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Síndrome da Veia Cava Superior

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 09/10/2018

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A síndrome da veia cava superior (SVCS) ocorre nos EUA em cerca de 15 mil pessoas a cada ano; compreende uma constelação de sinais e sintomas resultantes de obstrução da veia cava superior (VCS) que pode ocorrer principalmente secundária a neoplasias, mas eventualmente com etiologias benignas. Ocorre sobretudo como complicação em pacientes com neoplasia avançada com sobrevida média de 7 a 8 meses. Quando a SVCS é a manifestação inicial de uma neoplasia, a sobrevida média é de 7 a 8 meses. Serão discutidos brevemente a fisiopatologia, o diagnóstico e o manejo desses pacientes.

 

Anatomia, Fisiologia e Fisiopatologia

 

A VCS é formada pela junção das veias inominadas (braquiocefálicas) esquerda e direita e é encarregada do retorno de sangue da cabeça, do pescoço, das extremidades superiores e da parte superior do tronco para o coração. A VCS tem paredes finas e suscetíveis a danos por uma variedade de mecanismos patológicos e trabalha em regime de baixa pressão.

A SVCS ocorre secundariamente à obstrução parcial ou total do fluxo sanguíneo na VCS, que pode ocorrer por compressão extrínseca, invasão da parede vascular ou trombose. O aumento da pressão venosa na parte superior do corpo resulta em edema de segmento cefálico, pescoço e membros superiores, muitas vezes com cianose, pletora e vasos subcutâneos distendidos.

O edema pode causar obstrução mecânica da laringe ou faringe, que se manifesta como tosse, rouquidão, dispneia, estridor e disfagia. O edema cerebral pode levar à cefaleia, à confusão e ao coma. A diminuição do retorno venoso pode resultar em comprometimento hemodinâmico.

Etiologias da compressão da VCS incluem a presença de uma massa mediastinal, podendo ser causada por carcinoma de pulmão, gânglios linfáticos, linfoma, timoma, processos inflamatórios, aneurisma de aorta, entre outras possíveis causas.

A trombose da VCS sem compressão extrínseca também pode ser uma causa; nesses casos, quase sempre existe neoplasia associada, mas, eventualmente, a trombose ocorre em pacientes sem doença maligna. Outras causas benignas incluem ao uso de dispositivos intravenosos, como cateter de hemodiálise, marcapasso e cateteres de longa permanência para quimioterapia (Qt), nutrição parenteral e antibioticoterapia.

Quando a VCS é obstruída, o sangue flui através de uma rede vascular colateral para a parte inferior do corpo e da veia cava inferior ou veia ázigos. Geralmente, são necessárias várias semanas para os colaterais venosos dilatarem o suficiente para acomodar o fluxo sanguíneo da VCS. Nos seres humanos com obstrução da VCS, a pressão venosa cervical é geralmente aumentada para 20 a 40mmHg (intervalo normal, 2 a 8mmHg).

A gravidade dos sintomas depende sobretudo da velocidade e do grau de obstrução do fluxo pela compressão extrínseca. Os sintomas desenvolvem ao longo de um período de 2 semanas, em cerca de um terço dos pacientes e durante longos períodos em outros casos. O edema na parte superior do corpo é visualmente impressionante, mas, muitas vezes, de pouca importância.

No entanto, o edema cerebral, embora raro, pode ser grave ou fatal. O trato respiratório superior pode tornar-se estreitado na cavidade nasal, e pode ocorrer edema da laringe. Os efeitos graves da obstrução da VCS são raros; um estudo com 1.986 pacientes com obstrução da VCS demonstrou que apenas uma morte foi documentada. Em casos de alterações neurológicas ou comprometimento da laringe, está claro que outros fatores podem contribuir para o aparecimento dos sintomas como metástases cerebrais ou compressão traqueal.

 

Etiologia

 

As causas infecciosas eram, há 50 anos, a maior etiologia de SVCS, destacando-se como etiologias infecciosas o aneurisma da aorta especialmente sifilítica e a tuberculose. Essas causas se tornaram raras, e condições malignas são responsáveis por mais de 90% dos casos nos últimos 25 anos.

