FECHAR

MedicinaNET

Home

Rastreamento para câncer de próstata – estudo americano PLCO

Rastreamento para câncer de próstata – estudo americano (PLCO)

 

Resultados de mortalidade de um ensaio clínico randomizado de rastreamento de câncer de próstata.

The PLCO Project Team. Mortality Results from a Randomized Prostate-Cancer Screening Trial. N Engl J Med 2009;360:1310-9 [Link para Artigo Completo].

 

Fator de impacto da revista (NEJM):52,589

 

Contexto Clínico

            A controvérsia sobre o rastreamento de câncer de próstata existe há mais de uma década. O real efeito do rastreamento com antígeno prostático específico (PSA) e toque retal sobre a taxa de mortalidade por câncer de próstata é desconhecido, embora existam evidências indiretas e/ou provenientes de estudos observacionais que sugiram algum benefício. Dois grandes estudos1,2 de rastreamento foram desenhados na década de 90 com o objetivo avaliar esta questão, de forma a evitar os vieses que podem estar presentes quando o rastreamento é avaliado em estudos observacionais. Esta semana discutiremos os primeiros resultados de mortalidade destes dois estudos.

 

O Estudo

            Foi um ensaio clínico randomizado de rastreamento, realizado em 10 centros médicos norte-americanos. Foi um grande estudo desenhado para avaliar o efeito do rastreamento de câncer de próstata, pulmão, cólon e ovário. O presente artigo relata os resultados da mortalidade por câncer de próstata. De 1993 a 2001 foram randomizados 76.693 homens (idade entre 55 e 74 anos) para receber rastreamento anual (n=38.343) ou cuidados habituais como controles (n=38.350). A randomização foi estratificada por centro médico e por idade. Os homens no grupo de rastreamento receberam PSA por 6 anos e toque retal por 4 anos. Os participantes e os médicos dos pacientes recebiam os resultados e decidiam sobre qual seria a investigação adicional a ser realizada. É importante lembrar que os “cuidados habituais” muitas vezes incluíam o rastreamento, uma vez que muitas organizações o recomendam, mesmo sem o grau de evidências exigido para se recomendar um rastreamento desta natureza. Foram avaliados todos os cânceres, as mortes e as causas de morte.

 

Resultados

            No grupo do rastreamento as taxas de aderência foram de 85% e 86% para o PSA e toque retal, respectivamente. As taxas de rastreamento no grupo controle aumentaram de 40% no primeiro ano para 52% no sexto ano do estudo para o PSA e variaram de 41% a 46% para o toque retal. Após 7 anos de seguimento a incidência de câncer de próstata foi de 116 casos por 10.000 pessoas-ano (2820 cânceres) no grupo de rastreamento e 95 casos por 10.000 pessoas-ano (2322 cânceres) no grupo controle (RR: 1,22 IC95% 1,16 – 1,29). A incidência de morte por 10.000 pessoas-ano foi 2,0 (50 mortes) no grupo de rastreamento e 1,7 (44 mortes) no grupo controle (RR: 1,13 IC95% 0,75 – 1,70). Os dados de seguimento de 10 anos estão 67% completos e são consistentes com os achados descritos. Os autores concluem que após 7 a 10 anos de seguimento a taxa de morte por câncer de próstata foi muito baixa e não diferiu significativamente entre os dois grupos de estudo.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Estes dois grandes estudos eram aguardados por muitos com grande ansiedade. Eles eram a esperança concreta de que a controvérsia em torno do rastreamento do câncer de próstata com PSA chegaria ao fim. Entretanto, pela análise dos resultados à luz dos desenhos de cada estudo, a controvérsia parece não ter chegado ao fim. O estudo americano (PLCO study) não mostrou diferença de mortalidade com o rastreamento (PSA + toque retal) numa média de seguimento de 11 anos e o estudo europeu (ERSPC study) mostrou uma redução relativa de 20% no mortalidade por câncer de próstata com o rastreamento (PSA apenas) durante um seguimento médio de 9 anos. Mas como notou Michael Barry em editorial3 que acompanha a publicação dos estudos, nenhum dos dois resultados parece definitivo. Não há nem uma clara declaração de futilidade no PLCO, nem um claro benefício no ERSPC. A grande crítica em relação ao PLCO é fato de que a contaminação de rastreamento no grupo controle foi alta (mais de 50%), o que pode ter diluído as reais diferenças de mortalidade. Outras questões dizem respeito ao tempo de seguimento, aparentemente curto para avaliar mortalidade por cânceres descobertos por rastreamento, e os níveis de PSA que levavam à realização de biópsia. Já em relação ao ERSPC, as grandes críticas foram em relação ao fato de que o desenho do estudo foi heterogêneo, variando de país para país; os dados apresentados foram uma análise interina (a terceira análise interina), produzindo uma redução de mortalidade de 20% que é marginalmente significante, e a questão do NNR (número necessário para rastrear) e do NNT (número necessário para tratar) que foram respectivamente 1.400 e 48. Ou seja, para se prevenir uma morte por câncer de próstata 1400 homens devem ser rastreados e, mais preocupante, 48 homens devem ser tratados. Este fato nos remete à questão, que já há muito vem sendo discutida, de que o rastreamento com PSA pode ser marginalmente eficaz em reduzir a mortalidade por câncer de próstata, mas à custa de, talvez, mais malefício do que benefício; à custa de um número excessivo de resultados falso-positivos e mesmo de cânceres de próstata diagnosticados com rastreamento que não necessitariam de tratamento (na verdade não necessitariam nem mesmo serem descobertos em virtude do fardo psicológico e social que um diagnóstico deste tipo pode causar) e que são submetidos a tratamentos com todos os efeitos colaterais possíveis (incontinência e disfunção erétil, por exemplo). Os resultados dos dois estudos apontam nesta direção, de que há mais malefício do que benefício. Os resultados juntos mostram benefício marginal a nenhum benefício ao longo de vários anos de seguimento ao custo de muitos homens com diagnósticos e tratamentos excessivos (“overdiagnosis” e “overtreatment”). Esta discussão está diretamente ligada ao que temos com freqüência comentado nesta seção, a questão da medicalização social. Por isso, este editor acredita que a questão do rastreamento do câncer de próstata (como, na verdade, qualquer outra questão relacionada à saúde) deve ser amplamente discutida com os pacientes, mostrando os prós e os contra de se realizar o rastreamento, e tomando uma decisão compartilhada e informada a respeito. Este editor acredita que o rastreamento do câncer de próstata não deva fazer parte, à luz das novas evidências, de um programa nacional de prevenção, como é o câncer de mama ou o câncer de colo uterino. Deve ser discutido no âmbito dos serviços de saúde e entre os profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento e os pacientes elegíveis para o rastreamento.

 

Bibliografia

1. The PLCO Project Team. Mortality Results from a Randomized Prostate-Cancer Screening Trial. N Engl J Med 2009;360:1310-9.

2. The ERSPC Investigators. Screening and Prostate-Cancer Mortality in a Randomized European Study. N Engl J Med 2009;360:1320-8.

3. Barry MJ. Screening for Prostate Cancer — The Controversy That Refuses to Die. N Engl J Med 2009;360(13):1351-1354.