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Peritonite Bacteriana Secundária

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/05/2019

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A peritonite pode ser dividida em peritonite primária e secundária. A peritonite primária ou peritonite bacteriana espontânea (PBE) resulta principalmente da translocação bacteriana, mas também pode ocorrer por disseminação hematogênica ou a contaminação iatrogênica do abdome sem uma alteração maior no trato gastrintestinal como perfuração de vísceras.

A peritonite bacteriana secundária (PBS), por sua vez, resulta da contaminação direta do peritônio pelo trato gastrintestinal ou urogenital ou seus órgãos sólidos associados. A peritonite terciária refere-se à peritonite secundária que persiste por mais de 48 horas após uma tentativa de controle da fonte cirúrgica. Os princípios do tratamento cirúrgico no departamento de emergência (DE) pouco mudaram nos últimos anos, sendo importante eliminar o foco séptico, remover o tecido necrótico e drenar o material purulento.

O momento e a seleção de pacientes para cirurgia, no entanto, mudaram substancialmente com o advento dos cuidados intensivos, antibióticos de amplo espectro, intervenções minimamente invasivas e ferramentas de diagnóstico. Os pacientes com peritonite generalizada caracterizada pela rigidez em tábua da parede abdominal, hipersensibilidade ou defesa em todos os quadrantes abdominais ou sepse precisam de reanimação rápida e urgente exploração cirúrgica.

Já pacientes com peritonite localizada (sinais peritoneais limitados a um ou dois quadrantes abdominais) e achados laboratoriais e de imagem consistentes com um processo inflamatório contido podem realizar drenagem mais limitada ou uma tentativa de tratamento não cirúrgico, como tem sido demonstrado com estudos recentes com desfechos similares com manejo conservador com antibióticos comparado à cirurgia em pacientes com apendicite.

Um grande número de pacientes se apresenta no DE com dor abdominal aguda, sem peritonismo claro, sendo tipicamente submetido a uma ampla gama de testes laboratoriais e de imagem, que são, na maioria das vezes, desnecessários. Por outro lado, a realização de exames de imagem em pacientes com franco abdome agudo, apesar de auxiliar o diagnóstico, tem o potencial para atrasar intervenções, aumentar o custo e expor pacientes à radiação ionizante. O uso judicioso de exames de imagem, exames laboratoriais e exame físico é fundamental para a rápida avaliação e a triagem de pacientes com dor abdominal aguda ou peritonite.

 

Epidemiologia

 

A PBS é um problema clínico comum. Em um estudo retrospectivo de pacientes admitidos emergencialmente em 81 hospitais no Estado de Washington, entre 1997 e 2000, 11.200 pacientes foram diagnosticados com PBS, com uma taxa global de 9,3 casos por 1 mil internamentos. Dos pacientes com peritonite nessa coorte, 11% desenvolveram sepse grave, com falência de órgão único em 74% dos pacientes e falência de múltiplos órgãos em 20%.

A mortalidade geral em pacientes com peritonite foi de 6%, mas aumentou para 34% para pacientes com sepse grave. Pacientes com peritonite que desenvolveram sepse grave eram mais velhos (68 anos, comparado a 46 anos) e mais propensos a ter disfunção de órgãos; o resultado desse estudo foi similar a outras séries da literatura, confirmando pior evolução em pacientes idosos e com comorbidades. A peritonite secundária, nesses estudos, também é uma frequente complicação após cirurgias gastrintestinais.

Considerando que a apendicite é a fonte mais comum de peritonite, ocorre tipicamente em pacientes mais jovens, com menos comorbidades e está associada a menor morbidade e menor mortalidade. A mortalidade na PBS depende, em parte, da idade dos pacientes, da presença de comorbidades cardiovasculares, hepáticas, neurológicas, renal pré-existentes. Uma fonte de infecção não apendicular, o atraso na intervenção além de 24 horas e a extensão da peritonite são fatores preditores de piores desfechos.

A importância da extensão da peritonite foi demonstrada em um estudo retrospectivo de 92 pacientes com PBS comprovada por laparotomia. Pacientes com peritonite de quatro quadrantes tiveram uma taxa de mortalidade de 36% com uma mortalidade intra-hospitalar média de 19%. A presença de peritonite fecal também é um fator prognóstico ruim, com mortalidade intra-hospitalar de 38%, em comparação com uma média de 19% para outros pacientes. A mortalidade hospitalar ainda é bem maior em pacientes com diabetes melito em diversos estudos.

