a piores desfechos. A isquemia do tecido pode ocorrer devido a um desequilíbrio sistêmico ou local entre a oferta de oxigênio e a demanda tecidual. Além disso, a disfunção mitocondrial pode levar a uma falha na extração de oxigênio tecidual apesar do suprimento suficiente de oxigênio, fenômeno denominado de hipóxia citopática.

A hipóxia tecidual, a disfunção mitocondrial e a apoptose parecem ser importantes mediadores da disfunção de órgãos induzida pela sepse. A disfunção orgânica é um importante preditor do desfecho do paciente, com a disfunção de múltiplos órgãos associada a um alto risco de morte. Os mediadores inflamatórios também estão implicados em coagulopatias que frequentemente estão presentes na sepse. Outra complicação grave é a coagulação intravascular disseminada, caracterizada por microtrombose e hemorragias.

Pacientes de maior risco para sepse incluem extremos de idade, doenças imunossupressoras (por exemplo, síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS]), câncer, medicamentos imunossupressores, diabetes melito, abuso de álcool, cateteres venosos ou outras condições que envolvam integridade cutânea.

Entre os pacientes com infecções, os fatores de risco para o desenvolvimento de sepse e disfunção orgânica são bem menos caracterizados, mas provavelmente incluem comorbidades e fatores genéticos em outros fatores relacionados ao peptídeo. A genética do hospedeiro contribui para o risco de contrair uma infecção e para o risco de desenvolver sepse por uma infecção.

Como a sepse é uma condição complexa, múltiplos genes e interações gene-ambiente são necessários para o desenvolvimento e a apresentação clínica da doença. Vários estudos de genes candidatos identificaram polimorfismos, mas esses resultados ainda não foram consistentemente replicados.

 

Achados Clínicos

 

Na sepse, a resposta de um hospedeiro a uma infecção manifesta-se como sinais de infecção juntamente com disfunção orgânica aguda. Essa disfunção pode levar a falência múltipla de órgãos, acidose e morte. Ainda que, tradicionalmente, os critérios SRIS tenham sido usados para descrever o início da sepse e tenham sido questionados por serem muito sensíveis e não específicos o suficiente, Kaukonen e colaboradores demonstraram que os sinais de SRIS podem não ser suficientemente sensíveis.

Em seu estudo, os autores encontraram um subgrupo de pacientes com sepse que não correspondiam aos critérios SRIS para sepse e que não satisfizeram dois dos quatro critérios SRIS durante suas primeiras 24 horas na UTI. Apesar de não preencher esses critérios, esses pacientes apresentavam um alto risco de mortalidade. Por outro lado, existem condições (como pancreatite e trauma) que, na ausência de infecção, podem causar sintomas graves o bastante para exigir internação em UTI e suporte a órgãos.

A apresentação clínica da sepse depende do local da infecção e dos sinais e sintomas que fazem parte da resposta do hospedeiro. Os pacientes, geralmente, se apresentam no departamento de emergência (DE) com mal-estar geral e sinais não específicos como febre (pode ter hipotermia), taquicardia, taquipneia ou estado mental alterado. A hipotensão arterial pode estar presente, mas a sua ausência não exclui a sepse.

Os pacientes também podem apresentar alterações gasimétricas prejudicadas, mesmo sem infecção pulmonar. A pele pode ser mosqueada e o tempo de enchimento capilar, aumentado. Exames laboratoriais podem ser úteis para complementar o exame clínico. Os médicos devem analisar os níveis de lactato, contagem de leucócitos (leucocitose ou leucopenia), aumento nas concentrações plasmáticas de proteína C-reativa ou procalcitonina, bem como devem ser feitos testes de função urinária, enzimas hepáticas e testes de função e coagulação.

 

Manejo

 

O manejo da sepse e do choque séptico deve ser realizado como uma emergência médica. A triagem de pacientes quanto a sinais e sintomas de sepse e choque séptico facilita a identificação e a intervenção precoces. O tratamento efetivo deve concentrar-se na intervenção oportuna, incluindo a remoção da fonte de infecção. A avaliação agressiva de uma fonte não reconhecida ou abscesso não drenado por meio de exames laboratoriais e diagnóstico por imagem é um aspecto crítico do manejo inicial da sepse.

