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Sangramento Uterino

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 23/11/2018

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O sangramento vaginal é uma queixa relativamente comum no departamento de emergência (DE); na maioria das vezes, sua origem é uterina. Os diagnósticos diferenciais incluem gravidez, anormalidades estruturais (por exemplo, pólipos, miomas), endometrite, coagulopatias, traumas e várias outras causas. A prevalência de sangramento anormal é estimada em 9 a 14% na população geral.

 

Fisiologia do Ciclo Menstrual

 

A idade média da menarca é de 12,5 anos de idade, aproximadamente 2 anos após o desenvolvimento da telarca (brotamento das mamas). Os ciclos precoces são frequentemente anovulatórios e irregulares devido à imaturidade do eixo hipotalâmico-hipofisário. Ciclos ovulatórios regulares desenvolvem-se, em média, 2 anos após o início da menarca.

O ciclo menstrual normal é de 28 dias. A fase folicular inicia-se com a produção de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), o qual é secretado pelo hipotálamo, o que estimula a hipófise em secretar hormônio folículo estimulante e hormônio luteinizante (LH); assim, nos ovários, um folículo dominante amadurece e níveis de estrogênio aumentam progressivamente. O estrogênio estimula as glândulas e o estroma endometrial a crescerem e proliferarem de forma que o endométrio se torne espesso.

Após os níveis de estrogênio atingirem um nível específico, pode ocorrer um pico de LH, o que estimula a liberação do oócito maduro e causa a ovulação, iniciando a segunda fase da menstruação, denominada de fase lútea. Nessa fase, o folículo dominante se desenvolve e torna-se o corpo lúteo. Durante a fase lútea, o corpo lúteo secreta estrogênio e progesterona, o que mantém a integridade do endométrio e o torna mais receptivo à implantação.

Se a fertilização e a implantação ocorrerem, o embrião em desenvolvimento secreta gonadotrofina coriônica humana na corrente sanguínea, sinalizando ao corpo lúteo para continuar a produção de progesterona e estrogênio necessários para apoiar uma gestação. Na ausência de gonadotrofina coriônica humana, o corpo lúteo involui e os níveis de estrogênio e progesterona caem.

A retirada hormonal causa vasoconstrição nas arteríolas espirais do endométrio. Como consequência, o revestimento endometrial isquêmico torna-se necrótico, o que leva à menstruação. O efluente vaginal contém sangue, tecido endometrial e líquido. A quantidade média de perda de sangue menstrual varia de 25 a 60mL. O tampão ou absorvente médio absorve 20 a 30mL de efluente vaginal. No entanto, julgar a quantidade de perda de sangue pelo uso pode não ser confiável, porque os hábitos pessoais variam muito entre as mulheres. Um sangramento menstrual >80mL é considerado anormal.

 

Avaliação Clínica

 

A história médica deve incluir detalhes do episódio atual de sangramento em relação a volume e duração, sintomas associados e doenças e intercorrências médicas prévias, incluindo história reprodutiva, sexual e dos ciclos menstruais. O sangramento relacionado à gestação deve sempre ser considerado e descartado em pacientes em idade reprodutiva. Os pacientes podem descrever sangramento intenso como a imersão de mais de um absorvente ou tampão em 1 hora ou a passagem de grandes coágulos.

Até 20% das mulheres com sangramento uterino intenso têm um distúrbio de coagulação subjacente, sendo a doença de von Willebrand o mais comum. Uma história de sangramento menstrual intenso desde a menarca, hemorragia pós-parto, sangramento relacionado a cirurgia ou odontologia e histórico familiar de sangramento sugere a presença de distúrbios hematológicos.

As equimoses podem estar associadas a trauma ou a distúrbios hematológicos. Deve-se, ainda, perguntar sobre o uso de anticoncepcionais orais porque as doses omitidas são uma causa frequente de sangramento. Perguntas sobre interações medicamentosas e tabagismo também são úteis para determinar a causa do sangramento.

A avaliação inicial inclui avaliação dos sinais vitais e estado hemodinâmico. No entanto, sinais significativos de depleção de volume podem não estar presentes até que o sangramento seja profuso. O exame físico focalizado deve incluir exame pélvico (espéculo e bimanual) e abdominal para determinar a causa do sangramento e para excluir a perda de sangue com risco de vida, exigindo intervenção cirúrgica emergencial.

Deve-se procurar por sinais de outras doenças, incluindo hipertireoidismo e hipotireoidismo, galactorreia, obesidade associada a hirsutismo e doença hepática. Petéquias, púrpura e sangramento da mucosa requerem investigação hematológica. No exame físico, devem ser inspecionados o períneo, a vulva, a uretra e a região perianal antes do exame com espéculo, bem como devem ser avaliados o canal vaginal e colo do útero em procura de lacerações, fissuras, lesões, infecções, tumores e corpos estranhos. No caso de trauma, preocupação com abuso sexual ou corpo estranho vaginal, um exame vaginal é necessário.

