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Violência doméstica – Jane S Sillman

Jane S. Sillman, MD

Assistant Professor of Medicine, Harvard Medical School

 

 

Artigo original: Sillman JS. Domestic violence. ACP Medicine. 2008;1-8.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Agradecimentos: o autor e os editores agradecem as contribuições de John Heinegg para o desenvolvimento e escrita do presente capítulo.

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

  

A violência doméstica consiste em relações caracterizadas pelo controle intencional ou agressividade por parte de alguém que esteja intimamente relacionado à vítima. O comportamento controlador daquele que comete abuso pode se manifestar de diversas formas, tais como abuso psicológico, abuso sexual, controle econômico e isolamento social. A combinação desses fatores pode, enfim, conduzir à morte da vítima por homicídio ou suicídio. Geralmente, uma relação abusiva tem ciclos de violência. Existem períodos de calmaria seguidos de tensão aumentada por parte do agressor, acessos de violência e retorno aos períodos de calmaria. Estes ciclos frequentemente evoluem para uma violência crescente com o passar do tempo. Em geral, as vítimas são mulheres, porém a violência doméstica representa um problema significativo no caso de indivíduos incapacitados e idosos de ambos os sexos.

 

Epidemiologia

Os relatos sobre a frequência desses casos diferem de acordo com o cenário estudado e geralmente contêm os termos “abuso físico” ou “ataque sexual” para definir violência doméstica, achados objetivos mais fáceis de documentar. Em 2000, pesquisadores do National Violence Against Women Survey realizaram entrevistas por telefone com uma amostra representativa de 8.000 mulheres e 8.000 homens nos Estados Unidos sobre a experiência desses indivíduos com a violência doméstica.1 Cerca de 25% das mulheres e 7,5% dos homens entrevistados admitiram ter sido vítimas de extorsão, ataque físico ou ambos por parte do cônjuge, companheiro(a) ou namorado(a) em algum momento de suas vidas. E ainda, 1,5% das mulheres e 0,9% dos homens entrevistados afirmaram ter sido vítimas de extorsão, ataque físico ou ambos por parte de um companheiro(a) no ano anterior. Sob uma perspectiva mais ampla, nos Estados Unidos, cerca de 1,5 milhão de mulheres e 834.732 homens sofrem extorsão ou agressão física por parte de um companheiro(a) íntimo, anualmente.

O National Violence Against Women Survey constatou que as mulheres homossexuais sofrem menos abuso físico do que as heterossexuais. Dentre elas, 11% relataram ter sido vítimas de extorsão, ataque físico ou perseguição por parte da companheira. Por outro lado, homens homossexuais são mais frequentemente vítimas de violência do que heterossexuais. Aproximadamente 23% dos homens que viviam com outros homens relataram ter sofrido extorsão, agressão física ou perseguição por parte do companheiro, enquanto apenas 7,4% dos homens que viviam com mulheres haviam sofrido violência por parte da companheira. Além disso, em média, mulheres que haviam sido agredidas fisicamente sofreram mais ataques e lesões do que os homens igualmente vitimados. Esses dados indicam que as mulheres são as principais vítimas de violência doméstica.

Estudos sobre mulheres atendidas nos departamentos de emergência e primeiros socorros encontraram taxas similarmente altas de violência doméstica. Segundo pesquisa realizada em 1998, sobre as mulheres atendidas no departamento de emergência de um hospital comunitário, 2% das vítimas relataram trauma agudo decorrente de abuso por parte de um parceiro íntimo; 14% relataram abuso físico ou sexual no ano anterior; e 37% relataram abuso emocional ou físico ao longo da vida.2 Em um estudo sobre práticas de assistência primária que definiu a violência doméstica como abuso físico ou sexual, 5% das pacientes estavam vivendo um relacionamento abusivo e 20% das pacientes relataram história de abuso no passado.3 Entretanto, é possível que a prevalência da violência doméstica seja maior, pois muitos casos não são denunciados. Num estudo conduzido em 2004, de uma amostra de 1.268 mulheres que procuraram assistência de saúde em clínicas de assistência primária e departamentos de emergência situados em áreas urbanas, suburbanas e rurais do estado norte-americano de Wisconsin, 50-57% relataram ter sofrido abuso físico, emocional ou ambos ao longo de suas vidas. Entre estas, 28% relataram ter sofrido abuso emocional; 12%, abuso físico; 6%, abuso físico grave e 4% foram vítimas de abuso sexual no ano anterior.4

Há poucos dados sobre a prevalência da violência doméstica entre as mulheres que buscam médicos especialistas. Estudos envolvendo mulheres atendidas em 2 clínicas de gastrenterologia relataram que 40-50% das pacientes apresentavam história de abuso físico ou sexual durante a infância ou na idade adulta. O predomínio dos casos de abuso foi de 31% entre pacientes que apresentavam queixas funcionais, como dispepsia não ulcerosa, dor abdominal crônica e síndrome do intestino irritável, e de 18% entre as pacientes com problemas orgânicos, como úlcera péptica, doença hepática e enteropatia inflamatória.5 Em um estudo envolvendo mulheres atendidas em uma clínica neurológica, 66% das pacientes com dor de cabeça crônica tinham história de abuso físico, abuso sexual ou ambos.6 Em uma pesquisa envolvendo 3.429 mulheres selecionadas a partir de um plano de saúde com ampla cobertura, constatou-se que as mulheres vítimas de violência doméstica apresentavam números mais altos de sintomas físicos e escores menores de funcionamento mental do que aquelas que jamais haviam sofrido violência doméstica.7 Mulheres com históricos recentes de abuso físico ou sexual apresentaram uma propensão 2,8 vezes maior a relatarem saúde fraca ou precária.7 Segundo outro estudo, mulheres vítimas de abuso sexual apresentavam efeitos adversos piores sobre a saúde em comparação àquelas que haviam sofrido abuso físico.8

