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disfagia

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 22/04/2019

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A disfagia é definida como a sensação subjetiva de dificuldade em engolir e representa um sinal de alarme em diferentes patologias, principalmente em pacientes com sintomas dispépticos. Outras formas de apresentação de doenças esofágicas são a odinofagia, que é a dor ao engolir, e a sensação de algum tipo de bolo em região de pescoço como se fossem alimentos retidos, comumente sendo causado por alterações funcionais.

A maioria dos pacientes com disfagia tem uma causa orgânica identificável. Os indivíduos com disfagia podem ser divididos em dois grupos principais:

               disfagia orofaríngea (transferência): quando acomete a fase oral e/ou faríngea da deglutição (também conhecida como disfagia alta) e pode ter associados sinais como engasgos, tosse, pneumonias aspirativas e regurgitação nasal;

               disfagia esofágica (transporte): ocorre na fase esofagiana da deglutição, também conhecida como disfagia baixa. Os pacientes, com frequência, referem sensação de alimento entalado.

A disfagia de transferência ocorre precocemente na deglutição (à medida que o bolo alimentar se desloca da orofaringe até o esfíncter superior), sendo frequentemente relatada como uma dificuldade para iniciar a deglutição. A disfagia de transporte é um movimento prejudicado do bolo pelo esôfago e pelo esfíncter inferior. A disfagia de transporte é percebida mais tarde no processo de deglutição, ocorrendo, geralmente, de 2 a 4 segundos ou mais depois que a deglutição é iniciada, resultando na sensação do alimento “ficar preso”.

Outro sistema de classificação útil divide a disfagia em “decorrente de doença obstrutiva” e “devido à disfunção motora”. Os distúrbios funcionais ou de motilidade costumam causar disfagia intermitente e variável. A doença mecânica ou obstrutiva é progressiva (dificuldade para engolir sólidos e líquidos).

 

Etiologias

 

As etiologias de disfagia são múltiplas e incluem:

Doenças neuromusculares (75 a 80%)

               Acidente vascular cerebral (AVC)

               Tumores intracranianos

               Esclerose múltipla

               Doença de Parkinson avançada

               Doença de Alzheimer avançada

               Miastenia gravis

               Esclerose lateral amiotrófica

               Polimiosite e dermatopolimiosite

Anormalidades estruturais e doença localizada

               Divertículo de Zenker

               Estenose esofágica

               Presença de membranas esofágicas

               Anel de Schatzki

               Tumores de orofaringe

               Faringite/abscesso retrofaríngeo

               Acalasia

               Iatrogenias

               Alterações anatômicas

               Pós-operatório de cirurgia de pescoço ou orofaringe

               Medicações neurolépticas, sedativas

               Radioterapia

 

Os distúrbios neuromusculares são a causa mais comum de disfagia e, tipicamente, resultam em desorientação dos alimentos em bolo com repetidas tentativas de deglutição. Os líquidos, especialmente nos extremos de temperatura, são, em geral, mais difíceis de manusear do que os sólidos, e os sintomas, muitas vezes, são intermitentes.

O AVC é a causa mais comum desse tipo de disfagia com sintomas, comumente de início abrupto e associados a déficit neurológico focal. A fraqueza muscular orofaríngea é, frequentemente, o mecanismo, embora a disfunção do esfíncter superior também possa contribuir. Os tumores intracranianos, por sua vez, apresentam-se com sintomas progressivos associados a déficit neurológico focal.

A polimiosite e a dermatomiosite também são causas comuns de disfagia de transferência; os pacientes também apresentam fraqueza muscular proximal com aumento de enzimas musculares e presença de autoanticorpos. Os divertículos podem ser encontrados em todo o esôfago. O divertículo faringoesofágico ou de Zenker é uma bolsa com saída da mucosa faríngea, logo acima do esfíncter superior, causada pelo aumento das pressões durante a fase hipofaríngea da deglutição.

O início dos sintomas ocorre, em geral, após os 50 anos, já que a maioria dos divertículos é adquirida e não congênita. Os pacientes queixam-se de disfunção típica de transferência ou halitose e sensação de massa no pescoço. Os pacientes frequentemente apresentam regurgitação de alimento não digerido. Os divertículos também podem ser vistos no esôfago médio ou distal, sendo este último em associação com um distúrbio de motilidade.

