FECHAR

MedicinaNET

Home

Rastreamento de câncer de próstata – estudo europeu ERSPC

Rastreamento para câncer de próstata – estudo europeu (ERSPC)

 

Rastreamento e mortalidade por câncer de próstata em um ensaio clínico europeu.

The ERSPC Investigators. Screening and Prostate-Cancer Mortality in a Randomized European Study. N Engl J Med 2009;360:1320-8 [Link para Artigo Completo].

 

Fator de impacto da revista (NEJM):52,589

 

Contexto Clínico

            A controvérsia sobre o rastreamento de câncer de próstata existe há mais de uma década. O real efeito do rastreamento com antígeno prostático específico (PSA) e toque retal sobre a taxa de mortalidade por câncer de próstata é desconhecido, embora existam evidências indiretas e/ou provenientes de estudos observacionais que sugiram algum benefício. Dois grandes estudos1,2 de rastreamento foram desenhados na década de 90 com o objetivo avaliar esta questão, de forma a evitar os vieses que podem estar presentes quando o rastreamento é avaliado em estudos observacionais. Esta semana discutiremos os primeiros resultados de mortalidade destes dois estudos.

 

O Estudo

            O estudo europeu de rastreamento de câncer de próstata foi um ensaio clínico randomizado iniciado no início da década de 90 para avaliar o efeito do rastreamento com PSA sobre a mortalidade por câncer de próstata. Foram identificados 182.000 homens entre 50 e 74 anos através de registros de 7 países europeus para inclusão no estudo. Os participantes foram randomizados para um grupo que recebeu rastreamento com PSA numa média de uma vez a cada 4 anos ou para um grupo controle. Muitos aspectos do desenho do estudo (nível de PSA que indicava a biópsia, por exemplo) variaram de país para país. O desfecho primário foi mortalidade por câncer de próstata. O seguimento para avaliar mortalidade foi idêntico para os dois grupos e terminou em dezembro de 2006.

 

Resultados

            No grupo do rastreamento 82% dos participantes receberam pelo menos um rastreamento. Durante um seguimento mediano de 9 anos, a incidência cumulativa de câncer de próstata foi de 8,2% no grupo de rastreamento e 4,8% no grupo controle. O risco relativo (RR) de morte por câncer de próstata no grupo do rastreamento, em comparação com o grupo controle, foi 0,80 (IC95% 0,65 – 0,98; p=0,04). A diferença absoluta de risco foi de 0,71 mortes por 1000 homens. Isto significa que 1410 homens precisariam ser rastreados e 48 homens com câncer de próstata precisariam ser tratados para prevenir uma morte por câncer de próstata. A análise dos homens que realmente receberam rastreamento (excluindo-se os participantes não aderentes) produziu um RR de morte por câncer de próstata de 0,73 (IC95% 0,56 – 0,90). Os autores concluem que o rastreamento com PSA reduziu a mortalidade por câncer de próstata em 20%, mas associou-se a um alto risco de sobre-diagnósticos.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Estes dois grandes estudos eram aguardados por muitos com grande ansiedade. Eles eram a esperança concreta de que a controvérsia em torno do rastreamento do câncer de próstata com PSA chegaria ao fim. Entretanto, pela análise dos resultados à luz dos desenhos de cada estudo, a controvérsia parece não ter chegado ao fim. O estudo americano (PLCO study) não mostrou diferença de mortalidade com o rastreamento (PSA + toque retal) numa média de seguimento de 11 anos e o estudo europeu (ERSPC study) mostrou uma redução relativa de 20% no mortalidade por câncer de próstata com o rastreamento (PSA apenas) durante um seguimento médio de 9 anos. Mas como notou Michael Barry em editorial3 que acompanha a publicação dos estudos, nenhum dos dois resultados parece definitivo. Não há nem uma clara declaração de futilidade no PLCO, nem um claro benefício no ERSPC. A grande crítica em relação ao PLCO é fato de que a contaminação de rastreamento no grupo controle foi alta (mais de 50%), o que pode ter diluído as reais diferenças de mortalidade. Outras questões dizem respeito ao tempo de seguimento, aparentemente curto para avaliar mortalidade por cânceres descobertos por rastreamento, e os níveis de PSA que levavam à realização de biópsia. Já em relação ao ERSPC, as grandes críticas foram em relação ao fato de que o desenho do estudo foi heterogêneo, variando de país para país; os dados apresentados foram uma análise interina (a terceira análise interina), produzindo uma redução de mortalidade de 20% que é marginalmente significante, e a questão do NNR (número necessário para rastrear) e do NNT (número necessário para tratar) que foram respectivamente 1.400 e 48. Ou seja, para se prevenir uma morte por câncer de próstata 1400 homens devem ser rastreados e, mais preocupante, 48 homens devem ser tratados. Este fato nos remete à questão, que já há muito vem sendo discutida, de que o rastreamento com PSA pode ser marginalmente eficaz em reduzir a mortalidade por câncer de próstata, mas à custa de, talvez, mais malefício do que benefício; à custa de um número excessivo de resultados falso-positivos e mesmo de cânceres de próstata diagnosticados com rastreamento que não necessitariam de tratamento (na verdade não necessitariam nem mesmo serem descobertos em virtude do fardo psicológico e social que um diagnóstico deste tipo pode causar) e que são submetidos a tratamentos com todos os efeitos colaterais possíveis (incontinência e disfunção erétil, por exemplo). Os resultados dos dois estudos apontam nesta direção, de que há mais malefício do que benefício. Os resultados juntos mostram benefício marginal a nenhum benefício ao longo de vários anos de seguimento ao custo de muitos homens com diagnósticos e tratamentos excessivos (“overdiagnosis” e “overtreatment”). Esta discussão está diretamente ligada ao que temos com freqüência comentado nesta seção, a questão da medicalização social. Por isso, este editor acredita que a questão do rastreamento do câncer de próstata (como, na verdade, qualquer outra questão relacionada à saúde) deve ser amplamente discutida com os pacientes, mostrando os prós e os contra de se realizar o rastreamento, e tomando uma decisão compartilhada e informada a respeito. Este editor acredita que o rastreamento do câncer de próstata não deva fazer parte, à luz das novas evidências, de um programa nacional de prevenção, como é o câncer de mama ou o câncer de colo uterino. Deve ser discutido no âmbito dos serviços de saúde e entre os profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento e os pacientes elegíveis para o rastreamento.

 

Bibliografia

1. The PLCO Project Team. Mortality Results from a Randomized Prostate-Cancer Screening Trial. N Engl J Med 2009;360:1310-9.

2. The ERSPC Investigators. Screening and Prostate-Cancer Mortality in a Randomized European Study. N Engl J Med 2009;360:1320-8.

3. Barry MJ. Screening for Prostate Cancer — The Controversy That Refuses to Die. N Engl J Med 2009;360(13):1351-1354.