Além disso, o início precoce da terapia antimicrobiana apropriada, a restauração da perfusão tecidual por ressuscitação volêmica e as intervenções avançadas guiadas pela avaliação da adequação da ressuscitação e resolução da disfunção orgânica devem fazer parte do tratamento inicial da sepse. Um acesso intravenoso deve ser obtido, bem como hemoculturas e outras culturas apropriadas tomadas e a avaliação para disfunção de órgãos e hipoperfusão tecidual.

Para pacientes com instabilidade hemodinâmica definida por hipotensão (PAS <90mmHg, PAM <70mmHg ou diminuição da PAS >40mmHg em relação ao valor basal) ou concentração de lactato elevada (=4mmol/L), o SSC recomenda a administração rápida de 30mL/kg de líquidos cristaloides, que deve ser iniciada na primeira hora. Na sepse pediátrica, a recomendação é de um bolo de volume inicial (cristaloides ou albumina) de 20mL/kg, que pode ser repetido em um máximo de 60mL/kg.

No entanto, mesmo essas recomendações são controversas. De fato, em contextos com recursos limitados, a terapia volêmica foi associada a piores desfechos em crianças com malária e em adultos com choque séptico em comparação com a terapia padrão. O estudo de Rivers, em 2001, demonstrou benefício em um protocolo guiado por metas (ScvO2 >70%, PVC 8?12mmHg, PAM >65mmHg e débito urinário >0,5mL/kg/h) para direcionar a terapia.

Todos os pacientes receberam antibióticos dentro das primeiras 6 horas de apresentação. Esse estudo usava volume nas primeiras horas de tratamento e este foi um fator que se acreditava ser benéfico para a mortalidade, mas outros estudos não mostraram benefício com a reposição volêmica agressiva ou a terapia guiada por metas, como o ProCESS (2014), o ARISE (2014) e o ProMISE (2015).

Vários estudos compararam ressuscitação baseada em cristaloides e coloides sem benefício. Assim, considerando o aumento do gasto associado ao uso de coloides e o aumento do risco de nefrotoxicidade (exceto com a albumina, que não aumenta esse risco), a ressuscitação inicial deve usar cristaloides. Se um coloide é necessário, a albumina humana é considerada a primeira escolha, ao contrário de uma das soluções artificiais, pois isso não foi associado a aumento de mortalidade ou complicações, como foi o caso de outras soluções coloides.

O uso de valores de SVO2 (>70% como alvo terapêutico, o que foi utilizado no estudo de Rivers) não demonstrou benefício, mas os valores de base nos estudos da SvO2 já eram maiores que no estudo de Rivers. Valores de base mais altos de ScvO2 significaram que a terapia precoce direcionada a metas não pôde ser administrada em muitos pacientes; assim, é difícil realizar interpretações definitivas.

Há alguma evidência de que o lactato sérico para reduzir sua concentração pode ser usado para orientar a ressuscitação volêmica. Essa abordagem permanece controversa, no entanto, como a hiperlactatemia não é específica da hipoperfusão tecidual, e os estudos publicados até o momento não encontraram um protocolo eficiente o bastante para influenciar diretamente a concentração sérica de lactato.

O aumento da concentração de lactato continua sendo de importância prognóstica para pacientes com sepse, e reduções na concentração desse marcador estão associadas a melhores desfechos. Portanto, é importante repetir as medições de lactato sanguíneo para monitorar sua cinética e informar o manejo adicional.

Entre as soluções cristaloides, há um crescente interesse na comparação da ressuscitação usando soluções cristaloides balanceadas (por exemplo, lactato de Ringer ou Hartmann solução com solução salina normal), e algumas evidências sugerem que uma estratégia de ressuscitação restritiva ao cloreto está associada à redução da incidência tanto de lesão renal aguda quanto da necessidade de terapia renal substitutiva.

Esse achado foi confirmado em um grande estudo randomizado em UTIs. Pacientes que receberam soluções balanceadas tiveram uma incidência menor do desfecho composto (morte , terapia de substituição renal ou disfunção renal persistente) em comparação com aqueles que receberam solução salina normal. Notavelmente, em outro estudo realizado pelo mesmo grupo de pesquisadores, não foi observada diferença nos resultados quando soluções balanceadas e solução salina normal foram comparadas.