As vítimas são mulheres de todas as idades, classes socioeconômicas e etnias. Um estudo envolvendo 7.443 mulheres atendidas em clínicas de primeiros socorros localizadas no norte-americanoTexas relatou que as mulheres brancas revelavam abuso com uma frequência de 8,9%. No caso das mulheres afronorte-americanas e hispânicas, respectivamente, essa frequência foi de 6% e 5,3%.9 Outro estudo constatou que médicos e estudantes de medicina eram tão propensos a serem vítimas de violência doméstica quanto os membros da população em geral,10 assim como adolescentes11 e idosos. Pesquisas comunitárias estimam que 3 a 4% dos indivíduos com mais de 65 anos de idade são vítimas de negligência e abuso verbal ou físico. Há relatos de abuso sexual em 2% da população idosa.12 Em uma amostragem aleatória de 370 mulheres com idade = 65 anos, constatou-se que 3,5% haviam sofrido violência por parte de um parceiro íntimo nos últimos 5 anos. No ano anterior, a prevalência dos casos de violência fora de 2,2%.13 O abuso de idosos está associado a uma mortalidade mais alta e uma maior incidência de dor crônica e depressão. O indivíduo que comete abuso na maioria das vezes é um parente, em geral o cônjuge.

 

Fatores de risco de violência

Entre as mulheres, os fatores de risco de violência doméstica são: experiência de abuso físico ou sexual durante a infância; idade acima de 35 anos; ser solteira, divorciada ou separada; e possuir status socioeconômico baixo. O uso de drogas também constitui um fator de risco significativo. Em uma pesquisa realizada em 2005, envolvendo 2.386 mulheres que aguardavam atendimento em consultórios médicos em Boston (EUA), o tabagismo e problemas de alcoolismo (consumo de pelo menos 4 bebidas em uma ocasião nos últimos 30 dias) identificaram as mulheres que apresentavam risco significativamente elevado de sofrer violência doméstica.14 A probabilidade de ter sido vítima no ano anterior era de 27% entre as mulheres fumantes e com problemas de alcoolismo, versus uma probabilidade de 10% entre as mulheres que não apresentavam estes fatores.

A gravidez também representa um fator de risco. Uma revisão da literatura obstétrica apontou a ocorrência de abuso físico em 7 a 20% das gestações.15 Essa frequência é mais alta do que a prevalência do diabetes gestacional e da pré-eclâmpsia – condições pelas quais as mulheres grávidas são frequentemente submetidas à triagem. Um estudo revelou que, no período de 1993-1998, o homicídio foi a principal causa de morte associada à gravidez entre mulheres que viviam no estado norte-americano de Maryland.16

Uma pesquisa por correspondência nacional revelou que mulheres fisicamente incapacitadas são tão vulneráveis quanto aquelas sem limitação física. Elas apresentaram maior propensão a sofrer abuso sexual ou físico por parte de profissionais da assistência médica e períodos de abuso significativamente maiores do que as mulheres fisicamente aptas (7,4 anos versus 5,6 anos).

Entre idosos, quanto maior a fragilidade física e mental, maior o risco.18 Indivíduos idosos incapazes de cuidar de si mesmos apresentam risco maior do que aqueles mais independentes, assim como aqueles que apresentam distúrbios mentais.

 

Fatores de risco de perpetuação da violência

Não existem características visíveis que facilitem a identificação de indivíduos que cometem abuso. Estes, por sua vez, podem pertencer a qualquer faixa etária ou etnia, bem como a qualquer classe socioeconômica. Os indivíduos que cometem abuso tendem a manter uma imagem pública e outra privada: são violentos em casa e se comportam normalmente no trabalho. Eles costumam negar ou minimizar suas ações abusivas.

Os fatores de risco para que alguém passe a cometer abuso incluem a exposição à violência e ao abuso durante a infância, o comportamento violento em outras circunstâncias, o uso de substâncias ilícitas e o desemprego. Além disso, as características psicológicas comumente apresentadas por aqueles que cometem abuso são a personalidade antissocial e limitada, baixa autoestima e falta de controle sobre os impulsos.

 

Consequências do abuso

A violência doméstica afeta a vida da vítima de muitas formas. Cada vez mais dependentes daquele que lhe infligiu o abuso, pois este controla seu bem-estar econômico e a isola de sua família e amigos, as vítimas de abuso sofrem um profundo dano psicológico, frequentemente desenvolvendo ansiedade, depressão ou somatização. Muitas, por sua vez, passam a consumir álcool e drogas como uma forma mal adaptativa de atenuar a dor que sentem. Mulheres profundamente agredidas podem desenvolver distúrbio de estresse pós-traumático, com dissociação, flashes de recordações e até distúrbio de personalidades múltiplas.

O abuso físico pode acarretar lesões constantes, incluindo trauma em partes moles, lacerações e fraturas. Tentativas de estrangulamento podem levar a vítima a sofrer acidente vascular cerebral.

