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Alergias alimentares – Gregory M Metz A Wesley Burks

Gregory M. Metz, MD

Allergy and Immunology Fellow in Training, Duke University, Durham, NC

 

A. Wesley Burks, MD

Professor, Pediatric Allergy and Immunology, Duke University Medical Center, Durham, NC

 

 

Artigo original: Metz GM, Burks AW. Food allergies. ACP Medicine. 2009;1-8.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

  

Definições

Uma reação adversa inicial à comida consiste em uma resposta clinicamente anormal a um alimento ou aditivo alimentício ingerido. Na verdade, as reações adversas aos alimentos podem ser agrupadas em intolerâncias alimentares, que não são imunogênicas, e alergias alimentares (hipersensibilidade), que são imunologicamente mediadas.1 Além disso, numerosas condições médicas subjacentes podem apresentar sintomas que mimetizam as reações alimentares adversas. Entre estas condições, estão as anormalidades estruturais do sistema gastrintestinal (GI), a doença do refluxo gastresofágico (DRGE), malignidades, endocrinopatias e distúrbios de motilidade GI. O termo alergia alimentar é frequentemente empregado de maneira errônea para descrever qualquer reação adversa a alimentos.

 

Intolerância alimentar

Intolerância alimentar é um termo geral que descreve uma resposta fisiológica anormal a um alimento ingerido ou aditivo alimentício não imunológico. As intolerâncias alimentares abrangem a maioria das reações adversas aos alimentos. As intolerâncias alimentares podem apresentar muitas etiologias, incluindo a ingesta de contaminantes tóxicos (p. ex., histamina no envenenamento com peixe escombrídeo; toxinas secretadas por Salmonella, Shigella e Campylobacter), propriedades farmacológicas do alimento (p. ex., cafeína no café; teobromina no chocolate; tiramina nos queijos envelhecidos), características do hospedeiro (p. ex., alterações metabólicas, como a deficiência de lactase), reflexos neurogênicos induzidos por alimentos (p. ex., rinorreia associada a comidas apimentadas) e respostas idiossincráticas.

 

Hipersensibilidade alimentar

Em contraste, a hipersensibilidade alimentar consiste em uma reação imunológica resultante da ingesta de um alimento ou aditivo alimentício. Esta reação pode se desenvolver após a ingesta de uma pequena quantidade da substância e não apresenta relação com nenhum efeito fisiológico produzido pela comida ou pelo aditivo alimentício. Para a maioria dos médicos, o termo é sinônimo de reações que envolvem o mecanismo mediado pela imunoglobulina E (IgE), classicamente exemplificado pela anafilaxia. Embora a hipersensibilidade IgE-mediada (de tipo I) seja responsável pela maioria das reações alérgicas alimentares bem caracterizadas, os mecanismos imunes não mediados pela IgE parecem ser responsáveis por uma variedade de distúrbios de hipersensibilidade. Este capítulo examina as reações alimentares adversas mediadas pela IgE, as reações alimentares adversas não mediadas pela IgE e as reações que apresentam características de ambas.

 

Epidemiologia

Até 15% das pessoas em geral afirmam que podem ser alérgicas a algum alimento. Entretanto, estudos sugerem que a prevalência real da alergia alimentar é de 3 a 4% entre os adultos e de aproximadamente 6% entre as crianças.2 Vários estudos bem controlados demonstraram que a maioria das reações alérgicas alimentares ocorre durante os primeiros anos de vida.2 Os alimentos que comumente causam estas reações em crianças são ovo, leite, amendoim e nozes. Em adultos, esta lista inclui peixes, mariscos, nozes e amendoim. Levantamentos recentes indicam que 1,2% dos adultos norte-americanos são alérgicos a amendoim ou nozes, enquanto 2,5% são alérgicos a frutos do mar.3,4

 

Patofisiologia

Reações mediadas pela IgE

Diversas respostas de hipersensibilidade a um antígeno alimentar podem resultar da falta de tolerância oral no trato GI de indivíduos que apresentam predisposição genética a este tipo de hipersensibilidade. A falha no desenvolvimento de tolerância oral ou a quebra da tolerância oral resultam na produção excessiva de anticorpos IgE específicos para o alimento em questão. Estes anticorpos alimento-específicos ligam-se aos receptores Fc-épsilon-I de alta afinidade localizados nos mastócitos e basófilos, bem como aos receptores Fc-épsilon-II de baixa afinidade existentes nos macrófagos, monócitos, linfócitos, eosinófilos e plaquetas. Em uma exposição subsequente ao alimento, o alérgeno liga-se à IgE específica presente nos mastócitos ou basófilos e promove liberação de vários mediadores, como histamina, prostaglandinas e leucotrienos. Estes mediadores promovem vasodilatação, contração da musculatura lisa e secreção de muco, levando à manifestação dos sintomas da hipersensibilidade imediata. As reações alimentares mediadas pela IgE levam à rápida manifestação dos sintomas, tipicamente em alguns minutos ou horas após a ingesta do alérgeno. Contudo, os mastócitos ativados também podem liberar diversas citocinas que participam da resposta de fase tardia mediada pela IgE.

