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Acidose Metabólica Hiperclorêmica ou com Anio-gap Normal

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/09/2020

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A acidoseassociada a um ânion gap (AG) normal é denominada acidose metabólicahiperclorêmica. Na acidose metabólica com AG normal, ocorrem mudançasrecíprocas entre o cloro, e o bicarbonato mantém o ânion gap normal. Logo, oaumento do cloro faz com que o HCO3- se reduza na mesma proporção.

A acidosemetabólica hiperclorêmica apresenta um número limitado de causas. Pode ocorrerna doença renal crônica quando a amônia reduzida diminui a capacidade do rim deexcretar a carga ácida diária. Em indivíduos com função renal normal ou quasenormal, ela pode ser dividida em acidose secundária à incapacidade renal ??dereabsorver o bicarbonato (HCO3-), principalmente na forma de perdasgastrintestinais, ou de secretar a carga diária fixa de H , comumente conhecidacomo acidose tubular renal (ATR). Em contraste com a acidose com ânion gapaumentada, a maioria dos casos de acidose metabólica hiperclorêmica é tratávelcom reposição de bicarbonato.

 

Causas Renais

 

As ATRs representamuma causa de acidose metabólica hiperclorêmica, na qual o rim é incapaz demanter o equilíbrio ácido-base, apesar da preservação da função renal normal ouquase normal. As ATRs podem ser divididas em quatro categorias principais:

1-           defeitos primários na amônia;

2-           hipoaldosteronismo;

3-           alterações no túbulo proximal;

4-           distúrbios do túbulo distal.

 

Asprincipais ATRs são sumarizadas na Tabela 1.

 

 

Tabela 1. Principais ATRs

Acidose tubular renal

Mecanismo

Grau da acidose

Potássio sérico

pH urinário

AGurinário

Proximal (II)

Diminuição da reabsorção de bicarbonato

Moderado

Baixo

< 5,3 (eleva-se com o tratamento)

Variável

Distal (I)

Bloqueio na secreção distal de H

Grave

Baixo

> 5,5

Positivo

Hipoaldo (IV)

Bloqueio na secreção distal de K e H

Leve

Elevado

< 5,3

Positivo

 

 

 

Osdefeitos tubulares distais podem ser ainda divididos entre aqueles que cursamcom hipocalemia e aqueles que cursam com hipercalemia.

Diferentementeda acidose metabólica com AG normal que há em diarreias, que ocorrem por perdade bicarbonato, na ATR, o a NH4 urinária é baixa, e na diarreia é alta. A NH4 urinária pode ser estimada pelo cálculo do ânion gap urinário (AGU = [Na K]u? [Cl]u). Quando o cloro urinário for maior que a soma de sódio e potássio, oAGU é negativo, por definição. Isso indica que a amônia (NH4 ) urinária estáapropriadamente alta, sugerindo uma causa extrarrenal de acidose. 

 

Alterações na Amoniogênese

 

Uma dascausas mais comuns de acidose metabólica hiperclorêmica é a incapacidade do rimde gerar amônia por causa da doença renal crônica. Por definição, a ATR refere-sea um defeito na excreção de ácidos, que ocorre apesar da presença de funçãorenal normal ou quase normal. Assim, pacientes com doença renal crônica não sãoclassificados com ATR. À medida que o número de néfrons diminui com a doençarenal crônica, ocorre redução proporcional na produção de amônia. Quando a taxade filtração glomerular cai abaixo de 40 mL/min/1,73/m2, o rim nãoconsegue excretar a carga ácida diária, e o HCO3- começa adeclinar, com aumento concomitante do Cl- sérico,produzindo acidose metabólica hiperclorêmica. Somente quando a taxa defiltração glomerular cai abaixo de 15 a 20 mL/min/1,73/m2 é que orim perde a capacidade de secretar ânion, e há acidose com AGU aumentado. Énecessário enfatizar que a acidose na insuficiência renal, manifestada porhipercloremia ou AGU, é causada principalmente pela amoniogênese defeituosa.Assim, o AGU será positivo devido à diminuição da excreção de amônia, enquantoo pH da urina será menor que 5,5.