Por fim, o abuso pode causar a morte da vítima, seja por suicídio ou por assassinato cometido pelo indivíduo que praticava abuso. Estima-se que, nos Estados Unidos, aproximadamente 1.200 mulheres morram anualmente em decorrência de violência doméstica.19

 

Diagnóstico

Indícios clínicos

Existem aspectos clínicos que podem levantar suspeita de envolvimento do paciente em uma relação abusiva. Uma explicação inconsistente sobre as lesões ou um atraso em procurar tratamento são atitudes características de pacientes que procuram atenção médica por causa de traumatismos associados a abuso. A existência de condições psicológicas mais comuns entre vítimas de abuso pode servir de indício. Tais sintomas incluem somatização, ansiedade e depressão, além de distúrbio do estresse pós-traumático. O consumo de substâncias ilícitas também é mais frequente entre vítimas de abuso. Do mesmo modo, existem diversas condições ginecológicas que são observadas com mais frequência em mulheres vítimas de abuso. Estas condições incluem dor pélvica crônica, dor durante o intercurso e doenças sexualmente transmissíveis. Os indícios obstétricos são a gravidez indesejada e o início do acompanhamento pré-natal em fases tardias da gestação.

O padrão de assistência buscada pelo paciente também pode ser útil. Pacientes vítimas de abuso podem fazer visitas frequentes à unidade de atendimento de emergência, em vez de procurarem atendimento de um médico da assistência primária. Pode ser que isto ocorra porque o indivíduo que inflige abuso controla a movimentação da vítima, impedindo-a de comparecer a compromissos agendados e de estabelecer um relacionamento com o médico.

A aparente falta de complacência pode ser um indício valioso. Muitas vezes, pacientes vítimas de abuso são incapazes de concluir as avaliações médicas porque são impedidas por aquele que lhes inflige abuso. Assim, ficam impossibilitadas de continuar o tratamento porque o agressor não lhes permite completar suas prescrições ou jogam os medicamentos no lixo.

O exame médico também pode fornecer indícios para o diagnóstico de abuso, que se revelam na conduta da paciente. Ela pode parecer evasiva ou incapaz de estabelecer contato visual. Este comportamento ocorre porque a paciente não quer falar sobre o abuso que sofre. Mulheres que apresentam distúrbio do estresse pós-traumático demonstram uma apatia característica dessa doença.

As lesões típicas de abuso físico constituem indícios poderosos. Mais frequentemente, as vítimas sofrem golpes no tronco e no abdome, podendo apresentar ferimentos no pescoço em decorrência de tentativas de estrangulamento, e lesões nos antebraços durante as tentativas de autodefesa. A existência de múltiplos sinais de violência produzidos em diferentes ocasiões também é característica de abuso físico.

Analisar a conduta do parceiro também pode ser de grande valia. O médico deve suspeitar de abuso quando o parceiro se mostra exageradamente solícito. Seu comportamento controlador pode se manifestar, por exemplo, por meio da atitude de responder às perguntas feitas à paciente. A recusa do parceiro da paciente em sair do consultório é um indício altamente suspeito. Quando isso ocorre, uma estratégia apropriada consiste em dizer ao parceiro que é norma da prática médica examinar pacientes de maneira particular e, por isso, ele deve sair do recinto.

Na população idosa feminina, a negligência é a forma mais comum de abuso. Por isso, o médico deve suspeitar de abuso se a paciente estiver desarrumada, desnutrida ou desidratada, ou se apresentar escaras (devido à permanência prolongada no leito). Da mesma forma que em pacientes mais jovens, o abuso do idoso deve ser suspeitado se a paciente apresentar lesões sem justificativa (ou der explicações inaceitáveis) ou múltiplas lesões em diversos estágios de evolução. O comportamento da paciente em relação ao seu cuidador também pode ser um indício. Se ela parecer temê-lo, o médico deve considerar a possibilidade de abuso.

 

Triagem

É mais provável que os pacientes revelem sofrer abuso durante as entrevistas do que respondendo a questionários. Para ser bem-sucedida, a triagem precisa ocorrer sob condições adequadas, de preferência em um local discreto e seguro. No departamento de emergência do Brigham and Women’s Hospital, a detecção de casos de abuso contínuo ao longo da vida aumentou de 4% para 16% entre todas as pacientes avaliadas quando o local da triagem foi transferido da área pública para cabines fechadas com cortina.20 É essencial que a paciente seja entrevistada sozinha. Um estudo recente revelou que as pacientes revelavam com mais facilidade suas experiências de abuso quando os entrevistadores aplicavam perguntas abertas e em seguida perguntavam sobre os casos de abuso.21 Outra estratégia bem-sucedida foi usar a empatia e criar oportunidades durante a entrevista para permitir que a paciente compartilhasse informações comprometedoras ou se emocionasse ao relatar o abuso.21 As vítimas costumam revelar o abuso a entrevistadores tanto do sexo masculino como do sexo feminino, desde que se sintam confiantes.

Recomenda-se que o entrevistador trate as questões sobre violência doméstica como algo normal antes de perguntá-las à vítima. Uma abordagem comum consiste em dizer: “Como o abuso é uma ocorrência frequente nos relacionamentos, eu faço perguntas sobre esse assunto a todas as minhas pacientes.” Esta abordagem faz a paciente sentir que não é a única a ser submetida à triagem.