 

Reações não mediadas pela IgE

Embora tenha sido proposta uma variedade de mecanismos imunes não mediados pela IgE para a alergia alimentar, as evidências científicas que sustentam esses mecanismos são limitadas. As reações de hipersensibilidade de tipo III (mediadas pelo complexo antígeno-anticorpo) foram investigadas em diversos estudos. Enquanto os complexos de antígeno alimentar-IgE são encontrados com maior frequência em pacientes com hipersensibilidade alimentar, poucas evidências sustentam a doença mediada por outros imunocomplexos com antígeno alimentar. A hipersensibilidade de tipo IV (mediada por células) foi sugerida como possível mecanismo envolvido em vários distúrbios, nos quais os sintomas clínicos não se manifestam até que várias horas tenham se passado desde a ingesta do alimento suspeito. É provável que este tipo de resposta imune contribua para a patogênese da enterocolite induzida por proteínas da dieta, proctite induzida por proteínas da dieta e doença celíaca. O mecanismo patogênico das doenças eosinofílicas do trato GI é pouco conhecido e pode envolver tanto reações mediadas pela IgE como reações mediadas por células.

 

Espectro clínico da hipersensibilidade alimentar

Hipersensibilidade mediada por IgE

As manifestações clínicas da alergia alimentar mediada por IgE podem envolver vários sistemas orgânicos, incluindo os sistemas cutâneo, respiratório, ocular, GI e circulatório, além de reações multissistêmicas [Tabela 1].

 

Tabela 1. Manifestações clínicas das reações alimentares mediadas pela IgE

Sistema orgânico

Sintomas

Cutâneo

Urticária, angioedema, rubor, prurido

Respiratório

Tosse, rouquidão, sibilo, falta de ar

Naso-ocular

Espirros, congestão, rinorreia, prurido ocular, eritema, lacrimejamento

GI

Náusea, dor abdominal, cãibra, vômitos, diarreia

Circulatório

Hipotensão, arritmias, distúrbios cardíacos

Multissistêmico

Anafilaxia, síncope, convulsão

GI = gastrintestinal.

 

A pele costuma ser um órgão-alvo frequente das reações de hipersensibilidade alimentar mediadas por IgE. Urticária aguda, angioedema, rubor e prurido são comumente observados após a exposição ao alérgeno alimentar. Além disso, as reações alimentares mediadas pela IgE podem exacerbar condições cutâneas crônicas subjacentes, como a dermatite atópica [ver Distúrbios eczematosos, dermatite atópica e ictioses].5 Cerca de 1/3 das crianças pequenas com dermatite atópica de grau moderado a severo apresentam uma ou mais alergias alimentares. A exposição cutânea a diversos alimentos, incluindo carnes e vegetais crus, também pode provocar urticária aguda no local de contato.6,7 É importante notar que a alergia alimentar raramente causa urticária crônica ou angioedema em adultos. Um estudo constatou que até 50% dos pacientes adultos com urticária crônica percebiam a ocorrência de reações associadas a alimentos, sendo que no máximo 10% destes indivíduos apresentaram sinais ou sintomas no desafio placebo-controlado.8

Os sintomas respiratórios e oculares também são manifestações comuns de reações a alimentos mediadas pela IgE.9 Os sintomas podem incluir eritema periocular, prurido periocular, lacrimejamento, congestão nasal, prurido nasal, espirros, rinorreia, tosse, alterações da voz e sibilo. Os sintomas naso-oculares isolados constituem uma manifestação incomum de reações de hipersensibilidade alimentar.

A hipersensibilidade GI imediata pode acompanhar as manifestações alérgicas que ocorrem em outros órgãos-alvo ou pode ser uma manifestação isolada de alergia alimentar [Tabela 2].9 Os sintomas GI variam, mas podem incluir náusea, dor abdominal, cãibra abdominal, vômitos e diarreia. A anafilaxia a alimentos não é rara. Os sintomas sistêmicos podem envolver vários sistemas orgânicos, tais como a pele, o trato GI, o sistema circulatório e o trato respiratório (veja anteriormente). Embora qualquer alimento possa causar anafilaxia, os que mais comumente a causam são amendoim, nozes, mariscos e peixes. Os casos fatais de anafilaxia induzida por alimento são mais frequentes entre adolescentes e adultos jovens. Entre os fatores de risco estão a asma e uma história de reação alimentar severa anterior.

 

Tabela 2. Hipersensibilidade GI imediata

Manifestações

Náusea, dor abdominal e vômitos em um período de 1 a 2 h

Diarreia em 2 a 6 h

Associação frequente com doença atópica

Anticorpos IgE alimento-específicos

Radiografia: hipotonia gástrica e piloroespasmo

Idade no aparecimento da condição

Lactância, infância

Proteínas implicadas

Mais comumente: leite, ovo, amendoim, soja, cereais, peixe

Patologia

IgE-mediada

Tratamento

Eliminação da proteína

História natural

80% dos casos se resolvem com a retirada da proteína da dieta (exceto nas alergias ao amendoim, mariscos e peixe)

GI = gastrintestinal.

 

Uma forma rara de alergia alimentar é a anafilaxia exercício-induzida alimento-dependente. Este tipo é caracterizado por episódios de anafilaxia que ocorrem apenas quando o paciente se exercita dentro de um período de 2 a 4 horas após ter ingerido determinado alimento em particular. Nem o alimento específico nem o exercício isoladamente desencadeiam a manifestação dos sintomas. O mecanismo associado a este distúrbio permanece obscuro.

A síndrome da alergia alimentar associada ao pólen é considerada uma forma de urticária por contato, que permanece confinada quase exclusivamente à orofaringe e só em casos raros envolve outros órgãos-alvo [Tabela 3]. Os sintomas incluem a rápida manifestação de prurido e angioedema nos lábios, língua, palato e garganta após o consumo de certos alimentos, como frutas frescas e vegetais.10-12 É causada por proteínas sensíveis ao calor presentes nestes alimentos, que apresentam reação cruzada com as proteínas alergênicas do pólen. Pacientes com alergia à erva de Santiago podem desenvolver estes sintomas após entrarem em contato com certas variedades de melão (p. ex., melancia, cantalupo e melão-doce) e bananas. Pacientes com sensibilidade à bétula muitas vezes apresentam sintomas após a ingesta de batatas, cenouras, aipo, maçãs e avelãs crus. O diagnóstico desta síndrome baseia-se em uma história sugestiva e em resultados positivos de testes de picada na pele utilizando as frutas e vegetais frescos implicados (embora a sensibilidade destes testes para este distúrbio possa ser limitada) [ver Testes cutâneos para alergia, adiante].