 

Hipoaldosteronismo

 

Ohipoaldosteronismo primário ou secundário é um distúrbio comum que causahipercalemia e acidose metabólica. O hipoaldosteronismo hipoporeninêmico (ATR dotipo IV) é a forma mais habitual desse distúrbio, sendo mais comum em pacientescom diabetes, infecção pelo HIV, nefropatia obstrutiva e doença renal crônicaleve. A causa exata da hipoporeninemia não foi claramente definida, mas osachados de que a hipertensão está frequentemente presente e de que o distúrbiopode ser parcialmente revertido com o uso crônico de furosemida sugerem que asupressão da renina pode ser secundária à sobrecarga crônica de volume. A causado hipoaldosteronismo também não foi totalmente explicada. A supressão darenina isoladamente não deveria causar hipoaldosteronismo,

porque ahipercalemia é um potente estímulo da secreção de aldosterona. A acidose écausada principalmente pela diminuição da amônia, como resultado dahipercalemia associada induzida pela deficiência de aldosterona. Ohipoaldosteronismo diminui a reabsorção distal de sódio, resultando empotencial luminal menos negativo, diminuindo a taxa de secreção de H , mas nãoa força eletromotriz da bomba. Como a bomba de hidrogênio não está com defeito,o pH da urina geralmente é menor que 5,5.

Pacientescom ATR do tipo IV geralmente são assintomáticos, e ocorre acidose metabólicaem menos de 50% dos casos; normalmente apenas pequenas alterações laboratoriais(hipercalemia leve e diminuição de HCO3-) são presentes ao diagnóstico. Noentanto, quando ocorrem outras condições que afetam o potássio, como dieta ricanesse mineral e uso de diuréticos poupadores de potássio, pode evoluir comhipercalemia grave manuseio renal de potássio é prejudicado por outros fatores epode também ocorrer hipercalemia grave. O uso de medicamentos como inibidoresda enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores dos receptores daangiotensina, fármacos anti-inflamatórios não esteroidais ou heparina podecausar hipercalemia significativa em pacientes com ATR do tipo IV. A maioriados pacientes pode ser tratada por meio da remoção dos fatores associados, darestrição da ingestão de potássio e do fornecimento de bicarbonato suplementar.Provar que a ATR do tipo IV está presente requer a demonstração de baixa reninae aldosterona após a depleção de sódio. O diagnóstico pode ser realizado com ademonstração da renina baixa e de acidose metabólica. Apesar da renina e daaldosterona baixas, cerca de 30% desses pacientes têm hipertensão arterialsistêmica (HAS), no caso uma HAS volume-dependente.

O pseudo-hipoaldosteronismo(PHA) autossômico dominante do tipo I é um distúrbio incomum causado por umamutação no receptor mineralocorticoide renal, que resulta em diminuição daafinidade pela aldosterona. Esse distúrbio genético se apresenta na infânciacom hiperaldosteronismo, hipercalemia, acidose metabólica, perda de sal ehipotensão. O PHA autossômico dominante do tipo I torna-se menos grave com aidade.

 

Acidose Tubular Renal Proximal

 

A ATRproximal, geralmente chamada de ATR do tipo II, é um defeito na capacidade dotúbulo proximal de recuperar o HCO3-,levando à diminuição do bicarbonato sérico. Na ATR do tipo II, o túbulo proximaltem depuração diminuída (aproximadamente 15 mmol/L em vez dos 24 mmol/L habituais)para reabsorção de HCO3. Quando o HCO3 plasmático cai abaixo desse limiar,ocorre reabsorção completa. A ATR proximal pode ser congênita ou adquirida epode existir como um defeito isolado na reabsorção de HCO3 ou como parte de umdefeito de transporte mais generalizado, conhecido como síndrome de Fanconi, naqual há reabsorção diminuída de outros solutos pelo túbulo proximal. Pacientescom ATR proximal da síndrome de Fanconi, além da perda de HCO3, excretaminadequadamente aminoácidos, glicose, fósforo e ácido úrico na urina.

Os casosde defeito isolado na reabsorção de HCO3 podem ser transitórios em criançasdevido à imaturidade das células epiteliais tubulares. Também podem sercongênitos associados a outras doenças genéticas com ou sem achadosextrarrenais, como retardo mental, alterações de dentição, entre outros.

Como seriade se esperar, mutações na bomba Na -H na membrana luminal, nocotransportador Na -HCO3- na membrana basolateral e na anidrase carbônicacitosólica foram implicadas nas formas hereditárias e espasmódicas isoladas daATR proximal. Vários fármacos que bloqueiam a anidrase carbônica, incluindo aacetazolamida e o topiramato, também causam perda isolada de HCO3.