 

Fisiopatologia

 

O peritônio é formado a partir de uma monocamada mesotelial de células que revestem a parede abdominal (peritônio parietal) e vísceras abdominais (peritônio visceral). Essa monocamada, com sua lâmina basal e estroma submesotelial, cria uma barreira semipermeável através da qual a água e solutos são passivamente trocados. Partículas e bactérias maiores são eliminadas pelos vasos linfáticos. A remoção rápida de micro-organismos através do sistema linfático é central para a fisiopatologia de infecções abdominais, pois a contaminação não contida pode levar à rápida bacteremia e à sepse.

Ao contrário da PBE, que é quase invariavelmente monomicrobiana, a PBS, geralmente, é polimicrobiana. A microbiologia da PBS é influenciada pelo local da perfuração e pelos fatores do hospedeiro, incluindo se a perfuração é adquirida na comunidade ou se ocorreu em um paciente no pós-operatório. Bactérias que entram em contato com o peritônio são reconhecidas diretamente por receptores de padrão inato do sistema imune e indiretamente através de células mesoteliais lesionadas.

O estágio inicial de resposta inflamatória depende de um influxo de macrófagos e da produção de citocinas pró-inflamatórias, incluindo fator de necrose tumoral e interleucina 1. Os neutrófilos chegam ao sítio de inflamação em 2 a 4 horas, e são as células predominantes no peritônio por 48 a 72 horas.

A destruição de bactérias libera lipopolissacarídeos e outros componentes bacterianos que estimulam ainda mais a resposta pró-inflamatória. Evidências experimentais indicam que a resposta inflamatória local robusta é necessária para controlar a peritonite; no entanto, se a resposta inflamatória local se espalha para a circulação sistêmica, pode produzir sepse e aumentar a mortalidade.

Limitar a resposta inflamatória sistêmica da PBS depende da capacidade do hospedeiro de conter a fonte de contaminação. A ativação da cascata de coagulação leva à produção local de fibrina, o que facilita a formação de abscesso. O omento maior desempenha um papel importante, como rota de implantação rápida de neutrófilos e barreira física que contribui para o confinamento da infecção. Se esses mecanismos de defesa são bem-sucedidos, a fonte de contaminação é contida, prevenindo a presença de bactérias e citocinas inflamatórias na corrente sanguínea.

 

Apresentação Clínica

 

A peritonite parietal manifesta-se como dor aguda, constante, localizada. Se a porção afetada do peritônio estiver próxima a um grupo muscular superior, a peritonite pode estar associada à rigidez da musculatura e à defesa da parede abdominal. Os pacientes, geralmente, ficam imóveis, com dor sendo exacerbada com pequenos movimentos. Por outro lado, a peritonite visceral produz uma dor em “cólica” característica, que é de natureza paroxística e é referida a uma porção do abdome anterior da linha média.

Os pacientes, geralmente, se contorcem de dor. A mimetização visceral pode causar sintomas associados à peritonite parietal, quando o processo visceral é transmural e as vísceras envolvidas estão próximas o suficiente da superfície do parietal peritoneal para causar inflamação secundária. A PBS em pacientes com cirrose pode se apresentar de forma similar à PBE, com mais de 30% dos pacientes podendo não apresentar dor abdominal, e a manifestação pode ser na forma de encefalopatia hepática ou síndrome hepatorrenal. Os pacientes com PBS, em comparação com aqueles com PBE, apresentam-se mais frequentemente sépticos e hipotensos.

Vários sistemas de pontuação clínica foram criados para prever o prognóstico da PBS de acordo com a causa, como os escores APACHE e o escore SOFA, mas com pouca correlação com a gravidade do paciente; por esse motivo, esses escores não são rotineiramente usados para o manejo clínico.

 

Avaliação Inicial

 

A avaliação inicial de um paciente com dor abdominal aguda deve ser rápida e focada. O principal objetivo do examinador é avaliar a gravidade clínica das condições do paciente e fazer a triagem rápida para ressuscitação e cirurgia imediata versus exames de imagem com intervenção limitada ou uma conduta conservadora.