Existem muitas ferramentas disponíveis. Uma forma de triagem eficiente e efetiva consiste em uma única pergunta desenvolvida pelo Massachusetts Medical Society Committee on Violence: “Em algum momento, você foi espancada, chutada, ferida ou maltratada de qualquer forma por seu parceiro?” Foi demonstrado que esta pergunta, que pode ser adaptada conforme a necessidade, aumenta a taxa de detecção de casos de violência conjugal.

A triagem SAFE foi proposta como ferramenta útil. Essa triagem consiste na aplicação das 4 perguntas a seguir:

 

      Estresse/segurança (stress/safety) – “Você se sente segura em seu relacionamento?”

      Medo/abuso (afraid/abused) – “Você já se envolveu em um relacionamento no qual foi vítima de maus-tratos, ferida ou amedrontada?”

      Amigos/família (friends/family) – “Seus amigos e sua família sabem que você tem sido agredida? Se você pudesse lhes contar sua situação, eles seriam capazes de apoiá-la?”

      Plano de emergência (emergency plan) – “Você conta com algum lugar para onde possa ir, bem como de recursos para emergências?”

 

No caso de mulheres grávidas, foi demonstrado que a Abuse Assessment Screen (composta por 3 perguntas) é tão sensível quanto os questionários de pesquisa mais extensos na identificação de casos de abuso físico ou sexual. As perguntas dessa triagem são as seguintes:

 

      “No último ano, você foi espancada, agredida com tapas, chutes ou ferida fisicamente de qualquer outra forma por alguém?”

      “Desde que engravidou, você foi espancada, agredida com tapas, chutes ou ferida fisicamente de qualquer outra forma por alguém?”

      “No último ano, alguém a forçou a praticar sexo?”

 

Para casos de agressão sexual, uma pergunta recomendada é: “Alguém a obrigou a manter relações sexuais contra a sua vontade?” Faltam dados publicados sobre a sensibilidade ou especificidade desta pergunta ou de versões similares de perguntas nesses casos.

Foi desenvolvida uma ferramenta de triagem planejada especificamente para mulheres com incapacitação – a Abuse Assessment Screen-Disability (AAS-D) [Tabela 1]. Esta triagem composta por 4 perguntas foi testada em 5 clínicas de especialidades de atendimento a essas mulheres. As perguntas foram aplicadas oralmente a 511 mulheres, em ambiente privado, com opções em inglês e espanhol. Quando os entrevistadores utilizaram a AAS-D, casos de abuso foram relatados por 9,8% das mulheres (50 do total de 511 entrevistadas). Quando os entrevistadores aplicaram apenas as questões 1 e 2 da AAS-D, apenas 7,8% das mulheres (40 do total de 511 entrevistadas) relataram abuso. Esse estudo mostrou que a adição de perguntas que abordavam aspectos específicos a mulheres com incapacitação aumentou a detecção de casos neste grupo.22

 

Tabela 1. A Abuse Assessment Screen-Disability é uma ferramenta de triagem de casos de abuso elaborada especificamente para mulheres com incapacitação.

Painel de avaliação do abuso para mulheres com incapacitação

1.   No ano passado, você foi espancada, tapeada, chutada, empurrada, atropelada ou fisicamente ferida de outro modo por alguém?

Se a resposta for SIM, por quem? Circule todas as alternativas corretas:

Por favor, descreva:

Parceiro íntimo

Prestador de assistência

Profissional da saúde

Familiar

Outro

2.   No ano passado, você foi forçada por alguém a manter relações sexuais?

Se a resposta for SIM, por quem? Circule todas as alternativas corretas:

Por favor, descreva:

Parceiro íntimo

Prestador de assistência

Profissional da saúde

Familiar

Outro

3.   No ano passado, alguém a impediu de usar uma cadeira de rodas, bengala, respirador ou outro dispositivo auxiliar?

Se a resposta for SIM, quem foi? Circule todas as alternativas corretas:

Por favor, descreva:

Parceiro íntimo

Prestador de assistência

Profissional da saúde

Familiar

Outro

4.   No ano passado, alguém de quem você dependa se negou a ajuda-la com uma necessidade pessoal importante, como tomar seus remédios, ir ao banheiro, sair da cama, tomar banho, vestir-se ou comer e beber?

Se a resposta for SIM, quem foi? Circule todas as alternativas corretas:

Por favor, descreva:

Parceiro íntimo

Prestador de assistência

Profissional da saúde

Familiar

Outro

 

A American Medical Association propôs uma série de perguntas de triagem para casos de abuso de idosos [Tabela 2].23 A sensibilidade e especificidade destas perguntas não foram determinadas.

 

Tabela 2. Perguntas para triagem de casos de abuso de idosos da American Medical Association

Você já foi ferido(a) por alguém em casa?

Alguém tocou em você sem seu consentimento?

Em algum momento você foi obrigado(a) a fazer coisas contra a sua vontade?

Alguém, em algum momento, tomou algo que era seu sem pedir permissão?

Você foi repreendido(a) ou maltratado(a) por alguém?

Você foi obrigado(a) por alguém a assinar documentos sem saber do que se tratava?

Você tem medo de alguém que mora com você?

Você está muito isolado(a)?

Alguém falhou em ajudar a cuidar de você quando você estava precisando?