A ATRproximal com síndrome de Fanconi é frequentemente encontrada em pacientes comcistinose, doença de Wilson, síndrome de Lowe, mieloma múltiplo e doença dacadeia leve, entre outras condições. Uma diminuição na produção de ATP, quereduz a atividade basolateral de Na -K -ATPase, é a etiologia presumida dessedefeito de transporte global. Medicamentos como a ifosfamida e o cidofovirtambém foram associados a tubulopatia proximal generalizada.

Como aexcreção distal de H é normal, o pH da urina durante o estado estacionárioserá menor que 5,5 quando o HCO3- estiver abaixo do limiar mais baixo e abicarbonatúria estiver ausente. Nesse cenário, o HCO3 sérico se encontra entre15 e 18 mEq/L, mas, sempre que o HCO3- aumentar acima do limiar de reabsorção,o HCO3- aparecerá na urina e o pH será maior que 6,5. Embora a amoniogêneseseja preservada na ATR proximal, a medida direta ou indireta do NH4 na urina podemostrar excreção inadequadamente baixa. Isso ocorre porque o HCO3-, que escapada reabsorção proximal, serve como buffer para o H secretado, reduzindo,assim, o aprisionamento do NH4 . O diagnóstico de ATR proximal é estabelecidodemonstrando-se excreção fracionada de HCO3- superiora 15% quando o bicarbonato é administrado na tentativa de aumentar o nível dobicarbonato sérico. A Tabela 2 sumariza as principais causas de ATR proximal.

 

Tabela 2.Principais causas de ATR proximal

Defeitos isolados na reabsorção de HCO3

-Inibidores da anidrase carbônica

-Acetazolamida

-Topiramato

-Sulfamylon®

Deficiência de anidrase carbônica

Defeitos generalizados no transporte tubular proximal

-Cistinose

-Doença de Wilson

-Síndrome de Lowe

-Galactosemia

-Mieloma múltiplo

-Doença de cadeia leve

-Amiloidose

-Ifosfamida

-Cidofovir

-Aminoglicosídeos

-Chumbo

 

Otratamento da ATR proximal é difícil, porque o bicarbonato administrado érapidamente excretado na urina e com frequência são necessárias altas doses debicarbonato para o tratamento. O uso associado de diuréticos tiazídicos podediminuir as necessidades de reposição de bicarbonato do paciente. A perda depotássio pode se tornar um problema, exigindo a utilização de um diuréticopoupador de potássio.

 

Acidose Tubular Renal Distal

 

A ATRdistal ou do tipo I ocorre devido à incapacidade de secreção ácida nos túbulosou à incapacidade de acidificar a urina com incapacidade de excretar a cargadiária de ácido. Cursa classicamente com hipocalemia. A ATR distal pode sercongênita ou adquirida. Foram identificadas anormalidades tanto na H -ATPaseluminal quanto no trocador basal lateral de Cl-HCO3. A forma adquirida estáassociada a doenças autoimunes, principalmente lúpus eritematoso sistêmico esíndrome de Sjögren, disproteinemia e rejeição de transplante renal.

Estudosimuno-histoquímicos demonstraram diminuição nas bombas de troca H -ATPase eCl-HCO3-em pacientes com a forma adquirida de ATR distal. A ifosfamida, quetambém está associada a uma ATR proximal, pode causar defeito distal na ATRtipo do I. A anfotericina, que age nos canais iônicos formadores de membrana,causa ATR distal ao permitir a retração dos prótons através da membranaluminal. A ATR do tipo I classicamente cursa com pH da urina inapropriadamentealto.

Como asecreção de H é defeituosa na ATR distal, menos NH4 pode ser retido no lúmendo túbulo, e o AGU será positivo, refletindo essa diminuição na excreção deNH4 . A ATR distal clássica está associada a hipocalemia (devido à secreçãodistal aumentada de K em vez da secreção de H em troca da reabsorção de Na ),hipocitratúria, hipercalciúria e nefrocalcinose. O tratamento da ATR distal é areposição de bicarbonato, com alvo de pH dentro da normalidade.

