Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 08/04/2020
Comentários de assinantes: 0
O cobre é um metal essencial que é um importante cofator para muitas reações enzimáticas. O cobre no sangue e na corrente sanguínea existe de duas formas: ligado à ceruloplasmina (85-95%) e o restante "livre", ligado livremente à albumina e a pequenas moléculas. A dieta média fornece quantidade substancial de cobre, tipicamente de 1 a 2 mg ao dia, e a dose recomendada habitual é de 0,8 mg/dia. O excesso de cobre dietético acaba sendo excretado, em sua maior parte, pela bile. O cobre é absorvido pelos enterócitos, principalmente no duodeno e no intestino delgado, e transportado na circulação portal, em associação com a albumina e o aminoácido histidina para o fígado, no qual é avidamente removido da circulação, transporte mediado pelo ATP7B. Uma parcela significativa da toxicidade do cobre vem de sua capacidade de aceitar e doar elétrons únicos à medida que altera o estado de oxidação. Isso catalisa a produção de íons radicais muito reativos, como o radical hidroxila.
O fígado utiliza alguma quantidade de cobre para as necessidades metabólicas de síntese e secreta a proteína ceruloplasmina contendo cobre, excretando o excesso do metal na bile. Processos que prejudicam a excreção biliar de cobre podem levar a aumentos do teor de cobre hepático; já as perdas renais eliminam de 10 a 15% das perdas diárias de cobre. Alterações no metabolismo do cobre podem levar à doença de Wilson com alterações neurológicas e hepáticas, uma causa importante de cirrose hepática e raramente associada a hepatites agudas.
A intoxicação aguda pelo cobre é um evento raro, podendo ocorrer nas seguintes situações:
- consumo acidental por crianças;
- fontes de água contaminadas (acidentes de mineração);
- tentativas de suicídio.
A intoxicação crônica por cobre é relativamente mais frequente, ainda assim pouco descrita. Muitos fatores que alteram o metabolismo do cobre influenciam a intoxicação crônica pelo metal, aumentando sua absorção ou retenção. Níveis elevados de cobre livre existem na doença de Alzheimer, que se supõe estar ligada ao consumo de cobre inorgânico. Sabe-se que o cobre e o zinco se ligam às proteínas beta-amiloides na doença de Alzheimer. Acredita-se que essa forma vinculada medeie a produção de espécies reativas de oxigênio no cérebro.
Achados Clínicos
Os sintomas agudos da intoxicação por cobre incluem sintomas gastrintestinais que podem ser graves, como náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, hematêmese, anorexia, hipotensão, melena, coma, icterícia e desconforto gastrintestinal, podendo ainda ocorrer desidratação e choque hipovolêmico. Casos mais graves podem cursar com anemia hemolítica, hepatite aguda com necrose hepática, insuficiência cardíaca e renal, podendo evoluir com encefalopatia hepática, com alguns casos de óbito descritos.
Indivíduos com deficiência de glicose-6-fosfato apresentam risco aumentado de efeitos hematológicos do cobre. Hemólise e hemoglobinúria podem se desenvolver após três dias. A anemia hemolítica resultante do tratamento de queimaduras com compostos de cobre é pouco frequente. Um relato de caso descreveu síndrome de desconforto respiratório agudo associada com intoxicação por cobre que foi manejada com uso de circulação extracorpórea. A toxicidade pulmonar é provavelmente relacionada com efeitos oxidativos do cobre no pulmão.
A exposição crônica ao cobre pode danificar o fígado e os rins, com sintomas similares aos encontrados na doença de Wilson. A doença de Wilson faz o corpo reter o cobre, uma vez que ele não é excretado pelo fígado na bile, e cursa com sintomas característicos, como manifestações neurológicas e psiquiátricas, com alta variabilidade de sintomas em diferentes séries, com doença hepática ocorrendo, por exemplo, em 18 a 84% dos pacientes e manifestações neurológicas em 18 a 73% dos casos; as manifestações psiquiátricas ocorrem em 10 a 100% dos casos. Os pacientes podem, ainda, apresentar um quadro de hemólise, que pode ser independente do aparecimento de alterações hepáticas ou neurológicas.
Os mecanismos de produção hepáticos podem causar sintomas mais leves, que são frequentemente diagnosticados como distúrbios psiquiátricos. Os sintomas incluem alterações de humor, irritabilidade, depressão, fadiga, excitação, dificuldade de concentração e sensação de descontrole. Para complicar ainda mais o diagnóstico, alguns sintomas de excesso de cobre são semelhantes aos de um déficit de cobre.
O início repentino de sinais clínicos na intoxicação crônica por cobre está associado à crise hemolítica. O tempo de início é influenciado pela concentração de cobre na dieta. Outros sintomas crônicos pouco frequentes incluem depressão, letargia, fraqueza, decúbito, anorexia, sede, dispneia, hemoglobinúria e icterícia. Vários dias ou semanas antes da crise hemolítica as enzimas hepáticas, incluindo ALT e AST, geralmente aumentam. Durante a crise hemolítica, costumam ser observadas meta-hemoglobinemia e hemoglobinemia.
A fotossensibilização pode ocorrer associada ao envenenamento crônico por cobre, refletindo a hepatotoxicidade comum a ambas as síndromes.
Diagnóstico
Em pacientes com sintomas compatíveis, o achado de meta-hemoglobinemia, níveis elevados de cobre sérico e excreção urinária de 24 horas de cobre aumentada são compatíveis com o diagnóstico de intoxicação por cobre. A correlação dos valores séricos ou urinários de cobre com os sintomas clínicos não é linear, e pode ocorrer toxicidade significativa em pacientes com níveis séricos de cobre poucas vezes aumentados.
Tratamento e controle
A terapia quelante deve ser iniciada quando um paciente apresenta complicações hepáticas ou hematológicas ou outras manifestações de envenenamento. A penicilamina é a droga de escolha, e o dimercaprol, um agente quelante de metais pesados, é frequentemente administrado. Os sintomas inflamatórios devem ser tratados com princípios gerais, assim como os nervosos. Ao utilizar a D-penicilamina, o ideal é iniciar com doses baixas de 250-500 mg/dia, com incrementos de 250 mg a cada 4 a 7 dias até o máximo de 1.000-1.500 mg/dia em 2 a 4 doses diárias. A dose de manutenção é geralmente de 750-1.000 mg/dia, administrados em duas doses divididas. Há alguma evidência de que o ácido alfa-lipoico (ALA) pode funcionar como um quelante de cobre.
Referências
1-Choo YS et al. Successful extracorporeal life support in respiratory failure after copper sulphate ingestion. Natl Med J India 2018;31:83-5.
2- Eckhert CD. Trace elements. In: modern nutrition in health and disease, 11th Ed, Ross AC, Caballero B, Cousins RJ, Tucker KL, Ziegler TR (Eds), Lippincott Williams and Wilkins, Philadelphia 2014. p.245.
3- Long H, Nelson LS. Metals and Metalloids in TintinallI Emergency Medicine 2016.
4-Theobald JL, Mycyk MB. Iron and heavy metals in Rosen?s Emergency Medicine 2018.
O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.
Medicinanet Informações de Medicina S/A Cnpj: 11.012.848/0001-57 | info@medicinanet.com.br |
MedicinaNET - Todos os direitos reservados.
Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.