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Esofago de Barret

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/07/2020

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O esôfagode Barrett recebeu o nome de um cirurgião torácico de Londres que publicou, em1950, um artigo intitulado Úlcera péptica crônica do esôfago e ?esofagite?.Nesse artigo, Norman Barrett descreveu casos de úlceras esofágicas cercadas pormucosa colunar encontrada em autópsias. O esôfago de Barrett é a substituiçãodo epitélio escamoso normal do esôfago distal por metaplasia intestinal (MI).Acredita-se que seja causado pela doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)crônica, que leva a esofagite e subsequente alteração metaplásica dorevestimento esofágico. A MI pode proteger contra mais lesões por ácidogástrico; no entanto, esse epitélio metaplásico também está associado a riscoaumentado de adenocarcinoma de esôfago.

 

Epidemiologia

 

Aprevalência geral de esôfago de Barrett na população adulta dos Estados Unidosé estimada em 5,6% (embora as estimativas tenham variado amplamente de 0,9% amais de 20%, dependendo da população estudada e da definição de esôfago deBarrett). A maioria dos casos é diagnosticada ainda assintomática emendoscopias digestivas de rotina em adultos de meia-idade ou idosos.

Segundo asestimativas da população do Censo dos Estados Unidos em 2014, mais de 17milhões de indivíduos apresentam esôfago de Barrett nesse país. Em pacientescom DRGE, a prevalência de esôfago de Barrett é maior, aproximadamente 5 a 10%.Em pacientes com DRGE grave, como aqueles com esofagite erosiva, a prevalênciaé de aproximadamente 10%; em pacientes com estenose péptica do esôfago, aprevalência é de quase 30%.

O esôfagode Barrett afeta mais os homens do que as mulheres, em uma proporção deaproximadamente 3:1. Embora a prevalência de esôfago de Barrett nos hispânicospareça ser semelhante à dos brancos, a doença é incomum em negros e em asiáticos.Em certos estudos, o álcool e o tabagismo são fatores de risco para a doença. Aconclusão de que a doença é uma complicação adquirida da DRGE crônica écorroborada pelo fato de o esôfago de Barrett ser extremamente raro em criançascom esfincteres esofágicos inferiores (EEI) competentes.

Fatores derisco para seu desenvolvimento incluem DRGE, obesidade central, históriafamiliar e tabagismo.

 

Fisiopatologia

 

Oscomponentes do refluxo na DRGE (ácido gástrico e sais biliares) são fatoresetiológicos importantes no desenvolvimento do esôfago de Barrett, que ocorresecundariamente ao refluxo de conteúdos cáusticos gástricos associados a outrassubstâncias potencialmente tóxicas e a um esôfago com capacidade de proteçãocomprometida. Estudos de monitoramento do pH esofágico mostram que pacientescom esôfago de Barrett têm mais exposição ao ácido esofágico do que controlessaudáveis ??ou mesmo pacientes com azia leve. A maior exposição ácida noesôfago de Barrett resulta de períodos mais longos de refluxo ácido (ou seja >5 minutos), e não de um número maior de episódios de refluxo. Pacientes comesôfago de Barrett podem estar predispostos a episódios mais graves de refluxoácido devido à disfunção mecânica do EEI, bem como à diminuição da amplitudedas contrações distais do esôfago.

A infecçãodo estômago por Helicobacter pyloricausa inflamação crônica, que pode resultar em metaplasia intestinal gástrica ecâncer. No entanto, não existe associação clara entre a infecção por H. pylori e a DRGE. De fato, a infecção doestômago por H. pylori pode protegero esôfago da DRGE e do esôfago de Barrett.

O papeldos sais biliares no ácido gástrico no desenvolvimento do esôfago de Barrettcontinua sendo investigado. Níveis elevados de concentrações de ácido biliarforam encontrados em pacientes com esôfago de Barrett. Foi demonstrado que oácido e a bile induzem uma classe de genes que são reguladores da diferenciaçãocelular que podem originar metaplasia. Exposição aumentada a óxido nítricooriginário de nitratos da dieta pode ter influência no desenvolvimento dametaplasia intestinal. Os fatores genéticos e ambientais que desempenham umpapel no desenvolvimento do esôfago de Barrett estão apenas começando a serentendidos.

