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Fibrilação atrial

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 14/06/2019

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Epidemiologia

 

A fibrilação atrial (FA) é o distúrbio do ritmo cardíaco sustentado mais comum, sendo relativamente frequente no departamento de emergência (DE). A incidência e a prevalência da FA têm aumentado com o envelhecimento da população e uma melhor sobrevida de distúrbios como o infarto agudo do miocárdio (IAM).

O risco para o desenvolvimento de FA durante a vida é de 25% em homens e mulheres com 40 anos ou mais, enquanto que, para aqueles sem insuficiência cardíaca congestiva (ICC) anterior ou concomitante ou IAM o risco de vida é de 16% .A presença de FA aumenta de forma independente o risco de mortalidade e morbidade por acidente vascular cerebral (AVC) e tromboembolismo, ICC e redução da qualidade de vida, resultando em um alto custo para o tratamento e o manejo da doença.

No Reino Unido, os resultados do estudo Safe mostraram uma prevalência de FA, de 0,7 a 2% em pacientes com 65 anos ou mais, com um aumento da prevalência em homens e naqueles com 75 anos ou mais. Dados norte-americanos mostram prevalência de 1% de FA em adultos com 70% dos casos em idosos. Não são conhecidas diferenças étnicas na prevalência, sendo a arritmia menos comum em populações não caucasianas do que em pessoas caucasianas, mesmo após o ajuste para as comorbidades associadas à FA.

A FA está presente em 3 a 6% das internações médicas agudas; nesses pacientes, as comorbidades mais comuns são a doença arterial coronariana (DAC) e a ICC. Em pacientes ambulatoriais, a hipertensão é o fator de risco mais comum; outros fatores importantes incluem valvopatias e DAC, além do hipertireoidismo.

A FA é uma complicação comum em pós-operatórios, principalmente em cirurgia cardiotorácicas; ela pode aparecer isolada ou como “lone atrial fibrilation” ? para essa definição, são necessários exame clínico normal, radiografia de tórax normal e eletrocardiograma (ECG) sem evidência de IAM prévio ou hipertrofia ventricular esquerda (HVE), um coração estruturalmente normal ao ecocardiograma (ECO) e sem história de doença cardiovascular.

Muitos pacientes são assintomáticos (FA silenciosa), e uma apresentação com uma complicação associada com FA (por exemplo, AVC) pode ser a primeira manifestação da arritmia, quando a doença é diagnosticada pela primeira vez. Mesmo em pacientes com AVC agudo, o monitoramento por ECG prolongado detecta a arritmia em 5% dos casos. Estratégias de rastreamento sistemático para FA não costumam ser eficazes, e o diagnóstico com maior frequência ocorre em visitas regulares ao médico da família.

 

Fatores de Risco

 

A FA, em geral, coexiste com fatores de risco cardiovascular, que, por sua vez, aumentam o risco de complicações associadas com a arritmia. A predisposição para FA inclui fatores não cardiovasculares como infecção e fatores cardiovasculares como hipertensão, ICC, doença cardíaca valvular, diabetes melito e doença vascular.

Os dados do Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) mostraram que 5% dos novos casos de FA podem ser atribuídos a fatores de risco cardiovasculares comuns, incluindo hipertensão, obesidade, diabetes melito e tabagismo. Embora os mecanismos precisos que contribuem para o desenvolvimento da doença não sejam claros, vários fatores são prováveis, incluindo ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, a carga hemodinâmica e mudanças estruturais nos átrios, gatilhos focais iniciando FA paroxística e fibrose atrial por reatrial persistente.

O distúrbio também pode ser desencadeado pela ativação atrial rápida associada a outras taquicardias supraventriculares, como taquicardia atrial ou flutter atrial, taquicardia de reentrada nodal atrioventricular ou síndrome de Wolff-Parkinson-White. O estudo de Framingham desenvolveu um escore de risco para o desenvolvimento de FA, que incorporou a presença de idade, o sexo, o índice de massa corporal, a pressão arterial sistólica (PAS), o tratamento para a hipertensão, o intervalo PR, o sopro cardíaco clinicamente significativo e o ICC; infelizmente, esse escore é complexo e difícil de utilizar à beira do leito.