 

Tabela 3. Síndrome da alergia alimentar associada ao pólen

Manifestações orais

Ardência

Inchaço

Irritação/prurido

Eritema

Curso temporal

Manifestação imediata dos sintomas

Resolução rápida

Idade no aparecimento da condição

Após a lactância

Tipicamente menos de 5 anos

Proteínas implicadas

Alérgenos presentes em vegetais e frutas frescas, sensíveis ao calor

Reatividade cruzada de pólen e látex

Patologia

Anticorpos IgE

Tratamento

Evitação, quando necessário

Cozimento

História natural

Desconhecida

 

Hipersensibilidade mista IgE-mediada e IgE-não mediada

Esofagite eosinofílica (EE)

A esofagite eosinofílica (EE) caracteriza-se pela infiltração eosinofílica do esôfago; muitas vezes, se apresenta como distúrbios de alimentação em crianças e como DRGE refratária, disfagia, êmese, impacção alimentar ou dor abdominal em adultos. A possibilidade de EE deve ser particularmente considerada em casos de adultos que apresentem impacção alimentar ou DRGE refratária. O diagnóstico é estabelecido por meio de endoscopia, em geral após 4 a 6 semanas de terapia para DRGE, com subsequente exame de biópsias de esôfago que revelam a presença de mais de 15 eosinófilos por campo de maior aumento (objetiva de 40 x).13 Outros aspectos histológicos incluem a formação de agregados eosinofílicos, disposição dos eosinófilos em camadas no terço superior do epitélio e fibrose da lâmina própria.14 Em contraste, não são encontrados eosinófilos no esôfago normal, ao passo que a inflamação eosinofílica reativa associada a DRGE é tipicamente mais distal e menos densa.15 Muitos pacientes com EE apresentam outras doenças atópicas. Em uma série de 103 crianças com EE, observou-se ocorrência de rinoconjuntivite e sibilos em 57% e 37%, respectivamente, bem como uma possível alergia alimentar em 46%.16 Embora a patogênese da EE e sua relação com a atopia não sejam bem compreendidas, é possível que haja envolvimento de mecanismos mediados tanto por células como pela IgE. Além disso, estudos sobre expressão genética revelaram que a eotaxina-3, um agente quimiotático para eosinófilos, está superexpressa em pacientes com EE, em comparação à expressão observada nos controles.17 O tratamento inclui a evitação dos alérgenos alimentares responsáveis, embora a identificação destes potenciais deflagradores seja difícil, uma vez que os testes de picada na pele identificam apenas as hipersensibilidades alimentares mediadas pela IgE e o valor do teste de contato para alimentos em casos de reações mediadas por células é incerto. A terapia prolongada pode envolver a supressão ácida e o uso tópico de corticosteroides, reservando o uso de corticosteroides sistêmicos para os casos de exacerbação aguda. Alguns pacientes podem ser beneficiados por dietas elementares. Novos tratamentos, como o anti-interleucina-5, atualmente estão sendo investigados.

 

Gastrenterite eosinofílica

A gastrenterite eosinofílica é um distúrbio caracterizado pela infiltração das paredes gástricas ou intestinais por eosinófilos, ausência de vasculite e, com frequência, eosinofilia no sangue periférico.12,18 É comum os pacientes que sofrem desta síndrome apresentarem náusea e vômitos pós-prandiais, dor abdominal, diarreia e, às vezes, esteatorreia. Bebês afetados apresentam retardo no crescimento; adultos, por sua vez, perdem peso. Parece haver um subgrupo de pacientes com gastrenterite eosinofílica alérgica que apresentam sintomas secundários a determinados alimentos. Estes pacientes geralmente desenvolvem a forma mucosa da doença, que se caracteriza pela presença de células com coloração positiva para IgE localizadas junto ao tecido jejunal, além de níveis de IgE elevados nos líquidos duodenais, doença atópica, concentrações séricas de IgE elevadas, resultados positivos de testes de picada na pele diante de uma variedade de alimentos e agentes inalatórios, eosinofilia periférica, anemia ferropriva e hipoalbuminemia.

O diagnóstico de gastrenterite eosinofílica baseia-se na obtenção de uma história adequada e em biópsias GI que demonstrem a infiltração eosinofílica característica. Pode ser necessário examinar biópsias obtidas de múltiplos sítios (até 8), a fim de se excluir efetivamente a possibilidade de gastrenterite eosinofílica, pois os infiltrados eosinofílicos podem ser bastante irregulares. Os pacientes com a forma mucosa da doença podem apresentar sintomas atópicos, incluindo alergia alimentar, concentrações séricas de IgE elevadas e eosinofilia periférica. Estes indivíduos também podem apresentar testes cutâneos positivos ou resultados positivos para IgE em testes realizados in vitro. Outros resultados laboratoriais consistentes com esta doença são a anemia e a hipoalbuminemia. Pode haver a necessidade de se estabelecer uma dieta para eliminação dos alérgenos alimentares suspeitos, a qual deve ser seguida durante 12 semanas, antes da resolução completa dos sintomas e da normalização da histologia intestinal.