 

Pode haver muitos motivos que levam à negação do abuso. A paciente pode não se considerar vítima. Talvez ela ainda não tenha adquirido confiança suficiente em seu médico ou pode estar amedrontada demais para revelar o abuso sofrido. Diante da suspeita, ainda que negada pela paciente, o médico deve explicar que existem meios de apoio disponíveis e voltar a interrogá-la em visita posterior.

A triagem de todas as pacientes que apresentam probabilidade intermediária ou alta de serem vítimas de abuso, com base na história, exame físico e observação do relacionamento com o parceiro, conduz ao aumento da detecção dos casos. Em um estudo conduzido em um departamento de emergências, o percentual de mulheres que sofreram traumatismo identificadas como vítimas de abuso subiu de 6% para 30% quando o departamento passou a instituir um protocolo de investigação de rotina.24

A triagem de pacientes com probabilidade intermediária a alta de abuso é aprovada por diversos grupos nacionais norte-americanos. O United States Department of Health and Human Services25 e a American Academy of Family Physicians26 recomendam aos médicos que considerem a possibilidade de violência doméstica como causa de doença e lesão. O American College of Obstetricians and Gynecologists27 e a American Medical Association28 recomendam a triagem de rotina de todas as mulheres grávidas. Estas entidades também recomendam aos clínicos que fiquem atentos à observação de marcadores e características de abuso, tais como contusões, lesões atípicas, depressão, acompanhamento de pré-natal tardio, não comparecimento às consultas de pré-natal e cancelamento de última hora de consultas agendadas.

A triagem de rotina de pacientes que aparentemente possuem baixa probabilidade de sofrerem abuso leva à detecção e é apoiada por 3 grupos nacionais norte-americanos: American College of Emergency Physicians (ACEP),29 Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO),30 e United States Department of Justice Office on Violence Against Women.31 O ACEP incentiva as equipes de emergência a submeterem os pacientes atendidos a uma triagem em busca de casos de violência doméstica. A JCAHO recomenda a todos os departamentos de emergência que utilizem protocolos para intensificar o diagnóstico dos casos. O Office of Violence Against Women recomenda insistentemente que todas as mulheres adultas e adolescentes passem por uma triagem de rotina para detecção de casos de violência causada por parceiros íntimos.

Há outros grupos norte-americanos que atualmente não apoiam a triagem universal. A United States Preventive Services Task Force (USPSTF) encontrou evidências insuficientes para fazer recomendações contrárias ou favoráveis acerca da triagem de rotina de casos de violência ou abuso de idosos na população feminina.32 Além de não ter encontrado evidência direta de que a triagem conduz à diminuição da ocorrência de incapacitação ou morte prematura, a USPSTF não encontrou evidência de prejuízos decorrentes da triagem, incluindo resultados falso-positivos que pudessem comprometer a relação clínico-paciente, perda de contato com sistemas de apoio estabelecidos, angústia psicológica ou agravamento do abuso. A Canadian Task Force of Preventive Health Care, de modo semelhante, encontrou evidências consideradas insuficientes para recomendar ou desaconselhar o uso da triagem de rotina universal para casos de violência contra mulheres grávidas ou não. Contudo, a força-tarefa recomenda aos clínicos que permaneçam alertas quanto aos sinais físicos e sintomas psicológicos de abuso.

Eu recomendo que todas as mulheres passem por uma triagem para detecção de casos de violência doméstica. Mulheres com probabilidade intermediária a alta de serem vítimas de abuso, incluindo aquelas que procuram o departamento de emergência apresentando sintomas ou sinais de abuso ou que estejam grávidas, devem ser interrogadas diretamente quanto à possibilidade de violência doméstica. Além disso, eu recomendo a triagem de rotina para mulheres que apresentam baixa probabilidade de terem sofrido abuso, durante a visita inicial ao clínico da assistência primária e, subsequentemente, de maneira periódica.

Existem motivos convincentes em favor da realização da triagem universal. A triagem aprofunda a relação médico-paciente. A paciente envolvida em um relacionamento abusivo sente-se compreendida e amparada, enquanto o clínico adquire maior noção sobre os aspectos frequentemente mais importantes na vida da paciente. Os grupos de apoio do qual participam as vítimas demonstram o valor que elas atribuem ao fato de serem interrogadas sobre o abuso. Adicionalmente, a triagem pode atuar como ferramenta educativa e ajudar as vítimas de abuso a compreenderem a situação em que se encontram, além de exercer um papel catalisador na mudança da condição dessas mulheres. As vítimas de abuso que participam desses grupos relatam que a triagem foi a ação que abriu as portas para que elas recebessem ajuda e suporte. Palavras de uma das vítimas: “Você me perguntava sobre violência doméstica e eu nunca contava nada, mas foi assim que eu comecei a entender a minha situação. É como plantar uma semente para alguém – eu poderia fazer alguma coisa e tentar sair dessa.”33 Mulheres que jamais foram vítimas de abuso com frequência expressam satisfação por seus médicos realizarem a triagem.

Um estudo canadense envolvendo mais de 2.600 mulheres atendidas em vários setores da assistência de saúde comparou 3 métodos de triagem para detecção de casos de violência praticada por parceiro íntimo: uma entrevista com um prestador de assistência de saúde; um questionário impresso respondido pela paciente e um questionário on-line respondido pela paciente.34 Este estudo constatou que as mulheres preferiram as abordagens por escrito em comparação à entrevista.34 Um estudo menor, realizado em New Jersey, comparou o uso de um questionário a 2 formas de entrevista (entrevista com a equipe médica e entrevista com o médico) e concluiu que a triagem por escrito respondida pela paciente é tão efetiva quanto a entrevista com o clínico em termos de revelação, conforto e duração da triagem.35 Com base nestes dados, parece que os questionários impressos podem ser uma opção viável de triagem para casos de violência praticada por parceiro conjugal, podendo ser um método preferível em determinadas situações.