A incorporação adicional de medidas ecocardiográficas melhorou apenas ligeiramente a capacidade preditiva desse escore de risco. Fatores genéticos também têm atraído muita atenção como um possível componente hereditário para o desenvolvimento da arritmia. O Quadro 1 sumariza os principais fatores de risco para desenvolvimento de FA.

 

Quadro 1

 

Condições Clínicas Associadas com fibrilação atrial

               Predisposição genética

               Idade

               Hipertensão

               IC

               Valvopatia

               SCA

               Doença tireoidiana

               Obesidade

               Diabetes melito

               DPOC

               Etilismo

               Atividade física vigorosa

               SAOS

               Aumento de átrio esquerdo

               Tabagismo

               IRC

DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; IC: insuficiência cardíaca; IRC: insuficiência renal crônica; SAOS: síndrome da apneia obstrutiva do sono; SCA: síndrome coronariana aguda.

 

Classificação

 

A FA pode ser dividida conforme seus padrões ou seu tipo clínico. Clinicamente, a FA pode ser ou não associada à valvopatia, relacionada à cirurgia cardio-torácica e associada ou não a doença estrutural cardíaca.

A FA pode ser classificada em:

               FA paroxística: comumente, se resolve espontaneamente em 48 horas; alguns episódios podem durar até 7 dias; pode ou não ser recorrente.

               FA persistente: duração maior que 7 dias, incluindo episódios que tiveram que receber cardioversão elétrica ou química.

               FA persistente crônica: período >1 ano ou em que foi decidido por estratégia de controle de ritmo, com recorrência.

               FA permanente: decisão do paciente, ou do médico, de não ser realizada tentativa de controle de ritmo.

 

Diagnóstico e Manifestações Clínicas

 

Em até 90% dos episódios de FA, os pacientes podem não apresentar quaisquer sintomas. Os principais são as palpitações taquicárdicas. Pode ocorrer uma grande variedade de outros sintomas, incluindo dispneia, fadiga, tontura, angina ou sintomas de descompensação de IC. Para uma avaliação de um paciente com FA, a confirmação do diagnóstico e a documentação da arritmia são necessários.

Diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) definem a FA como uma arritmia cardíaca, com as seguintes características: o ECG mostra intervalos RR absolutamente irregulares; não há ondas P distintas; e o intervalo entre as duas ativações ventriculares, quando visíveis, é comumente variável e menor que 200ms (>300bpm).

Na FA persistente, a presença da doença é normalmente evidente em um ECG de 12 derivações. O holter pode ser usado em pacientes com FA paroxística, mas um gravador de ciclo de eventos automático pode ser necessária em pacientes com paroxismos infrequentes. Um ECG de 12 derivações também pode indicar a presença de pré-excitação na síndrome de Wolff-Parkinson-White (um intervalo PR curto ou onda delta) e outras síndromes arrítmicas cardíacas hereditárias, como QT longo (prolongamento do intervalo QT) e síndrome de Brugada (bloqueio de ramo direito e elevação do segmento ST nas precordiais direitas).

Cada vez mais interesse tem sido dirigido para quantificação de carga arritmia com dispositivos implantáveis devido a uma possível associação entre a carga de FA e o risco de AVC; por enquanto, a determinação da carga de FA tem interesse mais acadêmico do que prático.

A FA, em geral, é associada a muitas outras comorbidades cardíacas e não cardíacas; a exclusão de outros fatores relevantes e dependentes de história clínica e exame de doenças associadas, como doenças da tireoide (por meio de testes bioquímicos), doença cardíaca estrutural (com a ECO) e patologia intratorácica (por radiografia) é importante.