 

Hipersensibilidade não IgE-mediada

Enterocolite dietética proteica

A enterocolite induzida pelas proteínas contidas na dieta (também denominada intolerância proteica e enterocolite induzida por proteínas alimentares) é mais comum em bebês com 1 semana a 3 meses de idade [Tabela 4]. Os sintomas típicos envolvem isoladamente o trato GI e são consistentes com vômitos recorrentes, diarreia ou ambos. Os sintomas podem ser severos o bastante para provocar retardo no crescimento, desidratação e hipotensão. As proteínas do leite de vaca e da soja (em particular nas formulações para bebês) muitas vezes são responsáveis pelo desenvolvimento desta síndrome, embora a sensibilidade ao ovo tenha sido descrita em pacientes idosos. As fezes das crianças afetadas costumam conter sangue oculto, neutrófilos polimorfonucleares (PMN) e eosinófilos, além de comumente resultarem positivas para substâncias redutoras (indicando a presença de açúcares mal absorvidos). Os testes de picada na pele para proteínas alimentares putativas caracteristicamente resultam negativos. As biópsias de jejuno classicamente revelam a existência de vilosidades achatadas, edema e números aumentados de linfócitos, eosinófilos e mastócitos. Um desafio alimentar com a proteína responsável em geral provoca vômito, diarreia ou ambos, em questão de minutos ou horas. Ocasionalmente, os pacientes entram em choque.19 Na maioria dos casos, a eliminação do alérgeno agressor resulta na melhora ou resolução dos sintomas dentro de um período de 72 horas, embora a deficiência secundária de dissacaridase possa persistir por mais tempo. A maioria das crianças com enterocolite dietética proteica adquire tolerância ao alimento causador da condição, por volta dos 3 anos de idade.

 

Tabela 4. Distúrbios de hipersensibilidade alimentar mista e não IgE-mediada

Distúrbio

Idade no início da doença

Manifestações

Aspectos patológicos

História natural

EE

Crianças

Distúrbios da alimentação, êmese, dor abdominal

Inflamação eosinofílica do esôfago; superexpressão de eotaxina-3

Desconhecida; aparentemente crônica

Adultos

DRGE refratária, disfagia por impacção alimentar, dor abdominal

Enterocolite dietética proteica

1 dia a 1 ano

Diarreia, êmese, distensão abdominal, retardo no crescimento, hipotensão/choque

Mais comum em bebês alimentados com formulações especiais

Lesão com vilosidades achatadas e colite, geralmente secundárias à hipersensibilidade ao leite de vaca ou à soja

50% dos casos são resolvidos em 18 meses; a maioria dos casos é resolvida em até 3 anos com a evitação do alérgeno

Proctite dietética proteica

Bebês

O sangue nas fezes é o único sintoma

Mais comum em bebês alimentados com leite materno

Intestino grosso distal apresentando edema de mucosa e eosinófilos, geralmente secundários à hipersensibilidade ao leite de vaca ou à soja

É resolvida em 6 meses a 2 anos, com evitação do alérgeno (quando necessário)

Doença celíaca

Qualquer idade

Diarreia, esteatorreia, dor abdominal, fadiga, anemia, dor óssea, úlceras aftosas, alopecia, retardo no crescimento, dermatite herpetiforme

Hipersensibilidade ao glúten, com consequente desenvolvimento de uma extensiva enteropatia

A sensibilidade permanece por toda a vida

DRGE = doença do refluxo gastresofágico. EE = esofagite eosinofílica.

 

Proctite dietética proteica

Pacientes com proctite dietética proteica em geral apresentam a condição durante os primeiros meses de vida. Este distúrbio costuma ser secundário à hipersensibilidade ao leite de vaca ou à soja,20 contudo mais de 50% dos bebês com proctite dietética proteica são exclusivamente alimentados com leite materno no momento em que os sintomas são observados. A maioria dos bebês com este distúrbio não aparenta estar doente e produz fezes formadas normalmente. Estes bebês são levados até o médico geralmente devido à presença de sangue (evidente ou oculto) em suas fezes. As lesões GI estão confinadas ao intestino grosso distal. Macroscopicamente, as lesões variam de uma mucosa irregular a uma friabilidade severa com pequenas ulcerações aftosas e sangramento. Ao nível microscópico, caracterizam-se por uma edema mucoso com eosinófilos presentes no epitélio e na lâmina própria. Se as lesões forem severas, com destruição de cripta, os PMN também serão proeminentes.21 A eliminação do alérgeno alimentar agressor leva à resolução da hematoquezia dentro de 72 horas, no entanto pode demorar até 1 mês para as lesões mucosas desaparecerem. Na maioria dos casos, a proctite dietética proteica se resolve completamente em 6 meses a 2 anos de evitação do alérgeno.

 

Doença celíaca

A doença celíaca consiste em uma extensiva enteropatia que conduz à má absorção. A atrofia total das vilosidades e uma extensa infiltração celular estão associadas à sensibilidade à gliadina, que é a porção solúvel em álcool do glúten encontrado no trigo, no centeio e na cevada. Considera-se que a incidência geral da doença celíaca seja de 1 em 4.000, porém existe uma ampla variação regional. Existe uma predisposição genética a esta doença, fortemente associada aos alelos DQA1*0501 e DQB1*0201 do HLA de classe II.22 Os pacientes com frequência apresentam diarreia, esteatorreia, distensão abdominal, flatulência, perda de peso ou fadiga. Outros sintomas incluem anemia, dor óssea, úlceras aftosas, alopecia ou convulsões. Alguns pacientes, ainda, apresentam dermatite herpetiforme e erupção vesicular intensamente prurídica envolvendo principalmente a superfície extensora dos cotovelos, joelhos, costas e nádegas. O exame de biópsia e a imunofluorescência destas lesões cutâneas revelam a existência de uma fenda subepitelial na zona da membrana basal, com microabscessos neutrofílicos nas pontas das papilas dérmicas e deposição de IgA e C3 em padrão granular ao longo da zona da membrana basal. Os exames laboratoriais destinados a pacientes com suspeita de doença celíaca incluem a determinação dos níveis de IgA antitransglutaminase tecidual ou de anticorpos IgA endomisiais em pacientes sem deficiência de IgA, seguida do exame de uma biópsia de intestino delgado, caso estes testes sorológicos resultem positivos ou diante de um índice de suspeita da doença relativamente alto. O tratamento primário da doença celíaca consiste na remoção total e indefinida do glúten da dieta do paciente, que resulta na resolução da enteropatia.