 

Achados Clínicos

 

A maioriados pacientes com esôfago de Barrett é assintomática, exceto em pacientes comcomplicações como ulcerações esofágicas e estenoses, que, nesses casos, podemapresentar disfagia e odinofagia. O esôfago de Barrett também não pode serdetectado radiologicamente de maneira confiável. O padrão ouro para odiagnóstico é a endoscopia digestiva alta com biópsia do esôfago distal.

O esôfagode Barrett é diagnosticado quando as biópsias da mucosa confirmam a presença deMI em um esôfago distal escamocolunar. Em indivíduos sadios, a junçãoescamocolunar (JEC) coincide com a junção gastroesofágica (JGE). A JEC é atransição da mucosa escamosa pálida do esôfago para a mucosa gástrica de corsalmão. Quando a distância entre a JEC e JGE é maior ou igual a 1 cm, deve-sesuspeitar da presença do esôfago de Barret, e, nesse caso, devem ser realizadasbiópsias locais.

Estudosiniciais definiram o diagnóstico de esôfago de Barrett como a presença de 3 cmde esôfago distal escamocolunar com MI. Trabalhos subsequentes consideraram apresença de menos de 3 cm de MI como esôfago de Barrett de "segmentocurto". Por fim, um estudo no qual os pesquisadores fizeram biópsia da JECde aparência normal de pacientes consecutivos submetidos a endoscopia digestivaalta encontrou prevalência de MI de 18%. O significado da metaplasia intestinalna JEC é discutível, e, atualmente, não é recomendado que uma JEC de aparêncianormal seja submetida a biópsias.

Osignificado clínico do comprimento do esôfago de Barrett é importante, poisestudos confirmaram que segmentos mais longos apresentam maiores riscos deprogressão para adenocarcinoma. Para manter a consistência entre os estudos deesôfago de Barrett, foram estabelecidos os critérios de Praga para determinar aextensão da doença, com mensuração da extensão do esôfago de Barrettvisualizado circunferencialmente e no diâmetro máximo (M). Esses critériosapresentam boa confiabilidade interobservador para diagnóstico de esôfago deBarrett com comprimento = 1 cm.

Asamostras de biópsia do esôfago de Barrett são classificadas como negativas paradisplasia (ou não displásica), indefinidas para displasia (ou displasia de grauindefinido), displasia de baixo grau ou displasia de alto grau. O diagnósticode displasia é tipicamente reservado para lesões nas quais a atipia nuclearestá presente na superfície da mucosa. Os critérios utilizados nos EstadosUnidos para diagnóstico de esôfago de Barrett são:

-epitélio colunar>=1 cm do esôfago distal;

-presença demetaplasia intestinal em exame histológico.

 

Rastreamento

 

O papel datriagem com a endoscopia digestiva alta para o esôfago de Barrett não é claro,e as principais Sociedades de Gastroenterologia não são unânimes em suasrecomendações. Pacientes com risco aumentado de esôfago de Barrett incluempacientes com DRGE crônica, hérnia hiatal, idade > 50 anos, tabagismo ehistória de esôfago de Barrett em parentes de primeiro grau. A prevalência dadoença é maior em homens brancos de meia-idade, sugerindo que a triagem devaser reservada para esse subgrupo de maior risco. As diretrizes do AmericanCollege of Gastroenterology reconhecem a controvérsia no rastreamento para oesôfago de Barrett e afirmam apenas que o maior rendimento é alcançado natriagem de pacientes acima de 50 anos com sintomas crônicos de DRGE.

Se osúnicos critérios para a triagem de esôfago de Barrett fossem a presença desintomas de DRGE, a população a ser rastreada seria enorme, pois estima-se que20% da população adulta dos Estados Unidos apresente refluxo ácido semanal. Porsua vez, uma metanálise demonstrou que os sintomas da DRGE não estão associadosà presença de esôfago de Barrett de segmento curto, mas conferem aumento decinco vezes no risco de esôfago de Barrett de segmento longo.

Estudos decusto-efetividade da triagem para o esôfago de Barrett mostraram resultadosconflitantes. Além disso, uma proporção significativa de pacientes comadenocarcinoma de esôfago não relatou sintomas anteriores de refluxo.

 

Seguimento

 

Oseguimento em pacientes com esôfago de Barrett refere-se à realização deendoscopias em série a intervalos regulares, com o objetivo de detectardisplasia e câncer precoce em estágio curável. O risco geral de câncer empacientes com esôfago de Barrett é estimado em aproximadamente 0,5% ao ano. Emoutras palavras, o risco de qualquer paciente com esôfago de Barrettdesenvolver câncer é de aproximadamente 1 em 200 por ano.