Dois grandes estudos clínicos randomizados controlados que investigam cristaloides balanceados versus solução salina normal estão em andamento. No entanto, embora as evidências sugiram alguns benefícios de soluções balanceadas em pacientes críticos, parece haver evidências insuficientes para justificar uma mudança de recomendação para o uso de soluções balanceadas.

O controle da infecção com a remoção de tecido infectado, drenagem de um abcesso ou a remoção de um dispositivo infectado é considerado como a melhor prática no tratamento da sepse. O controle da fonte pode ser feito por drenagem percutânea ou cirurgia aberta. Dados observacionais mostraram que o controle inadequado da fonte precoce foi associado a um aumento na mortalidade em 28 dias de 26,7% para 42,9%.

Dados observacionais de vários estudos de sepse e choque séptico mostram que o início oportuno da antibioticoterapia apropriada está associado a melhores desfechos dos pacientes. Em relação aos pacientes com hipotensão, um estudo observacional amplamente citado mostrou uma associação entre início tardio de antibiótico e morte, com um aumento de 7,8% no risco de morte por cada hora de atraso, mas outros estudos falharam em reproduzir esses resultados.

Uma questão relevante é sobre a adequação, ao invés do tempo, da administração. De fato, os antibióticos não são desprovidos de efeitos colaterais, e seu uso indiscriminado também pode aumentar a resistência aos antibióticos. O rápido descalonamento da terapia antimicrobiana permite que os médicos se sintam mais confortáveis com as medidas de sepse que encorajam a administração rápida de antibióticos de amplo espectro imediatamente após a identificação de um paciente com sepse ou choque séptico.

É improvável que os resultados das culturas sejam conhecidos no momento do reconhecimento da sepse; portanto, a escolha da terapia antimicrobiana é amplamente empírica e a terapia deve ser direcionada contra todos os patógenos prováveis, pois a terapia inicial inadequada aumenta o risco de mortalidade. Se um patógeno específico é identificado, a terapia antimicrobiana deve ser adaptada de acordo.

As recomendações da CSC de 201770 são as seguintes:

               Os antimicrobianos intravenosos devem ser iniciados o mais precocemente possível após o reconhecimento da sepse (idealmente, dentro de 1h).

               A escolha inicial deve incluir uma cobertura de amplo espectro (com um único agente ou uma combinação de agentes.

               O espectro de antibióticos deve ser reduzido quando os patógenos tiverem sido isolados e as sensibilidades estabelecidas ou quando a evolução clínica o permitir.

               As estratégias de dosagem de antimicrobianos devem ser otimizadas com base nos princípios farmacocinéticos e farmacodinâmicos aceitos.

               O descalonamento de antimicrobianos deve ser considerado diariamente e no estágio inicial quando a situação clínica o permitir.

 

O uso adequado de antibióticos em pacientes com sepse é de suma importância para minimizar a contribuição da administração deficiente de antibióticos para esse problema emergente. Em pacientes com sinais contínuos de instabilidade hemodinâmica após a ressuscitação inicial, a resposta deve ser avaliada.

Múltiplos métodos para avaliar e prever a resposta a volume foram estudados, incluindo o débito cardíaco e a monitoração do volume sistólico, a mensuração da pressão venosa central, a variação respiratória no diâmetro da veia cava inferior, a variação da pressão de pulso e a variação do volume sistólico. Atualmente, os métodos disponíveis para avaliar a responsividade a volume apresentam limitações, seja na precisão em predizer a resposta a volume (como pressão venosa central e saturação venosa central de oxigênio [ScvO2]).

Pode haver a necessidade de tecnologia avançada (como variação da pressão de pulso e variação do volume sistólico) ou de sedação, ritmo sinusal e ventilação com pressão positiva com volumes maiores ou iguais a 8mL/kg (quanto à variabilidade da veia cava inferior, variação da pressão de pulso e acidente vascular cerebral, variação de volume).

Medidas dinâmicas como avaliar respostas em volume sistólico ou débito cardíaco a uma elevação passiva da perna podem ser úteis, embora sejam de difícil implementação na beira do leito. Quando não é possível prever a resposta volêmica, uma prova de volume é realizada para garantir que seja dado volume apenas àqueles pacientes cuja resposta hemodinâmica é favorável.