Assim, na avaliação inicial, são importantes os seguintes fatores:

               História e exame físico, incluindo tempo e, em caso de FA, duração, severidade, fatores precipitantes e doenças associadas

               ECG

               ECO: avaliar o tamanho do atrio esquerdo, a função ventricular e a presença de trombos

               Teste de esforço em pacientes com história de isquemia

               Função tireoidiana

               Hemograma completo, ureia, creatinina e glicemia; em diabéticos, pesquisa de proteinúria

               Eletrólitos e enzimas cardíacas em pacientes com instalação aguda

 

 

A Figura 1 mostra o ECG.

ECG: eletrocardiograma; FA: fibrilação atrial.

Figura 1 - O ECG mostra um exemplo de FA.

 

Manejo

 

O manejo incluia a identificação e o tratamento precoce de fatores predisponentes e distúrbios associados como o tratamento dos fatores de risco como inibidores da enzima de conversão ou de receptores da angiotensina, estatinas e outras medicações conforme indicação. Os pacientes ainda precisam ser avaliados quanto ao risco de eventos embólicos, e deve ser decidido se irá ser realizada uma estratégia de controle de frequência cardíaca (FC) ou de ritmo.

O tratamento de pacientes com FA, em geral, deve ser guiado por sintomas, pela presença ou ausência de compromisso hemodinâmico e comorbidades associadas. Em pacientes com FA recém diagnosticada, o objetivo do tratamento de curto prazo deve ser o controle de seus sintomas com diminuição da FC ou o controle do ritmo.

Os estudos não mostraram qualquer diferença nas taxas de mortalidade cardiovascular e AVC entre a estratégia de controle da frequência versus controle de ritmo em pacientes com FA. Uma estratégia de controle do ritmo pode ser apropriada para pacientes nos quais a manutenção do ritmo sinusal tem boas expectativas de ser bem-sucedida e benéfica. A cardioversão de emergência é indicada na presença de instabilidade clínica definida por presença de isquemia coronariana secundária à FA, descompensação de IC com edema agudo de pulmão ou hipoperfusão tecidual.

 

Prevenção de Eventos Embólicos ou Acidente Vascular Cerebral

 

Um estado pró-trombótico tem sido descrito em pacientes com FA, e contribui para a complicação mais comum e relevante da arritmia, que é o tromboembolismo. A presença de FA é um fator de risco independente para AVC, e o AVC em associação com FA tem maior mortalidade e morbidade, com maiores déficits neurológicos, maior tempo de internação e menores taxas de retorno para casa.

Embora a FA aumente o risco de AVC em cinco vezes, esse risco não é homogêneo e muda cumulativamente com a presença de outros fatores de risco para AVC. Conforme os escores de risco, pode-se dividir os pacientes em risco baixo, moderado e alto para tromboembolismo. Esses escores de risco são importantes no manejo do paciente.

O Quadro 2 sumariza o escore de risco CHA2DS 2-VASc.

 

Quadro 2

 

Escore Cha2ds2-Vasc

Letra

Descrição

Pontuação

C

IC

1

H

Hipertensão

1

A

Idade >=75 anos

2

D

Diabetes melito

1

S2

AVC ou AIT prévio

2

V

Doença vascular coronária ou periférica

1

A

Idade entre 65?74 anos

1

Sc

Sexo feminino

1

AIT: ataque isquêmico transitório; AVC: acidente vascular cerebral; IC: insuficiência cardíaca.

 

O escore é considerado de alto risco caso a pontuação seja de 2 ou mais pontos; intermediário se de 1 ou mais pontos; e baixo risco se sem pontuação. Esse escore parece classificar melhor os pacientes com risco de eventos embólicos e, hoje em dia, é considerado o padrão a ser seguido para indicação de anticoagulação. Em pacientes de alto risco, deve ser dada a anticoagulação oral, enquanto que os com risco moderado (ou intermediário) podem ser tratados com anticoagulante oral ou aspirina, e os de baixo risco, com ácido acetilsalicílico ou sem nenhuma medicação.

A anticoagulagulação é realizada com alvo de INR entre 2 e 3. O INR é afetado por muitos fatores genéticos, dieta, drogas e álcool; o que pode, portanto, restringir o número de pacientes elegíveis, que podem ter sucesso com esse tratamento. O tempo na faixa terapêutica de INR é um determinante importante de proteção contra AVC isquêmico, e o risco de hemorragia grave é baixo, quando o paciente faz bom controle da anticoagulação (tempo em intervalo terapêutico =70).