Como norastreamento, o custo-efetividade da vigilância nos casos de esôfago de Barretté debatido. Dados retrospectivos mostraram que os cânceres detectados durante avigilância do esôfago de Barrett são, em geral, encontrados em estágiosiniciais e estão associados a melhor sobrevida em comparação aos não detectadosdurante a vigilância. Esses estudos retrospectivos estão sujeitos ao viés.Alguns estudos não demonstraram diferença na sobrevida global entre pacientescom esôfago de Barrett e a população em geral, questionando a utilidade davigilância endoscópica do esôfago de Barrett. Pacientes com esôfago de Barrettmorrem com maior frequência de outras causas que não o adenocarcinoma deesôfago, sugerindo que a vigilância não é benéfica para a grande maioria dessespacientes. Ainda não está claro quais pacientes com esôfago de Barrett se beneficiamda vigilância.

O intervalode vigilância da endoscopia digestiva alta é determinado pelo grau de displasiaencontrado no segmento de esôfago de Barrett. Até que melhores biomarcadoressejam validados, a displasia continua sendo o melhor indicador de risco dedesenvolvimento de câncer. Existe alta variabilidade interobservadores naleitura da displasia. Muitos patologistas têm dificuldade em distinguir entrealterações inflamatórias e displasia. Além disso, a vigilância aleatória dabiópsia introduz a possibilidade de erro amostral, uma vez que a distribuiçãoda displasia ao longo de um segmento do esôfago de Barrett pode ser irregular.Atualmente, a presença de displasia no segmento esofágico de Barrett continuasendo o melhor método de estratificação do risco de câncer. É altamenterecomendável que, quando um diagnóstico de esôfago de Barrett com possívelmetaplasia intestinal estiver sendo avaliado, as lâminas histopatológicas sejamrevisadas por dois patologistas com experiência nessa área.

Atualmente,a endoscopia digestiva alta com biópsias de quatro quadrantes em intervalos de2 cm continua sendo o melhor método para obter biópsias de vigilância, uma vezque a inflamação esofágica relacionada à DRGE foi bem controlada com terapiaantissecretora com bloqueadores de bombas de prótons. As amostras de biópsiadevem ser obtidas em quatro quadrantes, a intervalos de 2 cm, começando nofinal do esôfago tubular e continuando proximalmente à JCE. Quaisqueranormalidades da mucosa, como ulcerações, estenoses ou nódulos, devem serextensivamente amostradas, idealmente por ressecção endoscópica da mucosa.Atualmente, novos métodos endoscópicos, como a cromoendoscopia, a tomografiaóptica e a endoscopia com fluorescência, não foram validados em larga escala enão são recomendados para uso padrão.

Asrecomendações das principais sociedades gastroenterológicas diferem em relaçãoao intervalo de tempo entre as endoscopias de vigilância no esôfago de Barrett.Se um paciente apresentar esôfago de Barrett sem displasia na endoscopia,geralmente é recomendável que seja realizada uma endoscopia repetida em 1 anopara biópsias repetidas. Se nenhuma displasia for encontrada na segundaendoscopia de vigilância realizada 1 ano depois, é razoável repetir asendoscopias de vigilância a cada 2 a 3 anos. Alguns pesquisadores advogam queesse intervalo seja estendido a cada 3 a 5 anos e que o exame de acompanhamentode 1 ano possa ser adiado, uma vez que a vigilância do esôfago de Barrett nãose mostrou custo-efetiva. Um grande estudo com mais de 1.200 pacientesdemonstrou que 98,6% dos pacientes com esôfago de Barrett sem displasia estavamlivres de câncer no seguimento de cinco anos. É importante notar que, em umestudo retrospectivo recente de pacientes com esôfago de Barrett, 53% daquelesque desenvolveram displasia ou câncer de alto grau tiveram duas endoscopiasiniciais consecutivas com biópsias que revelaram mucosa não displásica.

 

Bibliografia

 

1-Jajoo K,Saltzman JR. Barrett esophagus inCurrentDiagnosis and Treatment in Gastroenterology 2020.

2- Spechler SJ. Clinical practice. Barrett's Esophagus. NEngl J Med 2002; 346:836.

3- American Gastroenterological Association, Spechler SJ,Sharma P, et al. American Gastroenterological Association medical positionstatement on the management of Barrett's esophagus. Gastroenterology 2011;140:1084.

 

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