Atualmente, a obstrução da VCS causada por condições de trombose ou não malignas é responsável por 25 a 40% dos casos, refletindo o aumento do uso de dispositivos intravasculares tais como cateteres e marca-passos. Entre as causas malignas, as mais comuns são o câncer de pulmão de não pequenas células (aproximadamente, 50% dos pacientes), o carcinoma de pulmão de pequenas células (aproximadamente, 25% dos pacientes), o linfoma e as lesões metastáticas (cerca de 10% dos pacientes).

De 2 a 4% dos carcinomas de pulmão se apresentam durante sua evolução; no caso particular dos carcinomas de pequenas células, 10% dos pacientes evoluem em algum momento com SVCS. Os linfomas, por sua vez, são responsáveis por 2 a 4% dos pacientes, sendo que raramente ocorrem em pacientes com doença de Hodgkin.

O reconhecimento de causas não malignas da SVCS é tipicamente simples, particularmente quando o paciente utiliza cateter central ou algum outro dispositivo intravascular. Um aneurisma da aorta é facilmente reconhecido em tomografia computadorizada (TC). O diagnóstico da mediastinite fibrosante, embora seja uma causa rara, requer diagnóstico histológico. As etiologias infecciosas da mediastinite fibrosante incluem tuberculose, actinomicose, aspergilose, blastomicose e filariose. Outra causa não maligna é a fibrose vascular pós-radioterapia.

 

Apresentação Clínica

 

O diagnóstico clínico de obstrução da VCS é feito com base na apresentação clínica, sendo a dispneia o sintoma mais comum. Entre os sinais e sintomas característicos, estão incluídos os distúrbios visuais e a tríade clássica de cianose, edema cervicofacial, o aparecimento de circulação colateral toracobraquial com distensão proeminente das veias de pescoço e pletora facial.

O edema pode, muitas vezes, envolver também os membros superiores e regiões supraclaviculares, e o edema cervical ocorre em todos os pacientes. Outros achados, mas com correlação maior com a doença de base, que, com a compressão de veia cava, incluem dispneia (50 a 80% dos casos), cefaleia, pletora facial, perda de peso, tosse, rouquidão e disfagia.

É importante, na avaliação dos pacientes, observar a duração dos sintomas, os diagnósticos anteriores de patologias malignas ou os procedimentos intravasculares anteriores. Na maioria dos casos, os sintomas são progressivos ao longo de várias semanas e, em alguns casos, a circulação colateral se desenvolve.

A gravidade dos sintomas é significativa na determinação da urgência da intervenção. Tradicionalmente, a SVCS é encarada como um quadro emergencial, porém, na maioria dos casos, embora o edema e a circulação colateral impressionem, são raros os casos de emergência real. A urgência, nesses casos, é associada aos casos raros de edema cerebral e, eventualmente, à obstrução de vias aéreas, que, em geral, tem outras etiologias associadas.

 

Exames Complementares

 

O estudo de imagem mais útil é a TC de tórax com contraste, que pode determinar a extensão e o nível da obstrução da VCS; a ultrassonografia pode revelar trombos em circulação venosa e reversão de fluxo na veia torácica interna. A venografia é, geralmente, justificada apenas quando uma intervenção é planejada como colocação de um stent ou cirurgia.

A ressonância nuclear magnética pode ser útil para pacientes que não toleram o contraste, e a sensibilidade e a especificidade são >95%. A história clínica combinada com imagens tomográficas diferencia a trombose de veia cava da compressão extrínseca. O diagnóstico histológico é necessário para confirmar a presença de condições malignas.

Uma consideração a ser feita é se existem alternativas para o diagnóstico menos invasivas, pois uma biópsia periférica local pode ser uma opção diagnóstica evitando um procedimento invasivo e com potencial de complicações como a mediastinoscopia. O exame citológico do escarro pode resultar em diagnóstico em pacientes que têm câncer endobrônquico. O derrame pleural é comum (afetando cerca de dois terços dos pacientes com a SVCS); nesses casos, a toracocentese e a análise citológica do líquido pleural devem ser consideradas, ainda que o diagnóstico específico ocorra em apenas 50% dos casos.

A broncoscopia é diagnóstica em 50 a 70% dos casos, e a biópsia transtorácica é diagnóstica em 75% dos casos, enquanto que a mediastinoscopia ou mediastinotomia têm um rendimento diagnóstico maior que 90%. Particularmente, no caso de linfoma, o tecido é necessário para caracterizar a arquitetura nodal e o tipo de células, e também para poder realizar imuno-histoquímica de forma a caracterizar o subtipo do linfoma.