A varfarina reduziu, em estudos, o risco de AVC em 64% e, além disso, todas as causas de mortalidade em 26% em comparação com o placebo. Em uma coorte de pacientes do Medicare, o uso de varfarina aumentou entre 1992 e 2002, o que reduziu consideravelmente a incidência de AVC isquêmico durante a década. Por outro lado, o valor do ácido acetilsalicílico na FA tem sido debatido. Uma metanálise mostrou que a terapia antiplaquetária reduz AVCs isquêmicos em 22% em comparação com o controle.

Quando a análise limitou-se aos ensaios apenas com ácido acetilsalicílico, este conseguia uma redução não significativa de 19% de eventos, sem nenhum efeito sobre a mortalidade, e mesmo os pequenos efeitos benéficos eram muito dependentes de um único estudo, o SPAF-1 com grupos heterogêneos. O ácido acetilsalicílico foi ineficaz em pacientes com mais de 75 anos e não preveniu AVCs de maior gravidade.

A anticoagulação oral, em estudos, é associada a uma redução do risco de eventos isquêmicos de 39%, em comparação com a terapia antiplaquetária. Em pacientes de baixo risco com FA, um estudo prospectivo randomizado não mostrou diferença entre ácido acetilsalicílico e controle para desfechos embólicos e mostrou um aumento não significativo em hemorragias graves mais (e hemorragia intracraniana) entre os pacientes que receberam ácido acetilsalicílico.

A varfarina também foi comparada com a terapia antiplaquetária dupla; os resultados do estudo ACTIVE-W mostraram superioridade clara da varfarina sobre o ácido acetilsalicílico e o clopidogrel combinados para a prevenção do AVC. Além disso, o ácido acetilsalicílico e o clopidogrel reduziram a taxa de AVC isquêmico em 28% em comparação com ácido acetilsalicílico apenas. O risco de hemorragia grave com ácido acetilsalicílico e clopidogrel foi de 2%/ano ? o que foi superior em comparação com o ácido acetilsalicílico isolado, e semelhante aos principais taxas de sangramento com a varfarina, o que torna essa combinação inferior à anticoagulação.

Em vista de um modesto efeito do ácido acetilsalicílico e do clopidogrel, essa combinação pode ser utilizada em pacientes com FA que recusam qualquer anticoagulante oral (ou têm dificuldades com a monitorização da anticoagulação). O ácido acetilsalicílico e o clopidogrel também são usados após a SCA e a angioplastia ou implante de stent, mas, em pacientes com FA em risco moderado a elevado de AVC, a anticoagulação oral ainda é necessária, sendo indicada, nesse caso, a terapia tripla.

Uma abordagem para tromboprofilaxia em FA requer não só a avaliação do risco de AVC, mas também a consideração do risco de sangramento. No entanto, alguns dos fatores de risco para hemorragia relacionada à anticoagulação também são fatores de risco para AVC. Vários modelos para a previsão de sangramento foram propostos, embora poucos tenham sido derivados e validados em populações com FA.

O escore HAS-BLED foi proposto para avaliação desse risco, incluindo:

               H: hipertensão sem controle ou PAS >=160

               A: alteração de função renal ou hepática anormal: creatinina >2,6 ou diálise ou cirrose e bilirrubinas ou transaminases bastante aumentadas

               S: AVC prévio

               B: antecedentes ou predisposição a sangramento

               L: INR lábil

               E: idosos >65 anos

               D: uso de drogas ilícitas ou álcool

 

Os pacientes com escores maiores que 3 apresentam alto risco de sangramento, mas isso não significa que tenham contraindicação à anticoagulação, já que são, na maioria das vezes, pacientes de maior risco de eventos embólicos; sua importância, entretanto, é grande, pois faz com que médicos e pacientes avaliem os fatores de risco para hemorragia corrigíveis como o uso de ácido acetilsalicílico concomitante ou hipertensão mal controlada, que pode ser modificada para reduzir o risco de sangramento.