 

Documentação

É essencial documentar específica e detalhadamente a triagem, bem como as informações reveladas pela paciente. Caso a paciente jamais tenha estado num tribunal por questões relacionadas à violência doméstica, seu quadro médico pode ser uma evidência útil. É importante citar as palavras exatas proferidas pela paciente e incluir os detalhes específicos de abuso que ela revelou. É importante empregar uma linguagem destituída de julgamento (p. ex., “a paciente afirma que” em vez de “a paciente reclama de”). Caso a paciente negue o abuso, a documentação deve deixar uma porta aberta para possíveis revelações futuras. Basta utilizar afirmações simples e neutras, tais como “resultado negativo da triagem para violência doméstica” ou “a paciente afirma que o abuso não é um problema”.

Se a paciente apresenta ferimentos, um desenho ou fotografia das lesões deve ser incluído ao quadro. Para eliminar qualquer dúvida de que a fotografia seja realmente da paciente, recomenda-se incluir algum detalhe identificador (p. ex., o rosto da vítima).

 

Tratamento

O tratamento de uma vítima de abuso abrange a reação de curto prazo de uma paciente que tenha revelado abuso, bem como o acompanhamento prolongado dessa paciente. Quando uma paciente revela ter sofrido abuso, o primeiro passo consiste em fornecer suporte emocional imediato empregando afirmações do tipo “Estou preocupado com você”, “Você merece permanecer em segurança” e “Você não está sozinha”. A etapa seguinte consiste em fazer perguntas sobre o estado emocional e as necessidades da paciente: “Como você se sente em relação ao ocorrido?” e “O que você gostaria de fazer?” O clínico precisa fornecer assistência exclusiva à paciente e, ao mesmo tempo, evitar estabelecer um relacionamento controlador com ela.

É essencial avaliar a segurança imediata da mulher. Algumas perguntas úteis para avaliar o nível de segurança são: “Você se sente segura em ir para casa?”; “O nível de violência em sua casa aumentou no último ano?”; “Ele tem ameaçado matar você, seus filhos ou cometer suicídio?” e “Existem armas em sua casa?” Respostas afirmativas a qualquer uma destas perguntas estão correlacionadas com um risco aumentado de lesões graves durante o ano e significam que é importante alertar a paciente quanto a isto.

Depois de oferecer apoio e avaliar a segurança, o próximo passo consiste em rever com a paciente as opções de ajuda. O clínico precisar estar ciente das opções disponíveis no ambiente da prática e na comunidade local, para poder indicá-las e encaminhar a paciente. Em muitas práticas, a melhor e mais imediata consiste em encaminhar a paciente a um assistente social. Clínicos que trabalham em centros de saúde, hospitais e departamentos de emergência frequentemente contam com assistentes sociais afiliados aos locais onde exercem suas práticas. Clínicos que atuam no setor privado muitas vezes podem indicar uma paciente ao assistente social do departamento de emergência de um hospital que seja mais conveniente à paciente. O assistente social, então, pode servir de coordenador da subsequente assistência de violência doméstica destinada à paciente.

A opção seguinte consiste no encaminhamento da paciente para uma hotline (serviço telefônico para atendimento de emergências) de violência doméstica. Nos Estados Unidos, a paciente pode telefonar para a hotline de violência doméstica nacional (1-800-799-SAFE), que oferece aconselhamento imediato em inglês e espanhol, bem como informações sobre recursos locais

 

Nota dos editores do MedicinaNET – No Brasil há um serviço federal para atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. O número a ser ligado é o 180. O serviço é um atendimento telefônico e ajuda a dar o encaminhamento adequado para cada situação.

 

Em muitos estados norte-americanos, o médico ou o paciente podem telefonar para o número 911 e obter informação sobre as hotlines locais. O assistente social também pode fornecer de antemão ao clínico informações sobre as hotlines locais. Estas geralmente fornecem aconselhamento imediato e informações sobre como ter acesso aos serviços locais.

Uma terceira alternativa permite à paciente obter mandado de proteção contra seu agressor. Este processo pode ser iniciado em um distrito policial ou no tribunal. Se a paciente deseja obter aconselhamento jurídico e não possui recursos, é possível encaminhá-la a organizações jurídicas pro bono, tais como a Legal Aid Society. Assistentes sociais e hotlines de violência doméstica terão informações específicas disponíveis. A responsabilidade do clínico consiste em introduzir esta possibilidade como opção.

Por fim, se a paciente sentir que não pode voltar para casa e precisa de um lugar seguro imediatamente, a maioria das comunidades possuem abrigos disponíveis para mulheres vítimas de abuso. Os assistentes sociais e as hotlines de violência doméstica podem fornecer informação específica e ajudar a mulher a encontrar uma vaga em um abrigo. A vítima também pode seguir para o departamento de emergência local em busca de segurança, podendo ser admitida ao hospital como um caso de admissão social, caso isto seja necessário para garantir sua tranquilidade.

