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Passagem de caso da UTI para a enfermaria

Passagem de Casos da UTI para a Enfermaria

 

Da UTI para a enfermaria: checagem cruzada da passagem de caso do médico, feita por enfermeiros de terapia intensiva.

Perren A; Conte P; De Bitonti N; Limoni C; Merlani P. From the ICU to the ward: cross-checking of the physician's transfer report by intensive care nurses. Intensive Care Med 2008 Nov;34(11):2054-61. [Link para o Abstract]


Fator de Impacto (Intensive Care Medicine): 4,623


Contexto Clínico

            Os eventos que levam o paciente a ter piora do seu quadro clínico durante uma internação estão associados a três tipos de causas: erros no planejamento da assistência, erros de comunicação, e erros na identificação dos sinais clínicos de má evolução. Dentro desse contexto, a passagem de casos entre diferentes locais do hospital, se feita de forma inadequada, pode interferir na continuidade do tratamento correto do paciente, impactando em maior morbidade e até mesmo maior mortalidade.

            Os pacientes de UTI são os mais sujeitos a iatrogenias, tanto por sua complexidade, quanto por sua gravidade. A maior parte dessas iatrogenias está ligada à prescrição médica. Erros de comunicação ou de manutenção do plano assistencial, relacionados à passagem do caso que sai da UTI, podem resultar em iatrogenias quando o paciente chega à enfermaria e muitos estudos já estão demonstrando isso.

É necessário checar se os sistemas de passagem de casos são adequados, e se erros não são cometidos pela falta de estruturação padronizada quando um caso é transferido de um setor a outro dentro dos hospitais.

           

O Estudo

            Estudo prospectivo, observacional onde passagens de casos da UTI para a enfermaria foram randomicamente selecionadas para avaliação por enfermeiros da terapia intensiva. O estudo foi realizado em uma UTI adulta de 8 leitos em um hospital de ensino da Suíça.

            Após visita com o médico assistente da UTI, internos redigiam a passagem de caso para a enfermaria caso tivesse sido prescrita alta da UTI. Um questionário estruturado foi então aplicado por enfermeiros da UTI às fichas de passagem de caso, sendo que os internos desconheciam o andamento desse estudo para evitar o efeito Hawthorne (ver dicas de medicina baseada em evidências).

            Os seguintes dados eram analisados: (1) acurácia dos diagnósticos escritos, (2) acurácia nas medicações prescritas (qual medicação, dose, via, freqüência e duração do uso – se pertinente), (3) omissão de medicações, (4) acurácia e relato de procedimentos terapêuticos ou diagnósticos planejados ou necessários. Os erros eram então classificados segundo critérios já estabelecidos: Erro Crítico – pode causar morte ou colocar a vida do paciente em risco, Erro Grave – potencial de causar evento adverso ao paciente, Erro Simples – não causa dano ao paciente. As passagens de caso com Erros Críticos ou Graves foram consideradas com “potencial de dano ao paciente”, enquanto que aquelas com Erros Simples ou sem erros foram consideradas como de “pouco dano ao paciente”. Após análise, o enfermeiro levava a ficha de alta do paciente para ser corrigida pelo interno.

           

Resultados

            Durante o período de estudo foram eleitas 123 altas de pacientes entre as 277 realizadas pela UTI (casos excluídos por óbito na UTI e pela randomização). Em 62% das transferências havia pelo menos um erro, que estão classificados na tabela 1.

            Os erros de omissão em medicações e procedimentos necessários para o paciente foram mais relacionados com erros críticos ou graves do que a falta de acurácia em seus detalhes quando estes estavam escritos no prontuário. Quanto aos erros de prescrição de medicação, 40% dos erros críticos ou graves foram relacionados à omissão de antibióticos, analgésicos, drogas cardiovasculares e anticoagulantes. A análise multivariada mostrou que um maior número de relatos de possíveis danos ao paciente foram relacionados ao uso de 8 ou mais medicações (OR 4,33, IC95%: 1,76-10,68).

 

Tabela 1: Erros nas altas da UTI

Erros (n=305)

n(%)

Classificação do Erro

 

Crítico (n=14 / 5%)

Grave (n=43 / 14%)

Simples (n=248 / 81%)

Classificação

 

Diagnóstico não atualizado

13 (4)

0

3

10

 

Erros de Prescrição

247 (81)

8

25

214

 

Omissão

34 (11)

6

12

16

 

Sem acurácia

213 (70)

2

13

198

 

Procedimentos planejados

45 (15)

6

15

24

 

Omissão

29 (10)

3

12

14

 

Sem acurácia

16 (5)

3

3

10

 


Aplicação para a Prática Clínica

            Apesar de ser um estudo feito em um único hospital de ensino, e termos como crítica a análise de fichas de alta da UTI feitas por internos e não por médicos assistentes, esse estudo é de grande valia para apontar que tipo de erro o médico tente a cometer em uma passagem de caso.     

A maior parte desses erros está na prescrição médica, e quanto maior número de medicações em uso pelo paciente, maiores as chances de cometermos um erro que possa ser fatal ou que cause grande dano ao paciente. Isso leva a um questionamento quanto aos sistemas de passagem de caso dentro dos hospitais, quando o paciente sai de uma unidade para outra, seja da UTI para enfermaria, ou qualquer outra possibilidade existente.

Algumas saídas para esses erros são a melhoria dos sistemas que envolvem a passagem de caso. Uma idéia é o uso de prescrições médicas eletrônicas. Na ausência destas, como os erros mais freqüentes são relacionados às medicações, a participação de um farmacêutico clínico pode ser de grande valia. Alguém realizando um “check-list” após a alta (um enfermeiro, por exemplo), pode ser de grande valia, como no exemplo desse estudo.

Muito ainda deve ser desenvolvido para evitar danos aos pacientes por conta de falhas no processo de comunicação e continuidade de assistência. Estudos evidenciando o resultado de novas práticas serão de grande valia para o futuro da segurança dos pacientes.

 

Dicas de Epidemiologia e de Medicina Baseada em Evidências

Efeito Hawthorne

Esse efeito foi originalmente descrito na indústria, em 1927, a partir de estudos com funcionários da fábrica Wester Eletric Company, situada em Chicago, no bairro de Hawthorne, quanto ao aumento da produtividade dos mesmos. A teoria descrita após esses estudos mostra uma mudança no comportamento ou no desempenho de funcionários em resposta a mudanças ambientais.

Quanto ao estudo em questão, esse efeito poderia ter ocorrido nos internos que faziam as fichas de alta dos pacientes da UTI, ou seja, ao saber que o estudo estava ocorrendo, poderiam ter a tendência de tomar mais cuidado e elaborar melhor as altas prescritas, o que levaria a resultados “melhorados” em relação àquilo que foi de fato encontrado pelos autores do estudo. Evitar o efeito Hawthorne é uma forma interessante de evitar que resultados sejam influenciados positivamente, falseando a realidade.

 

Bibliografia

1.     Adhiyaman V et al. Diagnoses in discharge communications: how far are they reliable? Int J Clin Pract 2000 Sep;54(7):457-8. [Link Livre para o PubMed]

2.     T Morimoto, T K Gandhi, A C Seger, T C Hsieh and D W Bates. Adverse drug events and medication errors: detection and classification methodsQual. Saf. Health Care 2004;13;306-314. [Link Livre para o Artigo]