Em pacientes com dor significativa, é possível realizar analgesia sem prejudicar a avaliação do paciente, e recomenda-se a analgesia do paciente com dor significativa o mais rápido possível. Embora alguns médicos questionem a confiabilidade do exame físico para pacientes que receberam opioides, três estudos pequenos mostraram que o alívio precoce da dor não altera a acurácia diagnóstica do exame físico ou da tomada de decisão operativa.

Depois de observar a aparência geral e os sinais vitais do paciente, o examinador deve determinar a localização e o caráter da dor, além dos sintomas associados. É importante determinar se o paciente teve sintomas semelhantes no passado. O exame deve verificar se existe a presença de peritonite generalizada (rigidez em tábua, hipersensibilidade ou defesa em todos os quatro quadrantes abdominais) ou peritonite localizada (sinais de peritonismo limitados a um ou dois quadrantes abdominais). É importante ressaltar que a ausculta abdominal não tem papel na avaliação da dor abdominal aguda.

É necessário ter um cuidado especial ao examinar pacientes idosos ou obesos, pois o exame físico pode não ser confiável. A identificação de pacientes com obstrução do intestino delgado com hérnia em estrangulamento e a identificação de pacientes com isquemia mesentérica requerem alto índice de suspeita, já que a apresentação clínica e o exame têm baixa sensibilidade.

 

Exames Laboratoriais

 

Os exames laboratoriais têm um papel bem estabelecido no diagnóstico de uma ampla gama de patologias abdominais agudas, incluindo pancreatite, colecistite e apendicite aguda. No entanto, o papel dos exames laboratoriais no manejo inicial da PBS é limitado. Os exames laboratoriais têm um papel limitado na identificação de pacientes com comprometimento intestinal que apresentam alto risco de perfuração.

A leucocitose no sangue periférico é um sinal comum de infecção bacteriana e pode ser acompanhada por um aumento na proporção relativa de neutrófilos com proporção acima de 10/1 em relação aos linfócitos e desvio à esquerda. Deve-se lembrar, no entanto, que a leucocitose é uma resposta não específica ao estresse fisiológico e é conhecida por ocorrer em exercício intenso, em períodos de estresse psicológico e na gravidez.

Os estudos não conseguiram demonstrar uma boa sensibilidade da presença de leucocitose para o diagnóstico de condições que cursam com peritonismo como apendicite, diverticulites, estrangulamento intestinal ou isquemia mesentérica de outras causas de dor abdominal aguda. O lactato é produzido como um subproduto da glicólise em todas as células humanas.

Em condições hipóxicas, o excesso de lactato é produzido e liberado no sistema venoso. O lactato produzido no intestino drena através da circulação portal para o fígado, que é capaz de limpar grandes quantidades de lactato via gliconeogênese e o ciclo de Cori. O lactato tem sido estudado extensamente como um marcador de hipoperfusão sistêmica, e está independentemente associado a desfechos ruins; não tem uma grande utilidade diagnóstica, mas pode ajudar a identificar pacientes de maior gravidade.

Recomenda-se o uso de lactato sérico para guiar a ressuscitação inicial e como um marcador de doença global, mas não como um marcador de isquemia intestinal. A gasometria pode mostrar acidose metabólica e aumento de base excesso em pacientes com PBS. A acidose metabólica não foi rigorosamente avaliada no diagnóstico de PBS ou na identificação de pacientes que necessitam de cirurgia de urgência.

Diversos estudos pequenos avaliaram a utilidade diagnóstica da presença de acidose metabólica na identificação de pacientes com hérnia estrangulada ou isquemia mesentérica, e sugerem que a acidose metabólica não é um preditor confiável de qualquer dos diagnósticos. A procalcitonina pode ter algum valor na distinção de infecções bacterianas, mas os dados não são suficientes para recomendar o uso rotineiro de procalcitonina no diagnóstico de PBS ou na identificação de pacientes com comprometimento intestinal.

Da mesma forma, a proteína C-reativa pode ter um papel na previsão da necessidade de cirurgia em pacientes com dor abdominal ou na identificação de pacientes pós-operatórios que desenvolvem uma complicação séptica, mas os dados são insuficientes para recomendar o uso clínico de rotina.