A sigla RADAR, criada pela Massachusetts Medical Society, resume o papel do clínico na avaliação inicial e no tratamento da paciente vítima de abuso:

 

R – Rotineiramente, fazer perguntas sobre violência doméstica

A – Aplicar perguntas diretas

D – Documentar seus achados

A – Avaliar a segurança da paciente

R – Rever as opções

 

Relato dos casos

Todos os estados norte-americanos exigem o relato obrigatório de abuso diante de 3 situações. Primeiro caso: o abuso de criança (isto é, envolvimento de uma criança, menor de 18 anos) deve ser relatado ao Department of Social Services. Em muitos estados norte-americanos, o testemunho de abuso físico por parte da mãe é considerado abuso de criança e justifica o relato. Segundo caso: o abuso de indivíduos incapacitados deve ser relatado à Disabled Persons Protection Commission. Terceiro caso: o abuso de idosos (isto é, envolvendo indivíduos com idade = 60 anos) deve ser relatado à hotline de abuso do idoso local do médico.

Atualmente, 3 estados norte-americanos – Califórnia, Colorado e Kentucky – exigem que os médicos descrevam todas as lesões decorrentes de violência doméstica. New Hampshire exige o relato nos casos em que a vítima sofreu ferimento à bala e consente o relato. Rhode Island exige o relato apenas para fins de coleta de dados médicos, sem incluir informações sobre identificação. Uma pesquisa realizada em 1996, envolvendo 1.218 mulheres que haviam sofrido abuso recentemente e procuraram departamentos de emergência, constatou que 44% dos casos não sustentavam um relato obrigatório de violência doméstica à polícia.36 Uma pesquisa realizada na Califórnia, em 1999, descobriu que, apesar da lei de relato obrigatório, 59% dos médicos optavam por não relatar lesões decorrentes de violência doméstica.37

 

Seguimento

O seguimento da paciente vítima de abuso concentra 4 responsabilidades: suporte, segurança, plano de segurança e avaliação em andamento. O clínico tem que fornecer suporte contínuo e reavaliar periodicamente a segurança da paciente. Esta, por sua vez, deve possuir um plano de segurança – saber como agir em caso de emergência. Caso um assistente social também esteja acompanhando a paciente, em geral é ele que assume esta responsabilidade. Ao contrário, se a paciente não for acompanhada por um assistente social, o clínico primário pode ajudar a paciente nessa tarefa. Os elementos-chave de um plano de segurança são: planejamento das ações a serem tomadas e onde ir em caso de emergência; organização dos recursos que a paciente necessitará para deixar sua casa em caráter emergencial. Estes recursos incluem quantidade apropriada de dinheiro, documentos essenciais (p. ex., cartão do seguro social da paciente e registros de vacinação dos filhos), chaves da casa e do carro. Por fim, uma parte importante do seguimento consiste na avaliação contínua dos desejos da paciente e das opções disponíveis a ela.

É importante que o clínico tenha uma ideia realista do rumo seguido pela maioria das mulheres que vivem relacionamentos abusivos. Somente uma minoria delas adota uma ação definitiva rapidamente e abandona aquele que inflige abuso. A maioria mantém o relacionamento por tempo prolongado. Com o passar do tempo, o clínico primário pode ajudar estas mulheres atendendo as suas necessidades, com o objetivo de capacitá-las a aumentar a sua autoestima e melhorar a segurança.

 

Resultados

Existem dados limitados sobre os resultados das intervenções adotadas para ajudar as vítimas de violência doméstica.38 A maioria das vítimas de abuso não está preparada para deixar seu agressor. Os motivos que levam essas mulheres a ficar são: crença nas promessas de mudança feitas pelo agressor; crença de que são culpadas pelo abuso sofrido; falta de dinheiro; falta de um lugar para ir; medo de represália, caso tentem partir; e ausência de intervenção em seu favor.

Dados observacionais demonstram que, mediante aconselhamento, as vítimas apresentam melhoras gradativas da autoestima ao longo de um período de meses a anos. Foi demonstrado que os programas de defesa diminuem os casos de abuso. Uma triagem controlada randomizada de mulheres que haviam passado ao menos uma noite em um abrigo estudou a intervenção de um programa específico de defesa e aconselhamento versus a assistência habitualmente prestada. Foi demonstrado que o grupo submetido à intervenção apresentou diminuição da taxa de casos de abuso e melhora da qualidade de vida.39

Diversos estudos demonstraram que o ato de procurar um mandado de proteção diminui a violência conjugal mesmo quando o mandado não é concedido. Um estudo de coorte realizado em 2004, em Houston, acompanhou 149 mulheres que se inscreveram para obter mandados de restrição. Ao nível basal, os níveis e tipos de violência foram semelhantes entre as mulheres que não receberam mandado de proteção final. Decorridos 3 meses, a ocorrência de ameaças de agressão, abuso físico, perseguição e constrangimento no local de trabalho diminuiu, atingindo pelo menos metade dos níveis basais em ambos os grupos. Estas reduções se mantiveram durante os 18 meses em que o estudo foi conduzido.40 Estes achados sugerem que os médicos devem incentivar as vítimas de abuso a buscarem mandados de proteção, bem como fornecer-lhes assistência para realizar as chamadas telefônicas necessárias, como forma concreta e efetiva de capacitá-las e tranquilizá-las.