Com a disponibilidade de novos medicamentos anticoagulantes orais que não precisam de monitoramento, o tratamento desses pacientes se tornou mais fácil. Uma análise utilizando um modelo de decisão de Markov mostrou que o uso dessas novas medicações poderiam reduzir o limite para anticoagulação com eventos cerebrais hemorrágicos. Um grande estudo de Olesen e colaboradores mostrou que o benefício clínico equilibrando AVC isquêmico contra hemorragia intracraniana para varfarina foi apenas negativo na pontuação CHA2DS2-VASc de 0, indicando o baixo risco desses pacientes.

Além disso, os pacientes, nesse estudo, com uma pontuação alta no escore HAS-BLED ou com antecedente de sangramento cerebral, tiveram um benefício clínico maior com a varfarina, uma vez que aqueles com maior risco de hemorragia também estão em risco elevado de AVC e têm maior redução absoluta no risco de AVC com a varfarina, que supera o pequeno aumento absoluto em grandes eventos hemorrágicos.

As novas medicações anticoagulantes orais podem ser divididas em duas grandes categorias, que são os inibidores diretos de trombina orais e os inibidores de factor Xa via oral. O inibidor direto da trombina dabigatrana na dose de 150mg/dia foi melhor do que a varfarina para a redução de AVC, com uma taxa semelhante de hemorragia grave em um estudo, enquanto que a dose de 110mg de dabigatrana não foi inferior à varfarina para a eficácia, com bem menos sangramentos intracranianos. A hemorragia intracraniana ou extracraniana aumentou bastante com dabigatrana, comparada com a terapia antiplaquetária.

Em pacientes considerados impróprios para o uso de varfarina, o estudo AVERROES comparou o inibidor do fator Xa apixabana oral com o ácido acetilsalicílico em dose de 81?325mg. Esse ensaio foi interrompido precocemente porque o apixabana foi superior ao ácido acetilsalicílico para a prevenção do AVC, e as taxas de sangramento maiores (e hemorragia intracraniana) não diferiram muito entre apixabana e ácido acetilsalicílico. Além disso, o ácido acetilsalicílico foi menos tolerado que o apixabana.

No estudo ROCKET-AF, o inibidor do fator Xa rivaroxabana oral não foi inferior à varfarina para a eficácia na redução de AVC e embolia sistêmica, mas não alcançou superioridade estatística com base na análise por intenção de tratar. As taxas de hemorragia grave não diferiram muito entre os grupos, mas o rivaroxabana foi associado a menos eventos de hemorragia cerebral.

No estudo Aristóteles, por sua vez, o fator Xa inibidor apixabana oral foi superior à varfarina para a eficácia na redução de AVC e embolia sistêmica (impulsionado por uma redução substancial do AVC hemorrágico, embora a taxa de AVC isquêmico tenha sido similar à da varfarina). Além disso, houve uma redução significativa de 11% na mortalidade por qualquer causa.

As principais opções para anticoagulação oral incluem:

               Varfarina: iniciar 5mg/dia ou 2,5mg/dia em caso de paciente idoso ou <60kg. Dosar o INR a partir do terceiro dia. O efeito pleno da varfarina necessita de, pelo menos, 7 dias de uso (meia-vida do fator II).

               Dabigatrana: 150mg, 2x/dia; para pacientes com risco de sangramento, pode ser usada a dose de 110mg, 2x/dia.

               Rivaroxabana: 20mg, 1x/dia.

               Apixabana: 5mg, 2x/dia; para pacientes com risco de sangramento, 2,5mg, 2x/dia.

               Edoxabana: 60mg/dia.

Em pacientes com sangramento ativo em uso de antagonistas da vitamina K, é recomendado retirar a medicação até o INR ficar <2,0. Em pacientes com outros anticoagulantes, é indicado retirar a medicação por, pelo menos, 1 dia em sangramentos leves. Pode-se realizar tratamento específico com transfusão ou antídoto específico. Indivíduos com sangramento intracraniano, além da indicação de reversão da anticoagulação, só podem retornar o uso da terapia anticoagulante em 4 a 8 semanas após a avaliação dos riscos.

