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Diagnóstico Diferencial das Artrites na Infância

Autor:

Maria Carolina dos Santos

Médica Assistente do Serviço de Reumatologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo.

Última revisão: 20/03/2011

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INTRODUÇÃO

Para o diagnóstico diferencial das artrites, é necessário fazer algumas considerações no que se refere às definições. A primeira delas diz respeito à diferenciação entre artrite e artralgia. A artralgia corresponde apenas à dor articular, enquanto a artrite envolve processo inflamatório, com edema, limitação à mobilização, calor e rubor local, além da dor.

É importante caracterizar a artrite quanto ao número de articulações acometidas, ao envolvimento de pequenas ou grandes articulações, à duração da artrite, se existem sinais sistêmicos, perda ponderal, febre, alterações cutâneas, oculares, entre outros.

As artrites podem ser classificadas em agudas e crônicas em relação à sua duração; assim, artrites com duração acima de 6 semanas são consideradas crônicas.

Dentre as causas de artrite aguda, encontramos:

 

       infecciosas, que englobam as artrites sépticas e as reativas;

       traumáticas;

       ortopédicas;

       hematológicas (anemias hemolíticas, hemofilias, leucoses);

       reumatológicas (febre reumática, púrpura de Henoch-Schönlein, lúpus eritematoso sistêmico).

 

Dentre as causas de artrite crônica, vale destacar:

 

       infecciosas (tuberculose);

       lúpus eritematoso sistêmico;

       artrite idiopática juvenil.

 

CAUSAS HEMATOLÓGICAS

Entre as artrites agudas de causas hematológicas, uma causa muito frequente relaciona-se às hemoglobinopatias, principalmente anemia falciforme e talassemia. Nestes quadros, a artrite tem a característica de ser simétrica, com duração de 1 a 3 semanas, e bastante dolorosa.

A hemofilia constitui outra causa. Ela manifesta-se, em geral, como monoartrite, apresentando hemorragia intra-articular.

Muito frequentemente, as leucemias podem iniciar o quadro com sintomas articulares, que podem preceder as outras manifestações sistêmicas, como hepatoesplenomegalia, palidez e alterações laboratoriais. Na maioria das vezes, apresenta-se com artralgia, mas pode haver o desenvolvimento de artrite.

 

CAUSAS INFECCIOSAS

As artrites de causas infecciosas podem ser sépticas e reativas ou pós-infecciosas.

 

Artrites Sépticas

As artrites sépticas caracterizam-se pela presença do agente infeccioso no espaço sinovial. Elas são mais comuns no sexo masculino e geralmente ocorrem em crianças com menos de 2 anos de idade. A disseminação ocorre por via hematogênica na maioria dos casos.

Em relação aos agentes causais, a frequência está associada à faixa etária. No recém-nascido, os agentes mais frequentemente encontrados são os estreptococos do grupo B, S. aureus e os bacilos Gram-negativos. No lactente, S. aureus, estreptococos e H. influenzae são mais frequentes. Na criança maior e nos adolescentes, deve-se pensar em S. aureus, S. pneumoniae e estreptococos do grupo A. No adolescente, também se deve lembrar da N. gonorrhoea.

Os quadros de artrites sépticas são caracterizados por um comprometimento do estado geral, com febre. Geralmente trata-se de monoartrite, em membros inferiores, com edema e calor local importantes, além de diminuição da mobilidade. Em 10% dos casos, pode ser poliarticular.

Em se tratando de uma monoartrite com hipótese de artrite séptica, há indicação de punção articular para análise do líquido sinovial, além da realização de cultura para identificação do agente causal. Os exames laboratoriais podem revelar hemograma com anemia e leucocitose com predomínio neutrofílico; as provas de atividade inflamatórias encontram-se elevadas. Quanto aos exames de imagem, a radiografia simples pode mostrar abaulamento de cápsula articular; a ultrassonografia da articulação acometida mostra aumento do líquido intra-articular. Cintilografia e ressonância magnética revelam sinais de processo inflamatório.

O tratamento consiste em antibioticoterapia intravenosa, aspiração e drenagem articular e uso de anti-inflamatório não esteroidal (AINE).

Além das causas bacterianas, as artrites infecciosas podem ser causadas por vírus. Mais frequentemente, há manifestação de artralgia. Em geral, é migratória com curta duração (1 a 2 semanas).

O vírus da rubéola causa uma artrite aguda, aditiva e simétrica, geralmente acometendo pequenas articulações como metacarpofalângicas, interfalângicas e punhos, mas também pode acometer joelhos. O início da artrite coincide com o aparecimento do rash ou ocorre pouco depois.

No caso da caxumba, a artrite manifesta-se cerca de 10 dias após a parotidite e não responde bem aos AINE.

A hepatite B geralmente não manifesta artrite, mas quando esta ocorre, é muito dolorosa, acomete pequenas articulações de forma simétrica e aparece no período prodrômico.

O isolamento do vírus na articulação não ocorre em todos os quadros virais, mas é possível na varicela, na rubéola e no herpes. No caso da hepatite e do adenovírus, detecta-se o imunocomplexo.

Artrites fúngicas são mais raras e ocorrem predominantemente no período neonatal.

Algumas infecções parasitárias podem vir acompanhadas de artrites, como nos casos de toxocaríase, esquistossomose e giardíase.