 

Diagnóstico da hipersensibilidade alimentar

A abordagem diagnóstica do paciente com suspeita de reação alimentar adversa começa pela obtenção da história e realização do exame físico [Tabela 5]. Dependendo da informação derivada destas etapas iniciais, vários exames laboratoriais podem ser úteis.23-25 Nos casos em que há suspeita de reações alimentares adversas, o valor da história depende consideravelmente da recapitulação dos sintomas por parte do paciente e da habilidade do examinador para diferenciar os distúrbios provocados pela hipersensibilidade alimentar daqueles associados a outras etiologias. A história pode ser diretamente útil para estabelecer o diagnóstico de alergia alimentar envolvendo eventos agudos (p. ex., anafilaxia após comer peixe), mas nem sempre é confiável: em muitos estudos seriados, menos de 50% dos relatos de reações alérgicas a alimentos puderam ser substanciados por um desafio alimentar placebo-controlado e duplo-cego (DAPCDC).26,27 Em distúrbios crônicos, como na dermatite atópica, a história é sempre um indicador pouco confiável do alérgeno agressor.

 

Tabela 5. Métodos empregados na avaliação de reações alérgicas a alimentos

História médica

      Tipo de alimento suspeito de ter provocado a reação

      Quantidade de alimento ingerida

      Sintomas específicos

      Duração do intervalo de tempo transcorrido entre o consumo e a manifestação dos sintomas

      Se sintomas semelhantes já ocorreram em outras situações

Dieta diária (quando necessária)

Dieta de eliminação

Teste da picada na pele

Teste de IgE in vitro

Desafio aberto ou simples-cego

Desafio alimentar placebo-controlado e duplo-cego (ideal)

 

Vários itens de informação são importantes para estabelecer a ocorrência de uma reação alérgica a um dado alimento: (1) o tipo de alimento suspeito de ter provocado a reação (isto é, alimentos típicos para a idade do paciente); (2) a quantidade de alimento ingerida; (3) o tempo transcorrido entre a ingesta e o aparecimento dos sintomas; (4) os sintomas específicos provocados (p. ex., pele, trato respiratório ou trato GI); (5) se sintomas semelhantes já haviam se desenvolvido em outras ocasiões, quando o mesmo alimento foi ingerido; (6) se outros fatores (p. ex., exercício) tiveram envolvimento no episódio; e (7) o tempo transcorrido desde a última reação. Embora qualquer alimento possa causar uma reação alérgica, só alguns são responsáveis pela vasta maioria destas reações. Entre estes alimentos, estão: ovo, leite de vaca, amendoim, soja e trigo, em crianças; e peixe, mariscos, nozes e amendoim, em adultos. O clínico deve ter em mente que as reações alimentares mediadas pela IgE são agudas no início e ocorrem a cada exposição ao alérgeno agressor.

Os pacientes às vezes são solicitados a manter um registro cronológico de todos os alimentos ingeridos ao longo de um período específico, sendo instruídos a registrarem todos os sintomas que apresentarem durante este período. O diário, então, pode ser revisto em uma visita subsequente, para determinar se há uma relação entre os alimentos ingeridos e os sintomas apresentados. Contudo, na maioria dos casos, estes diários de dieta são inúteis como adjuvantes da história médica e muitas vezes fazem que o paciente se fixe desnecessariamente nos possíveis deflagradores dos sintomas que apresenta.

As dietas de eliminação são utilizadas com frequência tanto no diagnóstico como no tratamento das reações alimentares adversas. Quando se suspeita que determinado(s) alimento(s) esteja provocando uma reação adversa, este(s) alimento(s) é completamente eliminado da dieta do paciente. O sucesso de uma dieta de eliminação depende de vários fatores, incluindo a correta identificação do(s) alérgeno(s) envolvido(s), a habilidade do paciente de manter uma dieta completamente isenta de todas as formas de alérgenos agressores possíveis e a suposição de que outros fatores não venham a provocar a manifestação de sintomas semelhantes durante o período do estudo. A probabilidade de todas estas condições serem atendidas costuma ser pequena. Exemplificando, em um bebê que esteja apresentando reação a uma fórmula de leite de vaca, a resolução dos sintomas após a substituição da fórmula por outra de soja ou de hidrolisado de caseína (p. ex., Alimentum, Nutramigen) é altamente sugestiva de alergia ao leite de vaca, mas também poderia refletir uma intolerância à lactose. Recomenda-se que o paciente evite os alérgenos alimentares suspeitos antes de se submeter a um desafio cego, de modo que as reações possam ser intensificadas. As dietas de eliminação raramente são diagnósticas de alergia alimentar, em especial nos casos de distúrbios crônicos, como a dermatite atópica ou a asma.