 

Controle da Frequência Cardíaca ou do Ritmo

 

A escolha de medicamentos para controle da frequência ventricular depende da presença de fatores como síndrome de pré-excitação como a síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), ICC, comorbidades, os sintomas do paciente e o estado hemodinâmico.

Em pacientes com FA com pré-excitação devido à WPW, o uso isolado de agentes bloqueadores do nó-atrioventricular pode desencadear fibrilação ventricular por causa das taxas de resposta ventricular muito altas. Esses devem ser inicialmente tratados com antiarrítmicos da classe I, como procainamida ou flecainida, ou o ibutilide da classe III, para retardar a condução do outro lado da via acessória.

Na WPW, a amiodarona endovenosa pode levar à fibrilação ventricular, pois retarda a condução nodal atrioventricular antes que atinja a via acessória. Em pacientes com ICC descompensada, a digoxina é preferível sobre os ß-bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio (BCCs) não diidropiridínicos para evitar uma maior deterioração do estado hemodinâmico.

A amiodarona intravenosa é uma alternativa segura e eficaz em pacientes criticamente doentes com IC grave ou hipotensão, nos quais outros agentes são ineficazes ou contraindicados para o controle da frequência ventricular. Para os pacientes com FA estável com taxas ventriculares rápidas, um objetivo inicial de frequência cardíaca de repouso de menos de 100bpm deve ser alcançado com verapamil e diltiazem, ß-bloqueadores ou digoxina administrado por via intravenosa ou por via oral.

Em casos agudos, quando o paciente não pode tomar medicamentos orais ou quando um controle de frequência ventricular mais rápida é necessária, a administração intravenosa de agentes bloqueadores do nó atrioventricular pode ser necessária, ao invés da terapia oral. Uma nova opção em pacientes com disfunção cardíaca moderada a leve ou SCA é o vernakalant intravenoso, que foi aprovado na Europa para a rápida conversão de FA com duração de 3 dias ou menos para pacientes cirúrgicos e 7 dias ou menos para não cirúrgicos.

Em um estudo, o vernakalant intravenoso foi mais eficaz do que era a amiodarona intravenosa para a rápida conversão de FA, mas a medicação é contraindicada em pacientes com hipotensão, IC moderada a grave, valvopatias significativas, prolongamento do intervalo QT e bradicardia. Até 50% dos pacientes com FA recente podem apresentar reversão espontânea para ritmo sinusal. Caso isso não ocorra, especialmente para aqueles que permanecem sintomáticos, apesar do controle da frequência ventricular, deve-se considerar a cardioversão.

A cardioversão elétrica é, muitas vezes, mais rápida, eficaz e eficiente do que a cardioversão farmacológica. Para a FA com duração de menos de 7 dias, a administração oral ou intravenosa de antiarrítmicos da classe Ic (flecainida e propafenona) ou III (amiodarona, ibutilide, dofetilide) pode alcançar a conversão para o ritmo sinusal em 34 a 95% dos pacientes dentro de 24h. Para FA com duração de mais de 7 dias, apenas 15 a 40% dos pacientes convertem para o ritmo sinusal com cardioversão farmacológica isolada; sendo assim, a cardioversão elétrica provavelmente seja necessária.

Em pacientes com doença cardíaca estrutural, como DAC e fração de ejeção ventricular esquerda diminuída, antiarrítmicos da classe Ia como flecainida e propafenona são contraindicados. Em indivíduos selecionados sem doenças cardíacas estruturais e eventos pouco frequentes de FA estável sintomática, uma abordagem chamada pill-in-the-pocket, com a administração oral de flecainida ou propafenona, é uma terapia segura e eficaz para a conversão para o ritmo sinusal.