A estenose esofágica se desenvolve como resultado da cicatrização do processo inflamatório associado à doença de refluxo gastroesofágico (DRGE) ou de outra causa de inflamação crônica. Geralmente, as estenoses ocorrem no esôfago distal proximal à junção gastroesofágica e podem interferir na função do esfíncter inferior.

Os sintomas podem se acumular ao longo dos anos e, em geral, são observados apenas com alimentos sólidos. As estenoses podem servir como uma barreira ao refluxo, então a azia pode diminuir como a disfagia aumenta. A avaliação envolve a exclusão de malignidade, e o tratamento é a dilatação endoscópica.

O anel de Schatzki é a causa mais comum de disfagia intermitente com sólidos; cursa com estenose próxima da junção gastroesofágica; está presente em até 15% da população, e a maioria é assintomática. Um anel pode se formar ao longo do tempo em resposta à DRGE. A impactação de comida no esôfago é um evento de apresentação frequente com um anel de Schatzki. O tratamento é com dilatação endoscópica.

As chamadas membranas esofágicas são estruturas finas da mucosa e da submucosa, encontradas mais frequentemente no esôfago médio ou proximal. Eles podem ser congênitos ou adquiridos. As membranas esofágicas também ocorrem como um componente da síndrome de Plummer-Vinson (juntamente com anemia por deficiência de ferro) e podem ser vistas em pacientes com penfigoide e epidermólise bolhosa. O tratamento é a dilatação endoscópica.

As faringites e abscessos retrofaríngeos cursam com dor em orofaringe, odinofagia e febre. Os tumores de orofaringe cursam com sintomas progressivos, mas sem déficits neurológicos associados e com fatores de risco presentes como tabagismo e etilismo.

A acalasia é um distúrbio de dismotilidade de causa desconhecida e o distúrbio de motilidade mais comum que produz disfagia com perda da peristalse esofágica e pode ocorrer em qualquer idade. Observa-se também o relaxamento induzido por deglutição do esfíncter inferior, juntamente com a ausência de peristaltismo esofágico.

O início dos sintomas é, em geral, entre 20 e 40 anos de idade. A acalasia pode estar associada a espasmo esofágico, dor torácica e odinofagia. Os sintomas associados podem incluir regurgitação e perda de peso. A dilatação do esôfago pode ser massiva o suficiente para colidir com a traqueia e causar sintomas nas vias aéreas. A terapia inclui redução da pressão do esfíncter inferior por medicamentos orais, injeção endoscópica de toxina botulínica no músculo do esfíncter, dilatações ou miotomia cirúrgica.

O espasmo difuso do esôfago é a interrupção intermitente do peristaltismo normal pela contração não eficaz. A disfagia é intermitente e não progride com o tempo. A dor no peito é um sintoma comum. A terapia envolve o controle do refluxo ácido e a consideração de relaxantes de musculatura lisa e/ou antidepressivos, embora a eficácia não seja clara.

A dismotilidade esofágica é a contração excessiva e descoordenada do músculo liso esofágico. Clinicamente, a dor torácica é o sintoma usual de dismotilidade esofágica. O início é, em geral, na quinta década. A dor ocorre em repouso e é monótona ou em cólica, e o estresse ocorre com ingestão de líquidos muito quentes ou muito frios, os quais podem servir como gatilhos.

A dor aguda pode ser seguida por horas de desconforto residual. Muitos pacientes também apresentam disfagia, geralmente intermitente. A dor do espasmo pode responder à nitroglicerina. Bloqueadores dos canais de cálcio e agentes anticolinérgicos também podem ser usados.

Os outros distúrbios de motilidade comumente reconhecidos incluem motilidade esofágica ineficaz, esfíncter esofágico inferior hipertensivo e esôfago quebra-nozes. O esôfago do quebra-nozes é um distúrbio de motilidade no qual há contrações peristálticas de alta amplitude e longa duração no corpo distal do esôfago ou do esfíncter inferior. A causa é desconhecida.

 

Características Clínicas

 

Embora frequentemente seja um sintoma independente, a disfagia pode estar associada à odinofagia, que é a deglutição dolorosa (sugerindo um processo inflamatório) ou como dor torácica de natureza esofágica, sugerindo DRGE ou um distúrbio de motilidade. Deve-se questionar o paciente sobre o curso dos sintomas (agudo, subagudo ou crônico, intermitente, progressivo), padrões alimentares, se a disfagia ocorre com alimentos sólidos, líquidos ou ambos.