Em pacientes com ascite, é fundamental a punção diagnóstica do líquido ascítico. A mortalidade da PBS por perfuração de vísceras é de quase 100%; por outro lado, a taxa combinada de complicações importantes e mortalidade em pacientes com PBE submetidos à cirurgia por suspeita de PBS é de, aproximadamente, 80%. Para realizar o diagnóstico de PBS para a diferenciação entre as duas situações, pode ser pela presença de cultura polimicrobiana (crescimento de 2 ou mais micro-organismos) e pela presença de, pelo menos, dois dos seguintes critérios:

               Glicose <50mg/dL

               Proteínas totais >1g/dL

                DHL >limite superior da normalidade do sérico

 

Outro fator diferenciador é o número de polimorfonucleares no líquido ascítico. A PBS costuma ter milhares de polimorfonucleares em níveis quase sempre superiores aos encontrados em PBE, mas não é possível diferenciar as duas condições apenas com a citologia, porém a repetição da punção do líquido ascítico em 48 horas após a introdução de antibioticoterapia sem que haja decréscimo do número de polimorfonucleares é sugestiva do diagnóstico de PBS.

Na suspeita de PBS, é indicada cobertura antibiótica para anaeróbios com metronidazol, além da antibioticoterapia usual para PBE e exames de imagem, como tomografia computadorizada (TC) de abdome, devem ser realizados conforme indicação clínica. A dosagem de antígeno carcinoembrionário (CEA) no líquido ascítico maior que 5ng/mL e de fosfatase alcalina no líquido ascítico maior que 240u/L é sugestiva também de PBS com sensibilidade de 92% e especificidade de 88%.

Os pacientes que apresentam dor abdominal aguda com frequência necessitam de exames de imagens, incluindo TC, ultrassonografia (USG) e radiografia, além de exames laboratoriais para um diagnóstico mais preciso. No entanto, os estudos de imagem devem ser criteriosamente escolhidos para evitar efeitos indesejáveis como o atraso do manejo definitivo da condição do paciente, retirada do paciente gravemente doente da sala de emergência e exposição do paciente à radiação ionizante.

Os pacientes com peritonite generalizada ou peritonite localizada clara ao exame físico com instabilidade hemodinâmica não necessitam de exames de imagem, pois isso não alteraria a necessidade de laparotomia. Uma exceção importante é o paciente hemodinamicamente estável com peritonite e alta suspeita de isquemia mesentérica aguda. Nesse caso, a angiotomografia pré-operatória pode guiar a intervenção vascular rápida, que deve ser acompanhada por laparotomia.

Em um paciente estável hemodinamicamente com peritonite localizada, a imagem é importante para avaliar a extensão da contaminação inicial e o grau em que a contaminação foi contida. Uma perfuração contida, sem contaminação generalizada do abdome, pode ser controlada apenas com antibióticos, aumentada pela drenagem percutânea de abscessos e outras abordagens.

Dos pacientes com diverticulite perfurada, por exemplo, submetidos à TC seguida de cirurgia, 64% foram corretamente estadiados por TC. A especificidade da TC para diverticulite é alta (83 a 95%) e pode auxiliar no manejo, pois pacientes com estádio 2 e com abscessos <3cm podem ser manejados de forma conservadora e aqueles com estádio 3 ou 4 necessitam de procedimento cirúrgico.

O grupo mais desafiador de pacientes que apresentam dor abdominal aguda é o daqueles sem peritonite óbvia. A dor abdominal é a principal causa de visitas a DEs americanos entre pacientes com idade entre 18 e 64 anos, correspondendo a 10 milhões (8% de todas as visitas) em 2012. Como resultado, muitos pesquisadores tentaram determinar o uso mais eficaz de modalidades de imagem para identificar o subconjunto desses pacientes com necessidades cirúrgicas urgentes.

Um recente estudo multicêntrico prospectivo avaliou a utilidade de vários métodos de imagem em uma série de 1.021 pacientes com dor abdominal aguda não traumática em seis centros médicos acadêmicos na Holanda submetidos a diferentes exames de imagem, laboratoriais, entre outros. O diagnóstico clínico com ou sem radiografias simples foi relativamente sensível para condições de urgência (88, 95% de intervalo de confiança 86% a 91%), mas com especificidade limitada (41, 36 a 46%).

O ultrassom ou a TC isoladamente não afetaram a sensibilidade, mas melhoraram bastante a especificidade do diagnóstico. A única estratégia de imagem mais sensível do que o exame clínico isoladamente foi uma estratégia condicional na qual todos os pacientes foram submetidos à USG abdominal e TC. Entretanto, os resultados enfatizam a importância de se confiar em um exame físico claro de peritonite e usar imagens adicionais somente quando realmente necessário para esclarecer o diagnóstico.