 

Testes laboratoriais

Testes cutâneos para alergia

Os testes de picada na pele são altamente reprodutíveis28 e com frequência são empregados na avaliação de pacientes com suspeita de alergias alimentares mediadas pela IgE. Extratos de alimentos glicerinados (diluição de 1:10 ou 1:20) e controles positivos (histamina) e negativos (salina) adequados são aplicados utilizando-se a técnica da picada ou da punção. Um teste que induza um vergão (com exceção do eritema) medindo pelo menos 3 mm a mais do que o observado no controle negativo é considerado positivo. Qualquer resultado inferior a isto é considerado negativo. É preciso usar extratos de alimentos adequados e de boa qualidade para garantir que os resultados obtidos serão confiáveis.

Um teste cutâneo negativo confirma a ausência de uma reação mediada por IgE (a acurácia preditiva negativa geral é maior do que 95%). Entretanto, o teste cutâneo realizado com reagentes comerciais muitas vezes falha em detectar a sensibilidade IgE-mediada a certas frutas e vegetais (p. ex., maçãs, laranjas, bananas, peras, melões, batatas, cenouras e aipo), provavelmente devido à natureza lábil dos alérgenos responsáveis presentes nestes alimentos. Nestes casos, talvez seja necessário usar o conhecido método da picada-picada (prick-prick), em que o dispositivo utilizado para introduzir o alérgeno na pele pica primeiro o alimento em questão. Além disso, os resultados falso-negativos são particularmente comuns entre pacientes bastante jovens, possivelmente devido à menor reatividade cutânea.

Um teste cutâneo positivo para um dado alimento não é definitivo. Este resultado meramente indica a possibilidade de o paciente apresentar reatividade sintomática àquele alimento especificamente (em geral, a acurácia preditiva positiva é menor do que 50%). Entretanto, um teste cutâneo positivo para um alimento que provoque anafilaxia ao ser ingerido pode, por si só, ser considerado diagnóstico. De uma forma geral, o teste cutâneo para alergia alimentar deve se limitar aos alimentos em relação aos quais o paciente ou o clínico apresentam certo grau de suspeita de causarem uma reação de hipersensibilidade. Costuma-se evitar o uso de testes cutâneos de rastreamento para um grande número de alimentos na ausência de uma história sugestiva, devido ao valor preditivo positivo relativamente baixo de um resultado de teste cutâneo positivo. Foram desenvolvidos testes de atopia com adesivos para diagnóstico da alergia alimentar, contudo ainda não há evidências suficientes que sustentem sua adoção na prática clínica.

Um teste cutâneo intradérmico é mais sensível do que um teste de picada na pele, porém é bem menos específico do que um DAPCDC.29 Em um estudo, nenhum dos pacientes que apresentaram resultado negativo ao teste da picada na pele e um resultado positivo no teste cutâneo intradérmico a um alimento específico apresentou DAPCDC positivo para o alimento em questão.29 Ademais, é mais provável que uma reação sistêmica seja induzida pelo teste cutâneo intradérmico do que pelo teste da picada na pele. Por estes motivos, os testes cutâneos intradérmicos não têm utilidade para o diagnóstico da alergia alimentar.

 

Ensaios in vitro

Em geral, as determinações realizadas in vitro dos níveis séricos de IgE alimento-específica, em laboratórios de alta qualidade, fornecem informações similares àquelas fornecidas pelos testes de picada na pele, embora sejam mais caras do que os testes cutâneos e seus resultados não sejam prontamente disponibilizados. A última geração de testes in vitro para IgE específica inclui o imunoensaio com fluoroenzima-polímero transportador encapsulado hidrólico (CAP-FEIA – em inglês, capsulated hydrolic carrier polymer–fluoroenzyme immunoassay). Para pacientes com suspeita de alergia alimentar, existem atualmente níveis aceitos de concentrações de IgE alimento-específica detectados por CAP-FEIA que estão associados a uma probabilidade superior a 95% de reação alérgica diante da ingesta do alimento em questão.25 Estes níveis de CAP-FEIA são mais úteis em casos de pacientes que apresentam reações alérgicas ao leite, ovo, amendoim e, possivelmente, trigo, soja e peixe [Tabela 6]. A quantificação de outros isótipos de imunoglobulinas alimento-específicas não possui papel clínico.

 

Tabela 6. Níveis diagnósticos de IgE alimento-específica em testes de CAP-FEIA

Alérgeno

Ponto de decisão (kU/L)

VPP (%)

Ovo

7

98

2 (pacientes < 2 anos)

95

Leite

15

95

5 (pacientes < 2 anos)

95

Amendoim

14

100

Nozes

˜ 15

˜ 95

CAP-FEIA = imunoensaio com fluoroenzima-polímero transportador encapsulado hidrólico (capsulated hydrolic carrier polymer-fluoroenzyme immunoassay). VPP = valor preditivo positivo.

 

Reatividade cruzada clínica

Certos alimentos conseguem sensibilizar e deflagrar reações após a exposição oral, além de poderem desencadear respostas que generalizam alimentos correlatos (p. ex., a sensibilidade ao amendoim pode ser generalizada para as leguminosas). Outros alimentos (p. ex., maçã) que contêm proteínas lábeis não são sensibilizadores orais tão potentes. Neste último grupo de alimentos, todavia, a sensibilização a proteínas homólogas encontradas via exposição respiratória (p. ex., pólen de bétula) pode mediar reações contra as proteínas que apresentam reatividade cruzada presentes no alimento, produzindo manifestações clínicas leves. Para muitas das proteínas com reatividade cruzada, a labilidade das proteínas presentes nos extratos comerciais representa uma preocupação. Os testes de picada na pele empregando o método da picada-picada com frutas e vegetais podem aumentar a sensibilidade na avaliação destes alérgenos lábeis. Em geral, a reatividade cruzada dos principais alimentos é inferior a 10% para o amendoim e outras leguminosas, aproximadamente 25% para o trigo e outros grãos, cerca de 35% para o amendoim e nozes, e acima de 50% para nozes e outras castanhas.