As diretrizes recomendam que, após a ressuscitação inicial em pacientes com hipoperfusão contínua, a ressuscitação continue se houver melhora hemodinâmica demonstrada por medidas estáticas ou dinâmicas. Nessas fases iniciais, é comum observar o balanço hídrico positivo. O risco de sobrecarga volêmica é alto, e os clínicos devem estar cientes disso. Após a fase de estabilização, é importante reconhecer quando os pacientes estão prontos para que o tratamento seja descalonado.

Em pacientes com choque séptico, o suporte vasopressor é frequentemente necessário para manter a pressão de perfusão. Uma PAM de 65mmHg é um alvo inicial apropriado para a maioria dos pacientes com choque séptico necessitando de suporte vasopressor. Asfar e colaboradores mostraram que uma meta de PAM maior (80?85mmHg) não estava associada a melhor sobrevida em comparação com uma meta mais baixa (65?70mmHg).

Em uma análise secundária da mesma população de estudo, os pacientes com história de hipertensão crônica tinham menor probabilidade de desenvolver lesão renal aguda se manejados com a meta de pressão arterial (PA) mais elevada, mas também eram mais propensos a desenvolver arritmias.

A noradrenalina é o vasopressor de primeira linha devido ao menor risco de arritmias em comparação com a dopamina. Em pacientes com hipertensão pré-existente, essa meta deve ser aumentada. A vasopressina reduz a dose de vasopressores de catecolamina, mas não parece afetar a mortalidade do paciente.

Em um estudo multicêntrico do Reino Unido, publicado em 2016, a vasopressina não diminuiu o número de dias livres de falência renal em comparação com a norepinefrina. Em 2017/2018, dois novos vasopressores foram introduzidos: selepressina e angiotensina II. Em estudos preliminares, ambas as medicações mostraram-se eficazes no aumento da PA e na redução da dose de noradrenalina, representando potencialmente uma nova opção para reduzir o uso de catecolaminas em choque séptico.

A sepse é frequentemente associada à disfunção miocárdica (reversível), e agora é estabelecido que a disfunção cardíaca (sistólica e diastólica) pode estar presente mesmo durante os estágios iniciais da doença. Agentes inotrópicos podem ser considerados para pacientes com suspeita de disfunção cardíaca em associação com débito cardíaco inadequado.

O uso rotineiro de agentes inotrópicos como adjuvante da terapia hemodinâmica padrão, como utilizado no estudo de Rivers, deve ser desencorajado, especialmente na ausência de disfunção cardíaca evidente. Um estudo publicado em 2016 mostrou que a administração rotineira de levosimendan não foi superior ao placebo para melhorar a disfunção orgânica em pacientes com choque séptico, e pode estar associado a danos.

Um estudo de 2001 em Leuven, Bélgica, mostrou que o controle glicêmico rigoroso, em comparação com o tratamento convencional, estava associado a reduções significativas na morbidade e na mortalidade em pacientes de UTI pós-cirúrgica. Em um segundo estudo de Leuven, os benefícios da morbidade (mas não a mortalidade) foram mostrados em um ambiente de UTI médica.

No entanto, um grande estudo multicêntrico (NICE-SUGAR) não replicou esses resultados e destacou o potencial de dano devido a episódios de hipoglicemia no grupo controle glicêmico rígido. O atual consenso é controlar a glicemia, mantendo-a a menor que 180mg/dL, mas deve-se evitar o controle glicêmico rigoroso.

Embora o suporte nutricional ótimo seja importante em pacientes críticos, não há evidências definitivas em relação ao momento ideal e à via de administração. Estudos publicados em 2016 e em 2018 falharam em mostrar benefícios da via enteral ou parenteral. Notadamente, dados de um estudo mostraram que a alimentação enteral precoce, em comparação com a via parenteral, em pacientes ventilados com choque estava associada a um risco maior de complicações gastrintestinais. Assim, uma abordagem envolvendo nutrição enteral precoce pode ser prejudicial em pacientes com choque.

O uso de corticosteroides em pacientes com sepse permanece controverso. No estudo de Annane, em 2003, a hidrocortisona em dose de 50mg, EV, de 6 em 6 horas, pareceu ter um benefício, mas isso não foi replicado no estudo CORTICUS.