 

Tratamento

 

O manejo da SVCS associado com patologias malignas envolve o tratamento do câncer e o alívio dos sintomas de obstrução. Ensaios clínicos randomizados são escassos. A expectativa de vida média entre os pacientes com obstrução da VCS é de 6 a 7 meses, nos estudos com melhor prognóstico chegando a 1 ano, com as estimativas variando de acordo com as circunstâncias clínicas. A sobrevida não é diferente daquela dos pacientes com tumor no mesmo estágio sem a SVCS.

O manejo é guiado pela gravidade dos sintomas e as condições malignas subjacentes, bem como com a resposta esperada do tratamento; alguns tumores, por exemplo, têm resposta brilhante à Qt, enquanto outros respondem melhor à radioterapia. Uma manobra terapêutica, que pode ser tentada, é a elevação da cabeça do paciente para diminuir a pressão hidrostática e, assim, o edema.

Não há documentação de dados da eficácia dessa manobra, mas é simples e sem risco. A terapia com glicocorticoides (dexametasona, 4mg a cada 6 horas) é comumente prescrita, embora seus efeitos sejam duvidosos. Os glicocorticoides reduzem a carga tumoral em linfomas e timoma, e são, portanto, mais propensos a reduzir a obstrução em pacientes com linfoma ou timoma do que naqueles com outros tipos de tumor. Deve-se lembrar que o uso de glicocorticoides pode prejudicar o resultado da biópsia e deve ser evitado até a realização da obtenção de material histológico.

Diuréticos de alça também são comumente usados, mas não está claro se a pressão venosa distal é afetada por pequenas mudanças na pressão do átrio direito induzidas pela diurese. Em um estudo observacional envolvendo 107 pacientes com SVCS por diversas causas, a taxa de melhora clínica (84% do total) foi semelhante entre os pacientes que receberam glicocorticoides, diuréticos ou sem terapia.

Em pacientes com obstrução da VCS resultante do trombo intravascular associada a um cateter, a remoção do cateter deve ser considerada. A remoção do cateter é realizada em conjunto com anticoagulação plena. A radioterapia é usada para tratar sintomas de pacientes com obstrução maligna da VCS; sua utilização requer um diagnóstico tecidual. A maioria dos tipos de tumores que causam a SVCS é sensível à radioterapia.

Uma revisão sistemática encontrou alívio completo dos sintomas de obstrução da VCS em 78% dos pacientes com carcinoma de pequenas células e em 63% daqueles com câncer de pulmão com não pequenas células em 2 semanas. A melhora é, muitas vezes, aparente dentro de 72 horas. Em uma série de casos de pacientes que receberam radioterapia (na maioria dos pacientes como a única terapia), o alívio completo da obstrução da veia cava foi observado em 31% dos pacientes, e o alívio parcial, em 23% dos pacientes.

Em estudos de autópsia, a perviedade completa do fluxo foi encontrada em apenas 14% dos pacientes, e a perviedade parcial, em 10%, apesar de alívio relatado dos sintomas em 85% dos pacientes. Esses resultados sugerem que o desenvolvimento da circulação colateral pode contribuir para a melhora de sintomas e ressaltam o valor incerto da radioterapia de urgência antes da Qt.

Se a radiação é dada como o tratamento inicial, os campos devem abranger doença e regiões nodais adjacentes à irradiação diárias de 1,8 a 2,0Gy, sendo os protocolos obviamente individualizados. O alívio completo dos sintomas de obstrução da veia cava é alcançado com Qt em cerca 80% dos pacientes com linfoma não-Hodgkin ou câncer de pulmão de pequenas células e em 40% daqueles com câncer do pulmão não pequenas células.

A colocação de um stent intravascular percutâneo para tratamento da obstrução da VCS é outra intervenção possível ? uma vez que o stent pode ser colocado antes de um diagnóstico tecidual disponível, sendo um procedimento útil para pacientes com graves sintomas, tais como dificuldade respiratória, que requerem intervenção urgente.

A colocação de stent deve também ser fortemente considerada para pacientes com mesotelioma, que tende a não responder bem à Qt ou à radiação, e também pode ser particularmente útil quando a obstrução da VCS é causada por um trombo associado com cateter. A angioplastia é, geralmente, realizada apenas na preparação para a colocação de stent.