 

Etiologias do Sangramento Vaginal

 

Em gestantes com sangramento, as etiologias dependem do momento da gestação - considerando gestações com <20 semanas, gestação ectópica rota, produtos retidos da contracepção e aborto. Após 20 semanas de gestação, devem ser observados os diagnósticos de placenta prévia, deslocamento prematuro da placenta, rotura uterina e hemorragias pós-parto. Causas com risco de vida de sangramento vaginal incluem trauma vaginal, menorragia severa devido ao uso de estrogênio intravenoso e malformação arteriovenosa uterina.

As causas de sangramento vaginal anormal em mulheres não gestantes são classificadas em estruturais e não estruturais. Entre as estruturais, se incluem pólipos endometriais, adenomiose, leiomioma, doenças malignas e hiperplasia endometrial. Causas não estruturais incluem coagulopatias, disfunção ovulatória, alterações endometriais e iatrogenia.

No início da adolescência (entre 13 e 19 anos), os distúrbios anovulatórios e hemorrágicos são mais comuns. As complicações relacionadas à gravidez tornam-se a causa mais comum de sangramento vaginal anormal durante os anos reprodutivos. A hemorragia anovulatória perimenopausa é tipicamente observada por volta dos 40 anos de idade. O sangramento pós-menopausa está frequentemente relacionado a vaginite atrófica, hormônios exógenos e malignidade.

Os miomas uterinos são os tumores pélvicos benignos mais comuns nas mulheres e uma das causas mais comuns de sangramento vaginal anormal. A maioria dos miomas é assintomática, mas até 30% das pacientes com leiomiomas apresentam dor pélvica e sangramento anormal. O sangramento vaginal, especialmente quando visto em conjunto com a vaginite atrófica, pode estar associado ao uso de agentes que podem irritar a mucosa.

Os distúrbios da coagulação primária são responsáveis por 5 a 20% dos sangramentos uterinos agudos em adolescentes. A doença de von Willebrand é a causa mais comum de distúrbio da hemostasia associado a sangramento vaginal; outras causas incluem doenças mieloproliferativas e plaquetopenia autoimune.

A hemorragia uterina aguda secundária à anovulação ocorre em 10 a 15% dos pacientes com sangramento vaginal. Os sinais incluem menstruação irregular e/ou intensa. A disfunção ovulatória é comum em mulheres perimenarca e na perimenopausa, assim como em pacientes com distúrbios endócrinos, síndrome dos ovários policísticos, uso de hormônios exógenos e doença hepática ou renal.

Os ciclos anovulatórios raramente estão associados a cólicas. Esse padrão de sangramento aumenta o risco de hiperplasia endometrial e adenocarcinoma. O hipotireoidismo pode cursar com disfunção ovulatória. Transtornos alimentares, perda excessiva de peso, estresse e exercícios também podem causar sangramento uterino anormal.

O uso de pílula anticoncepcional oral (ACO) continua a ser a causa mais comum de sangramento intermenstrual. Além disso, medicamentos como anticonvulsivantes aumentam o metabolismo do sistema P450 do fígado, bem como o metabolismo dos glicocorticoides hormonais endógenos, causando hemorragia por privação.

A doença inflamatória pélvica ou infecções que causam endometrite podem causar sangramento vaginal anormal. Erosões cervicais, pólipos e cervicite podem ocasionar sangramento do colo do útero. Infecções vaginais, trauma e corpos estranhos também podem acarretar sangramento anormal. O manejo na emergência deve ser direcionado para investigar e tratar causas óbvias de sangramento.

O Quadro 1 sumariza as principais causas de sangramento vaginal.

 

Quadro 1

 

Etiologias de Sangramento Vaginal

               Pólipos endometriais e endocervicais

               Adenomiose

               Mioma de útero

               Infecções pélvicas

               Carcinoma de colo de útero e endométrio

               Hiperplasia endometrial

               Coagulopatias

               Disfunção ovulatória

               Disfunção tireoidiana

               Uso de hormônios exógenos

               Alterações endometriais

 

Exames Complementares

 

Deve-se obter um teste de gravidez em mulheres em idade fértil (exceto aquelas com histerectomia) para descartar a gravidez como causa de sangramento. Um hemograma identifica anemia. Os estudos de coagulação somente são indicados em caso de história ou exame físico sugestivo de coagulopatias. Em pacientes com suspeita de distúrbios endocrinológicos, a determinação dos níveis de hormônio estimulante da tireoide e de prolactina pode ser útil, mas os níveis podem não estar disponíveis para a avaliação no DE.