A tuberculose também é uma causa importante de artrite infecciosa, uma vez que ainda é uma patologia comum em nosso país. A disseminação da doença ocorre por disseminação hematogênica de um foco primário. O diagnóstico é feito por meio de uma completa anamnese e exame físico cuidadoso. Há aumento de volume articular e dor, a qual é de instalação insidiosa e progressiva. O derrame articular não apresenta sinais flogísticos exuberantes. As articulações mais frequentemente acometidas são coluna vertebral, quadril e joelhos. Manifesta-se, na maioria das vezes, como monoartrite. O diagnóstico laboratorial é feito pelo achado do bacilo por meio de cultura de materiais como líquido sinovial, escarro e urina, e também pela reação em cadeia polimerase, mas outros exames podem fornecer informações indiretas: hemograma pode mostrar discreta a moderada leucocitose, às vezes com linfocitose; a positividade do teste tuberculínico evidencia a infecção tuberculosa de forma indireta. As alterações nos exames de radiologia convencional são úteis, apesar de muitas das alterações serem tardias. Eles revelam aumento de partes moles, irregularidades na superfície articular e área de destruição óssea com pouca reação periosteal. No comprometimento de coluna, ocorre diminuição assimétrica do espaço intervertebral e osteoporose regional. Podem ser necessárias tomografia computadorizada e cintilografia óssea, em uma fase mais inicial.

 

Artrites Reativas

As artrites reativas correspondem à artrite que se desenvolve após uma infecção extra-articular (trato geniturinário, gastrointestinal ou de vias aéreas superiores) causada por uma bactéria artritogênica.

A artrite da febre reumática é uma artrite reativa a uma infecção pelo estreptococo do grupo B. Corresponde à artrite aguda, migratória, que acomete sobretudo grandes articulações e apresenta boa resposta aos AINE.

As artrites reativas a infecções do trato gastrointestinal e geniturinário podem estar relacionadas à positividade do HLA-B27. Nestes casos, ocorre uma oligoartrite assimétrica em membros inferiores e há evidência de infecção precedente (diarreia ou uretrite, geralmente 4 semanas antes). Os meninos entre 8 e 12 anos são os mais acometidos, mas pode haver variação de acordo com o agente. Em adultos, pode ocorrer em cerca de 1% dos que apresentam infecção sexualmente adquirida. Em crianças com infecção por Yersinia, a artrite reativa pode ocorrer em 5 a 10% dos casos. São comuns sinais e sintomas constitucionais, como episódios recorrentes de febre, perda de peso, fadiga e fraqueza muscular. Alterações oculares e mucocutâneas também podem estar presentes.

Quanto aos agentes causais, Yersinia pode estar presente em 33%, Salmonella em 3,2% e Shighella ou Campylobacter em 3,2%.

Nas infecções por Shighella, pode ocorrer febre alta, com ou sem diarreia, e dor abdominal por 48 a 72 horas. Após 7 a 21 dias, há o desenvolvimento de oligoartrite (tornozelo e joelho), de caráter não migratório, que pode durar semanas a meses.

Nos casos de infecção por Salmonella, a oligoartrite pode se manifestar 1 a 3 semanas depois da infecção entérica e pode haver o desenvolvimento de artrite séptica ou osteomielite. Na infecção por Yersinia, pode ocorrer artrite periférica em 7 a 30 dias da infecção e em 85% com HLA-B27 positivo; já nas infecções por Campylobacter, oligo ou poliartrite pode ocorrer cerca de 4 dias a 4 semanas após infecção, e em 33% dos casos há positividade de HLA- B27.

A artrite reativa à Chlamydia geralmente ocorre após infecção assintomática do trato geniturinário.

 

Alterações Laboratoriais

       Hemograma pode revelar anemia com leucocitose e plaquetose;

       provas de atividade elevadas;

       o agente causal pode ser identificado por meio de coprocultura ou cultura de secreção de uretra.

 

Alterações Radiológicas

A radiografia revela desde alterações como edema de partes moles e osteopenia justa-articular até erosão óssea, cisto subcondral e destruição articular, em uma fase mais avançada.

 

Alterações Ortopédicas

       Lesões traumáticas;

       presença de corpo estranho intra-articular;

       sinovite transitória de quadril.

 

DOENÇAS REUMATOLÓGICAS

1.   Lúpus eritematoso sistêmico juvenil: a artrite corresponde a um dos critérios diagnósticos e pode acometer pequenas ou grandes articulações, de forma aguda ou crônica; pode ser deformante, mas não erosiva.

2.   Artrite idiopática juvenil: por definição, trata-se de uma artrite crônica e sempre deve ser um diagnóstico de exclusão.

3.   Púrpura de Henoch-Schönlein: a artrite geralmente é aguda e acomete grandes articulações, concomitantemente ao quadro purpúrico.

4.   Doença de Kawasaki: a artrite é um dos critérios para o diagnóstico desta vasculite, ocorrendo no período febril.

5.   Dermatomiosite juvenil: manifestações mais importantes são fraqueza muscular e alterações cutâneas características, mas pode manifestar também artrite.

6.   Doenças autoinflamatórias: síndrome CINCA, febre familiar do Mediterrâneo, síndrome da hiperimunoglobulinemia D.

 

BIBLIOGRAFIA

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