 

Desafios alimentares placebo-controlados duplo-cegos e desafios abertos simples-cego

Os desafios alimentares simples-cego e, em particular, abertos costumam ser os métodos mais práticos de diagnóstico de alergia alimentar. Mesmo assim, o DAPCDC é considerado o padrão-ouro para diagnóstico da alergia alimentar. A seleção dos alimentos a serem testados no desafio oral baseia-se na história e no resultado dos testes cutâneo ou in vitro (teste radioalergossorbente [RAST]). Um DAPCDC é a melhor forma de controlar a variabilidade dos distúrbios crônicos (p. ex., urticária crônica e dermatite atópica), quaisquer efeitos temporais em potencial e as exacerbações agudas secundárias à redução ou interrupção de medicações. Em particular, os fatores psicogênicos e as tendências do observador são eliminados. Em raros casos, o DAPCDC resulta negativo quando o material de desafio recebido pelo paciente é fornecido em quantidade insuficiente para provocar a reação ou quando a liofilização do antígeno alimentar altera os epítopos alergênicos relevantes (como pode ocorrer com o antígeno de peixe). Apesar disso, o DAPCDC é comprovadamente o meio mais acurado de diagnóstico das alergias alimentares.

 

Abordagem prática ao diagnóstico da alergia alimentar

O diagnóstico da alergia alimentar mediada pela IgE continua sendo um exercício clínico que envolve a obtenção de uma história detalhada, a realização de testes seletivos de picada na pele ou a consideração de resultados de testes in vitro para IgE, dieta de exclusão apropriada e, em alguns casos, desafio monitorado [Tabela 5]. Quando há suspeita de reações não IgE-mediadas ou de hipersensibilidade mista, uma avaliação laboratorial e um exame de biópsia tecidual também podem ser indicados.

Uma dieta de exclusão que elimine todos os alimentos suspeitos com base na história ou no teste de picada na pele (ou, nos distúrbios IgE-mediados, os resultados de testes in vitro para IgE) deve ser conduzida durante um período mínimo de 1 a 2 semanas. Alguns pacientes com distúrbios GI podem precisar ter a dieta de exclusão estendida por até 12 semanas, após o exame de biópsias apropriadas. Se nenhuma melhora for observada após a instituição da dieta, é improvável que o paciente apresente alergia alimentar. Em pacientes com doença crônica, como a dermatite atópica e a asma crônica, pode ser difícil discriminar os efeitos do alérgeno alimentar daqueles associados à doença (p. ex., manifestações cutâneas ou respiratórias).

Os testes abertos ou simples-cego, no cenário clínico, podem ser úteis para se testar a alergia a alimentos específicos. Estes desafios são menos embaraçosos e menos demorados do que os DPACDC. Em muitos casos, é importante que o clínico estabeleça um diagnóstico inequívoco de alergia alimentar, em vez de um diagnóstico provável baseado na história do paciente, testes cutâneos ou resultados de RAST isolados. No entanto, existem exceções, como é o caso dos pacientes que desenvolvem anafilaxia após a ingesta isolada de um alimento específico ou daqueles cujos níveis de IgE alimento-específica ultrapassam o ponto de decisão do valor preditivo positivo de 95% [Tabela 6]. Devido à confiança nos diagnósticos prováveis, mais de 25% da população dos Estados Unidos mudou seus hábitos alimentares baseando-se em conceitos equivocados sobre a alergia alimentar. Em consequência, um diagnóstico acurado de alergia alimentar pode prevenir restrições dietéticas desnecessárias.

 

Tratamento

Atualmente, a única terapia comprovada para a alergia alimentar é a eliminação rigorosa do alimento agressor da dieta do paciente. As dietas de eliminação devem ser supervisionadas, pois podem conduzir à desnutrição ou ao desenvolvimento de transtornos alimentares, especialmente quando envolvem a eliminação de um grande número de alimentos ou são praticadas por períodos prolongados. Estudos demonstraram que a sensibilidade alimentar sintomática geralmente é perdida com o passar do tempo, com exceção da sensibilidade a amendoim, nozes e frutos do mar. A sensibilidade alimentar sintomática costuma ser bastante específica. Os pacientes raramente apresentam reação a mais de um membro de uma família botânica ou espécie animal. Sendo assim, os clínicos devem ter certeza de que os pacientes não estão limitando desnecessariamente suas dietas apenas por temerem as reações alérgicas. Os pacientes que apresentam maior risco de desenvolver anafilaxia severa são aqueles que apresentam as seguintes características: (1) história de um evento anafilático anterior; (2) história de asma, especialmente quando mal controlada; (3) alergia a amendoim, nozes, peixe ou mariscos; e (4) tratamento vigente com betabloqueadores ou inibidores da enzima conversora de angiotensina. É importante desenvolver um plano de ação por escrito para os pacientes com alergia alimentar. Este plano deve incluir: os alimentos a serem eliminados; os sintomas que requerem atenção; uma lista de quando e como usar as medicações, incluindo anti-histamínicos e adrenalina; e quando e como entrar em contato com a equipe médica.

 

Terapia farmacológica

Vários medicamentos têm sido utilizados na tentativa de proteger os pacientes que apresentam hipersensibilidade alimentar, incluindo cromolina sódica oral, anti-histamínicos H1 e H2, cetotifeno, corticosteroides e inibidores de prostaglandina sintetase. Alguns desses medicamentos podem modificar os sintomas de alergia alimentar, mas, de modo geral, apresentam eficácia mínima ou produzem efeitos colaterais inaceitáveis.