A ultrassonografia (USG) é a modalidade de imagem de primeira linha para condições ginecológicas, como sangramento vaginal, anexos ou massas uterinas ou dor pélvica. A USG pode determinar o tamanho do útero e as características endometriais, bem como identificar a presença de leiomioma, cistos ovarianos, hidrossalpinge, aderências pélvicas, abscessos tubo-ovarianos, endometriose e tumores.

A USG transvaginal pode avaliar cistos ovarianos e fluido no fundo de saco. O uso da tomografia computadorizada no DE é limitado à avaliação da dor aguda abdominal ou pélvica. A ressonância nuclear magnética é realizada sobretudo para o estadiamento do câncer e, raramente, é indicada durante a avaliação no DE.

 

Tratamento

 

As pacientes que estão hemodinamicamente instáveis precisam de ressuscitação imediata e consulta ginecológica emergencial. Não é recomendado realizar tamponamento vaginal, porque aumenta o risco de infecção e pode esconder a perda contínua de sangue. Além de ressuscitação volêmica, transfusão de sangue e correção de coagulopatias subjacentes, devem ser avaliadas outras possíveis causas de sangramento, incluindo trauma, sangramento, discrasia, infecção e retenção de corpos estranhos.

As opções para o manejo da hemorragia aguda incluem intervenções hormonais, cirúrgicas e hemostáticas. Mulheres na perimenopausa com sangramento uterino anormal devem fazer uma biópsia endometrial antes do início da terapia de reposição hormonal.

Os agentes hormonais são o tratamento médico de primeira linha para o sangramento uterino agudo em pacientes sem um distúrbio de sangramento subjacente. Para hemorragia grave, o estrogênio conjugado (Premarin) em uma dose de 25mg, IV, a cada 4 a 6 horas pode ser utilizado para que o sangramento pare, com observação do DE, seguido de prescrição de anticoncepcional oral. Em mulheres com histórico de doença cardiovascular, a terapia com altas doses de estrogênio é contraindicada.

O ácido tranexâmico, é uma opção para casos refratários, sobretudo para o sangramento ginecológico intraoperatório; a dose é de 500 a 750mg, VO, a cada 8 ou 12 horas. O sangramento menstrual intenso é tratado com anti-inflamatórios não esteroides (Aines) e anticoncepcionais orais combinados ou com apenas progestágenos.

Efeitos colaterais comuns desse regime incluem náuseas e vômitos. Um estudo recente recomendou a medroxiprogesterona de depósito combinada com um curso oral curto de 3 dias de ACO; o tempo médio para cessação do sangramento foi de 2,6 dias, e todos as pacientes pararam de sangrar dentro de 5 dias.

As pacientes estáveis podem receber alta hospitalar, com acompanhamento por 1 semana. A necessidade de tratamento cirúrgico baseia-se na estabilidade clínica. Se o tratamento médico falhar ou se houver uma contraindicação (por exemplo, doença tromboembólica), o tratamento cirúrgico é o próximo passo.

As opções cirúrgicas são dirigidas por suspeita de etiologia e incluem dilatação e curetagem, histeroscopia, tamponamento com balão endometrial e embolização da artéria uterina. A histerectomia é usada como último recurso em pacientes com sangramento agudo e potencialmente fatal, sem resposta a outras medidas de tratamento. Deve-se realizar encaminhamento para biópsia endometrial para pacientes com risco de câncer endometrial e todas as mulheres >45 anos de idade.

É essencial estabelecer um diagnóstico definitivo antes de iniciar o tratamento em longo prazo. O diagnóstico não precisa, no entanto, ser realizado no DE. Lesões vaginais após a relação sexual não são incomuns. A maioria das lesões no coito é pequena, mas lesões graves podem levar ao choque hemorrágico. A menorragia em mulheres que não desejam a fertilidade inclui anticoncepcionais orais de baixas doses ou administração de progestágenos cíclicos.

O sangramento uterino anormal está presente na maioria das mulheres com doença de von Willebrand ou deficiência de fator XI. As opções iniciais de tratamento são semelhantes àquelas sem distúrbio de sangramento, e incluem antifibrinolíticos, anticoncepcionais orais e dispositivo intrauterino com levonorgestrel.

Os agentes hormonais aumentam os níveis de fator VIII e de von Willebrand, e são uma forma eficaz e popular de terapia. Os antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico, reduzem tanto a atividade do ativador do plasminogênio quanto a atividade da plasmina.

O acetato de desmopressina (DDAVP) estimula a liberação endógena de fator VIII e fator de von Willebrand, e pode ser usado profilaticamente para pequenos procedimentos ou tratamento de episódios hemorrágicos e sangramento menstrual intenso. O DDAVP pode ser administrado por vias intranasal, parenteral ou subcutânea. Os Aines são ineficazes na diminuição do sangramento nesses casos e podem aumentar a perda de sangue.

 

Referências

1-            Hang BS. Abnormal uterine Bleeding. Tintinalli Emergency Medicine 2016.

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