A disfagia de transporte presente apenas com alimentos sólidos, em geral, sugere um processo mecânico ou obstrutivo. Os distúrbios de motilidade tipicamente causam disfagia de transporte para sólidos e líquidos. A disfagia por sólidos com piora progressiva pode ser causada por estenoses esofágicas e carcinoma; já a disfagia por sólidos intermitente pode ocorrer devido a membranas esofágicas e esofagite eosinofílica.

A disfagia com sólidos e líquidos pode ocorrer por acalasia, alterações de motilidade, esclerodermia ou causas funcionais de disfagia. Os sintomas associados são significativos; pacientes com odinofagia associada com maior frequência apresentam processos inflamatórios como esofagites infecciosas ou esofagite induzida por medicação.

A impactação de um bolo de carne mal mastigado no esôfago é uma complicação bem reconhecida da doença esofágica. Uma história de disfagia pode ou não estar presente. Um bolo alimentar impactado pode ser a queixa atual para uma variedade de patologias esofágicas subjacentes. Os pacientes, em geral, são precisos em identificar o local se o bolo está no terço superior do esôfago. O enchimento esofágico proximal ao bolo impactado pode causar inabilidade de engolir secreções e apresentar risco de via aérea/aspiração.

O exame físico deve avaliar principalmente a cabeça e o pescoço, e deve-se realizar o exame neurológico. Devem ser avaliados os sinais de AVC prévio, doença muscular ou doença de Parkinson. Caquexia e linfonodos cervicais ou supraclaviculares podem ser observados em pacientes com câncer de esôfago. Os achados físicos costumam ser normais em indivíduos com disfagia. Deve-se observar o paciente tomar um pequeno gole de água, pois a incapacidade de engolir água confirma, pelo menos, uma obstrução parcial.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico da patologia subjacente é mais frequentemente feito fora do departamento de emergência (DE). A avaliação inicial da disfagia no DE pode incluir radiografias cervicais anterolateral e lateral com bário, as quais podem ser úteis para avaliar a disfagia de transferência e casos em que a disfunção do transporte parece proximal. Deve-se, ainda, obter uma radiografia de tórax se considerar a disfagia de transporte.

A laringoscopia direta pode ser usada para identificar lesões proximais. Comumente, o esofagograma com bário é um dos primeiros exames indicados na avaliação de pacientes com disfagia. O esofagograma é uma forma especializada de estudo de deglutição de bário, na qual imagens filmadas são reproduzidas em baixa velocidade para permitir uma análise detalhada. A manometria e a esofagoscopia também são utilizadas dependendo do quadro clínico. Se houver suspeita de corpo estranho, a avaliação diagnóstica leva a outro caminho.

A endoscopia digestiva alta deve ser realizada para excluir malignidades e tem a possibilidade de realizar terapia específica; consegue fazer o diagnóstico em 55 a 60% dos pacientes. As neoplasias neoplásicas são uma causa comum de disfagia de transferência e transporte. O esôfago ou estruturas adjacentes podem ser o local primário.

A grande maioria das neoplasias esofágicas é de células epidermoides; as neoplasias malignas restantes são adenocarcinomas. Os fatores de risco para carcinoma de células epidermoides incluem álcool, tabagismo, acalasia e ingestão prévia de material cáustico com soda cáustica. O esôfago de Barrett predispõe ao adenocarcinoma. Cirurgia e radioterapia para câncer de cabeça e pescoço também são associações importantes.

Em geral, há uma progressão relativamente rápida de disfagia de sólidos para líquidos (6 meses). O sangramento é outro sinal sugestivo de neoplasia. Deve-se presumir a possibilidade de neoplasia em pacientes com idade >40 anos com disfagia de início recente. O diagnóstico definitivo é feito por endoscopia com biópsia. O manejo desses pacientes é dependente da etiologia do quadro de disfagia.

 

Bibliografia

 

1-Mendelson M. Esophageal emergencies in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2- American Gastroenterological Association Medical Position Statement: oropharyngeal dysphagia. Gastroenterology 1999; 116: 452.

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4- ASGE Standards of Practice Committee, Pasha SF, Acosta RD, et al. The role of endoscopy in the evaluation and management of dysphagia. Gastrointest Endosc 2014; 79:191.

5- Aziz Q, Fass R, Gyawali CP, et al. Functional Esophageal Disorders. Gastroenterology 2016.

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