No entanto, agentes de bloqueio atrioventricular nodal concomitantes também devem ser usados, porque flecainida ou propafenona podem converter a FA para flutter atrial com taxas ventriculares rápidas. Em pacientes com doença cardíaca estrutural significativa, a amiodarona intravenosa é o único tratamento disponível, e a cardioversão, em geral, ocorre várias horas depois do que com outros fármacos antiarrítmicos.

Ensaios clínicos randomizados não mostraram qualquer diferença nas taxas de todas as causas e mortalidade cardiovascular e AVC entre a estratégia de controle da frequência versus controle de ritmo em pacientes com FA. Com base nesses resultados, as diretrizes recomendam que subgrupos específicos de pacientes devem adotar uma abordagem de controle de FC inicial, enquanto que uma estratégia de controle do ritmo pode ser apropriada para pacientes nos quais a manutenção do ritmo sinusal tem boas expectativas de ser bem-sucedida e benéfica.

As considerações para a escolha de longo prazo de agentes bloqueadores do nó atrioventricular para controle da frequência ventricular devem incluir estilo de vida e as comorbidades do paciente. De um modo geral, os ß-bloqueadores ou BCCs são a escolha inicial de medicamentos para o controle da frequência ventricular de FA na maioria dos casos.

Além disso, a digoxina deve ser reservada para os sedentários, pois, apesar de conseguir controlar a FC em repouso, a medicação não tem sucesso aceitável para o controle de FC em atividade física. A digoxina pode ser adicionada aos ß-bloqueadores ou BCCs em pacientes com FA e ventricular com FC alta. Em pacientes com ICC estável e fração de ejeção diminuída, os ß-bloqueadores devem ser terapêuticos de primeira linha, pois reduzem a mortalidade em indivíduos com disfunção cardíaca, ao passo que a digoxina pode ser adicionada para alcançar o controle da frequência ventricular.

Para o controle a longo prazo da resposta ventricular, as conclusões de um estudo sugerem uma abordagem inicialmente branda, permitindo uma FC de repouso de menos de 110bpm. Em pacientes que tenham disfunção sistólica ou que permanecem sintomáticos após o controle da frequência ventricular para <110bpm, uma abordagem mais rigorosa (FC em repouso <80bpm e FC <110bpm durante o exercício moderado) guiada por 24h de Holter e teste ergométrico é necessária. Essa abordagem é recomendada pelas diferentes diretrizes de manejo da FA.

Para manutenção do ritmo sinusal, flecainida, propafenona e sotalol são agentes de primeira linha em pacientes com FA paroxística ou doença cardíaca estrutural mínima. A amiodarona é reservada para pacientes com ICC ou HVE significativa ou como agente de segunda linha após falha de outros fármacos antiarrítmicos por causa de seus efeitos colaterais extracardíacos potencialmente graves.

A dronedarona é um derivado de amiodarona em que o iodo foi removido e um grupo metano sulfonil foi adicionado para reduzir a toxicidade de órgãos relacionados com iodo e para encurtar a meia-vida. Em um ensaio, a dronedarona reduziu a frequência do desfecho combinado de hospitalização e morte cardiovascular em 24% e, em uma análise secundária, também reduziu o risco de AVC em pacientes com FA não permanente com outros fatores de risco cardiovasculares (idade >70 anos, hipertensão, diabetes melito, AVC anterior, diâmetro atrial =50mm ou fração de ejeção <40%).

Em uma metanálise e em um ensaio clínico, a dronedarona foi menos eficaz do que a amiodarona na manutenção do ritmo sinusal, mas teve efeitos colaterais de curto e médio prazos mais favoráveis. A redução da resposta ventricular durante a recorrência de FA e o efeito da redução da pressão arterial (PA) da dronedarona podem ter contribuído para a melhora dos resultados clínicos.

No entanto, em pacientes com IC descompensada ou IC classe funcional III-IV, a dronedarona foi associada com aumento de mortalidade. Um outro estudo mostrou que, em pacientes com FA permanente, a dronedarona foi associada a aumento do risco de morte, AVC e IC em pacientes. Portanto, a dronedarona deve ser evitada em pacientes com FA permanente; a medicação não deve ser prescrita a doentes com disfunção renal grave (clearance de creatinina <30mg/mL).