 

Adrenalina

A importância da pronta administração de adrenalina diante do desenvolvimento dos sintomas de reação sistêmica a alimentos tem que ser enfatizada [ver Urticária, angioedema e anafilaxia]. Pacientes com história de anafilaxia devem sempre carregar consigo adrenalina autoinjetável (Epi-Pen [0,3 mg], Epi-Pen, Jr. [0,15 mg] ou Twinject [0,3 mg]). No caso dos adultos que apresentam uma ração anafilática, pode ser administrado 0,3 mg de adrenalina (solução 1:1.000) por via intramuscular. Quando necessário, a dose pode ser repetida após 15 minutos.

 

Imunoterapia

Em estudos placebo-controlados cegos, a imunoterapia rápida para tratamento da hipersensibilidade ao amendoim apresentou eficácia em um número pequeno de pacientes.30 As taxas de reações adversas são significativas, e, no momento, a imunoterapia para alimentos continua sendo investigada. Um estudo conduzido em 2003 sobre o efeito da anti-IgE no tratamento de pacientes alérgicos ao amendoim demonstrou que esta medicação eventualmente pode ser útil no tratamento preventivo da anafilaxia induzida por alimentos.31

 

Educação do paciente

A educação e o fornecimento de suporte constituem aspectos essenciais do tratamento de pacientes com alergia alimentar. Em particular, adultos e crianças maiores suscetíveis à anafilaxia, bem como os pais de pacientes pediátricos, devem ser informados de maneira direta (porém simpática) de que essas reações são potencialmente fatais. Ao comerem fora de casa, os indivíduos com sensibilidade alimentar devem se sentir confortáveis em solicitar informações sobre o conteúdo dos pratos servidos. Em casa, a família deve eliminar o alérgeno agressor. Existem diversos grupos que podem ajudar os pacientes fornecendo suporte, defesa e orientação sobre a alergia alimentar [Tabela 7]. A organização sem fins lucrativos norte-americana The Food Allergy and Anaphylaxis Network é um recurso excelente para os pacientes, seus familiares e outros profissionais de assistência à saúde.

 

Tabela 7. Recursos disponíveis para pacientes com alergia alimentar

The Food Allergy and Anaphylaxis Network

10400 Easton Place, Suite 107 Fairfax, VA 22030-5647 800-929-4040

www.foodallergy.org

National Allergy and Asthma Network/Mothers of Asthmatics

2751 Prosperity Avenue, Suite 150 Fairfax, VA 22031

800-878-4403/703-385-4403

www.aanma.org

Asthma and Allergy Foundation of America

1125 15th Street, NW, Suite 502 Washington, DC 20005

800-727-8462

www.aafa.org

 

Prognóstico

Crianças com menos de 3 anos de idade que apresentam alergia IgE-mediada a alimentos como leite, ovos, trigo e soja frequentemente superam a sensibilidade clínica após vários anos.10,32 Crianças que desenvolvem alergia alimentar após os 3 anos de idade são menos propensas a perder a sensibilidade. Pacientes que apresentam reações bastante leves (ou seja, apenas sintomas cutâneos) ao amendoim durante os primeiros 12 a 24 meses de vida podem vir a superar seus sintomas.33,34 No caso de pacientes adultos, parece que 1/3 destes indivíduos se torna tolerante ao alimento agressor após 1 a 2 anos de evitação do alérgeno.35 Entretanto, a alergia a certos alimentos, como nozes, peixe e frutos do mar geralmente não é superada, independentemente da idade em que se desenvolve.

As hipersensibilidades alimentares não IgE-mediadas, como a enterocolite dietética proteica e a enterocolite induzida por proteína alimentar, tipicamente se resolvem em 2 a 3 anos de evitação do alérgeno. Em contraste, pacientes com doença celíaca apresentam sensibilidade vitalícia ao glúten. O prognóstico geral dos distúrbios eosinofílicos do sistema GI, como a EE e a gastrenterite eosinofílica, permanece desconhecido. Contudo, estes distúrbios parecem ser condições crônicas que apresentam exacerbações episódicas. Os dados referentes aos efeitos protetores da amamentação na alergia alimentar são limitados e, muitas vezes, conflitantes. Tendo como base os dados atualmente disponíveis, parece que a alimentação exclusivamente por amamentação durante os primeiros 4 a 6 meses de vida pode diminuir o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e alergia ao leite de vaca em pacientes atópicos.36 Entretanto, as evidências existentes são insuficientes para se recomendar a evitação de alérgenos alimentares comuns durante a gestação e a amamentação.37

 

Conclusões

Uma variedade de reações adversas podem ocorrer após o consumo de alimentos, sendo que a maioria destas reações não é imunogênica. Quando a tolerância não se desenvolve como deveria, podem surgir reações de hipersensibilidade aos alimentos ingeridos, levando ao desenvolvimento de reações IgE-mediadas, não IgE-mediadas ou mistas. A alergia alimentar afeta cerca de 3 a 4% dos adultos. O tratamento primário da alergia alimentar consiste na evitação completa dos alérgenos alimentares responsáveis. Entretanto, novas terapias, incluindo a imunoterapia oral ou sublingual e a anti-IgE, estão sendo investigadas.

 

Gregory M. Metz não possui relações comerciais com os fabricantes de produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

A. Wesley Burks atua como consultor junto às empresas ActoGeniX NV, Intelliject, McNeil Nutritionals e Novartis. É também acionista minoritário da Allertein and MastCell, Inc. e participa do conselho da Dannon Co. Probiotics, além integrar o quadro de especialistas da Nutricia.

 

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