Existem dados limitados disponíveis sobre a eficácia das intervenções para agressores. A maioria dos programas destinados a agressores combina o aconselhamento em grupo e o aconselhamento individual durante um período de 6 a 12 meses. Frequentemente eles são obrigados pelo juiz a comparecer a estes programas e muitas vezes falham em concluí-los. Dados observacionais sugerem que alguns homens que decidem voluntariamente comparecer a tais programas têm mais chance de diminuir o comportamento abusivo. Foi conduzido um estudo controlado randomizado das intervenções para agressores: o San Diego Navy Experiment.41 Neste estudo, oficiais navais que cometiam abuso foram escolhidos ao acaso para comparecer em sessões de grupo masculinas e/ou para casais, aconselhamento individual ou permanecer sem nenhum tratamento. Ao final do experimento, a frequência de abusos e novas prisões havia declinado e atingido níveis igualmente baixos nos 4 grupos. Todos os homens seguiam a carreira de oficiais e podem ter sentido que seu comportamento abusivo estaria prejudicando suas carreiras. Foi isto que levou à melhora geral do comportamento observada em todos os grupos.

Segundo 2 estudos, os agressores que concluíam um programa de intervenções eram menos propensos a serem responsabilizados por novos crimes. Um estudo avaliou a eficácia de um programa denominado EVOLVE, que abordou questões relativas a cuidados parentais, sexualidade e violência sexual, e educação integrada sobre substâncias ilícitas. O estudo comparou os resultados apresentados por agressores que haviam sido obrigados pelo juiz a atender ao EVOLVE com os resultados apresentados por agressores obrigados a comparecer a um programa geral de 26 semanas de duração. A avaliação utilizou uma amostra de 420 homens que compareceram a pelo menos uma sessão do EVOLVE e uma amostra de 124 homens que compareceram a pelo menos uma sessão do programa de comparação. As taxas de conclusão foram similares em ambos os grupos: 63,5% para o EVOLVE e 65,2% para o grupo de comparação. Decorridos 6 meses desde o último comparecimento ao programa, 83,4% dos indivíduos que concluíram com sucesso o EVOLVE não sofreram novas prisões, sendo que esse percentual foi de 58,3% entre aqueles que não concluíram o programa. Um padrão similar foi apresentado pelo grupo comparativo. Este estudo demonstrou que a conclusão bem-sucedida de um programa para agressores está correlacionada a uma diminuição dos casos de prisão.42

Similarmente, um estudo realizado em Massachusetts, envolvendo um seguimento de 6 anos de agressores que compareceram a programas de intervenção para agressores, demonstrou que os indivíduos que concluíram um programa apresentaram propensão significativamente menor de reincidência. A supervisão de um oficial de justiça aumentou significativamente a probabilidade de o agressor concluir um programa: 62% dos agressores sob supervisão ativa de um oficial de justiça concluíram um programa de intervenção para agressores certificado, versus 30% dos agressores que não foram supervisionados.43

Recomenda-se que o clínico primário não confronte um agressor. A vítima pode ser exposta a um perigo ainda maior se o agressor souber que ela revelou o abuso por ele infligido. O aconselhamento matrimonial não é recomendado para casais que vivenciam um relacionamento abusivo. Em vez disso, os clínicos devem concentrar seus esforços na reabilitação da vítima.

 

Prevenção

Os esforços destinados à prevenção da violência doméstica estão aumentando. O Boston Dating Violence Intervention Project tem como principal alvo os estudantes do ensino médio, promovendo reuniões escolares que orientam os estudantes sobre as características dos relacionamentos abusivos e oferecem treinamento para equipes escolares sobre como identificar estudantes que porventura estejam vivendo relacionamentos abusivos. Os estudantes que participaram do programa sentiram que as sessões foram úteis para ensiná-los a identificar e sair de relações abusivas. Um estudo sobre alunas de uma escola pública de ensino médio, localizada em Massachusetts, constatou que cerca de 20% das estudantes haviam sido física ou sexualmente abusadas pelo namorado.44 Em um estudo maior envolvendo alunas de uma escola pública de ensino médio localizada em Maryland, 10% das entrevistadas relataram terem sofrido violência física por parte do namorado. Uma variedade de fatores de risco foram prevalentes entre essas adolescentes, tais como depressão, pensamentos de suicídio, luta física e atividade sexual sem proteção.11 Estes achados sugerem que os esforços de prevenção devem ser iniciados o quanto antes no decorrer da vida.

Os Centers for Disease Control and Prevention criaram, em 2002, o programa Domestic Violence Prevention Enhancement and Leadership Through Alliances (DELTA) com o objetivo de facilitar a prevenção primária da violência por parte de parceiros íntimos ao nível da comunidade. Inicialmente, 9 estados norte-americanos foram financiados e subsequentemente, em 2003, mais 5 estados foram incluídos. Por meio do programa DELTA, o CDC financia coligações de violência doméstica em nível estadual para fornecimento de treinamento centrado na prevenção, assistência técnica e financiamento das Coordinated Community Responses (CCRs) em nível local.45 Exemplificando, a Rhode Island Coalition Against Domestic Violence fundou 4 CCRs locais, que se concentram em promover esforços de prevenção entre jovens e seus pais, e atua em parceria com um avaliador para acessar a eficácia dessas intervenções. Dados sobre a eficácia destas intervenções de prevenção primária baseadas na comunidade serão úteis.

 

O autor não possui relações comerciais com os fabricantes de produtos ou prestadores de serviços discutidos neste capítulo.

 

Referências

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