A TC tem um papel significativo em pacientes sem peritonite para melhorar a certeza diagnóstica. Embora a imagem não tenha melhorado a sensibilidade diagnóstica na maioria dos estudos disponíveis, um estudo relatou uma melhora significativa no diagnóstico precoce de doenças graves, que poderiam estar associadas à diminuição da mortalidade. Esse achado ressalta a importância de manter a vigilância sobre a possibilidade de comprometimento intestinal oculto em pacientes com um exame físico duvidoso.

A identificação de obstrução intestinal com hérnias estranguladas e isquemia mesentérica é particularmente difícil. Na TC, os pacientes com intestino delgado com hérnia em estrangulamento são bem mais propensos a ter ascite, intestino delgado de paredes espessas, líquido mesentérico segmentar, perda de gordura, redução do realce da parede intestinal e evidência de obstrução intestinal em alça fechada.

O pneumoperitônio em um paciente que não teve cirurgia recente é sugestivo de perfuração de vísceras e merece avaliação cuidadosa. No entanto, o uso da TC tem contribuído para a crescente descoberta de volumes cada vez menores de pneumoperitônio, e o significado clínico desses achados não é claro. Um subconjunto desses pacientes pode ter pneumoperitônio associado a barotrauma ou entrada de ar por alterações vaginais ou pode ter perfurações pequenas e autocontidas. Várias pequenas séries retrospectivas sugerem uma taxa de laparotomia não terapêutica em até 13% dos pacientes com pneumoperitônio.

Em circunstâncias ideais, a radiografia simples pode detectar apenas 1mm de ar intraperitoneal livre. No entanto, em comparação com a TC, as radiografias simples têm uma sensibilidade de apenas 30 a 60% para detectar ar livre. Na ausência de dados para orientar o médico assistente quanto a quais pacientes com pneumoperitônio podem ser observados com segurança, recomenda-se um limiar baixo para a exploração operatória em pacientes sem intervenção cirúrgica recente que apresentem pneumoperitônio.

Todos os pacientes com peritonite generalizada ou instabilidade hemodinâmica certamente necessitam de exploração cirúrgica. Pacientes com achado acidental de pneumoperitônio que estão sem dor e clinicamente estáveis e que têm um exame benigno podem receber tratamento conservador, mas devem ser monitorados.

O pneumoperitônio no pós-operatório apresenta um desafio diagnóstico; ele é comum tanto após laparoscopia como após a laparotomia (40% dos pacientes). Em comparação com pacientes com os pneumoperitônio pós-operatório considerado normal, aqueles com vazamentos de anastomose tendem a ter volumes iniciais maiores de pneumoperitônio, que tendem a aumentar em vez de diminuir com o tempo e têm maior probabilidade de estar associados à evidência radiográfica de íleo.

A pneumatose intestinal é a presença de gás na parede do intestino, podendo ser um sinal de isquemia da parede intestinal, mas também está associada a doença pulmonar obstrutiva crônica, asma, enterite tuberculosa, fibrose cística e doença vascular do colágeno. A fisiopatologia da pneumatose é pouco conhecida, mas o gás disseca a parede do intestino devido a uma pressão diferencial ou bactérias formadoras de gás entram na parede do intestino. Distinguir entre pneumatose benigna e patológica é desafiador e importante.

Peritonite, lactato aumentado, INR alterado e diminuição da hemoglobina são fatores preditores de pneumatose patológica. Pacientes com pneumatose intestinal com lactato elevado apresentam uma mortalidade maior que 80%. Recomenda-se um limiar baixo para explorar cirurgicamente qualquer paciente que apresente pneumatose e peritonite e/ou lactato elevado. Entretanto, pacientes com pneumatose incidentalmente encontrada que são estáveis, com um exame abdominal benigno, podem ser observados.

 

Manejo

 

Os princípios do manejo da PBS são a ressuscitação, o uso de antibióticos empíricos e o controle do foco séptico. A PBS pode levar a um sequestro significativo de fluidos e hipovolemia. Pacientes com sepse devem receber ressuscitação imediata com cristaloides com um objetivo de uma pressão venosa central de 8 a 12mmHg, uma pressão arterial média de, pelo menos, 65mmHg, um volume urinário de, pelo menos, 0,5mL/kg/h, saturação venosa mista de oxigênio acima de 65% e lactato sérico normalizado.