A colocação de um stent intravascular resulta em alívio mais rápido dos sintomas do que a radiação ou Qt. Após a sua colocação, a cianose é aliviada em poucas horas e o edema resolve dentro de 48 a 72 horas na maioria das séries (taxa de resposta de 75 a 100%). Em uma série prospectiva, os sintomas desapareceram completamente em apenas 17% dos casos. Esse resultado pode ter sido devido ao fato de que nem todos os sintomas associados eram secundários à obstrução da VCS.

Complicações da colocação de stent têm sido relatadas em 3 a 7% dos pacientes com SVCS, incluindo infecção, embolia pulmonar, migração do stent, hematoma no local de inserção, sangramento e, muito raramente, perfuração. As complicações tardias incluem sangramento (1 a 14% dos pacientes) e morte (1 a 2%) devido à anticoagulação, que é frequentemente recomendada após a colocação do stent, apesar de haver pouca evidência da literatura em relação ao assunto.

A revascularização cirúrgica é raramente usada para tratamento da SVCS. A abordagem mais comum é a esternotomia ou toracotomia com ampla ressecção e reconstrução superior da veia cava. Em séries de casos, a mortalidade é de 5%, e a perviedade de fluxo ocorre em 80 a 90% dos pacientes. Os timomas são relativamente resistentes à Qt e à radiação, em comparação com os linfomas, e a cirurgia é indicada de forma mais liberal quando o timoma é etiologia da SVCS.

 

Duração da Resposta Terapêutica e Seguimento

 

A duração das várias estratégias de tratamento parece ser semelhante e pode refletir principalmente as condições malignas subjacentes. Uma revisão sistemática concluiu que a recorrência sintomática da SVCS ocorreu em quase 20% de pacientes com o carcinoma de pulmão de pequenas células e câncer de pulmão de pequenas células após Qt. O benefício da terapia anticoagulante para essa síndrome não é clara; os agentes trombolíticos têm sido utilizados eficazmente em pacientes com trombose da VCS, sendo, portanto, uma alternativa.

A maioria dos especialistas recomenda anticoagulação após trombólise (para evitar a progressão da doença e recorrência) e ácido acetilsalicílico após a colocação do stent na ausência de trombose, mas os dados para validar essas recomendações são limitados. Não é claro se a presença de metástases cerebrais afeta o manejo da síndrome da cava superior. Os pacientes com metástases cerebrais podem submeter-se à colocação de stent por causa do potencial de a SVCS exacerbar o edema cerebral.

O Quadro 1 contém os sintomas e os sinais associados com a SVCS e o Quadro 2, o estadiamento da doença.

 

Quadro 1

 

Sintomas e Sinais Associados com a síndrome da veia cava superior

                    Edema facial

                    Edema nos membros superiores

                    Pescoço distendido (veias)

                    Peito distendido (veias)

                    Pletora facial

                    Sintomas visuais

                    Dispneia

                    Tosse

                    Rouquidão

                    Estridor

                    Síncope

                    Dor de cabeça

                    Confusão

                    Obnubilação

 

Quadro 2

 

Estadiamento da síndrome da veia cava superior

Classificação

Incidência estimada

Definição

0: Assintomática

10%

Evidência radiológica da SVCS sem sintomas

1: Leve

25%

Edema em cabeça e pescoço (distensão vascular), cianose e pletora

2: Moderada

50%

Edema em cabeça e pescoço com alteração funcional (disfagia leve, tosse, alteração leve a moderada de cabeça e mandíbula ou movimentos oculares, distúrbios visuais e edema ocular)

3: Severa

10%

Edema cerebral leve a moderado (cefaleia, tonturas) ou edema laríngeo leve/moderado ou diminuição da reserva cardíaca (síncope com movimento da cabeça)

4: Ameaçadora a vida

5%

Edema cerebral significativo (confusão, obtundação) ou edema laríngeo significativo (estridor) ou comprometimento hemodinâmico significativo (síncope sem fatores precipitantes, hipotensão e insuficiência renal)

5: Fatal

<1%

Morte

 

 

Referências

 

1-Wilson LD et al. Superior Vena Cava Syndrome with Malignant Causes. N Engl J Med 2007;356:1862-9.

2-Straka S et al. Review of evolving etiologies, implications and treatment strategies for superior vena cava syndrome. Springerplus 2016; 5:229.

 

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