Em pacientes com FA que não respondem ou são intolerantes a medicações que bloqueiam o nó atrioventricular para controle da frequência ventricular, a ablação nodal atrioventricular com implante de marca-passo definitivo melhora os sintomas e a qualidade de vida. Após a ablação nodal atrioventricular, a estimulação biventricular pode ser preferível à estimulação ventricular direita, especialmente em doentes com IC sistólica, para evitar a deterioração de função. Entretanto, a terapia de ressincronização cardíaca apode prevenir a progressão da FA em pacientes com IC.

A ablação por cateter é uma estratégia para eliminar os gatilhos ou o substrato que inicia e mantém a FA e a manutenção do ritmo sinusal. Em pacientes com FA paroxística, a maioria dos gatilhos tem origem dentro ou ao redor das veias pulmonares, e apenas cerca de 10% dos gatilhos são detectados na parede posterior do átrio esquerdo, no septo interatrial, no seio coronário e na veia cava superior.

Como resultado, o isolamento elétrico das veias pulmonares separadamente é a pedra angular do processo de ablação por cateter para o tratamento da FA paroxística, podendo alcançar o sucesso clínico em 64 a 71% dos casos. No entanto, a eficácia da ablação por cateter da FA persistente é menos favorável, mesmo com abordagens de ablação adicionais.

Os resultados de vários ensaios clínicos prospectivos multicêntricos, revisões sistemáticas e metanálises têm, consistentemente, demonstrado que a ablação por cateter é mais eficaz do que a terapia com fármacos antiarrítmicos para a manutenção do ritmo sinusal, especialmente em pacientes com FA paroxística que não responderam ao tratamento inicial com fármacos antiarrítmicos.

A ablação por cateter está associada a um risco de complicações maiores (3 a 4%), e vários procedimentos são necessários para controlar a FA recorrente ou a taquicardia atrial pós-ablação. Os estudos sugerem que uma proporção substancial de pacientes desenvolve recorrência, o que levaria ao aumento de novo do risco de eventos embólicos. Ainda é incerto se a ablação por cateter pode melhorar os desfechos clínicos de longo prazo. Outros procedimentos, como oclusão de apêndice atrial, ainda estão sendo investigados.

 

Cardioversão Elétrica

 

A cardioversão elétrica sincronizada direta é um modo rápido e efetivo de converter o ritmo de FA para o ritmo sinusal. O procedimento pode ser realizado com segurança com sedação, em geral com midazolam ou propofol. O uso de cardioversores bifásicos é um pouco mais eficaz que o de cardioversores monofásicos. O uso de outros antiarrítmicos antes da cardioversão elétrica aumenta a chance de sucesso da cardioversão elétrica. Pode-se considerar o bolo de magnésio (1?2g) antes de cardioversão.

Por fim, devem ser observados os seguintes pontos:

               Quanto mais tempo em ritmo de FA, maior a chance de falha da cardioversão ou de recorrência.

               O risco de embolização sistêmica é baixo quando a duração da FA é menor que 48 horas e sem cardiopatia estrutural.

               Nos casos de FA mais de 48 horas ou indeterminada, pode-se aguardar o período de anticoagulação de 4 semanas ou excluir a presença de trombo com ECO transesofágica.

               Aparelho bifásico: recomendação de energia de choques sucessiva de 120J Þ 200J Þ 200J.

               Aparelho monofásico: 200J Þ 300J Þ 360J.

 

Referências

1-Lip GYH et al. Atrial fibrilation. The Lancet 2012

2-Pritchett EL. Management of atrial fibrillation. N Engl J Med 1992; 326:1264.

3-Fuster V, Rydén LE, Cannom DS, et al. ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the Management of Patients with Atrial Fibrillation: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2001 Guidelines for the Management of Patients With Atrial Fibrillation): developed in collaboration with the European Heart Rhythm Association and the Heart Rhythm Society. Circulation 2006; 114:e257.

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