Revisões sistemáticas e orientações da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva e da Sociedade de Medicina Intensiva sugerem algum benefício do uso de corticosteroides na sepse apenas se houver choque. Existem algumas evidências de que os corticosteroides estão associados à miopatia adquirida na UTI, e não está claro se o benefício clínico supera os efeitos colaterais.

Entretanto, dois grandes estudos multicêntricos mostraram resultados favoráveis do uso de esteroides em choque séptico. O primeiro deles, o estudo multicêntrico ADRENAL (3.800 pacientes), foi negativo para seu desfecho primário (mortalidade), mas mostrou menor duração do choque e permanência na UTI no grupo glicocorticoide comparado ao grupo placebo. No segundo, um grande estudo multicêntrico (1.241 pacientes), uma combinação de hidrocortisona e fludrocortisona foi associada a uma mortalidade mais baixa por 90 dias em comparação com o placebo.

Um alvo de hemoglobina restritiva de 7g/dL é apropriado para pacientes sem sangramento ou sem isquemia miocárdica ativa. Um estudo de um único centro publicado em 2016 mostrou piores índices de sobrevida para pacientes tratados com uma meta alta de saturação arterial de oxigênio (97 a 100%) comparados àqueles manejados com uma meta menor (94 a 98%). Resultados semelhantes foram relatados em um estudo de Asfar e colaboradores, em que uma FiO2 de 100% (hiperóxia) foi associada a uma maior mortalidade em comparação com uma FiO2, visando a uma saturação de oxigênio de 88 a 95% (normoxia).

As vias de coagulação têm sido objeto de pesquisa com medicações como a drotrecogina a (ativada) e a trombomodulina, outra medicação que modula a via da coagulação, mas sem resultados definidos. A sepse e o choque séptico estão associados a alta mortalidade e morbidade substancial. De 25 a 30% dos pacientes com sepse morrem da doença, com mortalidade hospitalar por choque séptico aproximando-se de 40 a 60%.

Dados mais recentes sugerem que a mortalidade por sepse caiu substancialmente nas últimas duas décadas. A mortalidade geral hospitalar para pacientes com sepse grave e choque séptico foi de 32,8% em uma análise de mais de 30 mil pacientes. É provável que o reconhecimento melhorado e a intervenção precoce tenham contribuído para a diminuição da mortalidade.

A sepse e o choque séptico também estão associados a considerável morbidade a longo prazo. Muitos sobreviventes são admitidos em instituições de cuidados intensivos de longo prazo ou instalações de enfermagem especializadas, e as readmissões em hospitais de cuidados intensivos são frequentes.

Além disso, muitos sobreviventes de sepse relatam uma diminuição na qualidade de vida relacionada à saúde e têm substancial comprometimento cognitivo e incapacidade funcional. Assim, embora a sobrevida para pacientes com sepse tenha melhorado, muito trabalho ainda precisa ser feito para melhorar os resultados em longo prazo para esses pacientes.

O uso de bundles para melhorar a qualidade de atendimento é outra estratégia utilizada em pacientes com sepse ou choque séptico. Um estudo publicado em 2014 mostrou que uma melhora na adesão ao pacote de ressuscitação foi associada a um declínio absoluto de 9,6% na mortalidade. Esse aumento na adesão foi associado a uma redução estatisticamente significativa na mortalidade, que foi ainda maior em hospitais com alta adesão.

Ainda que a melhora mundial observada na sobrevida para sepse grave e choque séptico possa estar relacionada a outras melhoras clínicas, e não necessariamente àquelas geradas pelo SSC, esses resultados fortalecem o argumento de que as métricas de desempenho podem ser usadas para promover mudanças no comportamento clínico e melhorar a qualidade dos cuidados, levando à diminuição da mortalidade em pacientes com sepse grave e choque séptico.

 

Referências

1-Cecconi M, Evans L, Levy M, Rhode A.  Sepsis and septic shock. The Lancet 2018 published online 21 june 2018 S0140-6736(18) 30696-2.

2-Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA 2016; 315:801.

3-Haydar S, Spanier M, Weems P, et al. Comparison of QSOFA score and SIRS criteria as screening mechanisms for emergency department sepsis. Am J Emerg Med 2017; 35:1730.

4-Annane D, Renault A, Brun-Buisson C, et al. Hydrocortisone plus Fludrocortisone for Adults with Septic Shock. N Engl J Med 2018; 378:809.

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