Pacientes com PBS devem ser tratados empiricamente com antibióticos de amplo espectro. Em indivíduos com sepse ou choque séptico, os antibióticos devem ser administrados dentro de 1 hora. A decisão de cobrir organismos multirresistentes ou de adicionar cobertura fúngica empírica deve ser baseada em fatores de risco individuais.

Pacientes com história de transplante de órgãos sólidos, com doença pulmonar ou hepática subjacente, ou com fonte duodenal de peritonite e pacientes no pós-operatório com exposição a antibióticos de amplo espectro em 3 meses ou internação pré-operatória por mais de 5 dias estão em risco aumentado de micro-organismos multirresistentes. Pacientes com peritonite generalizada ou peritonite localizada com instabilidade hemodinâmica necessitam de cirurgia emergencial. Apenas um único estudo avaliou diretamente o momento ideal da cirurgia para PBS.

Um grupo realizou um estudo observacional prospectivo no qual 154 pacientes que apresentaram choque séptico e evidência de perfuração gastrintestinal em TC foram tratados com um terapia precoce guiada por metas de ressuscitação e levados à cirurgia assim que o diagnóstico foi feito, independentemente de sua resposta hemodinâmica à ressuscitação.

A média do escore APACHE II foi de 24, e 96% dos pacientes desse grupo apresentaram contaminação grosseira de três ou quatro quadrantes abdominais na sala de cirurgia. Os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico definitivo. Tanto o escore SOFA quanto o tempo desde a admissão até o início da cirurgia foram independentemente associados à sobrevida de 60 dias.

Recomenda-se ressuscitação agressiva com um objetivo de obter estabilidade hemodinâmica antes da intervenção cirúrgica em pacientes com sepse abdominal. Em doentes com uma perfuração que tenha sido tamponada, existe o interesse em se demonstrar se uma abordagem conservadora sem cirurgia pode ser benéfica. Os dados disponíveis sugerem que a lavagem laparoscópica é uma abordagem razoável em pacientes hemodinamicamente estáveis, com peritonite purulenta de diverticulite perfurada. No entanto, mais estudos serão necessários para determinar se essa abordagem pode ser aplicada a outras fontes de contaminação.

Quando o grau de perfuração ou extensão da contaminação não é claro na PBS, a laparoscopia diagnóstica é uma opção. Em um estudo randomizado, 120 pacientes com dor abdominal de etiologia incerta e sem peritonite foram randomizados para laparoscopia diagnóstica precoce ou observação com intervenção cirúrgica se evidências de peritonite se desenvolvessem.

Pacientes no grupo de laparoscopia diagnóstica precoce fizeram poucos estudos de imagem e eram mais propensos a ter um diagnóstico definitivo na alta. Não houve diferença na mortalidade em 30 dias, reinternação ou morbidade, e não houve diferença no tempo de internação hospitalar. A PBS continua sendo um grande problema clínico com considerável mortalidade.

O grau em que um paciente pode conter contaminação intra-abdominal e tolerar a resposta inflamatória sistêmica associada é o principal determinante da gravidade da PBS e sobretudo nas decisões relacionadas ao manejo. Apesar da ampla gama de exames laboratoriais e radiográficos disponíveis e, sua utilidade na avaliação da dor abdominal, a PBS permanece primariamente um diagnóstico clínico.

Nenhum exame laboratorial individual consegue identificar quais pacientes necessitam de intervenção cirúrgica e quais estão em risco de perfuração devido a estrangulamento ou isquemia mesentérica. Os dados não suportam o uso de lactato sérico, excesso de bases ou contagem de leucócitos para orientar a intervenção cirúrgica na PBS, ou na identificação de pacientes com alto risco de perfuração ou isquemia.

A ampla disponibilidade de exames de imagem, particularmente a TC, é valiosa no diagnóstico de dor abdominal aguda e importante para a identificação de pacientes com alto risco de perfuração ou isquemia. No entanto, o manejo definitivo em um paciente com peritonite generalizada não deve ser atrasado para realizar esses exames. Mais estudos são necessários para esclarecer o papel da laparoscopia diagnóstica e da lavagem laparoscópica.

 

Referências

 

1-Ross JT, Mattay M, Harris HW. Secondary peritonitis: principles of diagnosis and intervention.

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