Pacientescom ATR distal incompleta costumam receber atenção médica por causa da doençada pedra de cálcio e nefrocalcinose. O HCO3- sérico é normal, mas o pH da urinanunca cai abaixo de 5,5, mesmo após sobrecarga ácida com NHCl ou CaCl. Essedistúrbio provavelmente representa uma forma mais leve de ATR distal. A acidosemetabólica de Frank pode se tornar evidente quando os pacientes apresentamdiarreia ou outras condições que requerem compensação por secreção renalaumentada de prótons. A Tabela 3 apresenta as causas de acidose tubular renaldistal com hipercalemia.

 

 

Tabela 3. Causasde acidose tubular renal distal com hipercalemia

Nefrite lúpica

Nefropatia obstrutiva

Anemia falciforme

Defeitos de voltagem

Familiares

PHA do tipo I (autossômico recessivo)

PHA do tipo II (autossômico recessivo)

-Síndrome de Gordon

-Uso de amilorida ou triantereno

-Uso de trimetoprim

-Uso de pentamidine

-Pseudo-hipoaldosteronismo

 

 

Acidose Tubular Renal Proximal e Distal Combinadas

 

A ATRproximal e distal combinadas é um distúrbio extremamente incomum, chamado deATR do tipo 3 ou renal. Como seria de esperar, tanto a reabsorção proximal deHCO3- quanto a secreção distal de H estãoprejudicadas. Mutações no gene da anidrase carbônica citosólica resultam nessedefeito. Como já discutido, a ifosfamida também pode causar um defeitocombinado. Muitos autores não consideram a ATR do tipo 3 como parte das ATRs.

 

Causas de Acidose Metabólica Hiperclorêmica 

 

A perda debicarbonato durante episódios de diarreia ou com uso excessivo de laxantes estáassociada à acidose hiperclorêmica. A perda de HCO3- também pode ocorrer com as doenças pancreáticas ou após otransplante de pâncreas se a drenagem do ducto pancreático ocorrer na bexiga.

Desviosureterais utilizando uma alça sigmoide isolada foram frequentemente associadosà perda de bicarbonato devido à troca de Cl-HCO3- na alçaintestinal. As ureterossigmoidostomias foram substituídas por desvios ureteraisusando condutos ileais, que têm menor área de superfície e tempo de contatopara a perda de HCO3; no entanto, se este estiver obstruído, pode ocorreracidose metabólica hiperclorêmica.  

Asobrecarga ácida por ingestão ou infusão de um ácido como NH4Cl pode resultarem acidose metabólica e pode ser usada como teste provocativo

paraavaliar a acidificação urinária. Além disso, a nutrição parenteral total

usandosais de ácido clorídrico e vários aminoácidos pode produzir acidose metabólicase uma quantidade insuficiente de bases (geralmente acetato) for adicionada àmistura de infusão.

Outraforma de carga ácida é a solução salina (NaCl). Ressuscitação volêmica comsoluções de NaCl a 0,9% geralmente produz acidose metabólica hiperclorêmica,referida como acidose dilucional. Isso ocorre devido à "diluição" doHCO3 plasmático pela solução salina mais ácida (pH 7,0) e porque a expansão dovolume diminui a reabsorção proximal do HCO3-.

Se osânions orgânicos são excretados na urina, eles representam uma fonte de basesperdidas no corpo. Embora envolva o rim, isso não pode ser visto como causadopor um defeito renal intrínseco. Devido ao baixo limiar renal para a excreçãode cetoácidos, os pacientes com cetoacidose diabética, se conseguirem manterseu volume intravascular, ou com a ressuscitação volêmica, excretam essesânions no lugar de Cl-, resultando em acidose metabólica hiperclorêmica. Existeuma alteração metabólica semelhante após a exposição ao tolueno. O tolueno é umsolvente comum encontrado em produtos de tintas e colas. A exposição égeralmente por inalação, acidental ou intencional. O tolueno é rapidamenteabsorvido pela pele e pelas membranas mucosas e é metabolizado no ácidohipúrico.

 

Bibliografia

 

1-SzerlipHM. Metabolic acidosis. Primer ofKidney Diseases 2015.

2-DuBose Jr TD. Disorders od acid-base balance.Brenner and Rectors  The Kidney 2016.

3-Besouw MTP, Bienias M, Walsh P, et al. Clinical andmolecular aspects of distal renal tubular acidosis in children. Pediatr Nephrol2017; 32:987.

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